Tenho uma tarefa mto grande pra fazer, então resolvi postergá-la pro Domingo.... Decidi então escrever um pouco.
O post de hoje é uma mera continuação do anterior, sob uma diferente perspectiva: no post anterior eu falava sobre como pessoas diferentes tocam a "mesma" música colocando sensações, emoções e elementos diferentes, que a música chega a ser outra.
Aí fiquei pensando em como isso se dá quando a mesma pessoa toca a música, só que mudada (a pessoa, digo). Oque, por sua vez, me fez lembrar de uma frase -Fernando Pessoa, acho - que diz que uma pessoa não se banha no mesmo rio duas vezes. Quando ouvi isso pela primeira vez - época do colégio - eu fiquei meio "insatisfeito", porque a frase não acrescentava nada. Eu poderia dizer que eu não teclo a tecla p da mesma maneira duas vezes, não digo oi da mesma forma duas, ou mesmo três vezes... enfim. Uma frase que me deixou assim.... não acrescenta nada, é isso.
Acho que essa imprecisão das palavras para descrever sentimentos e sensações perdurou durante muito, até que eu admitisse que o essencial nessa frase ( a meu ver) não é o rio, mas a pessoa que se banha nele.
[ok..isso pode te parecer óbvio pra vc, leitor. Mas pra mim era a arte de ser totalmente incompleto. Pra que fazer uma arte que não acrescenta? Não que arte que não acrescenta não seja importante, isso quando ela é feita com este intuito.... bom... isso foi uma indignação minha, enquanto adolescente. Só estou contextualizando =]
Mais tarde eu tive oportunidade de perceber o quanto isso era possível. E oque eu trago hoje não é nada mais que um exemplo disso.
Podem até dizer que o Glenn Gould estava melhor em questão de técnica na segunda versão, mas acho que este não é bem o ponto da peça - a técnica será nossoo rio aqui: a pessoa era outra. Mais velho, mais sóbrio, menos vivacidade, mas uma paixão tão grande quanto a que tinha na juventude, senão maior, por aquele ectoplasma-algo-coisa intocável que emana da música de.... (adivinhem?) Bach!!!
Ok... estou ultra repetitivo. Lá vem ele com essa de Bach de novo! Tá virando religião já... daqui a pouco ele tá tomando o chá do Daime com coca-cola e falando de...
Bom, pessoal... não há muito oque dizer quanto a esta peça. As variações, pelo que eu saiba, foram feitas por Bach para um rei que sofria de insônia. Então, quando o rei não conseguia dormir, ele ia apurrinhar o pobre do seu pianista - o tal de Goldberg- que tinha que ficar lá, tocando as variações pra tentar fazer o rei cair no sono. Oque me traz à memória tbm um filme do Wallace and Gromit, sobre o sonecotron
[eu queria um]
[embora eu ache um desaforo com o coitado do Gromit]
que é muito, mas muito bom (quem me dera eu tivesse um mecanismo deste para me salvar nos momentos de insônia =)
[The Snoozatron - Cracking Contraptions - Wallace and Gromit]
Mas voltemos a Johann. Oque vocês estão prestes a ouvir é a primeira parte das variações Goldberg, tocada pelo mesmo pianista em dois períodos diferentes de sua vida: o primeiro, no ápice da juventude. O outro, no ápice da velhice (se é que há ápice na velhice rsrsrs...
[ai ai... um dia eu ainda leio isso e me arrependo]
[ =) ]
Esta primeira versão tem todo esse lance de juventude que eu falei: abraçar o mundo, velocidade, agir de maneira desmesurada às vezes... Paixão, muuuuuita paixão por algo. Intensa.
(1955)
A segunda eu acho a mais foda de todas (as versões que ouvi): comedida, sóbria e de uma vivacidade única quando parece que isso é necessário. Não há mais espaço pra palavras não ditas ou para se desprezar o silêncio: o silêncio é importante (não só em música, acredito). Saber respeitar o tempo das coisas, o tempo necessário para que cresçam e tomem forma; sairem pra ganhar o mundo, à sua maneira. E paixão; sempre/muita/desmesurada
(1981)
Durma bem hoje
Bons sonhos =)
2 comentários:
Caralho! Muito bem notata a diferença entre as versoes. Diga aí: o que nao faz 26 aninhos de prática?
hahaha quando li esse comentário eu pensei: "porra, do que será que essa pessoa está falando?!!! Se eu tenho 26 anos e 26 de prática em algo eu teria que ter começado desde quase antes ter nascido..."
Curiosamente, a diferença entre as datas das duas versões é de 26 anos (me desculpe pela gafe...só meio ruim em contas às vezes)
Mas voltando, acredito que o que marca mesmo a diferença na interpretação das duas gravações não são apenas os 26 anos de prática: a pessoa -músico - é outra; a serenidade e maturidade do fim da vida (O Glenn Gould morreu logo depois dessa gravação) contrasta com a vivacidade e tudo mais que a juventude carrega/proporciona. No momento que o G.G. dominava a forma da música ele pôde fazer dela oque ele queria: esticar aqui, "cortar" ali, demorar mais num lado, apressar mais no outro.
Talvez quanto mais um ser humano saiba e conhece, mais destreza ele ganha pra alterar e lidar com a informação que ele é capaz de receber, de processar e de passar adiante/cuspir. O G.G. não só era um graaaande músico (técnica), como um profundo conhecedor do mundo da música, de composição (vide seu "So do you want to write a fugue?") e de arte. Isso lhe permitiu ir mais adiante e deixar essa que, talvez, seja uma das peças mais bonitas/fodas que eu já ouvi.
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