quarta-feira, 31 de julho de 2019

Direto da Terra do Sol Nascente #59: como você deve aproveitar tuas férias de verão

[O chefe ,da empresa japonesa anuncia no começo do mês]
[-Esse ano vamos implementar uma medida moderna. Cada um terá direito a 3 dias de férias extras no verão.]
[Hoje, fui falar com a secretária pra aproveitar os tais 3 dias]

-Oi! Gostaria de marcar minhas férias de verâo.  Gostaria de começar amanhã, aí um outro dia na semana seguinte, e a última no mês que vem.

-Ah.... é que não pode. 

- Como assim, não pode?

- Você tem que tirar tudo na mesma semana.

- hummm vou tirar na segunda, na quinta e na sexta da semana que...

-Ahh, Doutor Momo... não pode... têm que ser 3 dias seguidos.

-... hummm.... ok.. então vou tirar nos dias 14, 15 e 16. 

-Ahh... aí também não pode...

- Wtf... 

-É que não há nenhum número primo dentre os dias que você escolheu. Você naõ poderia escolher outros, "onegaishimasu"

[pedido polido]

- Puta que pariu!! As férias são minhas!!! Eu que decido quando quero tirá-las!!! 


[Relato não muito distante de uma conversa que tive hoje cedo]

domingo, 28 de julho de 2019

Direto da Terra do Sol Nascente #58: do orgulho, abismos com o mundo, e da arrogância

Antonio Porchia, em Voces

Semmelweis foi um médico Húngaro que trabalhava num hospital em Viena, Áustria, onde, à época, a mortalidade de mães era absurdamente alta: por volta de uma a cada dez morria. Notando que muitos médicos tinham uma prática higiênica deplorável (por exemplo, ir fazer autópsias e, com a mesma roupa e sem lavar as mãos, voltar para ver as pacientes na maternidade) ele simplesmente sugeriu que os médicos Vienenses lavassem as mãos antes de entrar na maternidade. 


Pra que: isso deslanchou uma salva de críticas a ele.

 "- como assim, um médico, um ser magnânimo e nobre, que trata das pessoas, que só pensa no bem dos seus pacientes, ter que lavar as mãos?!" Foi alvo de duras críticas, várias piadas e coisas do tipo. Mesmo assim, a medida foi implementada e, para a surpresa de muitos, a mortalidade de mães caiu muito (pelo que li, baixou a 1%). Mesmo sem saberem o porque do resultado¹, as críticas - pessoais e profissionais- a  ele continuaram. Até que ele não aguentou mais e teve um "nervous breakdown": foi colocado num hospício, onde morreu duas semanas depois². 

Mas pra que estou dizendo isso?

Recentemente estava lendo "o cavaleiro inexistente", do Italo Calvino. Nele, ele descreve esse cavaleiro medieval que é incrivelmente habilidoso, de uma erudição ímpar, um exemplo de virtude, coragem e honra. MAS... por dentro da sua armadura, não há nada: ele é simplesmente oco. O livro é muito interessante e engraçado em alguns pedaços. Ele simplesmente mostra o quão inábil este cavaleiro (Agilulfo) é em lidar com o humano, com fraquezas e viéses que nos são intrínsecos, parte da nossa natureza. De certa forma, ele representa o intangível, o inalcançável. Outro fato: por mais admirável e "modelo de comportamento" que Agilulfo seja, ele afasta as pessoas ao seu redor. No alto de sua arrogância em ver o mundo, em saber de tudo e estar certo em tudo, Agilulfo segue pelo mundo sem aliados e, mais que tudo, sozinho.

Mais uma vez, pra que estou dizendo isso?

Inicialmente porque li este livro no ano passado, e não pude deixar de pensar na minha situação de "abismo com o mundo" (da qual falei no post anterior) aqui no Japão, onde essa separação me fez pensar sobre o lado em que estava nessa estória. Estaria eu agindo com o Agilulfo, me afastando de tudo e todos? Me perguntei muito se estava sendo arrogante ao longo do caminho, e se a dificuldade estava em mim. No fim das contas, cheguei à conclusão que não: acho que em nenhum momento deixei de me abrir pro lugar em que estou. Mas, nesse instante, acredito que meu tempo neste local se esvaiu de propósito, de significado. E não existe arrogância nisso: é simplesmente uma escolha.  

O orgulho, a arrogância, nos cega. Ele pode ser como essa armadura do cavaleiro inexistente, que o mantêm em pé e o "protege" do que é mundano, dos males dos homens comuns. E, a medida que nos entrincheiramos no universo limitado em que vivemos, ao acreditarmos que somente aquilo que trazemos na nossa bagagem é bom e correto, nos afastamos do mundo e daqueles que nos cercam. Refutarmos sugestões e recomendações daqueles que nos amam e se preocupam conosco, simplesmente por serem elas diferentes de tudo aquilo que vimos e vivemos, ou simplesmente por conta de quem as diz. Esse processo de "refutar por ser diferente" amplifica os vícios e defeitos que temos (inerente às nossas vontades), e cria um enorme abismo entre nós e o mundo (ou, ainda, uma armadura, que se sustenta em si mesma mas que, por dentro, é oca).

Essa semana foi muito curiosa: uma, diante de uma conversa com um "sensei" japonês, super arrogante, cuja atitude diante da elucidação de um problema foi de pura e simples indiferença (algo que eu levaria numa boa, não fosse ter sido este mesmo "sensei" japonês um dos maiores entusiastas da resolução por uma idéia que lhe mostrei, meses atrás), na qual a única coisa que ele quis fazer não foi me ouvir, mas simplesmente ter algo pra dizer. E outra: uma conversa com um amigo que não via há 7 anos(!) e que, dos mais de 10 anos de namoro que teve (e que terminou recentemente), me disse lembrar da ex lhe pedindo desculpas duas vezes somente³.

Todos nós carregamos e agregamos partes a essa armadura, que varia em espessura e peso ao longo do tempo e da relação da qual se fala. E veja que isso não é de todo ruim: o orgulho pode nos ajudar a seguir adiante, a nos proteger de um ambiente hostil; bater o pé por estar correto pode nos fazer ver que o outro lado "care about" ao ceder. Mas nada disso, de forma alguma, nos define: essa armadura não é oque nos mantêm em pé! No fim das contas, ao nos confundirmos com as armaduras que carregamos/construímos, simplesmente nos transformamos nelas, e por consequência nos tornamos ocos por dentro.  Infelizmente, quando isso acontece  deixamos de ser humanos, pois à medida que coexistimos com a nossa finitude, com as nossas limitações em ver o mundo ao redor, e nos abrimos a outras perspectivas, passamos a  viver um pouco mais em equilíbrio com tudo aquilo que é falho em nós mesmos.

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1 Isso tudo bem antes de Pasteur existir, quando as pessoas ainda nem tinham idéia do que eram germes nem nada do tipo 

Alguns dizem que por suicídio, ao infligir uma ferida na propria mão deliberadamente; outros por ter levado uma surra dos cuidadores do hospício. 

3 Quando ele havia me dito sobre o término eu bem imaginei que me diria algo do tipo: há sete anos atrás, quando os encontrei da última vez (numa viagem que fiz com uma ex à época), eu e a minha então namorada  conversamos sobre a atitude constrastante entre os dois ao abordar um desacordo. Aparentemente, já na época havia um desequilíbrio no "ouvir" entre eles, um lado cedendo mais pra poder compensar o déficit do outro, algo do qual nem falei pro meu amigo. Às vezes leva tempo para aceitarmos e entender essas coisas. Ainda mais quando é da nossa natureza dar o primeiro passo, "jogar um pedaço da nossa armadura fora", para poder acolher o outro mais perto com um abraço. 

sábado, 27 de julho de 2019

Direto da Terra do Sol Nascente #57: se você pretende navegar despropósitos, ao menos leve uma bóia

Ao nos encontrarmos num momento em que oque nos cerca é muito díspar do que somos, como morando em uma cultura muito diferente, não é incomum termos dificuldade em nos relacionarmos com os locais: os costumes são outros, a lingua pode ser outra, os interesses e valores também. Assim eu, nessas circunstâncias, me pego no Japão me perguntando pela milionésima vez: "oque ainda estou fazendo aqui?!" 

É difícil esse processo... a pessoa que mais culpo por ainda estar aqui sou eu mesmo, oque me faz ficar pior ainda, e ser mais injusto comigo mesmo. Às vezes tenho a impressão de que se quisesse mudar seria assim, do dia pra noite, mas.... de maneira estável essa transição não ocorre assim fácilmente. E dificilmente abriria mão disso: não consigo conceber a idéia de sair de um lugar pra outro sem ter nada em mãos. Sem falar que, sendo cidadão brasileiro, o único lugar mais óbvio que me aceitaria nesse mundo é a pátria amada idolatrada salve-salve, ela mesma... eu lá, no sofá da casa da minha mãe.

Não, inconcebível!

Oque tem acontecido recentemente é que, como uma ampulheta na qual a areia do tempo se esvai e corre, pareço eu também estar me esvaindo de propósito... algo que pode ser tanto visto pelo lado bom ou pelo lado ruim. Mas... sim, isso envolve a espera, por coisas sobre as quais não tenho muito controle. 

Desde que vim acho que ninguém conseguiu vislumbrar a dimensão do que é esse abismo: nunca passei tanto tempo na minha vida sozinho e comigo mesmo, e isso deve ser uma lição de algo.... talvez de resiliência, talvez de algo que ainda não consiga saber oque é. E, quando não sozinho, viver relações estranhas que carecem substância: como ter um "amigo" que trabalha num café mas cujos "hi, Rafael" sempre terminam num "what would you like today?". Relações meio "crédito ou débito", sabe? Ou sair com outros westerners que não têm nada a ver comigo (não muito diferente do que relatei uma vez neste post aqui, em 2011!). Realmente, conhecer seus limites num mundo que tenta violar suas "fronteiras", que corrompe individualidades e nos força a situações que nada têm a ver com a gente é um desafio. Que pode acabar em dor, pois em muitos casos a única opção restante é o afastamento, e você se apegar àquilo que traz dentro de si¹

Estava ouvindo essa semana (mais uma vez, num this american life, desta vez sobre americanos em Paris) quando um dos entrevistados fala sobre ser invisível diante dos olhos dos outros, sobre estar sozinho, sobre entrar numa loja e ser notado por alguém, ter micro conversas pelas quais ele anseia ao longo de um dia. Estar aqui é um pouco isso: você acaba aprendendo a matar a sede com agua de chuva, a comer migalhas.. ainda assim, você segue pelo mundo com fome e sede. 

