terça-feira, 30 de abril de 2019

Shrinks

Você talvez se lembre desta cena:



Isso: Bettlejuice (cujo nome em portugues não me recordo). Acho que esse filme me lembra um pouco de sala de espera de hospital. Então.... como seria uma sala de espera de terapia? Curioso que nunca estive numa sala de espera de terapeuta e compartilhar esse momento de esperar pra ser atendido; isso porque era num hospital universitário, aí não havia como saber se a pessoa estava indo pra ser atendido porque machucara o pé ou se era um atendimento psicológico/counseling. 

Em todo caso, acho que muito da idéia pra essa cena vem da palavra "shrink", que é como muitos psicólogos/terapeutas são chamados em inglês. O termo no entanto não vem sem discussão: como qualquer lingua, há termos cuja conotação positiva/negativa são ainda debatidas. A exemplo, neste site, um terapeuta diz o seguinte


From what I can tell, the word shrink is a shortening of “headshrinker,” referring to Amazonian tribes who preserve and shrink the heads of their enemies – certainly not a very positive connection! So, on the dark side, there are connections to shamanism, magic, and spiritual rituals, but in a more positive light, it is also suggested that psychotherapists [the term was first used to describe psychiatrists and psychotherapists] who might “shrink” problems to make them more understandable.

várias discussões do tipo na internet. 

[Por sinal, há muito espaço pra discutir isso, o valor das palavras e suas conotações em cada língua, mas não, não vou frisar isso aqui]

Sala de espera: cada um ali, "mais estranho que o outro", sentado e esperando pra ser atendido. Isso me lembra de uma animação que assisti recentemente, dos incrívelmente talentosos  Alison Snowden e David Fine (que fizeram "Bob's birthday", do qual falei neste outro post bem antigo). Por sinal, havia me esquecido que, há pouco tempo enviei o link dessa animação pra minha terapeuta. Fiquei meio envergonhado de tê-lo feito, ainda mais quando frisei pra ela como gostei da parte em que o terapeuta (que é um cachorro) deixa seus instintos aflorarem de novo e expõe seu lado animal. Como disse a ela: 

"- No fundo, como qualquer outro, o terapeuta não passa de um ser humano, com seus próprios problemas."

Não sei se ela apreciou muito minha visão um pouco crua dos limites que o papel dela tem (dentro dele próprio, se é que alguém entende oque eu disse aqui): minha terapeuta é só um outro ser humano, me vendo remar meu barquinho ali de longe, do barquinho dela.


Animal Behaviour, por Alison Snowden e David fine.


[Dando continuidade a este texto, que estava na gaveta há dias]


Leio oque escrevi acima e penso, meio remoído de sentimentos...um pouco de "constrangimento" e self-awareness.... é realmente um pouco estranho expor "públicamente" que se faz terapia (sobre o qual falei recentemente em algum post do qual não me lembro). A exemplo, no Japão eu nunca comentaria sobre: em geral os japoneses simplesmente achariam que você enlouqueceu de vez; antes você cometesse um harakiri (腹切り), aí você seria considerado mais normal (e sua atitude mais bem aceita, acho). De qualquer forma, muitas pessoas e culturas têm, como eu próprio tinha1
, um pouco de preconceitos sobre o assunto. Isso principiou em mudar quando um amigo (hoje casado com uma psicóloga, embora na época em que me disse isso não o fosse) me disse, os dois nos primórdios dos nossos 20 e poucos anos:

"- De todos os meus amigos, os que estão melhor emocionalmente e que mais buscam ouvir os outros e entender a si mesmos são os que estão indo à terapia."

De fato, não vejo problema algum em me dissecar e me expor diante de alguém que, ao me costurar de volta, coloca as coisas no lugar ou, digamos, mais bem posicionadas. Se é com o intuito de me fazer uma pessoa "melhor" pr'aqueles que amo, ou pros que me cercam, por que não? Acredito que terapia pode ser algo que nos ajuda a suprimir um pouco do ego e orgulho que carregamos conosco buscando assim, de alguma forma, nos tornar pessoas "mais bem resolvidas"2

Mas vou para rpor aqui, não estou aqui pra pregar nada a ninguém. Divirtam-se com a animação (que é muito, muito boa).




1 Well... por falar/escrever isso com tanta dificuldade, talvez ainda tenha um pouco


2 Na verdade, relações humanas - pais e filhos, namoros - em geral têm um pouco desse papel, embora caiam em viés bem mais facilmente, sejam por "inner grievances" sejam por algo que um ditado bem diz: "the apple never falls far from the tree"...seja em costumes, seja em modo de pensar, seja em modo de ver algumas coisas.  


domingo, 28 de abril de 2019

Aos que ficaram pra trás

Um amigo perdeu o pai recentemente, outros sempre me falam dos seus, dos dias que o pai foi hospitalizado, da mãe ter ido pra UTI, da percepção súbita de que somos finitos. 

