terça-feira, 27 de setembro de 2022

Terra Brasilis : toda forma de amor

 Tem um tempo já: minha mãe começou a falar de um amigo da época em que trabalhava numa empresa como secretária, época em que eu nem existia ainda. "-É, conheço F desde que ele tinha 19 anos." Eu não achei nada de mais: "-Legal, mãe. Feliz que você mantém contato com amigos de tão longa data."

Passou um tempo e minha mãe foi na casa dela enquanto ele a visitava. "- Foi estranho... a mãe parecia uma adolescente. Será que ela e ele estão ficando ou algo assim?" Não descartei a hipótese, mas achei pouco provável.

No final de semana foi aniversário do meu sobrinho. Na hora de darmos tchau para s donos da casa (os avós paternos, ele decendente de japonese) minha mãe, num tom de piada-confissão, disse à outra avó: "- Quem diria... eu também arrumei um japonês", e emendou a contar a estória na frente de todo mundo, à queima roupa, como se nada tivesse acontecido.

Vai ver pra mim soou como algo fora do comum - uma senhora de mais de 70 anos começar a namorar, mas... vai ver é a coisa mais normal do mundo mesmo e eu que me adeque "aos novos tempos".

Em todo caso, fiquei feliz e surpreso... o Brasil tem me surpreendido com umas coisas que nunca imaginaria.

quinta-feira, 22 de setembro de 2022

Contato humano

Uma das coisas que eu mais buscava nessa volta ao Brasil era contato humano. Apesar disso, parece-me que ando tendo menos contato humano aqui do que no Japão. 

Por que será? 

A grande questão talvez seja o home office, claro. Mas disso nasceu uma percepção: a de que, por mais que eu goste do contato com família e amigos, me sinto ainda mais "socialmente nutrido" quando tenho contato com estranhos.

Sim, ter contato com amigos é bom, é gostoso. Mas é o contato com estranho que nos traz algo mais, uma interação que nos mostra que somos cercados de um mundo de regras sociais invisíveis que devemos seguir, respeitar e nos equilibrar. Amigos, famílias, também têm isso, claro! Mas são linhas menos tensas; quando são estranho, essas linhas são tão tensas que, se não nos cuidarmos, podemos rompê-las. 

Enfim.. foi só um pensamento breve.

sábado, 10 de setembro de 2022

Terra Brasilis : cápsula do tempo

Lá se foram mais de três meses desde que aportei nesses trópicos. 

A vida parece seguir rápida como água que corre montanha abaixo depois de chuva forte, corredeira voraz que quer levar tudo no seu caminho. Eu, tento me agarrar ao que posso para não ser levado junto.

Nas duas últimas semanas chegaram pelo correio as caixas que havia enviado lá do Japão meses atrás. Muito estranho recebê-las, abrí-las e sentir aquela sensação estranha... porque será que eu me enviei essas coisas? Eu realmente dava valor pra essas coisas ou eu simplesmente achava que elas seriam úteis para mim no futuro? Me perco em perguntas retóricas, sem esperança de uma resposta.

Foi um estranhamento completo.. um misto de curiosidade com toques de desdém: me pergunto se o Rafaello do passado olhava pro futuro e pensava que tais objetos, livros e afins seriam úteis ao Rafaello do futuro. Gosh, como eu estava errado em várias coisas. 

Me abro a me perguntar se, de fato, foi um erro meu ou simplesmente uma admissão de que minha vida acabou tomando rumos que não pude antever. Rumos para os quais não tinha ferramentas disponíveis em mãos quando saí de lá; há coisas cuja utilidade só vamos ter consciência adiante, quando soubermos da existência dos seus propósitos. E havia um monte de propósitos que eu ignorava (e ainda ignoro). Como antecipá-los? Impossível.

De alguma forma abrir essas caixas foi tocar numa cápsula do tempo, uma evidência paupável do meu apego a coisas, uma evidência visível de que minha vida parecia não ser muito (minimalismo?), um snapshot de uma vida que um dia foi e agora mudou, um esboço de alicerces de coisas que já não me sustentam mais... um desconforto em formato físico.

Ainda assim, a curiosidade (que bem citei acima) fez do evento de rever essas caixas uma experiência ambivalente: senti também fagulhas de felicidade em rever um rascunho, um livro, um desenho, uma peça de arte que um dia fez parte da minha antiga casa. Uma parte de mim que um dia foi maior e hoje é só mais um capítulo que escrevi e mal me dei conta de que acabou. De certa forma, reencontrar esses objetos sela o fim dessa estória, símbolos do último elo que me mantinha unido ao Japão.. um fio de Ariadne preso neles (ou seria em mim?) garantindo que um dia nos encontraríamos de novo, e que nesse labirinto de dias fortuitos e escolhas que se avolumam em direção ao futuro, houvesse um garantia de que nunca nos perderíamos uns dos outros.