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1. Oque me faz me lembrar desse post, onde há um texto lindo de Rilke sobre, se estar só, dentre outras coisas:

https://matematicosmarcovaldos.blogspot.com/2012/05/sob-uma-outra-perspectiva.html

quarta-feira, 24 de julho de 2019

Direto da Terra do Sol Nascente #56: off

Tem um tempo que não apareço. Sim, sim... ando meio jururu, meio sem vontade de escrever, de ter contato com as pessoas. O pessoal que me vê mais espaçadamente (em geral, da escalada) têm me dito que estou mais magro ... tô começaaaando a ficar preocupado: agora não é a hora de ficar deprimido ou qualquer coisa do tipo. Ainda acho que tenho fome, mas...talvez esteja mesmo comendo menos.

É curioso sentir o contraste, pois essa aura meio deprê também aconteceu há um tempo atrás (lá pro final de 2017, começo de 2018), quando eu ficava muito impaciente com tudo que me afligia ou me tirava do sério: sofria eu, sofria quem estava por perto. Era meu primeiro semestre aqui, estava começando a ver que seria um pouco mais complicado e difícil do que inicialmente imaginava (em termos de trabalho, de saudades, de relacionamento, de interagir com os locais e sua cultura). Dessa  vez, talvez por estar um pouco afastado de tudo e de todos, consigo me sentir desinteressado somente. Não estou impaciente com ninguém, só pura e simplesmente não muito afim de me aproximar dos outros. EMBORA EU QUEIRA! Mas .. não sei... é uma parada meio estranha mesmo... seres humanos não foram feitos pra fazer sentido.

Só sei que.... tá foda... vou pro trabalho sem tesão algum ultimamente: um artigo saiu essa semana e eu... nem nada, não consigo mais comemorar esses acontecimentos acadêmicos. Aí vou, olho pro meu chefe com um baita sorriso amarelo e cabelo pintado de acaju, me dizendo que espera "many good papers from me" e me bate um senso de despropósito absurdo. Aí penso nos mil e um pré-requisitos dos trabalhos pros quais aplico, dos "nãos" que tenho recebido e portas que têm batido na minha cara e.... me aflijo. Sim, temo um pouco, embora sobre essa corda bamba lá vou eu, oscilando, me equilibrando sem cair.

Well... aparecerei de novo em breve, para celebrar os 10 anos de blog com algum post. Ou, quem sabe, leitores e admiradores ao redor do mundo me enviarão presentes e cartas pra dizer que não podem ficar sem posts semanais neste tão amado blog, presentes entupindo minha caixa de correio, caixas de vinho chegando sem aviso e eu implorando para pararem de me enviar presentes, eu tropeçando em algum champagne desavisado que já não tem lugar na casa japonesa pequena e que algum leitor me enviou de uma adega longinqua... ou algo assim ... hahaha até parece :P Mas sim, hei de voltar (e hei de me cuidar também neste meio tempo).

Cuidem-se, escassos leitores! 

[Comam verduras e durmam bem!]


quinta-feira, 18 de julho de 2019

10 anos de M@tematicos Marc0vald0s

O blog vai fazer 10 anos!!!

Eu nem acredito que achei tanta coisa sobre oque escrever neste meio tempo... lembro dos primeiros meses, nos quais ficava um pouco angústiado se teria do que falar. Como entreter os outros? Era uma ansiedade que tinha à época e que, de certa forma, era um aspecto da minha personalidade do qual só fui me dar conta anos mais tarde. Escrever é um pouco como escrever artigos: depois do primeiro você fica na dúvida se outros hão de vir. Mas sim, se você mantém olhos curiosos pro mundo ao seu redor eles vem, meio que naturalmente.

Nesse meio tempo vocês devem ter lido de tudo:

sentir minha serenidade em ter um  amor pro qual voltar.

Dos meus dias de dor e saudades (ou aqui),
de me sentir estrangeiro (aqui, aqui e aqui).

De encanto diante de outras formas de se entender o mundo,
de falar do mundo,
de ver as coisas,
e interpretá-las


Do que significa mudar sem ser diferente,
e ser diferente sem mudar

Enfim, dos poucos que sobraram e passam por este blog além de web crawlers, vocês devem ter lido muito, ouvido muito, refletido e pensado um pouco junto comigo. É fato que eu escrevo pra mim mesmo, e que há muito que aprendo sobre mim mesmo ao longo desse processo. Coisas como:
  1. Escrevo com mais frequência quando estou mal, ou com alguma angústia (vide anos de 2010, quando mudei pros EUA, ou do meio de 2016 pra 2017, quando raramente postei);
  2. Tenho a tendência a me esquecer do que crio, e acabo ficando surpreso ao reencontrar escritos antigos e pensar " -não é que isso é interessante?". Isso tem acontecido bastante recentemente, quando tenho me dado ao trabalho de ler alguns posts antigos (não fazia isso muito até então);
  3. Ainda gosto de desenhos animados;
  4. Música, de uma forma ou outra, sempre por perto;
  5. Matemática acabou virando uma forma de ver o mundo que, pra mim, ficou tão entremeada de minimalismo e valor artístico que... poutz, me pega em diversas facetas do que gosto, e permanece assim há tempos.
Em suma: algumas constantes, umas outras coisas que mudaram. Mas vocês devem ter encontrados diversas repetições nesse meio tempo! Eu sou muito, muito repetitivo... (oque é uma virtude e uma falha, pois acabo me empolgando em viver e reviver o mesmo, abordado de diversas formas). 

