terça-feira, 21 de dezembro de 2021

Letrada e safada

Há algumas semanas conversava com um amigo indiano que estava pra voltar à India pra casar. Havia enrolado a namorada uns 5 anos, até que ela e as famílias dos dois deram uma pressionada e ele cedeu. Eu, curioso, resolvi perguntar mais sobre o caso.

- Mas pérai...  como as pessoas se conhecem e casam no teu país se você não pode chegar numa pessoa diretamente?

- No meu caso, eu falei pra minha mãe o tipo de esposa que eu queria. 

- E que tipo que era? - perguntei.

- Tinha que ter mais ou menos a minha idade, e ter um mestrado.

- What!!! Mestrado? Pra que que você quer um mestrado?! Tanta coisa boa pra procurar em alguém e você quer um mestrado?!

- Ahhh deixa a vida mais fácil. Seja por conta das conversas que podemos ter, ou caso a gente mude de país... Aí ela pode aprender outra coisa mais facilmente, ou encontrar um emprego com mais facilidade.

Na hora fiquei pensando a respeito e vi que, de alguma maneira, até fazia sentido... Me perguntei então se também tenho exigências do tipo. Ou pior, exigências implícitas, que nem me dou conta! Será? Fiquei pensando na hora e cheguei à conclusão que sim, estudo conta, claro. Mas, no meu caso, acho que a combinação "letrada e safada" seria o melhor dos dois mundos :) 

Fiquei me imaginando num mundo em que eu fosse indiano, falando isso pros meus pais: 
"-Olha, mãe. Olha, pai.... pra inteligência a conversa basta. Agora... ser safada... é mais difícil, né? Safadeza é química, jeito de olhar, de desejar, de se doar".  É... o tipo de coisa que é fácil de saber quando está ali, mas difícil de descrever pra alguém... e meus pais, os conhecendo bem, certamente errariam na escolha: se dependesse da minha mãe, casaria com alguma filha de amiga dela, fofinha, meiga, etc. Por outro lado, se dependesse do meu pai, acabaria com alguma mulher bem barraqueira, sem juízo algum.

É, pessoal.... independentemente do cenário dos horrores acima, ainda fico feliz por poder fazer tal escolha e "errar por mim mesmo", pois se tivésse nascido na Índia teria sido um celibatário sem salvação. Ou, se dependesse dos meus pais, bem mal arrumado no amor. 

quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

Faz zum-zum pra mim

Saudações, leitores amados.

Aqui quem vos escreve é seu abelho-carneirinho preferido. Agora, fazendo zum-zum pra vocês.

Ou melhor, pra mim mesmo.

E olha que antes achava que quem fazia zum-zum era meu refrigerador (declamando um eterno e repetitivo "o meu refrigerador não funciona").  

Mas não. Descobri que o tal zum-zum é tinnitus. Bem que esse som que ali não está - mas insiste em aparecer - poderia ser de aplausos, ou pessoas me ovacionando enquanto ando na rua, mulheres me professando desejos indizíveis em público, ou pessoas dizendo o quanto me gostam ou admiram... mas que nada: sons que só me visitam no silêncio da noite, entrando de baixo das cobertas comigo e me dizendo suavemente ao pé do ouvido.. "zuuuuuuuuuuu".. 

Afff... esse amor monótono que nada de novo me declara. Falasse, antes fosse, que me quer, que me gosta, me deseja, que vai me abandonar assim que eu deixar de ter um sustento... mas só fazer zum-zum pra eu ver, fazer zum-zum pra mim? Não... assi-sim ni-ninguém aguenta. Assi-sim ni-ninguém dorme direito (eu muito menos). 

Me ame: ok, faça como queira.
Mas me deixe.
Ainda mais agora que sei que você está por perto, indesejadamente.


sábado, 27 de novembro de 2021

Direto da Terra do Sol Nascente #119: só poderia ser amor... (ou, talvez, o contrato)

[Bato na porta]

- Professor boss? Are you there?

-Yeeeessss

[Ele responde, com um yes bem longo]

- I have something to tell you. Well... you know... it's hard to say this, but I'll be leaving next year, in February...

- Ohh!!! Good! So, you have found your next position...

- No. Actually, I have not.

- How are you leaving then, if you have no next job?

-Well.. it's complicated. I just think that..

-Because in general people find a job before leaving their current job.

-...but I..

-Because you know that you can stay longer if you want, we'll be happy to have you here 'til the end of your contract..

-...but...

- What don't you do some more thinking and let us know? 


[Pronto, falei! ]

[Fiquei surpreso com a reação do meu chefe, quase "paternal", diria]

[Inesperado para um japonês. Foi bom, sentir-me benquisto onde trabalho, numa cultural tão different da minha.]

[Ainda meio assustado diante das minhas próprias deliberações, mas... acredito que esse barco já saiu do porto e a ele não volta mais.]

[...rumo ao desconhecido mundo lá fora, aqui vamos nós]

quarta-feira, 24 de novembro de 2021

Direto da Terra do Sol Nascente #118: carnaval japonês (ou "quebrando o contrato")

 É agora... respiro fundo, vou dizer tudo oque penso.  Dizer que me cansei, que vou embora, que de hoje não passa... 

..bato na porta, "shitsure-shimasu", come licença já entrando... 

...ninguém na sala.

"-Maybe our boss is hiding under his desk... we just don't want you to leave us", me disse a secretária.

Vai saber... tento de novo mais tarde.

quinta-feira, 18 de novembro de 2021

Love in the time of crisis


Reinterpretação de "serious love", de Roy Lichtenstein.


[Ficaria mais confortável se fosse a mulher falando, mas... acho que é justo dizer que todo lado de uma relação tem suas condições.]

[Com isso, tento ser honesto também, ao admitir que relacionamento é algo a dois, e são dois os universos que se encontram nele.]

[Em todo caso, sempre achei uma piada esses ads em que o "terms and conditions apply" é dito bem rápido ao fim da propaganda, ou em letras diminutas num cantinho... Depois de tantos amores que naufragaram antes de chegar na praia, talvez possa dizer que  relacionamentos não são lá muito diferentes disso.]

segunda-feira, 8 de novembro de 2021

Direto da Terra do Sol Nascente #117: "stepping into the void"

Estava pensando ontem, como a palavra "muda" tem tantos conceitos distintos: uma planta que ainda requer cuidado para florescer em árvore, uma pessoa que não pode falar, e uma mudança que se está pra fazer. Muda ou não muda? Me calo e penso... acho que sim, que mudo. 

Há um tempo já tenho enrolado com essa estória, mas acho que chegou o momento de dar esse passo em direção a algo que não sei muito bem oque é. Curioso, por que sempre ouvia as pessoas me acharem "destemido" ou ousado por ter me mudado pra tantos lugares. E tinha razão: em suas devidas proporções, tudo isso foi fácil, pois sempre soube de onde saía e pra onde ia. Dessa vez... sair da minha casa pra ir pro...sofá da minha mãe? Wow!! Nunca sonharia com isso... mas talvez seja oque a vida esteja pedindo por agora... meio que me surpreendo em, deliberadamente, ir nessa direção, como se sacrificasse uma rainha no xadrez ao vislumbrar um xeque-mate no horizonte.

É estranho... um enorme desconforto. Como se desse um passo em direção ao vazio, andando sobre uma corda bamba sem ter uma rede de proteção lá em baixo. O afago dos amigos, da família, muitas vezes chega e acabam rechaçados... demorou pra que eu entendesse minha hostilidade e pudesse dizer que agradeço, mas que são mais que palavras aquilo que poderia me acolher agora. Alguém que entenda o medo, minha ansiedade?

Tenho lido "Quarto de despejo" e, comparativamente,  me sinto envergonhado em pensar nessas coisas. Não por sentir que tenho muito, mas por saber que existe um monte de gente por esse mundo que vive com essa angústia dentro de si todos os dias, semana a semana, sem saberem se vão comer, ter onde dormir, onde viver, se vão ter como se manter em pé. É uma sensação desconfortável de me sentir ali, nas entrelinhas, dentre as palavras dela, preso dentro de uma miséria que parece estrutural, indissociável... às vezes fico me perguntando se oque me falta para mudar é simplesmente fazê-lo. "Ir, dar as caras, pegar um touro pelo chifre"... 

Realmente... acho que nunca passei por grandes riscos nessa vida. Me deixo a pensar oque é então correr um risco. O medo de cair, de tropeçar, de me deixar levar pelo vento...? O medo e o risco, intrinsecamente ligados à nossa matéria prima, a fragilidade. Oque nos dá contorno e nos guia, fazendo-nos evitar pedras em falso, nos jogarmos pelo mundo a cair em redemoinhos, chutar pedras, atirar em nuvens, plantar bananeiras no cruzamento de Shibuya.... 

Viver, se arriscar, e ter serenidade pra aprender diante da fragilidade que nos faz crescer... sei lá... quem sabe...


terça-feira, 12 de outubro de 2021

Bedbug-free love

Hoje saí pra celebrar o aniversário de uma amiga latino-americana. Vocês sabem: esse pessoal da américa latina acaba se encontrando e encontrando coisas em comum que, nem sempre, são lá tão comuns assim. Enfim, só sei que versei a falar que não me lembrava de muitos aniversários: 33 anos? Não lembro. 25? Não faço idéia. 

E os 30?

