sábado, 27 de julho de 2019

Direto da Terra do Sol Nascente #57: se você pretende navegar despropósitos, ao menos leve uma bóia

Ao nos encontrarmos num momento em que oque nos cerca é muito díspar do que somos, como morando em uma cultura muito diferente, não é incomum termos dificuldade em nos relacionarmos com os locais: os costumes são outros, a lingua pode ser outra, os interesses e valores também. Assim eu, nessas circunstâncias, me pego no Japão me perguntando pela milionésima vez: "oque ainda estou fazendo aqui?!" 

É difícil esse processo... a pessoa que mais culpo por ainda estar aqui sou eu mesmo, oque me faz ficar pior ainda, e ser mais injusto comigo mesmo. Às vezes tenho a impressão de que se quisesse mudar seria assim, do dia pra noite, mas.... de maneira estável essa transição não ocorre assim fácilmente. E dificilmente abriria mão disso: não consigo conceber a idéia de sair de um lugar pra outro sem ter nada em mãos. Sem falar que, sendo cidadão brasileiro, o único lugar mais óbvio que me aceitaria nesse mundo é a pátria amada idolatrada salve-salve, ela mesma... eu lá, no sofá da casa da minha mãe.

Não, inconcebível!

Oque tem acontecido recentemente é que, como uma ampulheta na qual a areia do tempo se esvai e corre, pareço eu também estar me esvaindo de propósito... algo que pode ser tanto visto pelo lado bom ou pelo lado ruim. Mas... sim, isso envolve a espera, por coisas sobre as quais não tenho muito controle. 

Desde que vim acho que ninguém conseguiu vislumbrar a dimensão do que é esse abismo: nunca passei tanto tempo na minha vida sozinho e comigo mesmo, e isso deve ser uma lição de algo.... talvez de resiliência, talvez de algo que ainda não consiga saber oque é. E, quando não sozinho, viver relações estranhas que carecem substância: como ter um "amigo" que trabalha num café mas cujos "hi, Rafael" sempre terminam num "what would you like today?". Relações meio "crédito ou débito", sabe? Ou sair com outros westerners que não têm nada a ver comigo (não muito diferente do que relatei uma vez neste post aqui, em 2011!). Realmente, conhecer seus limites num mundo que tenta violar suas "fronteiras", que corrompe individualidades e nos força a situações que nada têm a ver com a gente é um desafio. Que pode acabar em dor, pois em muitos casos a única opção restante é o afastamento, e você se apegar àquilo que traz dentro de si¹

Estava ouvindo essa semana (mais uma vez, num this american life, desta vez sobre americanos em Paris) quando um dos entrevistados fala sobre ser invisível diante dos olhos dos outros, sobre estar sozinho, sobre entrar numa loja e ser notado por alguém, ter micro conversas pelas quais ele anseia ao longo de um dia. Estar aqui é um pouco isso: você acaba aprendendo a matar a sede com agua de chuva, a comer migalhas.. ainda assim, você segue pelo mundo com fome e sede. 

--------------------------------------------------
1. Oque me faz me lembrar desse post, onde há um texto lindo de Rilke sobre, se estar só, dentre outras coisas:

https://matematicosmarcovaldos.blogspot.com/2012/05/sob-uma-outra-perspectiva.html

Nenhum comentário: