sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

A arte de esquecer das coisas

Um dos meus maiores defeitos é ser meio esquecido: me perco nos detalhes de algumas coisas que fiz, ou que um dia ouvi, ou que alguém disse. Me pego no todo, não na granularidade da prosa das pessoas.

Isso é um grande problema, especialmente se as pessoas vêem nisso um descaso da minha parte.

Não, não é.

E por mais que isso já tenha trazido algum problema (em geral, só com ex-namoradas ), este "defeito/bug" me dá algo incrível: a virtude de me encantar novamente com coisas que já tive contato antes.

Well... você talvez vá dizer que eu não precisaria ser tão esquecido pra poder gostar e gostar de novo das coisas... mas enfim, a sensação de redescoberta, do me encantar de novo, parece que vem e me visita mais uma vez quando redescubro algo: seja um teorema, uma idéia, uma música, um beijo, uma sensação que me aflora uma vez mais alguma coisa lá no fundo da alma.

Essa semana tive essa sensação três vezes: a primeira quando ouvi essa música

                  [Sivuca e Quinteto Uirapuru - Choro de Cordel ]


E que rapidinho me levou a outras, maravilhosas, como esta

                 [Sivuca e Quinteto Uirapuru - Espreguiçando]

Que delícia poder ouvir isso. Tive um deja vu, sentir de novo aquela mesma sensação que sentia quando ouvia esse álbum enquanto morava no Rio :)

A segunda foi ouvindo a primeira faixa do Siroco, do Paco de Lucia

                                              [La Canada, Paco de Lucia]

A mesmíssima impressão de surpresa que tive ao ouvir à primeira vez, quando ainda morava em Btown, a casa cheia de luz com aquelas janelas enormes, a música transbordando o apartamento inteiro, eu de boca aberta impressionado com a técnica, com a parte percussiva ao fundo que mais pareciam vagalumes piscando, suaves e ao mesmo tempo ali, te lembrando da existência deles, iluminando os detalhes da música como um todo...

E, pela terceira vez, agora à pouco (noite), enquanto voltava pra casa: passou um gambá correndo, atravessando a rua às pressas, e quase o atropelei. O coitado assustado, correu por debaixo de uma cerca. Me lembrou de uma sensação muito curiosa que senti quando algo parecido aconteceu anos atrás, e que eu relatei neste post de 2012: A chairy tale ( ou "sobre gambás e coisas que insistem em não querer ser oque são"). A doçura de ver um bichinho tão inofensivo se esgueirando pelo mundo por sobrevivência... me faz sempre pensar em como, enquanto seres humanos, o nosso progresso implica na destruição do habitat de tantos outros animais. Saio dessas interações como se fosse abençoado pela sorte de vivê-las, e ao mesmo tempo triste por me sentir de mãos atadas: quem me dera as ruas que construímos fosse isoladas o bastante, e não tivessem que ser atravessadas por estes bichos.mente a sensação triste que sempre foi ver

Enfim... é isso por hoje. Melhor eu terminar por aqui porque estou cansado (e por também mal lembrar do motivo que me levou a começar a escrever hoje :P )




quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

Aguardem, pois no próximo bloco....

É, pessoal. O próximo bloco é mais entrevista.

Na verdade, uma entrevista pra discutir a entrevista anterior.

...e que, agora que continuo a escrever este post, já rolou.

Sabe... nem sobre isso eu ando querendo falar ultimamente. Eu ando cansado e com a cabeça a mil, pensando em como fazer um supercomputador entender oque eu quero que ele faça.

Mas, invariavelmente, ao fim do dia fica aquela musiquinah na minha cabeça...

       [Beatles, I'm so tired]

Melhor eu ir dormir, porque daqui não há de sair mais nada hoje.

Ahh!! Mas antes de ir, deixa eu dar a boa notícia...


.... não, não tem boa notícia não: tava só sacaneando vocês :P



sábado, 8 de fevereiro de 2020

Una palomita que no vola


[John Williams tocando a belíssima "Que no te quiera más", de V. Emilio Sojo]

Esses dias, numa reunião de trabalho, meu chefe (de uns 50 e poucos anos), pouco habilidos em falar com o público, esperava sem graça no canto pra começar a sessão. De uma maneira quase infantil ele mordia o lábio inferior, expondo dois dentões enormes que tem e que, assimetricamente, são muito maiores que os outros. Interessante, porque achei a imagem fofa já que, mais que tudo, ele me parecia uma criança em primeiro dia de aula. Me dei conta de que ele, em algum dia, havia sido uma criança. Talvez daquele mesmo jeito, dentucinho, num canto, tímido. Sorri diante da imagem, enquanto a reunião já começada me invadia com alertas e mais alertas sobre corona virus.