Os 30 eu lembro. Foi um frio dia na mini-apple, logo depois de eu ter descoberto que minha casa estava infestada com bedbugs. Havia começado a sair com uma moça que logo depois passaria a ser namorada, mas tudo estava no começo ainda, aquela relação no vácuo, onde nada é bem definido, nem qualquer compromisso. Mas enfim, lá estava eu, dezembro, voltando pra casa às pressas pra poder empacotar tudo porque na manhã seguinte viria o pessoal da dedetização.

Mas porque eu estou falando disso? Bom, oquecompartilhei com a minha amiga não foi o evento em si, mas meu medo de achar que meus amigos, assim que soubessem, deixariam de sair comigo, e que a moça me daria um fora. "-Aqui em casa você não vem..", ou um "-Melhor nos encontrarmos no café lá do outro lado da cidade". Realmente, fiquei bastante assustado, achando que uma vez que a moça que soubesse seria o fim. "-Let's not see each other for a while... I don't think this... you know, it is not you or this bedbug-thing , it's me... it's me...". Well... eu aguardei por este momento e o antecipei em conversas na minha cabeça por um bom tempo, mas ele acabou não chegando.

Os begbugs, no entanto, ficaram lá em casa por mais um tempo. Inimigo invisível, como uma força maligna que se esconde dentro do armário, debaixo da cama, em cima da cama, na cama contigo enquanto você dorme. Realmente, eles quase me custaram umas tantas relações, mas enfim, depois de muito esforço (e 4 meses longe na Europa, delegando o problema pro meu então locatário de inverno que ali passava um sabático), voltei pra casa, e eles já não mais estavam.

-Ohhh Rafa... it was really love then...
- Who, the bedbugs?
- No, silly! The girl!
- Maybe... I just think the winters were tough.. hard to face them by yourself....

Um abraço de aniversário termina a noite. Minha amiga dá tchau, e uns tapas na roupa pra espantar qualquer bicho... olho pra trás, ela disfarça... pelo visto perdi uma amiga... não deveria ter falado nada... malditos insetos!

terça-feira, 28 de setembro de 2021

Dear editor...

Dear referees and editors.

Anonymity does not grant you rights to be jerks. 

I think you are a fuc**** idiots who have not read the paper. 

 Sincerely, 

Momo


[I wish I could leave the academic world in such a grand style]

[but I was a bit more polite than that 😁 ]

domingo, 26 de setembro de 2021

Medos

 Você tem medo de algo? Algum medo, muitos medos?

Eu tenho um medo do qual nunca havia me dado conta até recentemente: o de me tornar uma pessoa conservadora e extremista. Virar um adorador de Trump, ou passar a votar no Maluf, coisas do tipo. Envelhescer para a direita, como uma fruta madura que passou do ponto e agora só junta moscas.

Me pergunto o quão plausível é esse medo, e de onde ele vem... seria meu estarrecimento diante de conversas com pessoas mais velhas, desconectadas do mundo e fervorosas amantes de um mundo que no passado "era melhor"? Ou seria uma tendência que vejo em muitos de normalizar aquilo que não entendemos - "todos os políticos são iguais", "direita e esquerda são iguais" etc - e passar a ser uma pessoa apática, indiferente? 

Bom... ainda não cheguei a isso. E a conversa com amigos mais velhos que ainda se mantêm coerentes com os "eus" que um dia foram me dá a esperança de que sim, de que eu envelheça com coerência enquanto me permitindo amadurecer. Salve, salve!

Outro medo é um mais recente, que me veio depois que fiquei jogado como uma estrela do mar numa plataforma de metrô de Tóquio quando passei mal e quase desmaiei: o medo de morrer sem ver as pessoas que amo. Sem poder abraçar as pessoas que gosto. Sem poder fazer piada da minha mãe e rir dela, ou de mim, com a mesma. Sem poder ver meu sobrinho e vê-lo crescer. Sem poder ter uma casa com sofá onde eu tire uma soneca à tarde. Morrer longe, como um ostracismo eterno que se estende ad infinitum como uma pausa. Acho que é um dos maiores motivos pra que eu queira sair daqui ontem.

Até me pergunto se há outros medos por baixo da pele, escondidos nos sonhos, ignorados quando não deveriam ser, ou medos-que-não-suspeito-serem-medos. Bem capaz de serem esses dois os mais assustadores que, como uma ameaça, me perturbam. Talvez porque sejam coisas que, em princípio, não posso controlar: ninguém sabe quando a vida acaba, ninguém sabe oque há de ser o amanhã. 


Bom.. não era pra ser um post fúnebre, a falar de mortes ou coisa do tipo. Acredito que seja mais um post onde tento olhar pra mim mesmo, pra dentro, e ver oque tem me feito ponderar sobre algumas decisões que tenho que tomar em breve. "Temo, mas encaro", como uma antípoda ao "penso, logo existo", me soa mais coerente com esse mundo onde não só a racionalidade guia nossos passos, mas sim como lidamos com riscos, expectativas, ansiedades, temores, desejos...



sexta-feira, 24 de setembro de 2021

Direto da Terra do Sol Nascente #116: A-RAS-SU-KA

 Alaska. A-RAS-SU-KA. Grande e vermelho. Vejo daqui, da minha janela.

Tão bom sair de casa. Andar por outras ruas. Desprogramar. Isso, desprogramar uma vida de rotina, de atalhos que nos fazem escorregar pelo mundo de maneira óbvia, sem mais explorá-lo. 

Alaska. A-RAS-SU-KA. Um pedaço de gelo sobre a cabeça. É que bati agora há pouco, numa quina de um móvel. Pqp. Sangue. Ao menos com tão pouco não fico mal. Aguento. Sigo. tomo rumo. Lá vou eu, pelas ruas com um saquinho de gelo na cabeça. Não mais perdido, pois as ruas começam a me ser um pouco mais as mesmas. 

Quanta gente mais velha... pouca gente nova. Me pergunto oque é crescer numa cidade tão pequena. Ando. Olho pra dentro dos poucos cafés. Crianças no pós escola, sentadas, estudando juntas. Uns poucos jovens, 20-30 e poucos anos, descolados.... "-Ahh você vem de AAAA você conhece XXX-san? Um que usa um chapéu bem grande? " Pelo visto todos os descolados de cidades pequenas se conhecem nessa pequena terra do sol nascente.  Me pergunto oque seria ter ficado. Oque seria andar sempre pelas mesmas ruas. Oque nos faz ir pra tão longe, ficar tão perto, partir, voltar....

Alaska... você já foi?! Dizem que é lindo. um casal de amigos estão com planos de se mudar pra lá. Uma amiga, ex-roommate, mudou pra lá uma época. Vivia me convidado pra ir visitá-la, conhecer o então namorado e curtir uma neve. Achei melhor não ir... ela era meio doida. Me perguntava oque levaria uma pessoa pra um lugar tão remoto. Beleza? Curiosidade? 

Será que o Japão é remoto? Será que eu sou descolado?

Estava lendo um livro, da Esther Duflo e do esposo dela, em que ela fala sobre as origens de tanta migração, do porque das pessoas migrarem etc. Comecei a me perguntar se o meu motivo para migrar não foi outro senão uma anomalia. Anomalus migrantis: espécie estpupida que percorre o mundo a esmo, não foge de guerra, de violẽncia, de perseguição política... hei... será que fujo? Da pobreza, da desigualdade abissal que separa ricos e pobres no Brasil, da fome estridente que salta aos olhos e dói na alma, da estupidez das elites aristocráticas e egoístas (bom...nisso o Brasil não está sozinho), da classe média sempre-assustada-com-medo-de-perder-o-pouco-que-tem, das favelas que sobem os morros?!?! 

Faz tempo que não nos vemos, Brasil.... será que você mudou algo? Será que estou sendo injusto contigo? Será que teus abraços mornos não viraram nada mais, nada menos que um toque frio "à la Alaska" de um parente distante que se ve uma vez a cada 3 anos?

Era só pra ser uma viagem. Marcar o fim de um ciclo. O fim de uma era. Alaska? Bem gostaria: ver um alce, um urso, tomar um suco de berrys com gelo da rua... férias...yasumi... pena que tá acabando.




quarta-feira, 15 de setembro de 2021

Intimidade

Foi num sonho. Uma moça com a qual saía enquanto no Brasil, há muitos e muitos anos. 
Conversávamos como se estivéssemos de saída, como se passássemos muito tempo próximos (emocionalmente). Confortáveis um com o outro, diria. 

Íntimos. Ou quase isso, como vocês verão em breve ;)

Ela me descrevia oque trouxera pr'aquela viagem, oque queria fazer, com a casualidade de encontros múltiplos que só o universo dos sonhos nos permite (dados tantos milhares de quilômetros de distância). "Trouxe o vestido...." e por aí vai..

A conversa se estende, e vai para o banheiro,  onde eu estou escovando os dentes e ela falando comigo. Aí, no auge da conversa-intimidade, ela se senta e faz xixi.

Isso. Como se não houvesse amanhã ou barreiras entre nós. 

No sonho, oque mais me deixou surpreso, foi a súbita sensação de estranheza daquela cena. Me senti como no "eyes wide shut", do Kubrick, logo no comecinho.



Eyes Wide Shut, by Stanley Kubrick (1999) 
Opening scene (with Nicole Kidman & Tom Cruise)

O mais curioso foi, dentro do sonho, ter essa percepção da camada de intimidade - meio não desejada, mas ainda assim intimidade - que aquilo implicava. 

Há uma cena parecida num outro lugar, um livro do Garcia Marques (o Amor nos tempos do cólera, acho): a esposa está passando mal, aí o marido a ajuda a vomitar e tudo o mais. Aí, ele também meio bêbado, se levanta cansado depois de acolhê-la, e agora ele vai e faz xixi na frente dela. Acho que nunca havia me dado conta da estranheza da cena. Se não me engano a cena é narrada sob o ponto de vista dela, que relata a força com a qual ele urina, a masculinidade daquele barulho, daquela brutalidade.... 

....vai ver só "acordei" pra esse detalhe enquanto dormia, ao sonhar.

domingo, 29 de agosto de 2021

A encantável geometria do desconhecido

 Já vi de tudo nessa vida. Bom, nem ouso enumerar e já me corrijo: já vi muita coisa. Não, me corrijo mais uma vez: já vi algumas coisas nessa vida. Umas poucas, digo mais humildemente. Vai ver por conta disso me surpreenda tão pouco com oque vejo: nada é novo, tudo é uma reelaboração de uma velha piada. Viver é um marasmo constante. Talvez, a arte de viver bem seja saber extrair poesia da seiva da mesmice.

Só sei que ontem, num repente de meio de conversa de vídeo, tive contato com algo novo: fui apresentado a um vibrador feminino.  
Fiquei intrigado: como é que.... por que será que.... como... porque tem esse formato? Fiquei mudo. 

Me senti como um ponto diminuto se deparando com uma geometria inimaginável. Como uma equação relativística que diz que espaço e gravidade se imiscuem como dois amantes inseparáveis, ali estava algo que - talvez mais surpreendente que qualquer desses fatos científicos - me estarreceu. Como será que um se conecta no outro? O peso de quem faz oque se curvar e mudar de forma? Incrível.... um objeto-pedacinho, ponto de curvatura infinita, vibrando sabe-se lá como e onde, em busca de uma orgasmica singularidade.  Nem Einstein explicaria como funciona.

Sei lá... tô meio perplexo ainda. 

[Um perplexo diferente do post anterior, diria.]

terça-feira, 17 de agosto de 2021

Pessoa-estátua

Por estes dias fiquei a me perguntar oque havia me deixado perplexo nessa vida. Na verdade me perdi um pouco mais, me perguntando como avaliamos um evento que nos atinge, previsível, ou algo inesperado, fora de qualquer horizonte de possibilidades vislumbradas. Me lembrei de uma surra que quase levei de um colega de escola que, eu então jurava, não seria pário para meus golpes fajutos de karate. Ou a prova de programação linear (otimização) durante a faculdade: fiz piada de todo o drama dos meus colegas de sala (que diziam que a matéria era difícil), disse que eram medos infundados, que a prova fora mais fácil do que imaginava, e até razoável.... e que jurava ter tirado no mínimo 8. Fui contemplado com um inesquecível 2.2., que carrego até hoje na memória.

Perplexidade, meus amigos...perplexidade. Um balde de água fria que nos demonstra o quanto nos aferramos a crenças infundadas, a idéias que no fundo não têm lastro. Talvez,nesse aspecto, a perplexidade seja um pouco como estarmos desnorteados: perdemos a total dimensão da direção que estamos indo ao nos darmos conta de que o compasso que nos guiava apontava na direção errada.

É curioso ter consciência da minha perplexidade. Talvez mais ainda é ver a perplexidade alheia. Vejo por estes dias a queda de Kabul, no Afeganistão, e a surpresa de todos que até então diziam que isso não aconteceria tão cedo (mesmo os jornais, até 2-3 dias atrás diziam que talvez demorasse um mês ou mais): Kabul jaz aos pés do Taleban neste momento. 

Me compadeço, me dói ver tudo isso.  Penso nessa surpresa toda e me pergunto o quanto dela não se dá por vermos as coisas superficialmente. Como as pessoas-iceberg que somos, assunto que discorri sobre no post anterior, há situações-iceberg, das quais achamos que se trata de um pequeno gelo mas que nos rompe o casco e nos naufraga em um piscar de olhos. Será que nos pautamos tanto assim em ver as coisas pela superfície? Nos aferramos tanto a imagens e a crenças que no fundo não tem valor quantitativo, qualitativo, ou causal, algum? 

Me lembrei de algo que ouvi o José Saramago falar há alguns anos, e que ele cita numa palestra que deu. Ele fala sobre suas obras, e faz umas referências ao livro Ensaio sobre a Cegueira:

"....durante catorze anos, me tivesse dedicado a descrever uma estátua. O que é a estátua? A estátua é a superfície da pedra, o resultado de retirar pedra da pedra. Descrever a estátua, o rosto, o gesto, as roupagens, a figura, é descrever o exterior da pedra, e essa descrição, metaforicamente, é o que encontramos nos romances a que me referi até agora. Quando terminei O Evangelho ainda não sabia que até então tinha andado a descrever estátuas. Tive de entender o novo mundo que se me apresentava ao abandonar a superfície da pedra e passar para o seu interior, e isso aconteceu com Ensaio sobre a Cegueira. Percebi, então, que alguma coisa tinha terminado na minha vida de escritor e que algo diferente estava a começar. 
O ensaio sobre a cegueira é a história de uma cegueira fulminante que ataca os habitantes de uma cidade. Poderia tratar-se de uma epidemia, de uma praga, isso não está explicado no livro nem importa, a única coisa que se diz é que a gente perde a visão. As consequências de uma cegueira com estas características são óbvias num mundo que, no fundamental, está organizado por e para o sentido da visão: todas as catástrofes imagináveis, e outras que nem queremos imaginar, acabariam arrasando a vida não apenas de um ponto de vista material, mas também destruiriam da noite para o dia todos os valores de consenso social, todas as regras, todas as normas. O homem converter-se-ia definitivamente em lobo do homem. Mas o autor crê que já estamos cegos com os olhos que temos, que não é necessário que nenhuma epidemia de cegueira venha a assolar a humanidade. Talvez os nossos olhos vejam, mas a nossa razão esteja cega. Não somos capazes de reconhecer que foi o ser humano quem inventou algo tão alheio à natureza como a crueldade. Nenhum animal é cruel, nenhum animal tortura outro animal. Têm de seguir as leis impostas pela vontade de sobreviver, mas torturar e humilhar os seus semelhantes são invenções da razão humana. O livro já não se empenha na descrição da estátua, é uma tentativa de entrar no interior da pedra, no mais profundo de nós mesmos, é uma tentativa de nos perguntarmos o quê e quem somos. E para quê. Provavelmente não existe uma resposta e, se existisse, seguramente não seria eu a pessoa capaz de oferecê-la. No fundo, o que o livro quis expressar é muito simples: se somos assim, que cada um se pergunte porquê."

Sabemos que somos propensos a uma infinitude de enganos, de apego a superficialidades, de jogadas de poeira pra debaixo do tapete, de apego a superficialidades... uma espécie de cegueira diante das atitudes dos outros, de situações, de nós mesmos, de fatos que ou  insistimos em negar ou que simplesmente não nos estão disponíveis naquele momento. Seria a superficialidade parte da condição humana? Parte da sua condição de pobreza intelectual, ou subserviência do seu pensar diante do seu sentir? Parte do avaliar só por cima, do achar que as pessoas são felizes pelas fotos que têm em rede social? De acharmos que alguém é importante pelos títulos que tem? 1

Em geral não existem miopia ao olharmos em retrospecto. Infelizmente, só quando olhamos pra trás, pois a cegueira parece ser algo intrínseco a nossa natureza... e vive nos nossos olhos a todo o momento.


1 Recentemente, lendo um jornal brasileiro, encontrei uma coluna de um "bonitão right-wing", presidente de um instituto do qual eu nunca ouvira falar (que, pelo vim a saber depois, é insignificante mesmo). Instituto este que ele mesmo fundou. Anyway, pelo visto a idéia atrai olhares, e sempre vai bem no Linkedin te o título de "head of", ou "presidente/CEO" 😛  

  

 

sexta-feira, 13 de agosto de 2021

Pessoa-iceberg

Pouca gente repara nisso, mas há algo muito comum nas pessoas que se expõe ou resolvem criar algo: oque elas mostram em geral é somente uma fração diminuta do que elas realmente criaram. E nem falo sobre o fato do trabalho ter sido reduzido, polido, enxugado a um produto final. Falo, isso sim, de só vermos aquilo que o autor considera digno (ou com algum valor) para chegar à luz do dia.


Acho que todos que criam tem isso, de uma maneira ou outra. Há algum tempo soube que o Prince tem um arquivo gigantesco de coisas que gravou em seu estúdio, mas que nunca considerou para divulgação (a família que está lucrando com essa estória). Adiciona-se a isso outros nomes: Jimi Hendrix, J.D. Salinger etc. Tudo oque essas pessoas publicaram em vida é uma ponta de iceberg diante daquilo que veio depois. É claro, há muita discussão sobre a legitimidade de alguém sair publicando coisas que estes consideravam indignas de serem vistas/ouvidas/lidas. Mas isso é outra discussão. 