Recentemente, num podcast do qual gosto muito (This American Life), ouvi um episódio chamado "Left Behind", especificamente a parte "The Sudden Departure". Nele há um relato d euma cidadezinha nos Estados Unidos que votou majoritariamente pró-Trump e que, num belo dia, teve uma batida da imigração pra darcabo dos imigrantes ilegais que ali viviam e trabalhavam. Sendo sucinto e mesmo incompleto, no podcast há o relato de várias crianças que voltaram da escola nesse dia e não encontraram nenhum dos pais em casa, ou só um dos pais. Há também o relato de uma mulher que votou pró-Trump, que é a favor do "build the wall", que descreve oque foi ouvir uma criança chorar por não saber oque fazer por não ter mais nenhum dos pais por perto. Na hora me veio à cabeça algo que discuti com minha terapeuta há alguns meses: como, durante a infância, eu era assolado por épocas de intenso medo, um pânico absurdo, de perder a minha mãe (que me criou, dado que meus pais são separados). 

Acredito que só fui ter consciência de que eu fazia parte de uma "single mom/parent family" quando mudei pros EUA e alguns amigos me apontaram isso; acredito que diferentemente do Brasil, nos EUA esses "adjetivos familiares" ("single parent", "black/immigrant" etc, e o impacto deles no desenvolvimento emocional, financeiro, profissional, dentro outros) são algo mais frequentemente discutidos1. Enquanto nesse status, há esse elo, que é extremamente um elo de fragilidade e dependência. 

Sempre tive um pouco essa noção de finitude maternal/paternal. A primeira vez que me veio essa "consciência de finitude" e a "necessidade" de discutí-la foi depois de ter assistido a um documentário da NHK que coloquei num post antigona parte em que uma criança fala pra mãe dizer que não vai deixá-los. Vi isso e me vi quando criança fazendo o mesmo, pedindo uma asserção similar da minha mãe.

Em princípio esses assunto - single parent families e percepção de finitude dos pais - parecem meio díspares. No entanto não os sinto tão separados assim. Talvez oque eu queira frisar aqui é como, durante nosso crescimento, dependemos de coisas tão tênues, de algumas poucas pessoas, e como, de uma hora pra outra, esses elos podem "desaparecer" das nossas vidas, alterando nosso futuro por completo.

Uma amiga norte-americana me contou que, quando os pais se separaram, ela e os irmãos ficaram com o pai. Este, que nunca havia sido muito íntimo com os filhos, buscou estreitar seus laços simplesmente dividindo com eles o quão difícil a separação estava sendo pra ele. Segundo a mesma, estreitar aquele laço era algo impossível e pesado pra ela e os irmãos; não por menos, ela saiu de casa aos 17 anos: trabalhou servindo mesas por um tempo, e engravidou aos 20 e tanto. 

Interessante também eu só ter me dado conta de que, tendo pais que nunca fizeram faculdade (com um deles nem terminando o ensino médio, na verdade) eu cheguei a obter um PhD; e não digo isso com louvor, mas sim como uma observação estatística mesmo: as chances de isso acontecer, os "odds" em favor disso, são muito baixos. A meu ver, é mais um evento que se agarra como que pendurado por poucos dedos, com muita dificuldade mesmo, nessa linha bamba entre o "foi/não foi", algo que sempre me deixou reflexivo. Ressaltei o mesmo numa conversa com meu pai durante uma visita ao Brasil (alguns anos depois que mudei pros EUA), na qual disse que a chance de que as coisas tivessem saído de prumo eram muito, muito grandes. Foi a segunda vez na vida que vi meu pai chorar: ele, pernambucano, cabra-macho-que-não-chora, me falou entre lágrimas o quão grato era à mim mãe.

Termino aqui, meio "disperso" entre tantas idéias e direções; um tanto "scattered". Talvez seja um post sobre nossa finitude... sobre a finitude daqueles que amamos. Ou talvez, por um outro lado, apenas um post ressaltando que nós somo simplesmente vulneráveis e frágeis, e que isto faz parte da beleza e da natureza das nossas relações: no nascer, no criar, no viver, ensinar e aprender.



Na minha experiência em  falar sobre com brasileiros, os mesmos "brush it off", dão de ombros, ao tópico;  é assunto que ninguém dá atenção pelo fato de ser relativamente comum conhecer alguém nessa situação. Mas aí está a questão: é diferente tomar algo como comum por algo sem impacto.



segunda-feira, 22 de abril de 2019

Direto da Terra do Sol Nascente #49: "Sa-ra-ry"

Dear Momo,

It is clear from your most recent evaluations that you do not know how to spell "salary" correctly. It seems that, among other issues, your education has a enormous gap, with you blatantly ignoring the cultural benefits of sitting with family to watch spelling bee competitions. 

