segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

Chocolatinho

Eu ainda me lembro do dia em que, logo após voltar ao Brasil, estava num Uber indo pra sei lá onde e tocava no rádio uma música... "-cacete...que país inacreditávelmente doido...", pensei comigo mesmo. No caso, tratava-se de uma música onde o cantor era um homem com evidente sobrepeso, cantando chocolate, chocolate, eu só quero chocolate.... realmente... as pessoas não prestam atenção no que ouvem.... Por um minuto fiquei imaginando aquele homem rechonchudinho cantando na TV nos anos 80-90, falando sobre chocolate, as pessoas aplaudindo, a inflação lá no alto etc etc.

[Vai,  Brasil!!]

Mas porque falo dessa lembrança? Por que ela me remete a uma outra, mais recente e também cheia de açúcar: conversava com um amigo numa mesa de bar, logo após o trabalho. Meu amigo abria o coração me dizendo como não consegue resistir a panetones e chocolates. "-Os compro pra durarem uma semana e, num piscar de olhos, os mesmos desaparecem na mesma tarde que são abertos." "-Cara... te entendo.. não sou muito diferente", disse a ele. Momento fofo de terapia profunda: dois homens brancos, héteros, mostrando toda sua vulnerabilidade e dificuldades para se conterem diante de iguarias adocicadas, panetones etc.

(Mesa 37) auto-controle per capita == 0.

Aí, no meio desse papo de trabalho, vida de adulto, ascenção na carreira etc, me lembrei de uma coisa engraçada: "-cara... você sabia que há vários experimentos que fizeram acompanhando pessoas durante uma vida; em vários deles dividem pessoas em grupos com comportamentos distintos com relação a uma variável X (como um grupo controle e outro experimental, apesar de ser um experimento observacional). "

Aí continuei, explicando que os experimentadores tentam ver oque os dois grupos têm de diferente e igual, apesar daquela variável  X diferir. "Há um desses experimentos que é muito interessante: os experimentadores davam um doce (chocolate?) pra crianças e diziam pras mesmas 
'se eu voltar daqui a 10 minutos e você ainda tiver esse chocolate, você vai ganhar um segundo chocolate'. 
À partir dali a população estudada se dividia em duas: o grupo dos que resistiam e não comiam a iguaria; e o outro grupo, dos afoitos que comiam tudo e não recebiam."

"-A parte curiosa desse experimento é a seguinte:", disse pro meu amigo, "-As pessoas do grupo que espera pelo segundo chocolate - evidentemente o grupo do qual não faríamos parte -  sao aquelas que, anos após o experimento, viram CEOs de empresas multibilionárias, ganharam prêmios disso e aquilo, viram grandes inventores ou empreendedores. Já o outro grupo - no qual suspeito que a gente cairia - são aquelas pessoas que se casam 3 vezes, levam uma vida instável, pulam de emprego em emprego, têm uma taxa de mortalidade milhares de vezes maior que a do grupo anterior." Aí os dois começamos a rir meio sem graça, meio que em desespero. Oque será que o futuro nos guarda de surpresas? 

Agora que penso nessa conversa eu fico me perguntando o quão desesperador é tudo isso: se imaginar dentro de uma vida à qual você não quer pertencer. Ou uma existência em que se tem a plena consciência de ter tantos fatores contra ela mesma que cada vitória é e deve ser celebrada como se fossem 10... com muita festa, gratificação... (e chocolates, claro!)

No fundo, sou um besta em pensar isso: nenhum chocolate vai ser tão gostoso como antes se eu continuar tirando reflexões inúteis como esta de cada mordida que der nesses doces. Vai ver, isso sim, quem tava certo era aquele cantor gordinho cantando serelepe e feliz sobre chocolate e a felicidade que o mesmo nos trás.