quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

Já foi?

Situação estranha que é essa de ter um orgasmo. Ainda mais, de gozar em linguas diferentes. Em inglês, seria um "veio" ("to come"), da mesma maneira que em Francês (viens). Por sua vez, em Japonês se vai ("iku", do verbo ir... mas que, provavelmente, um japonês nativo há de te dizer que o kanji é diferennte, embora sejam verbos homófonos). Em Português, diferentemente dessas outras linguas, nem se vai, nem se vem, nem mesmo se fica: se goza. Como se fosse o fim de uma ato que findasse em plenitude. "-Nem fui, nem vim, e nem me pergunto como cheguei aqui: só sei que me deleitei".

A parte mais curiosa dessa jornada a algum lugar, essa promenade "pra aproveitar algo", é o fato de que, diferentemente de passeios de barco, de lancha, de jet-ski ou de charretes, não se pode ir neles sozinho (well...técnicamente sim... mas vamos ignorar esse detalhe): são passeios em grupo, onde se vai na garupa de alguém, ou ao lado de alguém - ou alguns, caso haja mais espaço no barco. 

De toda forma, por mais gente que caiba, a questão toda dessa viagem vai além do transporte: é uma viagem em que nunca se sabe onde se vai chegar e, curiosamente, onde duas pessoas num mesmo barco podem viajar e chegar em lugares muitos distintos. Como um paradoxo Físico, partículas regidas pelas mesmas equações e gozando (!) das mesmas condições iniciais acabam chegando a lugares distintos num mesmo intervalo de tempo. Gozar tem essa natureza absurda-quase-quântica - a de estar e não estar num mesmo lugar, e ainda assim não ser quantico, por não ser quantizado em pequenas parcelas: quando vem, é como uma erupção, consumindo todas as cidades e vilas nos arredores. 

Mas vejam: eu também já me desvio e vou parar num outro lugar que não oque imaginava.  Me perdõem... me perco, mas agora volto! (Francês ou Inglês?) Fiquei pensando essa semana nessa natureza linguística do orgasmo e, me arriscando numa auto-avaliação que me levasse a vales mais distantes dos infortúnios de se chegar a ele. Me perguntei, como é difícil exercer esse papel de viajante, entertainer, e guia de grupo que o prazer nos exige: você ali, com a bandeirinha, chamando a atenção de viajantes que se perdem em fotos e selfies, discutindo o troco em barraquinhas de milho, em sonecas num banco de praça. Isso quando você não é a pessoa a ser chamada a atenção. Sim, meus caríssimos leitor(a)es: muitas vezes somos nós a nos perdermos ao longo de tal viagem e, quando regressamos ao grupo, levamos uma bronca por deixarmos todos esperando: "-o ônibus já estava de saída!!".  Isso, claro, no melhor dos cenários: às vezes o ônibus já saiu há tempos!

É.... gozar é difícil, se é que vocês me entendem. E pior, muitas vezes acreditamos estar num hiking onde todos estão aproveitando, chegamos no cume da montanha, para vermos que estamos sozinhos lá em cima. "-Ué... cadê todo mundo?" De alguma maneira, o orgasmo tem essa estranha beleza de nos empurrar em contato com oque temos de mais egoísta. 

No entanto, se nos mantivermos atentos, o orgasmo pode também nos aproximar daquilo que temos de mais "autruístas": o doar-se para uma causa nobre, o ceder para que todos aproveitem a viagem. E, não se esqueçam da bela lição que pode nos dar para que melhor saibamos ouvir e aprender diante de fracassos e vergonhas. Isso porque, é claro, muitas vezes assumimos que todos estão adorando tudo quando, no fim das contas, uns estão sendo comidos vivos pelos mosquitos enquanto nos lambuzamos de repelente. O orgasmo nos mostra essa grande virtude que é ouvir, admitir erros, e também saber dizer pros outros que não, a viagem não foi boa (ou, ao menos, não chegam a um lugar comum ao fim dela). Lembro da primeira vez que uma ex me disse que havia mentido, "faked it". Ao mesmo tempo fiquei envergonhado e feliz: uma certa vergonha pra mim (presunçoso) e pra ela (de certa forma), que se sentiu pequena por não ter dito a verdade. Nesses momentos, rápidos e efêmeros como de átomos que se dividem, a gente pode aprender muito: alguns se escondem e os evitam, enquanto outros (presumo que fora nosso caso) resolvem correr ao guichê pra comprar mais tickets, viajarem novamente e seguirem aproveitando a paisagem até, eventualmente, aprenderem a viajar juntos.

Mas, claro, tudo depende da pessoa... é difícil nos vacinarmos contra essa presunção de que o outro "chegou lá também". Lendo  Jorge Amado encontrei esse trecho em que ele descreve, de maneira sutil, mas sem delongas ou palavras desncessárias, o famoso "- oque... você já gozou?pelo qual todo homem passa. E, se não passou, é mentira: esses devem ser os que mais rápido terminam tal ato. 

"Foi tudo muito rápido e pudibundo, por assim dizer. Muito diverso de quanto conhecera Dona Flor, e por isso mesma ela se perdeu e não o alcançou em tão mudo e austero possuir-se. Apenas desamarrara no pasto do desejo e já ouvia o canto de vitória do marido no outro extremo da campina. Ficou Dona Flor como perdida, opressa, uma vontade de chorar."

Dona Flor e seus dois maridos, Jorge Amado. 


Uma arte. 

Um exercício (zen, talvez?). 

Uma viagem. 

Uma lição. 

Um passeio.

Um devaneio. 

Um sonho.

"-ihhh .... já dormiu?"