Algumas (poucas) pessoas já me sugeriram compilar tudo (ou uma pequena parte, já que há muita besteira no meio) em um livro, mas.... há tanta coisa interessante pra se entender, criar e viver no momento que vale mais à pena dar vazão a elas do que ficar olhando pro passado pra polí-lo (embora eu tenha olhado bastante para o mesmo para tentar entendê-lo). A se pensar... 

segunda-feira, 15 de julho de 2019

A forma das estórias

E eu que achava que minhas brincadeiras (link, esse de 2009!!) de "matematizar" alguns fatos corriqueiros da vida era bobeira, me surpreendo hoje, quase 10 anos depois, em descobrir Kurt Vonnegut (escritor) discursando sobre "the shape of stories":



Realmente me encanta nessa coincidência, e me parece uma lisonja e honra, nos meus devaneios de estudante, me encontrar pisando nas pegadas de gigantes :) Ainda mais porque recentemente me citaram esse post como algo curioso dentre os muitos outros que escrevi. 

Um dia esse blog vira um livro!! hahaha :P

Mas enfim.. deixa eu respirar, parar de falar bobagem e falar algo mais sério: uma outra coisa curiosa que o KV fala nesse vídeo é o fato de que um computador entenderia essas curvas. Não poderia ser mais atual: seria possível, por exemplo, alimentar um computador com um desses desenhos e trabalhos de grandes artistas pra, no fim, publicar um livro? Ou alimentar um computador com todos os escritos de Dylan pra obter um "blood on the tracks"? Ou dar como input algum tipo de música que pra, no final, obter uma composição divina como Índia, do Coltrane?

        [John Coltrane Sextet at the Village Vanguard - India]

Ou algo nessa linha? Isso de certa maneira já existe (há tempos existem músicas pra pianola que não são tocáveis por humanos, computadores já compõem e já detectam erros gramaticais, fazem traduções de textos etc, tudo com a ajuda de A.I.). De certa forma esse vídeo "antecipa" isso tudo com uma "matematização" bem intuitiva. 

[E, por sinal, vê-se que o blog está quase fazendo 10 anos!!!]
[Falarei sobre mais adiante]

domingo, 14 de julho de 2019

Direto da Terra do Sol Nascente #55: o outro

[9pm , numa sexta-feira de Junho de 1984]
[A cena começa com uma câmera entrando por uma porta entre-aberta]
[diálogo já em curso]

-Não não... eu sou o detetive Yomura... o outro que é o Detetive Yoshimura.

--Ahhh entendi.

[ao fundo, numa placa em neon, se lê "Yoshimura e Yomura, detetives associados"]

- O detetive Yoshimura me falou um pouco do teu caso. Posso te fazer umas perguntas?

-Sim, sim...

[pigarro inquisitivo de detetive japonês fumante ]

- De onde surgiu essa dúvida?

- Olha.... no começo não havia dúvida alguma... aí começaram a aparecer umas desculpas aqui e ali...  ela dizia que tinha esquecido o celular em casa, e quando eu ia ver estava lá, online no messenger... umas mentiras brandas que ela tentava refutar ficando brava assim que eu as perguntava... mas que também não podia discutir por estar ocupada.  também aquela vez que um amigo que havia conhecido numa conferência queria visitá-la e ficar em casa, justo quando eu estaria viajando...  Aí teve umas outras vezes também...

[câmera sai pela janela, e aponta pra um céu nublado]
[conversa e suspeitas ficam inaudíveis]

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[8:37pm , numa quinta-feira do final de Julho de 1984]

[A cena parece repetir a anterior]
[... câmera entrando por uma porta entre-aberta]
[diálogo em curso]

- Não.. não... eu sou o detetive Yoshimura

-Ahh tá... é que faz tanto tempo.

- Nós dois estamos a par do teu caso. Tivemos que discutí-lo como parceiros, para decidirmos a melhor estratégia.

-Claro, claro... vocês são profissionais eu sei.

- O senhor nos veio da primeira vez para querer saber sobre um possível adultério da tua esposa, não? 

- Sim, sim.. Conseguiram algo? Ela me ama ainda?

[pergunta com uma voz dolorida, entre um quase soluço]

- Não podemos responder tudo, certamente. Mas temos algumas respostas. O senhor quer vê-las?

- Quero...

[responde com a voz embargada e cheia de medo]


[Detetive Yoshimura se move cuidadosamente por detrás da mesa]
[Uma fumaça sobe de um cigarro abandonado aceso no cinzeiro]
[Com mãos de mágico, detetive Yoshimura tira um envelope da gaveta]

- Por favor, abra esse envelope...

.... detetive Yomura tirou essas  fotos no decorrer do último mês... tua esposa, saindo de um motel no meio da tarde com um homem, também japonês...

