domingo, 15 de junho de 2014

...um grão e uma semente...



Acordo no meio da noite. 

"- Open your hands... fell the energy spreading through your fingers..."

[ a frase na minha cabeça]

Durmo com as mãos fechadas... minha energia flui? Quero toda ela pra mim por que pareço ter pouco; agarro-me ao que me resta com afinco... é necessário. Penso...  recordo... Brasil... saudade (?)...quero cair no sono mas não consigo.....lembro... sinto... acordamos cedo...manhã já.... ela precisa ir pro trabalho. Saio da casa dela, sem casa, sei pra onde me dirijo, não sei direito pra onde vou... saio atordoado... first dates? Nunca sou muito bom com eles... acho que sou meio tímido. A timidez desaparece quando a vejo... admiro o andar dela... a minha curiosidade...

"... just smile... spread good energy..."

Um mundo novo de novo. Começa a chover sementes e grãos lá fora. As ruas da zona sul carioca se tornam intransitáveis... sementes que, mesmo sem água, insistem em ir fundo dentro do terreno asfaltado do meu eu... atordoa e me abala... intensidade.... grãos... aflição.

[tosse]
[tosse]
[... é excesso de pólen... o mundo quer criar vida...]
[...e você tem que engolir aquilo]

não sei se ela quer mais uma vez.. ouço sim mas a dúvida também. ..."algumas pessoas têm que ir para poder voltar..."

" ...open your hands..." 

....minhas mãos se abrem entre as mãos dela... não há energia pra dissipar... o toque da pele cria energia por si mesmo... amanhã você acorda cedo, vamos dormir.

Acordo. Me levanto, mas continuo dormindo ao lado dela... que caiu no sono em algum momento... a cama coberta de pólen... frutas pro café da manhã.. não sei oque fazer... corto a fruta que ela mais gosta... não sei oque fazer... van gogheio: arranco um dedo fora e o escondo debaixo do sofá.. assim um pedaço de mim fica pra trás de vez .

[ou será que sempre tive um pedaço de mim ali?]

 Ela vai... eu vou... ninguém sabe se haverá um voltar, um outro encontro. Penso nos quatro anos ausentes e distantes... me entristeço, não sinto arrependimento por ter ido, mas penso se tudo valeu a pena.. distância, sonhos... intensidade.

Caminho.
Caminho...

...uma pedra no sapato... pedra-semente.. a jogo de lado... ela germina e sua folha verde parece me acenar um tchau. Significaria isso algo? Não respiro muito bem... " it's pollen, man...it's pollen... "... sua mente está longe dali... você pensa se valeu a pena... "tudo vale a pena quando a alma não é pequena"... você se lembra do trecho mais chato/cheap de Fernando Pessoa ... sua alma tem o tamanho de um grão... que não germina.

Relaxe... vc relaxa e flutua... sua cabeça no teto. Seus olhos caem sob o peso do sono. Diante de algo que te parece óbvio, vc sussurra pra si mesmo.... o problema é outro... o problema é espiritual.

"...open your hands..."

.... minhas mãos se abrem entre mãos algumas... há energia pra dissipar mas eu as fecho... "amanhã você acorda cedo, vamos dormir", digo pra mim mesmo. Caio no sono, mas acordo ainda mais uma vez antes de chegar o dia. Minhas mãos estão cerradas.

sábado, 7 de junho de 2014

UM UM UM

[Pra ser lidouvido]


[111]

Todo o homem de hoje, em quem a estatura moral e o relevo intelectual não sejam de pigmeu ou de charro, ama, quando ama, com o amor romântico.

O amor romântico é um produto extremo de séculos sobre séculos de influência cristã; e, tanto quanto à sua substância, como quanto à sequência do seu desenvolvimento, pode ser dado a conhecer a quem não o perceba comparando-o com uma veste, ou traje, que a alma ou a imaginação fabriquem para com ele vestir as criaturas, que acaso apareçam, e o espírito ache que lhes cabe.

Mas todo o traje, como não é eterno, dura tanto quanto dura; e em breve, sob a veste do ideal que formamos, que se esfacela, surge o corpo real da pessoa humana, em quem o vestimos.

O amor romântico, portanto, é um caminho de desilusão. Só o não é quando a desilusão, aceita desde o princípio, decide variar de ideal constantemente, tecer constantemente, nas oficinas da alma, novos trajes, com que constantemente se renove o aspecto da criatura, por eles vestida.
Fernando Pessoa, O livro do desassossego