Comecei a pensar nesta questão ao reparar em quanta coisa eu tenho que nunca achei que deveria ser finalizada, ou mesmo trabalhada a um produto final. Este blog, por exemplo: possui 694 posts publicados, e um total de 975 escritos, oque dá uns quase 30% de coisas que provavelmente nunca vou postar - ou por falta de vontade de terminá-las, ou por achar que não são boas, ou simplesmente por não ter mais tesão nelas. No que diz respeito a trabalho, a taxa fica por aí também: uns 30-40% em artigos esquecidos que nunca fui atrás de finalizar, de programas que não fui atrás de debugar, de pingos nos "i's" que deixei de dar.


Existe um equilíbrio enorme neste caso que tem dois extremos: uma pessoa que divulgue tudo oque faz (talvez este tipo de "artista" já exista; o Instagram está cheio deles haha) e, num outro extremo, um artista tão exigente consigo mesmo que não divulga nada.


Mas vamos fugir de extremos por agora e voltar ao mundo dos humanos "normais", que vivem num meio termo entre estes dois casos. Fico refletindo sobre as taxas de cada pessoa. Será que as pessoas têm isso? Será que existe um "quociente de aproveitamento/divulgação" de cada um? Talvez, como disse anteriormente, a questão nem seja o quanto se aproveita, porque ao sermos exigentes com oque deixamos "escapar" pro mundo damos sinal de senso crítico, de respeito por nós mesmos (e pelos outros), além de curarmos aquilo que criamos. 


Ao que parece, gerirmos nossas vidas como uma ponta iceberguiana que os outros vêem e uma parte "obscura", longe de olhos alheios ("longe de olhos alheios".... vou virar cantor de lambada depois dessa :) que pode até parecer inútil, ou lixo, mas talvez sirva como uma base de sustentação a tudo aquilo que chega ao crivo do mundo.


Me estendo então, e penso num outro iceberg - visível/invisível - que fica entre oque dizemos ou não. Claro, se não digo nada do que penso eu viro uma pedra. Por outro lado, se disser tudo oque penso - sem freios  ou amarras - posso acabar em sérios problemas (na verdade este último caso se trata de uma doença chamada "sindrome de Tourette"). 


[Mas por que comecei a falar disso tudo mesmo?] 

[Bom, ao menos dessa vez vou dar um destino diferente a este post, tirando-o do submundo dos posts que nem ouso publicar....]

terça-feira, 27 de julho de 2021

Entusiasmos numéricos, ma non troppo (parte 1)

Há algum tempo atrás aconteceu interessente: numa conversa por telefone com minha mãe, esta me contava entusiasmada sobre um presente que comprara para o seu neto (meu sobrinho). "-São uns bichinhos de esponja que crescem na água!! Ele vai adorar! Poderá brincar no banho e quando for pra praia. Diz na embalagem que eles crescem 600%!! ".

Ouvi aquilo e fiquei quieto. Quem sou eu pra ficar dando aulas de porcentagens e seus significados pra alguém? Fiquei na minha... a Matemática te dá essa virtude meio ambivalente (pra não dizer chata): a de te roubar a poesia de algumas coisas e de adicionar mais cor à outras... um tradeoff meio estranho mas que, no fim das contas, quem trabalha com números acaba por aceitar.

Até aí tudo bem. Conversa vai, conversa vem.... e minha mãe volta a insistir nesses 600%. Aí começou a dar coceira... pqp... será que eu falo algo? Fui desviando a conversa, andando pelas beiradas para não cair nesse abismo das divergências familiares. Oque: eu, ser chato? Nunca! Eu estava na minha, e ali fiquei enquanto pude. 

Resisti mais um pouco: ouvia minha mãe animada com a próxima visita do neto. Num ato zen, ouvia, imaginando como meu sobrinho deve estar, e me perdi em saudades de tudo e todos. Sustentei-me firme e bravamente. Mas aí, quando menos esperava, palavras duras me atingem como uma flecha. Uma não: 600. 

"-Mãe, me desculpe te dizer, mas 600% não é muita coisa... não sei como mediram isso, mas isso é no máximo 6-7 vezes o tamanho do brinquedo... não vai ficar do tamanho de...sei lá, um tiranossauro que não vai caber na banheira..."

[Silêncio]

Por alguns segundos ficou aquele silêncio no ar... um clima de decepção, como num presente de natal que não corresponde com o imaginado, como se uma esperada bicicleta acabasse virando uma meia mal embrulhada.... ou um eterno 7 a 1 que não acaba. 

Me senti um chato.

Mãe, me desculpe... da próxima fico quieto e falo pra vocês tomarem cuidado. 
Digo que é capaz do boneco crescer tanto que não caberá no apartamento. 
Ou que ganhará vida, e que com um carnívoro tão mortífero não se brinca.
Ou que o peso do boneco pode colocar a da criança em risco....


sexta-feira, 9 de julho de 2021

Direto da Terra do Sol Nascente #115: dias de marcenaria e patchwork

Essa semana foi bem estranha: estava angustiado até ontem, tentando resolver um problema absurdo que parecia sair do meu controle a todo o momento. Uma hora parecia que tudo funcionava,  noutro você tinha um boicote evidente, eu versus um supercomputador. Me senti, por alguns minutos, como Kasparov diante do DeepBlue. A máquina saiu ganhadora neste caso também (digo: ganhou diante da minha paciência).

Ou não.

Ontem eu saí do trabalho transtornado. Pensei: "vou pra casa chorar" hahaha Não, não foi pra tanto. Mas tava um dia daqueles, cheio de bugs até nas coisas mais simples que, até ontem, funcionavam. Aí disse pra mim mesmo "hora de ficar longe, ir escalar um pouco, tentar desanuviar a mente". E assim fiz. 

Hoje acordei mais tranquilo, fui com calma, vendo como eu poderia resolver tantos problemas ao mesmo tempo de maneira efetiva. E assim foi, de maneira meio infinitesimal, quase como se faz em escalada "na pedra" (fora): vai-se ganhando espaço/altura aos pouquinhos, conquistando terreno aos poucos... à tarde, já confiante do "xeque-mate" que preparava, fiquei pensando no que estava rolando. Qual era a lição maior por trás disso tudo?

Talvez seja a de que não existe como ficar harmonizando uma cadeia enorme de pequenas coisas conflitantes, pois ao se tentar arrumar uma acabamos por desencadear outras inconsistências. A "ordem do dia", que teci logo no começo do dia, foi a de colocar um protocolo único que todas as coisas deveriam seguir. Aí pronto: nada de ter que brincar de patchwork, emendando/consertando aqui e ali coisas que no fundo não se conectam. 

É interessante pensar nisso olhando pra trás, pois muitas vezes acredito que matemática (aplicada) é um pouco isso, uma sucessão de tecnicalidades que não difere muito do trabalho de um marceneiro ou artesão, que corta uma tábua, faz as marquinhas na madeira de onde vão os pregos, vê que deu errado, vai corta de novo outra madeira, dessa vez medindo(!), até dar forma àquilo que no começo era só uma idéia abstrata: uma cadeira, um teorema, uma desigualdade, um móvel...

quinta-feira, 8 de julho de 2021

Adultescência

Pensei há alguns dias em perguntar pra minha mãe quando ela havia se dado conta de que era uma adulta. Quando saíra de casa? Quando teve o primeiro filho? Quando uma conta de telefone chegou no nome dela? Mas mudei de idéia.... acho que minha mãe sempre foi adulta, não consigo imaginá-la criança...

Acho que, dessa pandemia, vamos todos levar algo: todos ficamos mais velhos e adultos depois dela. Será que por conta da nossa proximidade com a morte? Por termos sido lembrados constantemente de como somos finitos, de como todos os que amamos um dia vão morrer? A pandemia foi isso: um balde de água fria em todos, nas horas mais inoportunas. É vírus isso, é virus pegando no pé de jovens, de adultos, de idosos e crianças.... se você lê isso agora, acredite: você, assim como eu, só sobreviveu por sorte. 

É... eu fico meio assim de aceitar tal idéia. Acho que minhas medidas ultra higiênico-sanitárias foram uma barreira intransponível que vírus algum poderia vencer... quando na verdade não: bem provável que, se estivesse em algum outro país (por ex., Brasil, EUA, Índia) estaria lá eu, na maca do hospital, doente, temendo pela minha própria existência, e pensando em todos os 5 filhos que não tive. "-Eu pelo menos deveria ter casado e deixado um livro pra eternidade", aposto que pensaria. 

Pois bem... aqui me encontro com a sorte de um náufrago que passou pelo pior, mas agora se vê cercado de água, água e mais água. O desconhecido que nos cerca e no qual nos mergulhamos de corpo inteiro chamado... vida. 

Mas nem era bem por isso que comecei a escrever.... era mais pra comentar a sorte de estar aqui, e em como envelhecemos. Divagação não de agora, pois me colocou a lembrar de outra que tive quando adolescente, vendo aqueles livros de História com aquelas fotos antigas do Brasil, com aquelas pessoas de 30 e poucos anos usando bengala, barbas tão grandes que mais pareciam velhos de 60 anos. Por que será que eles queria envelhecer? Ou oque será que fez que envelhecessem tanto? Será que daqui a 100 anos alguém vai olhar pra nós e dizer "-Nossa... olha como eles eram antiquados...será que eles não tinham vergonha, gente de 20 anos andando com essa geringonça desse celular... mexendo no instagram?

Em suma: será que nós já usamos bengalas e não sabemos?