- Ai meu coração... ai meu  santo buda... como pode?! 

[Leva as mãos à cabeça..aos olhos]

-..... e eu fiz tudo por essa mulher... atravessei o mundo por ela, 

[põe a mão no coração]

-....fiz de tudo, confiei nessas estórias dela, aceitei... e ela me retribui com esse golpe pelas costas?!

[O cliente enxuga umas lágrimas]
[segura o peito como se tivesse sido apunhalado]
[Detetive Yomura acende outro cigarro, e olha pro anterior ainda aceso com olhos de surpresa]


[Alguns minutos de silêncio se passam]
[O cliente olha pra foto com cuidado]
[...suas sombrancelhas franzem]

- ei... ei, ei ei... espera um pouco.... esse aqui ... eu conheço essa pessoa.... esse aqui... é teu sócio Yomura!! É ele, eu lembro desse rosto! Ele é o amante da minha esposa!!! Seus filhos-de-uma-puta.... como vocês tem a ousadia de ...

- Calma... calma.. o senhor está confundindo... Esse não pode ser o detetive Yomura...

- Ah é? Por isso que ele não quis vir pra reunião hoje, por que não teria a coragem de vir falar comigo frente a frente.. mandou um subalterno pra vir falar comigo. Filha da

- Eu não sou um subalterno do detetive Yomura, sou sócio dele... mas isso é mais delicado até..

-  ...vocês não...

- Esse não pode ser o detetive Yomura.. por que o detetive Yomura sou eu

- péra..péra... que porra é essa... 

[o cliente olha pra placa em neon, que diz "Yoshimura e Yomura, detetives associados" e faz cara de surpresa]

-...que merda de sentido faz você mentir quanto a isso?! Que..p

- ...por que eu gosto de saber oque as pessoas falam às minhas costas... e bandidos são mais temerosos de firmas com vários detetives.. como eu era um só, achei melhor criar parceiros fantasmas, por assim dizer.

- Mas então... você é o filho da mãe questá saindo com a minha esposa..

-Calma lá... calma lá...

[Olha pra foto mais uma vez..pressionando o dedo com força da foto]
[Pondera]

- Mas espera... olhando bem pras fotos... esse aqui parece comigo mesmo... eu estou tão confuso

- Tua esposa estava saindo de um motel no centro, no meio da tarde...

- Hummm..... mas eu encontrei minha esposa pra uma rapidinha semana passada depois do expediente..no centro mesmo, onde a gente trabalha... é possível que este seja eu mesmo.

[minutos de silêncio]
[de dúvida, indignação, dor e alívio]
[tudo misturado]


- Que dúvida... este na foto se parece com o Yomura... quer dizer, contigo, mas se parece um tanto comigo..... 

[minutos de silêncio]
[o detetive acende outro cigarro]

-.. mas se este sou eu, então minha esposa está me traindo comigo mesmo... ou mesmo não está me traindo... ou ... se for outro, me trai.. nem sei mais como colocar isso. Minha esposa me trai, mas com alguém que pode ser eu mesmo.

- ...hummmm

[pigarro de detetive japonês, em acordo pensativo]

- Mas esse também pode ser o senhor... ou pode ser um ex dela que mora em Paris e que visita de vez em quando...

- âââmmmm

[pigarro de detetive japonês, pensativo somente]

[minutos de silêncio]

- O senhor não quer que eu te pague por esse serviço, né? E se for o senhor saindo com a minha esposa... isso não está claro pra mim...

-.... seria como se te pagasse pelo encontro com minah esposa...não posso, é questão de honra.

- O senhor tem que pagar... mesmo que seja o senhor mesmo que seja o amante da sua esposa, há uma dívida aí.  Fizemos, digo, fiz meu trabalho...

-Mas não... eu não posso pagar o homem que saiu com a minha esposa...

- Um café?

- Ok... um café.... vamos então?



quinta-feira, 11 de julho de 2019

Job interview -- final sem ter final (slow down, little grasshopper)

     [Scriabin, Sonata para piano Nº 3. Glenn Gould]


- Seo Xisto, Seo Xisto...tá me ouvindo?

-Alow... alow... Dona Azaléia? Me ouve?

- Claro! Te ouço. Como vai a senhora?

- Estou bem, sêo Xisto.. tô bem...

- Então... eu estou curioso pra sab..

- E a família, como está? Tua esposa...  ainda faz aquele pão de queijo?

- Sim, dona Azaléia... sim senhora... mas é que eu to curio..

- E teu cachorro? Como anda? Cachorro bonito.. Dálmata, né?

- Sim... dálmata...

- O senhor já contou quantas marcas pretas ele tem? Será que se a gente traçar uma  série histórica a gente vê essas pintas aumentando como uma sequência de Fibonnaci?

- Dona Azaléia, por favor, tá tarde aqui, eu tenho que ir pra cama. Será que a senhora não pode adiantar pra..

-Ele tá aí perto? Vamos contar agora quantas pintas ele tem, aí da pŕoxima vez a gente..

- Dona Azaléia, pára! Pára tudo! A senhora está falando em rodeios, tergiversando... pra falar em bom tom: ME ENROLANDO! Por favor, me poupe dessa dor, me diga logo a resposta: passei? Fui escolhido pra vaga?!

