sábado, 6 de julho de 2019

Quando o mesmo não é exatamente a mesma coisa

o novo 
não me choca mais 
nada de novo 
sob o sol 
apenas o mesmo 
ovo de sempre 
choca o mesmo novo
["O novo", Paulo Leminski]

Oque é o novo? Oque é similaridade? Quando podemos dizer que uma coisa é igual à outra? Curiosamente, e nem sei se falei disso, houve um post do Tim GowersWhen are two proofs essentially the same?  em que ele discute o como uma prova de teorema pode ser igual ou diferente de outra: oque pode haver de novo nas entrelinhas? Ele ilustra a discussão de diversas formas, e há uma discussão bem legal sobre a prova de que a raiz quadrada de 2 não é um número racional (leigos podem ler, recomendo); o autor contrasta e exalta muito bem as facetas que cada variante traz à tona que as outras não trazem, é bem interessante.

Acho que comecei a pensar sobre quando o pânico de escrever uma tese e encontrar algo sobre o qual falar me veio. E mesmo enquanto escrevia uma, me demorou muito tempo pra entender a relevância do que fiz, pra entender onde morava a não-trivialidade do que discutia em folhas, lemas e teoremas, onde estava a novidade. Claro, dizer 

"-eu resolvi esse problema que ninguém resolveu" 

não encompassa novidade alguma, não dá dimensão alguma do teu trabalho na imensidão do que é produzir algo, seja em ciência, seja em qualquer outra coisa que se tente criar. A questão talvez se resuma a entendermos qual a relevância dessas gotinhas de conhecimento que  jogamos ao mar do que (enquanto humanidade) sabemos até então. 

Eu lembro até hoje do meu orientador (olha ele de novo aí! Vai ver lembrei dele várias vezes hoje por conta do email que me enviaram) não só  me  explicando de volta oque eu havia feito num tranbalho meu, mas ressaltando  oque não trivial nele, onde estava a novidade ali etc. Parece um pouco patológica essa dificuldade, essa obstrução, pois não só tive muita dificuldade pra ver oque havia provado, eu tinha um pouco de dificuldade em ver oque os outros haviam criado/conquistado também! Lembro-me de ler um trabalho do meu orientador/chefe e pensar 

"- mas essa idéia já estava ali, naquele trabalho anterior de fulano..." 

quando na verdade não, só uma sombra da idéia do que meu orientador fez estava ali. E assim, nesses vislumbres de similaridade, eu acabo me perguntando: oque faz uma coisa ser similar, semelhante , à outra? Por exemplo, eu acho o começo dessa música do Black Keys muito parecido com Breathe, do Pink Floyd



[The Black Keys, Weight of Love]


[Pink Floyd, Breathe]

Ou quando alguém diz "Excuse me while I kiss the sky", 



[Jimi Hendrix, Purple Haze]

e outra pessoa diz "Vou pra rua e bebo a tempestade"


[Chico Buarque, Bom Conselho]

..similar, não? 

Ou quando  Muddy Waters nos vem com absurdidades, falando  "I had fever in my pockets" 



[Jim iHendrix, tocando Muddy Waters, Mannish Boy]

e ouvimos os mesmos "impropérios" em Bob Dylan e sua nota de 11 dolares



[Bob Dylan, Subterranean Homesick Blues]

Ou ouvimos Mozart onde de fato há Beethoven 


[Wolfgang Amadeus Mozart - String Quartet No. 18, K. 464]



[Beethoven String Quartet No 5 Op 18 in A major Alban Berg Quartett]


Curiosamente, tinha uma recordação vaga de ter escrito algo sobre esse asssunto há muito tempo, no princípio da minha carreira acadêmica. Fiquei surpreso ao encontrar essas palavras

[sic] 
Talvez o novo seja um estado de efemeridade: um primeiro bj que se dá no meio de uma multidão no carnaval, um rabisco que vira um quadro, um rascunho que vira um livro, uma dúvida que vira um teorema, um salto de cabeça dentro de um rio raso (vcs ja leram o livro do marcelo rubens paiva, feliz ano velho?). O que não explica o novo... que talvez seja o primeiro de alguma coisa... o que vem depois é uma copia, um plagio. 
Mas chega uma hora na vida, por exemplo, qdo vc vai fazer escrever uma tese ou procurar alguma coisa interessante pra se dedicar ou falar alguma coisa relevante sobre....vc realmente para pra pensar no que vc pôs no papel: será que tem algo realmente novo debaixo dessa pedra? Ou sera que só há musgo e um ou outro inseto estranho e exótico... 
Novo, novo mesmo(?): que nada: só uns primeiros cinco minutos de espanto e assombro.
 [desse mesmo Rafaello que vos escreve]
[Novembro de 2010]

Este outro post eu cito uma carta do Leminski a um amigo, na qual ele diz (sobre a poesia concreta)
Essa perseguição ao novo é meritocrática, competitiva, gera intrigas palacianas pelo poder, exclui, segrega, expurga.
A poesia concreta já proclamou-se a única boa e certa. A Nova! 

" dando por encerrado..."

E se o povo gostar de verso, o que é que a gente faz? expulsa o povo?Ou faz como a avestruz, enfia a cabeça num ideograma da dinastia ming e faz de conta que ele não existe?
[Lemisnki, em carta a Régis Bonvicino] 


Ou seja... o novo é uma constante, uma entidade bela e estranha que permeia todo o processo de criatividade, de dúvida, e de descoberta, sobre a qual eu sei pouco (dado que ela sempre aparece quando não estou em casa), e cuja presença só sei sobre por breves descobertas de um copo sujo que o/a mesma deixou na pia, ou uma bituca de cigarro esquecida na varanda.


[Tudo isso pra dizer que, depois de quase 8 meses um artigo, possivelmente meu último de matemática mais pesada, foi aceito pra publicação. Um artigo sobre o qual questionei muito o conteúdo, o método, a forma, e o quanto de novidade ele trazia pro mundo]
[Um artigo no qual tropecei diversas vezes na dúvida, na angústia, no ressentimento com meu colaborador não-matemático, dentre outros perrengues. Enfim, sinto que esse ciclo está realmente se fechando da maneira como gostaria :) ]

[Segunda feira, última parte do Job interview: skype meeting pra saber o resultado :S ]

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