Fiquei na dúvida... ainda mais quando me peguei no espelho há alguns dias com a barba mal feita.... vi ali um prenúncio de Prudêncio de Morais ou algo assim (well... mais pareço aquele meu comparsa da pringles)... a vida me pregando uma peça, puxando meu tapete...e me envelhescendo sem que eu nem mesmo perceba. Talvez isso tudo explique essa dorzinha nas costas que ando sentindo...


sexta-feira, 18 de junho de 2021

Direto da Terra do Sol Nascente #114: um passeio no jardim dos privilégios

 Tomei a vacina hoje cedo. Primeira dose.

Olhei ao redor: eu dentre tantas pessoas muito mais velhas, gente de cadeira de rodas, pessoas com seus filhos e cuidadores, entre outras coisas. Eu estava ali porque consto como pesquisador visitante numa universidade japonesa. Sou grupo prioritário.

Nem titubeei muito nessa corda bamba entre o prioritário e o privilegiado. Me vi e vejo neste último grupo. Me senti meio mal, mas feliz, muito feliz em estar ali. Acho que tão feliz que talvez explique o porque eu ter escrito errado meu email de todos os dias no formulário eletrônico (sorte que era o "email backup"), e ter esquecido no escritório o documento que comprova que moro aqui (que carrego todos os dias, mas que hoje precisei pra um outro evento).

Em suma: um privilegiado afoito, mas feliz. 

Mas afoito e provilegiado. 

Mas privilegiado e reflexivo.

Fiquei com tudo isso na cabeça enquanto olhava ao redor. Tudo tão rápido, mal tive tempo de processar. Será que fico feliz em ver isso como um vislumbre de dias mais "normais" no futuro.. Normal nada nunca é ou foi, né? Talvez um "normalmente mais igual ao que era antes" talvez aplique... 

Fiquei pensando no Brasil, no que as pessoas lá estão passando. Nos desvarios desse governo que lá impera, no que foi meu caminho pra chegar onde estou (fisicamente, não no que diz a status: esse é nulo)... sorte. Provilégio e sorte.

Por estes dias me lembrei do MAUS, do Art Spiegelman, Há uma parte do livro que poucas vezes discuti, em que ele comenta sobre o fato de ser filho de sobreviventes de campos de concentração. Ele narra uma conversa com seu terapeuta, onde eles se debruçam sobre essa tênue linha de argumentação sobre os pais deles estarem ali porque foram mais fortes e resistiram às intempéries dos campos onde estavam. Aí o terapeuta vira pra ele e pergunta/fala: " é claro que tua existência depende da existência dos teus pais, deles terem se encontrado... mas o quão fácil é pra você aceitar que eles simplesmente sobreviveram por sorte?"

Fiquei pensando nisso... nessa ilusão cognitiva que veio tentar flertar comigo hoje, a de um  "-estou aqui porque percorri o trajeto tal" e uma outra narrativa, a de que simplesmente tenho sorte, uma sorte indissociada de um privilégio, dentre os muitos outros que carrego comigo.

Parece que discuto, tento descrever a sensação, mas ando em círculos. Assim como entrei, saí como se a vida fosse a mesma, como se o sol ainda ardesse a minha pele, com as mesmas preocupações idiotas de sempre "oque vai ser de mim depois daqui? Oque vai vir depois daqui?". Me senti mal e bem pelo ocorrido. Me senti flutuando nesse mar de ambivalências que a vida é, onde navegarmos por dubiedades é requisito necessário a todos. Segui nublado ao longo do dia, com breves pitadas de sol: ainda que reflexivo, não sabia como fazer diferente senão celebrar comigo mesmo o fato. 

Talvez, de certa maneira, seja sim uma vitória dos humanos como espécie, que busca formas de não ser erradicada do planeta que esta incessantemente destrói. Talvez eu só tenha que ficar quieto, ir dormir mais cedo, e aguardar pela segunda dose.


sábado, 5 de junho de 2021

Repita comigo, pequeno gafanhoto...

Sabe uma coisa que me deixa meio impaciente? 

Sabe?

Gente repetitiva. 

Aquela tia que fica falando mil vezes que o presidente não presta (ok, é óbvio, concordo)... mas é mesma coisa que ficar repetindo "a Terra é redonda" infinitas vezes. 

Vai ver é coisa de família... como é a tua? Por exemplo: meu pai é uma pessoa que tem o dom supremo de ser super repetitivo. Toda vez que o vejo quando visito o Brasil lá vem uma enxurrada de perguntas estapafúridas: "-E aquele vizinho que morava no andar de cima... que tinha um cachorro e uma esposa?".Perguntando sobre um apartamento onde morávamos há 25 anos atrás. 

E como uma sequência de clássicos que um velho cantor deve cantar para agradar seu público, meu pai sempre traz consigo as perguntas clássicas: "-E o Júlio?"... (que faleceu há uns 10 anos, e há 10 anos eu falo pro meu pai que ele faleceu. 

Em vão. 

Tento me devencilhar do assunto, mas sou fisgado com um jeb no queixo que me joga às cordas: "-Te falei do dia que eu encontrei o Júlio ali na praça da República?

Olho pro teto.... me pergunto se há alguma toalha branca a ser jogada para me salvar daquela conversa.

Aí me bate aquela angústia de me ver nessas conversas rasas de boteco, vendo e ouvindo aquelas mesmas perguntas sempre ali, sentadas na mesa com a gente. "-Minha vez!", uma delas diz, e se joga na mesa, querendo ser perguntada... "-E a filha da Maria... como é que ela se chamava mesmo?"

Fico pensando nisso e me exaspero um pouco... onde está a poesia disso tudo? Será que existe uma pitada de absurdo nisso, um quê de Ionesco ou de Becket na minha vida/família? (Seriamos nós rinocerontes?!) 

No meio de tantas reflexões sobre o tema (uma das quais postei aqui) vim a perceber há um tempo qeu eu, também, sou um repetitivo inveterado. Daqueles sem conserto: frequento os mesmos restaurantes, conto as mesmas piadas (minha mãe é mestra nisso), uso as mesmas expressões, vou sempre nos mesmos cafés... carrego comigo uma inércia que muitas vezes me aparece anormal. Me pergunto se outros seres humanos... digo, seres mais humanos que eu sofrem isso também. 

Será?

Muitas vezes me questiono.. me pergunto se essa limitação na verdade é uma intransponibilidade de qualquer caminho. Uma pedra no meio da trilha pro cume de qualquer montanha que não pode ser removida. Me lembro com cautela do "Zen in the art of archery", quando o autor fala de quando seu mentor se dá conta de que ele estava tentando "enganá-lo", usando uma técnica de tiro (a maneira de pegar a arma) pra poder atirar flechas e, finalmente, melhorar sua pontaria: o professor pegou o arco, caminhou até um canto.. pensou... e disse pra ele ir embora. A repetição era oque ele poderia oferecer, e que se o objetivo dele era só "conseguir algo", um "diploma", que este já lhe estava dado. Nem preciso dizer: o autor se desculpou, voltando pro esquema japonês de repetir, repetir, tentar, até assimilar.

Talvez, no fundo, seja uma limitação da qual muitos sofrem mas poucos se dão conta. Ou poucos se dão conta de como as repetições são tão cruciais na construção de muita coisa. Uma aliteração, um efeito que reverbera quando usado em demasia, um fenômeno que se amplifica como um olho de furacão, a adoção de um outro ponto de vista depois de uma segunda, terceira, ou mais leituras. Vai ver repetir é um pouco oque Fernando Pessoa dizia: é entrar no mesmo rio, sem que este rio seja o mesmo.

terça-feira, 18 de maio de 2021

Direto da Terra do Sol Nascente #113: assinando como gente grande

Essa é uma questão que possuo desde pequeno e que, durante uma conversa recente com uma amiga veio à tona novamente: minha assinatura. Na verdade não a minha, mas a de tanta gente aí fora: minha assinatura é simplesmente a maneira como eu escrevo qualquer coisa. Mesma grafia: o "érre" inicial é o mesmo que usaria caso fosse escrever Rafaello, Rondônia, Recessivo, Ramones. Não há design algum. Ou melhor: há aquele design que criei, quando estava no pré, aprendendo as primeiras letras.

E olha, eu sempre achei que quando crescesse fosse ter aquela assinatura bonita, daquelas que fazem uma curva enoooooooorme de grande que toma quase metade da página parecendo uma órbita de nave espacial, e que é replicada a cada vez com um traquejo sem igual da caneta, rápido como uma flecha: a pessoa te dá um papel pra assinar e vup! Num piscar de olhos, você já assinou tudo da mesma forma, milimetricamente igual.

É essa a assinatura de adulto que um dia eu pensei que fosse ter.

Mas na verdade a coisa continuou a mesma de sempre. Faço aquele "ême" (M) que é o mesmo na média mas tem uma enorme variância de um pra outro: uma hora com a primeira perna maior, como um irmão mais velho protegendo os mais novos mas que, algumas assinaturas adiante, leva uma rasteira da última perna que então sai assimetricamente maior que todas as outras, assumindo a hegemonia do clã. O "érre" (R) então, vixe... uma hora sai como um pê (P) com uma vara de pesca, noutra parece um quê (Q) que se equilibra sobre uma perna de pau (ou um pregador de roupas). 