- Me desculpa, sêo Xisto... tava com dificuldade de te falar... mas a verdade é a seguinte: a gente tava com um cano furado na pia da cozinha dos funcionários do quarto andar... e não deu: foi tanta reunião, tanta correria pra resolver isso que não conseguimos parar pra decidir isso ainda.

- Bom.... nem sei oque dizer... tava de malas prontas quase...

 -Sabe... a gente gostou muito de você... lá pro final do mês a gente te dá uma resposta..

- Como assim... final do mês?!

-É que a gente aproveitou e resolveu fazer outras mudanças aqui também: colocar uns ventiladores no teto, uma rede na sala de descanso...

-O...kei...

-Mas ó... a gente vai se falando mais pro final do mês... tá? Ó, não esquece não

[junta as duas mãos]
[faz sinal de coraçãozinho]
[e desliga o Skype]


[Em suma...tirando "um detalhe aqui e ali", foi mais ou menos nessa linha]
[O jeito agora é esperar... e, enquanto isso, continuar em busca por outras vagas]
[Curioso essa coisa  do tempo das coisas, do tempo que pode virar ansiedade ou tempo de proveito, despedida, reflexão e término]
[...e como o mesmo tempo pode dar uma dimensão totalmente diferente pra uma espera, pra uma passagem, para uma transição...]
[vide, por exemplo (e um pouco abstraindo desse caso particular), essa versão da  peça acima, com outro pianista]

 [Scriabin, Sonata para piano Nº 3. Vladimir Ashkenazy    





sábado, 6 de julho de 2019

Quando o mesmo não é exatamente a mesma coisa

o novo 
não me choca mais 
nada de novo 
sob o sol 
apenas o mesmo 
ovo de sempre 
choca o mesmo novo
["O novo", Paulo Leminski]

Oque é o novo? Oque é similaridade? Quando podemos dizer que uma coisa é igual à outra? Curiosamente, e nem sei se falei disso, houve um post do Tim GowersWhen are two proofs essentially the same?  em que ele discute o como uma prova de teorema pode ser igual ou diferente de outra: oque pode haver de novo nas entrelinhas? Ele ilustra a discussão de diversas formas, e há uma discussão bem legal sobre a prova de que a raiz quadrada de 2 não é um número racional (leigos podem ler, recomendo); o autor contrasta e exalta muito bem as facetas que cada variante traz à tona que as outras não trazem, é bem interessante.

Acho que comecei a pensar sobre quando o pânico de escrever uma tese e encontrar algo sobre o qual falar me veio. E mesmo enquanto escrevia uma, me demorou muito tempo pra entender a relevância do que fiz, pra entender onde morava a não-trivialidade do que discutia em folhas, lemas e teoremas, onde estava a novidade. Claro, dizer 

"-eu resolvi esse problema que ninguém resolveu" 

não encompassa novidade alguma, não dá dimensão alguma do teu trabalho na imensidão do que é produzir algo, seja em ciência, seja em qualquer outra coisa que se tente criar. A questão talvez se resuma a entendermos qual a relevância dessas gotinhas de conhecimento que  jogamos ao mar do que (enquanto humanidade) sabemos até então. 

Eu lembro até hoje do meu orientador (olha ele de novo aí! Vai ver lembrei dele várias vezes hoje por conta do email que me enviaram) não só  me  explicando de volta oque eu havia feito num tranbalho meu, mas ressaltando  oque não trivial nele, onde estava a novidade ali etc. Parece um pouco patológica essa dificuldade, essa obstrução, pois não só tive muita dificuldade pra ver oque havia provado, eu tinha um pouco de dificuldade em ver oque os outros haviam criado/conquistado também! Lembro-me de ler um trabalho do meu orientador/chefe e pensar 

"- mas essa idéia já estava ali, naquele trabalho anterior de fulano..." 

quando na verdade não, só uma sombra da idéia do que meu orientador fez estava ali. E assim, nesses vislumbres de similaridade, eu acabo me perguntando: oque faz uma coisa ser similar, semelhante , à outra? Por exemplo, eu acho o começo dessa música do Black Keys muito parecido com Breathe, do Pink Floyd



[The Black Keys, Weight of Love]


[Pink Floyd, Breathe]

Ou quando alguém diz "Excuse me while I kiss the sky", 



[Jimi Hendrix, Purple Haze]

e outra pessoa diz "Vou pra rua e bebo a tempestade"


[Chico Buarque, Bom Conselho]

..similar, não? 