We could not tolerate your lack of deeper educational background any longer. We will not terminate your employment, although the Board of Directors has decided to change your "salary" to a "sarary", which will be implemented from the next month on.

Last: we expect from you good publications.

Sincerely, 

The Japanese Company

domingo, 21 de abril de 2019

Direto da Terra do Sol Nascente #48: Koyasan (高野山)


Embora não seja nem nunca tenha sido budista, flerto com alguns ensinamentos que eles "pregam". Quando vim ao Japão pensei que fosse encontrar um pouco dessa filosofia no dia a dia das pessoas - mindfulness, paciência, respeito pela natureza e pelo contato com ela, e pela simplicidade das coisas. Engano, engano, engano: as coisas aqui são bem diferentes em geral.

Todos os dias medito (raras exceções), e nos finais de semana lá vou eu meditar com os monges - algo sobre o qual falei aqui. Meditar com outras pessoas tem um quê muito único, difícil de descrever, mas talvez fale sobre isso outra hora. Tudo isso pra dizer que estive em Koyasan, uma cidade cheia de templos budistas e um lugar que há tempos gostaria de visitar. Muitas coisas interessantes e bonitas, onde talvez oque mais me tocou tenha sido o imenso silêncio que inundava os caminhos do cemitério de Okunoin à noite, que me surpreenderam ao desaguarem num mausoléu lindo, separado do cemitério por uma pontezinha (depois da qual fotos e imagens são proibidas, dado o quão sagrado o lugar é considerado) e todo iluminado por lanternas vermelhas. 

Nesses dias não consegui fugir de momentos mais reflexivos. Pensei no quanto as coisas mudaram nesse meio tempo que separaram a vontade e primeiro plano de ir daquele dia em que eu finalmente estava lá. Refleti sobre minhas escolhas presentes, e respirei fundo pra processar o medo diante das próximas escolhas nas quais estou prestes a mergulhar. Impossível não olhar pra trás e pensar se tudo não passa de erro,  de fracasso, de estar fazendo besteira, de estar me precipitando. Pensei naqueles que busco ao longo desse processo: naqueles que simplesmente só me ouvem, e nos poucos que simplesmente compartilham e entendem a dificuldade de algumas escolhas (embora a não impossibilidade de realizá-las). 

No mais, enquanto buscava pelo link do post que mencionei,  acabei tropeçando neste outro, no qual menciono um trecho de um livro da Clarice Lispector:


[...]
A deseroização é o grande fracasso de uma vida. Nem todos chegam a fracassar porque é tão trabalhoso, é preciso antes subir penosamente até enfim atingir a altura de poder cair - só posso alcançar a despersonalidade da mudez se eu antes tiver construido toda uma voz. Minhas civilizações eram necessárias para que eu subisse a ponto de ter de onde descer. É exatamente pelo malogro da voz que se vai pela primeira vez ouvir a própria mudez e a dos outros e a das coisas, e aceitá-la como a possível linguagem. Só então minha natureza é aceita, aceita com o seu suplício espantado, onde a dor não é alguma coisa que nos acontece, mas o que somos. 


[...]
E é inútil procurar encurtar caminho e querer começar, já sabendo que a voz diz pouco, já começando por ser despessoal. Pois existe a trajetória, e a trajetória não é apenas um modo de ir. A trajetória somos nós mesmos. Em matéria de viver, nunca se pode chegar antes. A via crucis não é um descaminho, é a passagem única, não se chega senão através dela e com ela. A insistência é o nosso esforço, a desistência é o prêmio. A este só se chega quando se experimentou o poder de construir, e, apesar do gosto de poder, prefere-se a desistência. A desistência tem que ser uma escolha. Desistir é a escolha mais sagrada de uma vida. Desistir é o verdadeiro instante humano. E só esta é a glória própria de minha condição. 
"

Por destino tenho que ir buscar e por destino volto com as mãos vazias. Mas - volto com o indizível. O indizível só me poderá ser dado através do fracasso de minha linguagem. Só quando falha a construção, é que obtenho o que ela não conseguiu.


A paixão segundo G.H. - Clarice Lispector 

Isso... algo que sempre falava pros meus alunos: fracasse, erre, cometa erros. Só assim você vai se permitir um dia acertar e entender. Errar e acertar parecem ser faces diametralmente opostas das coisas, quando na verdade se complementam e até mesmo se justapõem quando buscamos sentido, entender, iluminar algo que toma nossos pensamentos. Erre, aceite seus erros, aceite os erros dos outros, e se perdôe também: acho que só assim podemos crescer.

terça-feira, 9 de abril de 2019

"When you got nothing, you have nothing to lose" (parte 3-4)






[Esforçando-se pra esconder seus erros, o autor ainda tentou corrigir o "misspelling" da palavra "Salary"]

[Pra sorte dos leitores e embaraço do autor, o original sobreviveu à esta tentativa frustrada]