Como se vê, as mesmas dificuldades que eu tinha e escrever o nome quando tinha 6-7 anos, perduraram, prejudicando toda a estética que ali poderia elaborar: um R arqueado  como uma marquise feita pelo Niemeyer, um M como ângulos tão rebuscados quanto a ópera de Sidney, um A tão sofisticado que mais parece um prédio gótico em Praga. 


Tudo oque não consigo reproduzir e que, em virtude da minha habilidade motora (que parece não ter evoluído muito desde a infância), se reduz àquela linha tortinha que parece um pequeno eletroencefalograma retocado por alguém muito, mas muito... limitado em sua habilidade em comparar duas imagens.

De certa forma, me lembra um pouco aquela senhora que se dispôs a restaurar um afresco do século XIX  ("ecce hommo") e entregou o que você vê aqui.

No fundo, me sinto na pele dessa senhora: quero assinar assimo como ela queria refazer um afresco como o original, mas acabo fazendo um rabisco diminuto e mirrado que anda lado ao lado com o trabalho dela: um...ser que é uma mistura de homem com a boca cheia de biscoitos, com um travesseiro de viagem no pescoço, mostrando a lingua. 

Ser adulto era isso, ter essa assinatura rebuscada? Oque será que resta aos outros seres que, como eu, ficam nesse limbo entre os dois mundos: nem uma criança, nem um ser por completo? 

Nessas horas eu até invejo os japoneses: aqui todo mundo tem um hanko,1 um selinho de despachante com um desenho que você paga alguém (um profissional) pra fazer pra você.

Eita, esses japoneses: povo desenvolvido!!


Do qual falei neste post de 2020 

 

quinta-feira, 6 de maio de 2021

Direto da Terra do Sol Nascente #112: Brasileiro com o chocalho amarrado no pé

Por estes dias, arrumando a casa, mais exatamente os tênis na entrada do apartamento, vi que um deles tinha um barulho estranho: uma pedrinha dentro. Um barulhinho de chocalho, chac-chac-chac

Em vão, tentei removê-la: bati aqui, ali, contra a parede, futuquei a sola em busca de alguma brecha....

...nada...

Fiquei me perguntando como nunca havia me dado conta o barulhinho que a tal pedra faz...

Será que devo jogar o tênis fora? 


Não, baita desperdício... mas será que outras pessoas ouvem? 

Fico me perguntando como vai ser andar por aí daqui em diante com esse barulho nos pés.. Por um segundo me senti a morena-de Angola da música do Chico, só que sentada no divã, cheia de angústias por conta daquele som grudendo que a persegue a todo e momento e pra todo lugar que esta vá.



 Morena De Angola, de Chico Buarque,


Será que posso chamar isso de crise? Crise de morena de Angola leva jovem ao desespero, diz a capa do Nihon shinbum essa semana. 

Éééé, pessoal... diante de tantas outras crises, essa ao  menos parece ter passado: tenho dormido bem, sem ouvir qualquer cochicho do chocalho, cozinhado batucando nas panelas anti-Bolsonariamente... Já até saí com o tênis, chocalhando pela cidade...mas por sorte o tempo já melhora: logo mais saio de chinelos nos pés pra aproveitar o verão.


terça-feira, 20 de abril de 2021

Errando da maneira certa

Estava pensando por estes dias em como há coisas que fazemos e dizemos tendo aquela duvidazinha de estarmos ou não correto: ao citarmos um livro sem o termos lido, ao tirarmos conclusões sem termos realmente ido à fonte etc. 

Há tempos quero falar sobre o caso. Primeiramente, me veio a idéia por saber de um político tailandês que citou o "animal farm" do George Orwell de uma maneira tão distorcida que ficou óbvio que o sujeito não havia lido o livro. Recentemente, de novo com George Orwell, houve um caso semelhante nos eua (well... não tão recentemente assim... pra você ver como eu estou em dívida e atraso entre idéias e atividade de escrita neste blog).

Tudo isso me levou à seguinte pergunta: oque será que eu falo sem saber com certeza do que estou falando? Demorei bastante... em geral a gente se protege de pensar nessas coisas, mas encontrei algumas coisas:

  • Farther and further: deve haver uma diferença, mas eu nunca sei ao certo qual utilizar.
  • Porquê, por que, por quê, porque: você saber quando usar cada um deles? Sabe o porquê? (ai, que quase-piada besta!)
  • Há um em japonês que eu sempre me embanano todo: nin-niku, kin-niku, gyu-niku. O último eu sei que é leite. Os dois primeiros um é alho, o outro é músculos.... eterna dúvida.
  • Alter-ego e super-ego: toda vez que falo um fico me perguntando se deveria ter usado o outro.
 Uma coisa curiosa é que encontrei (depois de observar outros fazendo isso) uma maneira de lidar com essas dúvidas: eu tento "cometê-las com ruído":  pronuncio meio sem clareza, um pouco mais rápido que o habitual; assim as pessoas não têm a certeza se cometi um ou outro.1 

Mas claro, uma hora alguém percebe, ou ri da tua cara, como aconteceu uma vez comigo, quando perceberam que eu confundia "fell" com "felt": às vezes a "técnica" acima sai pela culatra e você se lasca ... não podia ser mais Orwelliano.




1 Diga-se de passagem, este artifício "maquiavélico" não foi elaborado por mim. Aprendi com um amigo americano que morou no Brasil e dava umas despistadas dessas de vez em quando ao falar português.

domingo, 11 de abril de 2021

Direto da Terra do Sol Nascente #111: lost in translation

- Yeah... you know, I don't like him that much... he's a bit arrogant..

-Elegant?!

-Arrogant

- Elegant??

-A-R-RO-GANT!!!

[Digo elevando a voz, mas de maneira "educadamente japonesa"]

...hummm... - chot-to-mat-te ku-da-sai

[a secretária pede licença e corre pro computador pra pesquisar a palavra no dicionário]

- ahhhh I shee... I didn't know this word, because there are no japanese arrogant people...

😬😑



quinta-feira, 8 de abril de 2021

Direto da Terra do Sol Nascente #110: errar grande e errar pequeno

Essa semana me apareceu uma constatação entre as idéias: em conversa com um amigo, ele me relatava suas aventuras pelo mundo da super-exposição causada por essa vida que parece se recolher ao universo diminuto do virtual... do pixel, das lives, dos likes. 

Na hora me veio a questão do quanto eu tenho me exposto nesses últimos anos. Muito? Pouco? Nada?

É... acho que nada. Pareço viver em refúgio e numa bolha ao mesmo tempo. Algo um tanto estranho de se constatar, e igualmente incômodo. 

Ultimamente mil coisas, mil frontes têm sido empurrados adiante por mim. E enquanto pareço vencer medos e temores nuns, noutros pereço - ou me sinto perecer - como se congelado pelo receio, pela angústia de tentar: como uma derrota antes mesmo de haver duelo.

Sabe como é?

Não, talvez você não saiba.... mas olha, acontece. Crescer demora, e crescer se dá por erros, uma infinitude deles: você coloca um, empilhado em cima de outro, e de mais outro, e quando vê - puff - algo acontece. É só questão de paciência mesmo. A qual, muitas vezes, pareço carecer.

Sabe como é?

Isso. Erros, grandes, pequenos. Acumulá-los  sem deixar que tomem conta da casa, que subam na cama com os pés sujos, que entrem de sapatos, que comam a sobremesa antes da janta. Pois se deixarmos, já viu: os erros vêm e levam tudo oque é nosso. É só ter destreza em domá-los, little-by-little.

...sabe?

sexta-feira, 26 de março de 2021

Serás exibicionista e se alimentará de likes...

Nesse mundo hiperexibicionista em que a gente vive estamos sempre a traçar no chão as linhas que não cruzar: posts entusiasmados com a camisetinha da empresa falando sobre o amor que transborda pelo lugar no qual trabalhamos, posts com fotos de cada almoço estranho, uma árvore no sol florescendo hashtags, uma tarde afogada em bobeira, um livro que nunca li mas quis parecer intelectualizado, um coqueiro que se move na praia e que vira um vídeo...  Tudo é processado, deglutido e expelido em pixels pro mundo digital. 39K likes. Digo, pro mundo real. Que dizer, pro mundo dig... não sei mais qual é qual. O ser humano se alimentando de sinais e símbolos ❤❤❤❤❤❤

Recentemente calhei de começar um outro blog, relacionado a outras coisas. Mas fico nessa reticência entre saber oque vale e que não vale à pena de fazer. Se tudo é exibicionismo, oque significa isso que eu quero fazer? Mais um blog exibicionista? Páro, pondero o porque de tanta relutância em me expor. "Será que é medo de ser escrutinado, julgado?", me pergunto...  As vezes culpo minha formação já que, como um monge, cresci pra e aprendi a fazer coisas técnicas - tanto porque gosto delas quanto pelo valor que dou pras mesmas. Então, quando penso em fazer algo que difere em qualidade... começo a duvidar da sua relevância. "Ninguém vai ler essa merda!", me digo.

Não sei... me pergunto se me enclausuro dos medos do mundo numa concha. Em grande parte eu querer sair da academia envolve saber uma resposta a esta pergunta: enquanto acadêmico eu tenho o conforto de ser um dos poucos conhecedores de uma área, pouca gente a criticar e ver... mas e no mundo lá fora? Como seria amplificar o número de interações ao meu redor pra ver como reajo/ajo? Por diversas vezes na minha cabeça essa imagem do cientista numa ostra aparece, uma casa na beira do campus de uma cidade pequena, protegido em papel bolha dos males do mundo, férias de final de ano com uma família criada com uma professora de outro departamento... era pra ser assim? 

