sábado, 15 de setembro de 2012

Grief ( ou "abraço chinês")

Eu não gosto muito de fazer desse blog um diário explícito do que vivo passo (ou do que passa por mim), mas ontem aconteceu algo que não foi muito comum e tem muito a ver com essa coisa toda de morar longe de tudo e todos por muito tempo, de fazer um doutorado num lugar onde não só estudar se precisa, mas dar aula, ou corrigir mil listas de exercícios chatas pra cacete etc ( bem diferente dos padrões CNpQ, no Brasil)


No final da aula da manhã uma colega chinesa vira pra trás da carteira dela, olha pra mim com um olhar desesperado e me diz: " -I need your help". Na hora percebi o quão mal ela estava. Perguntei se era questão de ir com ela ao hospital da universidade. Não... ela não estava doente; só precisava de ajuda pra ir até a sala dela. Saí andando na frente com minha mala e a dela nas costas, mas qdo percebi ela estava lá atrás:  não conseguia andar direito. Voltei e ela segurou no meu braço. E ela fazia isso com um desespero de uma criança com medo de escuro. Na hora percebi a proporção da coisa toda, mas não sabia bem oque fazer.

No meio da escada paramos, ela começou a chorar muito... ficamos ali mais uns minutos até que ela pudesse andar de novo. Seguimos um andar, dois andares.. e chegamos ao escritório. Ela se sentou e começou a me contar que recebera a notícia do falecimento do avô naquela manhã, logo antes da aula. Agora, com o semestre já começado, ela não pode voltar pra china para o funeral, oque dói mais ainda nela. "-Há quantos anos você não o via?"

"- Desde
[lágrima]
que vim
[lágrima]
pra cá"

[lágrimas +  lágrimas]
[Oque significa 4 anos]

Tentei confortá-la dizendo o quanto é difícil mesmo essa situação de ficar longe dos nossos. Contei meu caso de crise no império americano, como foi difícil levar isso "sozinho", distante de amigos e família, de como foi o processo de luto ( grief) pra mim, diante das perdas que estava vivenciando. Ela pareceu um pouco mais calma, mas logo começou a me contar a história dela, cheia de choro nos olhos, olhando para o chão. Na verdade, os dois olhando para o chão, cheio de rascunhos matemáticos, cada um em uma cadeira.

Ficava olhando pro sapato dela, no qual estava escrito " he loves me now", e onde tinha uma margarida sem uma pétala. Pensei no quão contraditório era aquilo, pruma chinesa que com 99% de certeza nunca deu um beijo em alguém. Ela continuava falando do avô, da distância, do fato de não ter voltado à China em quatro anos... Logo era eu que estava chorando também, pensando em como seria difícil perder minha mãe ou algo parecido. Ficamos lá, cada um no seu mundo/lugar, chorando sua própria tristeza. Passou-se um tempo e, além de muitas outras coisas, falei: "- Vá pra casa e chore o que vc quer/tem que chorar. Respeite-se... respeite a sua dor" ....

[falei isso por que ela é uma workaholic do caraleo]

Levantei-me, precisava ir embora. Segurei nas mãos dela dizendo " passo na sua sala mais tarde pra ver se vc está bem... não fique assim: vc tem amigos aqui, não se esqueça disso".. Aí os olhos dela se encheram de água de novo, enquanto ela segurava minhas mãos cheia de " -thank you,...thank you...". Aí eu dei um abraço nela (acho que ela não esperava por isso), ela continuou chorando (mais ainda... como uma chuva que começa a cair mais e mais forte). Saí da sala...e segui pra um dia de trabalho escravo corrigindo provas. Precisava ligar pra minha mãe pra pedir pra ela ficar bem sempre.... como quando eu era criança e me deixava na escola: eu, com medo de que ela me esquecesse lá e não me viesse buscar na saída por algum motivo: ela me esquecer, ela encontrar uma criança menos bagunceira no supermercado...sei lá. Peguei o telefone... mas não liguei... não queria assustá-la. Guardei minha angústia acreditando que ela sempre vai estar lá pra mim.


[Acordei com essa música na cabeça]
[me perdoem pelo vídeo... não tenho mais como adicioná-los em tamanho pequeno]



[mas enfim: acordei com essa música na cabeça]
[na qual vejo uma descrição de luto]
[...onde se chega a um estado de quase nada... só lama e escuridão... e no qual pensamos se é possível trocar tudo isso por alegria de novo: um céu azul pela nossa dor, nossas cinzas por árvores, o ar quente que nos asfixia por uma brisa fresquinha...]
[embora nada disso vá trazer a pessoa que se foi - não necessariamente por ter morrido - de volta]
[Vai ver eu sou mais um que entendi essa música erradamente... vai saber?]



3 comentários:

Rafael disse...

Talvez tenha sido meio "espirito de porco" da minha parte, mas eu tirei uma foto do sapato dela pra desenhar depois aqui; isso pq olhei tanto, mas tanto pra ele q pensei que não tinha como não fazer isso.

Helena Rodrigues disse...

Muitas vezes, um abraço é essencial para minimizar nossa dor!

Rafael disse...

Sim, Helena: ainda mais numa terra onde as pessoas não se abraçam muito.