Ou quando  Muddy Waters nos vem com absurdidades, falando  "I had fever in my pockets" 



[Jim iHendrix, tocando Muddy Waters, Mannish Boy]

e ouvimos os mesmos "impropérios" em Bob Dylan e sua nota de 11 dolares



[Bob Dylan, Subterranean Homesick Blues]

Ou ouvimos Mozart onde de fato há Beethoven 


[Wolfgang Amadeus Mozart - String Quartet No. 18, K. 464]



[Beethoven String Quartet No 5 Op 18 in A major Alban Berg Quartett]


Curiosamente, tinha uma recordação vaga de ter escrito algo sobre esse asssunto há muito tempo, no princípio da minha carreira acadêmica. Fiquei surpreso ao encontrar essas palavras

[sic] 
Talvez o novo seja um estado de efemeridade: um primeiro bj que se dá no meio de uma multidão no carnaval, um rabisco que vira um quadro, um rascunho que vira um livro, uma dúvida que vira um teorema, um salto de cabeça dentro de um rio raso (vcs ja leram o livro do marcelo rubens paiva, feliz ano velho?). O que não explica o novo... que talvez seja o primeiro de alguma coisa... o que vem depois é uma copia, um plagio. 
Mas chega uma hora na vida, por exemplo, qdo vc vai fazer escrever uma tese ou procurar alguma coisa interessante pra se dedicar ou falar alguma coisa relevante sobre....vc realmente para pra pensar no que vc pôs no papel: será que tem algo realmente novo debaixo dessa pedra? Ou sera que só há musgo e um ou outro inseto estranho e exótico... 
Novo, novo mesmo(?): que nada: só uns primeiros cinco minutos de espanto e assombro.
 [desse mesmo Rafaello que vos escreve]
[Novembro de 2010]

Este outro post eu cito uma carta do Leminski a um amigo, na qual ele diz (sobre a poesia concreta)
Essa perseguição ao novo é meritocrática, competitiva, gera intrigas palacianas pelo poder, exclui, segrega, expurga.
A poesia concreta já proclamou-se a única boa e certa. A Nova! 

" dando por encerrado..."

E se o povo gostar de verso, o que é que a gente faz? expulsa o povo?Ou faz como a avestruz, enfia a cabeça num ideograma da dinastia ming e faz de conta que ele não existe?
[Lemisnki, em carta a Régis Bonvicino] 


Ou seja... o novo é uma constante, uma entidade bela e estranha que permeia todo o processo de criatividade, de dúvida, e de descoberta, sobre a qual eu sei pouco (dado que ela sempre aparece quando não estou em casa), e cuja presença só sei sobre por breves descobertas de um copo sujo que o/a mesma deixou na pia, ou uma bituca de cigarro esquecida na varanda.


[Tudo isso pra dizer que, depois de quase 8 meses um artigo, possivelmente meu último de matemática mais pesada, foi aceito pra publicação. Um artigo sobre o qual questionei muito o conteúdo, o método, a forma, e o quanto de novidade ele trazia pro mundo]
[Um artigo no qual tropecei diversas vezes na dúvida, na angústia, no ressentimento com meu colaborador não-matemático, dentre outros perrengues. Enfim, sinto que esse ciclo está realmente se fechando da maneira como gostaria :) ]

[Segunda feira, última parte do Job interview: skype meeting pra saber o resultado :S ]

sexta-feira, 5 de julho de 2019

Diagnóstico: descolamento do mundo

Ano passado, durante as eleições brasileiras, conversava com um amigo de infância pelo telefone (ele em São Paulo, eu no Japão), quando lhe disse sobre minhas ressalvas quanto ao então candidato a presidente Bolsonaro. Enumerei os mil e um motivos contra que tenho, ao que meu amigo, investidor na bolsa (um dos assunto da conversa daquele dia), me retruca com um 

"-Mas vejamos oque o mercado quer."

Eu não me aguentei na hora e o questionei:

"- Como assim... o mercado não vota! O mercado não tem nada a dizer  sobre oque as pessoas precisam pra elas, pra maioria, talvez." 

Em princípio, achei que a conversa se tratava do embate entre alguém  (ele) que acredita no neo-liberalismo, no capital agindo como grande bem-feitor na vida das pessoas, e minha crença, algo meio disforme, mas que é totalmente oposta a tudo oque acabei de descrever. Mas depois desse breve choque, mudamos de assunto e fomos os dois falar sobre outra coisa.

Passaram-se alguns meses e eu, preocupado com o meu futuro, resolvi investir na bolsa um pequeno montante que me sobrou (pela primeira vez na vida). Um belo dia, antes de ir pra cama, olho minhas ações que, estranhamente, subiram mais do que o usual. 

"-Estranho... deve ter algo acontecendo no Brasil  neste momento", pensei. 

E, de fato, havia: greve geral contra a reforma da previdência, greve, protestos nas ruas. Na hora lembrei da conversa com o meu amigo, e vi que nela havia algo que não havia percebido: o egoísmo. Há uma clara dicotomia entre os interesses pessoais e os interesses coletivos, algo que fica evidente quando se há um "ganho" por trás. Talvez evidente não seja bem a palavra, mas exacerbado. É só você imaginar a hipótese: o mundo ao seu redor caindo aos pedaços e você na bonanza, fazendo dinheiro. Você vai se preocupar? Pense na associação causal que as pessoas tiram disso: se o mundo numa merda me faz ganhar dinheiro, então...

Há um enorme erro nisso, que vai na raíz do que o ser humano é. Ao nos desconectarmos uns dos outros o, e até sermos recompensados por isso, o mundo que criamos é esse: de pessoas que só se preocupam com elas mesmas, com os "ganhos" delas. E o ganho mais imediato e óbvio que as pessoas vêem em geral se chama... dinheiro, mas certamente pode se traduzir em outras coisas, como reconhecimento, ou prestígio. 


A hora de ir embora (da academia)

Hoje me chegou um email de (outros) colaboradores, relacionado a um projeto que vem lááá de longe, coisa de 4, 5 anos atrás, época do doutorado! Ou seja... assunto o qual desejo muito, muito mesmo deixar pro passado (adiante explico o porque), virar a página.

Na hora me bateu aquela angústia absurda... 

Sabe... o doutorado é uma parte da vida meio estranha: você estuda, estuda, e não sabe ao certo se sabe mesmo alguma coisa. Não, não, pérai... vou tentar ser mais claro e justo: 

você sabe que sabe algo, mas não sabe se sabe oque precisa saber! 

[Fez sentido? rsrs] 

É uma fase da vida muito confusa, cheia de dúvidas, angústias, e altos e baixos: em matemática, muito da vida acadêmica não depende de você, e sim do teu orientador, que em geral te dá um problema sobre o qual trabalhar (é o mais comum em matemática); em geral algo que nem ele, muito menos você, sabe exatamente como resolver. 

É bem angustiante. E é uma fase da vida que deixa muito gente meio "off" . Eu particularmente, fiquei muito mal na época do final, quando um matemático pro qual pedi uma carta de recomendação1 e o cara simplesmente não respeitou nenhum dos prazos de data pros trabalhos pros quais eu queria aplicar! 2

[Esse problema do orientador ser meio ausente foi um empecilho enorme pra mim por um outro motivo: por conta do orientador de uma ex que eu tinha (a única acadêmica )]
[Ou seja: mesmo quando você tem a sorte de não ter problemas com o teu orientador, você ainda pode tê-los indiretamente com o orientador dos outros]
[Ninguém merece... é f***!]


Enfim... faculdade, doutorados e similares têm muitos meandros, como um rio de água de chuva, turva, que corre desesperado sem saber muito bem onde desagua. Quanto ao email, apesar desse sentimento desconfortável, me mostrou algo considerávelmente bom: perceber que encontrei outro nicho, onde me sinto mais confortável com o profissional que eu sou. E até como pessoa: não preciso ou quero me esforçar mais pra fazer parte deste meio! Acima de tudo, perceber que está acabando, que a hora de ir embora (da academia) se aproxima. Eu demorei muito pra aceitar essa possibilidade, mas realmente, a cada dia, pareço mais e mais abraçar essa "causa" de peito aberto. Claro, sinto um pouco pelos interesses que deixo pra trás. Mas... isso talvez seja vaidade minha: no todo, acho que sair só há de ser melhor pra minha vida. E interesses novos a gente sempre arruma: acho que desse mal não vou padecer :)

Bom... depois escrevo mais: sei que estou em dívida comigo mesmo, vários pensamento vêm à cabeça mas não tenho tempo de colocar muita coisa no "papel".





1 Essencialmente uma carta pra te ajudar a arrumar um trabalho 


2 Depois ele ainda me enviou um email dizendo "ninguém liga pra isso". Apesar dele ser francês, na última vez que fui aos EUA ele estava lá e quase o encontrei... acho que diria poucas e boas, esse assunto realmente me deixa muito chateado. Oque ele fez foi não só desrespeitoso, mas denota falta de profissionalismo (a meu ver) 






terça-feira, 2 de julho de 2019

Entre partículas: uma fábula diminuta (sobre algo ainda menor)

Scientists Took an M.R.I. Scan of an Atom 
"The hospital technology, typically used to identify human ailments, captured perhaps the world’s smallest magnetic resonance image."
[Nytimes, July 1, 2019]
O pequeno entrou na sala assustado e cheio de medo. Por um lado, segurava a mão da mãe. Pelo outro, a mão do pai. 

"-Acho que vão me perder ali dentro, não quero ir". 

A mãe, impaciente, saiu da sala pra fumar um cigarro e deixou pro pai resolver: já era a segunda vez na semana que estavam ali, pra tentar fazer a ressonância magnética do filho.  O pai, um metal pouco reativo, afagou o filho com nêutrons, fazendo promessas de futebol, sorvetes de elétrons, e praia no final de semana. Oque que não resultou em nada, pois o garoto ainda resistia ao exame. De pavio curto e um tanto mais alcalina, ao não ver progresso algum da parte do pai a mãe intervém:

"-Nióbio Jr., eu já perdi dois dias de trabalho algumas moléculas, assim não dá, assim fica impossível: como você quer que eu traga múons e outras partículas pra casa desse jeito? A gente vai morrer de fome assim!! Cada um nessa família tem que fazer a sua parte."

[A mãe respira mais calma]

"... Fofinho.... você é um metal raro, não um pingente de nióbio azul. Vá lá, é só um exame."


"-Mas mããããe... na escola ninguém tem que fazer isso... o Hélio fica o dia inteiro falando com aquela voz engraçada de palhaço!  O Einstênio fica brincando de emitir fótons... por que só eu que tenho que perder a tarde vindo no médico?"

Já com a voz embargada, os olhos do pequeno se encheram de píons. Como numa reação em cadeia, também se encheram os da mãe e, assim, os do pai. Num abraço rápido para evitar o risco de ligações covalentes, a família se abraçou aos prantos. 

Ajoelhados, os pais olharam para o filho que, sem mais palavras mas num sopro de coragem, se despediu e deu a mãozinha pra enfermeira, que o levou pra sala de MRI.