De certa forma, uma coisa parece tocar na outra: eu, avesso a me exibir, me escondo dentro de uma biblioteca de matemática e em artigos que demoram longos meses quase anos para sair da minha ostra-concha,  compartilhados com outras pérolas de outras conchas ano a ano numa conferência de ostras para se discutir outras pérolas ... Curiosamente, ostras (o ser mesmo, bivalves, não a analogia que fiz até então) são seres que vivem a filtrar a agua do meio, pra no fim "cuspirem" essa bolotinha esbranquiçada "sem utilidade alguma" na natureza, mas pra qual algumas pessoas têm olhos. Vai ver ciência é um pouco como isso, tanto no processo de criação quanto no produto final.


[Bom... enrolei e enrolei... vai ver o jeito é postar o negócio e pronto!]

quinta-feira, 4 de março de 2021

Quase sempre sereia

Quando divago por aí - oque não é raro - sempre me vem à cabeça esses seres míticos que são as sereias: os homens caem de amores pelas mesmas mas acabam morrendo afogados ao seguí-las pro lugar de onde estas vieram.  

E olha, não acredito que sereias estejam mal intencionadas! Acredito que muitas querem mesmo levar uns marujos bonitões pra casa, apresentar pra pais e amigos, levá-los pra comer pastel na feira, dentre outras coisas.... mas, quando lá chegam, reparam que não: "-mais um pretendente que não conseguiu completar a viagem".


 É um pouco desolador essa estória, onde o palco do único encontro possível é essa ponte onde os dois se encontram no meio do caminho, impossibilitados de seguir adiante.  Por outro lado é quase engraçado - ou mesmo uma piada de mal gosto - imaginar o simbolismo das coisas que acontecem nas nossas vidas, pois a mulher mais interessante que conheci nesses últimos anos calhou de ser apelidada por mim (por outros motivos) como tal: sereia. E, como no caso do marinheiro que se prende ao mastro do barco para não se perder em desvarios e naufragar diante de um canto tão adocicado, cá estou eu, me degladiando com a razão há um bom tempo, me debatendo entre ter os pés no chão e o coração logo longe, num mundo do qual mal imagino poder fazer parte.

Outra coisa que sempre me estarrece nessa estória de sereias é o fato de que nem um nem outro deixa de ser (ou mesmo pode deixar de ser) oque é para estar chegar ao outro lado: há uma obstrução intrínseca às suas naturezas - de homem, de sereia - e, mesmo diante do óbvio, os dois lados se deixam levar pela maré das risadas, do conforto, da companhia que um oferece ao outro.

Navegador de muitas viagens, já me amarrei no mastro umas tantas vezes. Em todas eu grito, falo, perco a razão, sofro, mas recobro o juízo pra ver que sim, lá se foi mais uma sereia que passou pela minha vida. Olho pro meu barquinho, poupado de um triste naufrágio, e me pergunto se algum dia, mesmo nessa vida cercada de mar por tantos lados, hei de encontrar algum ser que se adeque a mim, e que entenda que talvez seja assim, entre dois mundos, que muitos amores existem, tomando forma e vida em meio às imperfeições daquilo que os cerca.

quarta-feira, 3 de março de 2021

Direto da Terra do Sol Nascente #109: uberização

Desde o começo dessa pandemia uma das coisas que mais tem cortado meu coração foi ver o aumento no número de entregadores de comida: várias pessoas de idade fazendo isso, além de várias pessoas bem novas também. 

Alguns vêem nisso um sinal de que estamos caminhando a uma era onde tudo fica mais online. Não discordo, mas tenho um viés um pouco mais pessimista de que a uberização dos nossos skills chegou para ficar.

Médicos terão seus skills leiolados por apps, assim como engenheiros, advogados. Quem tem menos conhecimento técnico então...  nem se fala: pra tudo no qual se pode trabalhar haverá a intermediação de algum app, por trás do qual umas poucas dezenas de "entrepreneurs" de Stanford estarão sentados, coletando dólares sem muito esforço. 

Onde está o erro nessa equação? Claro, tecnologia está aqui pra dinamizar nossas vidas, nos servir. Mas quando se torna cada vez mais claro que a mesma só vem exacerbando a desigualdade em distribuição de renda e levando ao nosso empobrecimento (como um todo, como sociedade), passo a me perguntar: será que, iludidos pela cantiga da "tecnologia", caminhamos para nosso colapso? Para uma sociedade menos inventiva, com poder de escolha diminuto e de decisão cada vez mais concentrado nas mãos de uns poucos?

Uma vez um amigo biólogo me "puxou a orelha" durante uma conversa sobre Darwinismo, dizendo que evoluir (por pressão do ambiente) não necessariamente significa que há uma "melhora" do indivíduo, ou um aumento na sua complexidade. "-Pode acontecer do indivíduo menos complexo ser o mais apto para se desenvolver num meio". Infelizmente, talvez seja sob essa toada que estejamos caminhando...



[Acrescenta-se a isso tudo o crescente número de lojas fechadas.]
[Recentemente uma fábrica de cookies aqui perto de casa, antiga que só e que passou por poucas e boas nesse Japão, fechou. 💔]
[Torço por dias melhores, embora essa "esperança" não tenha respaldo algum em fatos.]

terça-feira, 2 de março de 2021

Direto da Terra do Sol Nascente #108: unemployment S.A.

 Não rolou empresa A. Sabe-se lá porque. Me sobra S, com Brasil a tira-colo. 

Volto?

Calma, calma.. não tão rápido. Nem eu sei. Ainda preciso ver se é este o caminho a se seguir. Por uns dias pensei que talvez fosse, mas agora.... não sei...

Como tenho dito a mim mesmo por dias, o saldo teria sido positivo em qualquer um dos cenários, mesmo sem empresa A ou mesmo S demonstrando interesse. Veio uma: ótimo! Agora, cabe a mim decidir oque fazer.

Curioso que na última entrevista (de 7) eu senti que dei uma escorregada... não sei bem oque foi, mas senti que não estava muito bem: nervosismo diante de perguntas bestas, respostas convoluídas para coisas simples... oque foi seguido de dias de auto-flagelamento até que me desculpasse.  "-Prenúncio de que não há de dar certo", pensei. 

E assim foi. Acontece. Errar acontece. Acima de tudo, errar não é medida de fracasso a ninguém, do contrário não teria passado por tantas coisas na vida. Mas e agora? Que experiências, ou melhor dizendo, que lições posso tirar disso tudo?

Não sei.... tenho deliberado algumas direções nas quais me aprofundar, coisas que estavam em pontos cegos. Ou mesmo coisas que sabia estar ali mas não dava muita atenção. Felizmente, essas áreas fora de cobertura estão diminuindo e diminuindo... no fundo, experiência é isso mesmo. E experiência com entrevistas também.

Acima de tudo, o emocional é parte do profissional que você é. Não? Ficar nervoso é ok, todo mundo fica. Mas se você não ficar, demonstrar conforto diante do que fez/sabe/diz... melhor, não? Então... 

Me abateu? Claro, não nego. Mas há "nãos" que parecem tão previsíveis que, longe de denotarem uma porta fechada, indicam algo que você deve perseguir, buscar. Hora de ponderar, reavaliar, e seguir adiante. 

Sobretudo, caminhar sempre pra frente. Sem medo E sem olhar pra trás.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

Direto da Terra do Sol Nascente #107: they love me (ou "lá, e de volta outra vez")

 S me quer. 

Ouvi ontem. Como um poeminha enviado anonimamente por terceiros, como uma declaração não avexada de desejo, me disseram oque poderiam me oferecer. Me senti como num estranho date, onde o outro lado recita seus atributos:

"cintura 82, coxas... gosto de cafuné mais pela manhã, antes do café.."

uma série de coisas das quais pouco havia ouvido falar. Vai ver sair da academia é isso... outra coisa mesmo.

Foi bom, e estranho.Talvez o estranho esteja mais envolvido com um possível regresso ao Brasil, este que, como eu, também regressa a algum lugar: a idade da pedra e do homem selvagem. Olho as notícias políticas, vejo a barbárie que não vem das ruas, mas sim dos políticos... mas também contrasto isso com outros casos. Não é verdade que há poucos meses atrás os EUA não andavam pela mesma corda bamba? É.... mas naquele caso eu fugi de lá, evitei, desconversei quando me falavam de vagas de emprego... 

... e então, porque o Brasil?

Bem... acho que há uma comunhão de fatores que me levariam a isso. Do ponto de vista profissional talvez seja uma estratégia "sub-optimal" que pode sair pela culatra caso eu me assente em conforto, embora no médio e curto prazo talvez me seja bom. Do ponto de vista financeiro também, algo a ser ponderado com cuidado. Do ponto de vista pessoal acho que seria ótimo viver essa transição perto de família, sobrinho, sereias tropicais, carnaval-inexistente-pandêmico, amigos.. toda uma rede social com tramas de calor humano, carinho, amor e conforto.