Curioso, por que lembre essa semana ao ouvir This American Life, num episodio chamado  "Pidgeons on a plane", sobre um programa do governo Mexicano para levar maes de imigrantes ilegais a visitarem seus filhos nos EUA. Para aplicar as pessoas devem, por exemplo,  ter mais de 60 anos. Pensei muitos nessas pombinhas que não voam. Mais precisamente na minha mãe, que nunca me visitou enquanto vivo fora. Lembro dos primeiros anos no Rio, em que ela me dizia ao telefone "- quando você voltar pra São Paulo", não sei se pra me acalmar (nos meus primeiros dias longe, imerso em angústia) ou por imaginar que, de alguma maneira, a distância era temporária.

O  tempo com a minha mãe foi uma grande parte da última visita ao Brasil. As risadas diante daquele mar de tupperwares que os armários dela viraram, as risadas diante das dificuldades, tão felizes e cheias de alegria quanto as risadas diante das vitórias. algo interessante foi vê-la  reticente em começar a fazer pilates ("vou deixar pra  mudar de casa antes", "vou esperar teu sobrinho crescer um pouco", "vou...") ficava obstruindo toda e qualquer iniciativa minha que, no fim das contas, me ficou óbvio: minha mãe estava com medo de ir sozinha.

Me prontifiquei a ir junto, a entrar junto, a perguntar junto. "Não posso entrar contigo, mas te espero lá fora". E assim o fiz, imaginando que um dia ela havia feito o mesmo por mim. Como uma lembrança, vendo minha mãe me esperando na saída da escola, ou de outra em que abro minha lancheira pra comer meu lanche em casa depois da aula1, pareço fechar um ciclo em que os papéis se invertem: eu levo minha mãe pra fazer as coisas que ela, pequenina, precisa de um empurrãozinho pra começar sozinha.

De certa forma, essa sensação de "completar de um ciclo" foi um pouco do que senti durante minha última palestra (saidera!) nos EUA, diante de antigos professores que tive.... estranho como duas coisas tão díspares podem dar origem a sensações tão similares, não? Vai ver sou eu... vai ver meu olhar anda meio biased quanto a este tópico.

[A se descobrir então: qual ciclo estou terminando?]

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1 Nos meus primeiros anos de escola, estranhamente, eu levava a lancheira cheia pra trazê-la de volta cheia, e então comer em casa. Dizia, após estender uma toalhinha bordada com meu nome,  "-só como na casa da tia Lina", e me sentava no chão de casa, assistindo desenhos e comendo bisnaguinhas.



Direto da Terra do Sol Nascente # 81: "yeap, I`m here...mas morrendo de saudades"

Finalmente, de volta em casa. Já tem uns poucos dias.

A entrevista com os britânicos, os emails com pedidos urgentes e sem sentido, o supercomputador que não super-computa-porra-nenhuma (ainda!), a sentença que não quer soar da maneira que eu gostaria, o teorema que não sabe se é teorema (ainda!), as dúvidas e auto-flagelações que assombram qualquer entrevistado em busca de emprego, o pouquinho de sol que filtra pela minha janela lacrada por filme plástico - que altera sua natureza de janela (já que ela não pode ser aberta) e vira um quadro do mundo lá fora, a sombra na parede de dois pedaços de pano preso na sacada e que, no pouco sol, parecem braços de orangotango fazendo movimentos os mais variados possíveis, se alongando 

stretch.... STRETCH! S--T--R--E--T--C--H!

Voltei. Voltamos. 

Voltemos: isso, estou aqui: digredindo, tentando, tentando aprender com os tropeços, tentando animar e finalizar coisas (uminha, finalizada! Faltam outras duas)

Meus deus, como eu sinto falta da América! 

Hoje, vendo oque ia pro lixo na pilha de recicláveis, me peguei com alguns postais não enviados de Paraty, nessa última viagem. As boas lembranças de ficar rindo de tudo, de ficar sacaneando o liguajar do pessoal da cachaçarias, das quais saíamos inventando pingas imaginárias, feitas em alambiques com qualidades exóticas. Ou as viagems de barco, que acabavam num livro imaginário sobre praias que não existem (de certa maneira, um pouco na linha do que o Italo Calvino faz no "Cidades invisíveis", do qual eu falei neste post de 2018). A lembrança da família, do sobrinho tirando sarro da minha mãe, a alegria dessa diante do neto, os amigos brasileiros, os amigos americanos, os quilinhos a mais (tô trabalhando nisso!), o carinho dos ex-professores e, sem lugar menor no pódium de alegrias, um monte de papaya, manga, suco de graviola...

Deixamos o ocidente pra trás, mas este nos persegue, na mala, nos sonhos, nos ideais de sossego quando a mente viaja e vai láááá longe. 

E caramba: oque era pra ser só um textinho, um singelo post de poucas palavras, se desdobrou em uma ode cheia de saudades ao lado de lá. 💜💜😄😄