Fácil contrastar tudo isso? Não, de forma alguma. Mas enfim, ao que parece minha vida já teve diversas dessas situações de "vai-não-vai": no final da graduação, comecei um mestrado em São Paulo pra descobrir que fora aceito no Rio (pra onde me mudei); no Rio, comecei um doutorado pra descobrir que fora aceito num programa nos EUA (pra onde me mudei); nos EUA, me vi numa outra encruzilhada ao pesar um regresso aos Brasil ou continuar nos EUA mais um pouco (onde fiquei). Agora, por aqui e por agora, me divido entre aceitar, ficar, e esperar oque A tem a dizer. E se A disser não (provável, em vista da minha última "performance"): fico mais por aqui, só mais um pouquinho?

Aguardem as cenas dos próximos capítulos.


quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

Direto da Terra do Sol Nascente #106: aquela sensação de borboletas no estômago, pós prova...

 Sabe aquele frio na barriga estranho pós prova, quando você não sabe muito bem se a vida é um blues, um jazz, ou um bolero choroso?

Assim... como hoje?

É, uma semana inteira praticamente de entrevistas, cheia de sims, nãos, talvez, silêncios, ruídos, perguntas, respostas, perguntas, momentos pra se pensar, para se refletir, nenhum bocejo (!), mas muitas e muitas dúvidas.

Esse samba vai dar em algo?

O pessoal da empresa S me pareceu interessado, mas me pareceram meio angustiados pra me ter logo por lá. O pessoal da empresa A por outro lado.. olho pra trás e não vejo muitos problemas: uma hesitada aqui, um receio ali... a menos que o padrão de qualidade seja "perfeição" então talvez role.

Será? 

Dias cheios de incerteza. Em todo caso, se sair empresa S, lá me vou eu, de volta pro Brasil. Oque será que isso significaria? No longo prazo? No curto? Há alguns anos me angustiaria, me sentiria voltando 10 casas. Hoje em dia, acho que seria até legal, entender como seria equilibrar os novos rumos com o conforto emocional de ter família por perto, amigos de infância ao lado... como tudo na vida, há trade-offs, seja lá, seja aqui, seja em qualquer lugar.

Penso por quanto tempo ficarei nesse limbo pós-entrevistas: me remete a sensações estranhas da época da graduação, como aquela prova difícil do professor sexagenário(quase septa!), que as corrigia de maneira burra, rígida, onde qualquer deslize era um ponto decapitado a menos. Dias de terror, onde não se podia fazer muito senão tentar entender pra onde o vento soprava, ao qual seguiamos de olhos vendados (ou melhor, preso nos livros até a próxima prova).

Como é estranho isso, né? Ficar nessa espectativa, essa dúvida.... me perguntei há alguns dias "será que, ao longo de tantas entrevistas, eles conseguiram ver oque queriam ver?" Não sei. Tento me perceber, sentir se fui transparente, visível, se qualquer potencial intrínseco se fez visível em palavras, em explicações. Me disseram que sou um ótimo contador de estórias, embebido em clareza. Outro amigo leu um texto que tive que escrever: me disse que sou um poeta. O pessoal da empresa S e da empresa A... não sei: será que acham que entendo algo? Que não entendo nada? 

Que dia pra se fazer uma entrevista... será que foi o sono, a noite mal dormida? Seria melhor ter sido entrevistado na semana passada? Será que não era pra ser agora? Nunca?

Bom, aguardemos. Em todo caso, a vida parece se desenrolar diante dos meus olhos como um tapete vermelho, trazendo ali adiante sabe-se lá oque...

sábado, 13 de fevereiro de 2021

Dias anti - carnavalescos

 Quem diria... há um ano atrás mal conseguia falar com ninguém no Brasil. Todos na rua, em bloquinhos, ou fugindo das cidades em busca de sossego: um dilúvio carnavalesco tomava o país, sem deixar nada intocado.

Esse ano vejo fotos de tapumes, bolhas de vácuo pela cidade, vespeiros anti-foliões. Carnaval + Corona = Coronarval? 

É... faz um ano já...

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

Voce sonhou com o Edson, ou com o P...

 Afff.... sonhei com o Pelé ontem.

Isso. Preciso escrever de novo e me envergonhar? 

Eu estava com uma moça (desconhecida) na fila de um café, entra o Pelé e eu brinco que ela não o conhece (ao que parece era uma gringa) pois ele "não é muito conhecido fora do Brasil".

Digo isso a ela enquanto coloco o braço ao redor dele, como se posasse pra uma foto.

Ele ri da minha piada. Eu rio.

Que coisa.... eu, brother do Pelé... quem diria. 

Abominável!! Classificado inequevocamente como pesadelo!

Agora pronto, falei. Me livrei desse peso.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

Direto da Terra do Sol Nascente #105: moda masculina num universo paralelo

 Hoje andava pela rua quando vi uma mulher num outdoor de uma loja, posando sexy com o dedo na boca, pra anunciar algo...talvez a roupa? Seria a loja? Seria o esmalte do dedo sugestivamente na boca, ressaltando .... o esmalte?

Alguns metros adiante vi uma mulher bonitona num outro anuncio, corpo molhado, numa propaganda de uma loja de... relógios.

Como seria se, por um dia, o mundo tivesse fotos de homens com dedo na boca, em fotos sexys, quase despidos tomando cerveja na praia, anunciando cobertores, travesseiros, fazendo poses fofas em propaganda de leite, abraçando cachorros? Imaginei por um segundo esse universo... olhei pra mim mesmo e pensei: "-se o mundo fosse este eu certamente seria considerado um mal vestido fora de moda"

Por uns minutos me senti inundado por um desconforto engraçado, avistando o mundo sob lentes inexistentes que deixavam mais exacerbadas as diferenças entre homens e mulheres, e em como a vidas dessas últimas é muito mais regida por padrões inalcançaveis de beleza, de estética, de valores.

Será que se outdoors de homens com o dedo na boca fazendo pose sexy ao comprar qualquer coisa - um lanche num restaurante, uma mochila, uma bolsa! - não seriamos nós, homens, regimentados a nos comportar dessa forma? A criticarmos uns aos outros por coisas como "nossa... olha o Raffaello... dois dias seguidos na semana com a mesma jaqueta e o mesmo tênis."

Aí cheguei na acupuntura e acabou o sonho-pesadelo no universo paralelo. Eu, sem saber muito bem oque fazer, me vi desgostoso com esse desequilíbrio todo mas sem saber como consertá-lo... vai ver eu preciso ir às compras, adquirir uma nova coleção pra primavera...


sábado, 6 de fevereiro de 2021

Pesaroso baysiano procura

Não é incomum termos intuição sobre as coisas, ou acreditarmos que determinados  caminhos são os apropriados para seguirmos: um processo que que às vezes se dá por intuição, outras vezes por racionalização.

Ontem me aconteceu algo desconfortável. Inundado diante da persistência de um colega em começar um trabalho que, a meu ver, já nasce morto, me peguei hesitando. Me senti mal por dizer que não queria entrar naquele barco. Mas na hora não sabia bem o porque.

Disse não, mas saí dali pesado, com culpa. Será que mais informação relevante me havia sido dada? Havia algo ali que me fez mudar de opinião sem que eu soubesse? Talvez fosse a dúvida diante de tanto entusiasmo da parte dele, e me imaginar pesaroso no futuro por ter errado na minha "crença" de que aquele era um barco furado.

Ou talvez tenha sido essa estranha sensação de estar perto de alguém um pouco arrogante e impulsivo, que parece te levar com informação mas, no fim das contas, deu um show de hand-waving com pitadas de entusiasmo desmesurado e você não soube muito bem como reagir com fundamentos, você não soube argumentar de maneira clara o porque esse não era um caminho a se seguir.

Você se julga racional, mas se "defende" de uma crença com uma outra crença. Condenar a arrogância do "esse é o jeito XXX de qualidade que eu sigo", a convicção sem respaldo... com uma resposta não clara. Como se  despida de todo fundamento lógico da tua rejeição àquele caminho.

Orgulho da minha parte? Queria ter saído de cena sob a glória de uma piada? Ou sob os holofotes da lúcidez e transparência? 

Talvez seja isso... que bailarina quer sair do palco aos tropeços? Foi estranho... acho que meu desconforto foi em me ver impulsivo em dizer não, em não saber como lidar com a resposta, navegar com o desconforto da pergunta "você quer entrar nesse barco?", "você quer escrever um artigo?"

Me conheço, por isso me questiono. Cada galho podado passa por um escrutínio antes de vira adubo: foi vaidade minha? Em ter dado o problema e depois sair de cena? Foi medo de me engajar? Foi tocar uma peça pela metade? Ou foi, pura e simplesmente, uma atitude respaldada na confiança que tenho em mim mesmo?

É interessante isso, como alguém entusiasmado e impulsivo consegue envergar as fundações do edifício da reticência, do medo, do receio, da desconfiança. E quando essa onda passa, presenciamos aquela estrutura ainda ali, firme, sem saber se celebramos a calmaria ou se nos perguntamos o quanto faltou para cedermos.

Há dois posts que escrevi em 2010, (...e que toda escolha é uma forma de renúncia, segunda parte aqui), que de certa forma tratam desse assunto: olharmos pra trás e vermos um horizonte de escolhas que não existem mais, como ramos mortos de uma árvore que no presente insiste em se expandir pra outro lado. 

Meditei sobre esse assunto um bocado entre ontem e hoje.. percorri muitos caminhos e variações até que, depois de um tempo, vi que era o caso somente sedimentar minhas escolhas, aceitando a responsabilidade de fundamentá-las: seja com o cimento da razão, ou com os tijolos frageis da intuição.