sábado, 25 de junho de 2022

Terra Brasilis : tudo num ponto (e a maior distância entre dois deles)

"Por meio dos cálculos iniciados por Edwin P. Hubble a velocidade de afastamento das galáxias, pode-se estabelecer o momento em que toda a matéria do universo estava concentrada num único ponto, antes de começar a expandir-se no espaço. A “grande explosão” (big-bang) de que se originou o universo teria ocorrido há cerca de quinze ou vinte bilhões de anos."
    
"Tudo num ponto", no todas as cosmicômicas, do Italo Calvino.


Há um conto do Italo Calvino - este, citado acima - em que ele fala do começo do mundo como um grande paradoxo: ele descreve o fato de várias coisas diferentes estarem ali, querendo se fazer pronunciadas, com suas naturezas distintas, como se o meio fosse heterogêneo... quando na verdade tudo se encapsulava na homegeneidade de ser aquilo um único ponto. O texto então fica oscilando entre essa dicotomia que, nas idéias do Calvino, se unem: o fato de muitas coisas distintas estarem ali, encerradas todas num único ponto, sendo portanto a mesma coisa.

[Ps: sei que já falei desse conto... mas ele sempre me vêm à mente de formas diferentes, por motivos diferentes]

Eu acho esse texto lindo, e sempre fiz analogias entre ele e várias das coisas que vivo-vejo-faço. Somos uma multitude de idéias, mostrando tais facetas em cada pequena coisa que fazemos, ao mesmo tempo em que nas muitas coisas que fazemos deixamos um pouco do que somos. É o tal contraste com o qual o Calvino brinca no texto: no fundo, somos apenas um ponto.

Por esses dias entre conversas e mais conversas, ligações surpresa, compra de móveis, violações com pitadas de paciência, eu tenho pensado num outro "paradoxo": o de como dois desses pontos podem estar longe-mas-perto, ou perto-mas-distantes. Fico abismado em ver esse mundo de impossibilidades, que parece tropeçar em medos, idéias pré-concebidas e receios diante do possível, agora ao alcance das mãos-abraços-beijos. O medo nos paralisa, assim como a incerteza. Nos ludibriamos diante de assunções e racionalismos que parecem mas não contemplam todos os lados de uma estória. Não damos espaço pra admitir que há uma questão que possivemente nos foge pelos dedos: o de que possivelmente estamos errados e sendo parciais.

"We always did feel the same

We just saw it from a different point of view"

Tangled up in blue, Bob Dylan


Sigo dias em desassossego, tentando antever como há de ser, eu e meu barquinho aportado em território alto-e-verde, província paulistana cheia de flores e temores. Aguardo sem querer aguardar, respeito sem me silenciar mas sem me perder em palavras, me censuro e sou censurado, tentando fazer sentido de como dois pontos tão próximos e com tanta atração parecem se perder em campos gravitacionais tão difusos-arredios e acabam, infelizmente, em órbitas diferentes. Tem sido difícil aceitar isso, essa "piada" de muito mal gosto.

"Só meu sangue sabe tua seiva e senha
E irriga as margens cegas
De tuas elétricas ribeiras,
Sendas de tuas grutas ignotas

Não sei, não sei mais nada.
Só sei que canto de sede dos teus lábios
Não sei, não sei mais nada."

Teu nome mais secreto, Waly Salomão e Adriana Calcanhoto

Além de tudo isso, me cerco de pontos, coisas, que me orbitam em busca de uma estrela ao redor da qual ter uma função. Me mudo, levando comigo pouca e muita coisa. Nesse processo de congregar todas elas num único lugar - uma casa, de verdade - eu tenho pensado em como este lar, pequeno espaço no mundo, demonstra um pouco  (ou mesmo tudo) do que sou: os detalhes, os quadros nas paredes, o improviso, a ausência de um eletrodoméstico sem o qual posso viver (mas não necessariamente preciso viver sem) etc. Oscilo entre aceitar que tudo oque é meu está ali, e que não sou nada disso, dado que oque carrego são apenas objetos, coisas, besteiras: eu, sim, estou em outra dimensão... ou talvez estas tantas coisas são só uma parte diminuta do que sou.


quarta-feira, 22 de junho de 2022

Terra Brasilis : assimetrias

Eu tenho uma certa facilidade pra detectar assimetrias, sejam elas estéticas, em relações, em estruturas etc. É algo que é um tanto natural, um pouco de como vejo o mundo e o entendo. Desse modo, assimetrias também são uma das primeiras coisas que noto quando estou insatisfeito com algo. Assim que alguma espécie de simetria começa a ser violada, eu logo percebo - parece que o meu corpo reage a tais aberrações quase que imediatamente.


Pra falar a verdade, acho que nem é meu corpo que reage, e sim meus valores: exigir A e fazer B, tratar coisas iguais de maneira diferente... meus olhos não se prendem tanto assim no porque disso acontecer, mas ficam em desconforto extremo assim que noto algum desvio "estatístico" que foge a algum entendimento. Em geral, são coisas que fogem do entendimento até mesmo daqueles que perpetram tais atos (seja por cegueirignorância, viés cognitivo, ou por falta de coragem em admitir oque se vê). 


Acima eu só citei assimetrias que se aplicam a coisas-objetos distintos (digamos, falei de uma certa “simetria comparativa”). Outra, muito fácil de lembrar, é a espacial. No entanto, existem também assimetrias temporais: antes, A era tratado de maneira X, agora ele é tratado de maneira Y. É curioso então fazer um paralelo de que tudo que se mantém constante no tempo em geral é tido como uma lei. Mais curiosamente ainda, há um resultado matemático - que explico aqui de maneira muito grosseira -  que é quase uma contrapartida ao comentário anterior: ele diz que pra tudo aquilo em que há uma simetria, há alguma quantidade que se mantém constante. No caso, se estirarmos essa analogia um tanto, oque se mantém constante é o nosso entendimento da questão: se ontem-hoje A era tratado como X, amanhã será tratado como X, e assim em diante; em resumo, a simetria (temporal) perdura.


Infelizmente, nós humanos não somos regidos por leis. Bom...talvez seja bom que não sejamos mesmo, ao menos não em todos os aspectos das nossas vidas. É claro que gostariamos de viver num mundo onde todos cumprissem regras, não houvesse roubos e coisas piores... mas em que nível a vida seria suportável se fossemos, em todos os aspectos, rígidos, incapazes de corromper os elos que nos cercam para poder levar uma vida mais leve ou, digamos, normal?


É interessante estar aqui no Brasil e ter sido testemunha de tantas maneiras de se interpretar o mundo, suas leis, suas "simetrias" e "assimetrias". Isso sem falar no processo de observar a maneira como eu e muitos dos que me cercam deformam essa geometria de leis nas quais estamos submersos, alterando-a conforme o necessário... ou mesmo nos fazendo de desentendidos quando somos vítimas ou praticantes de tais assimetrias.... das quais ninguém escapa, sem sombra de dúvidas...

sábado, 18 de junho de 2022

Terra Brasilis : tangled up in a huge mess & bureaucratic matters

"

...

And when finally the bottom fell out

I became withdrawn

The only thing I knew how to do

Was to keep on keepin’ on like a bird that flew

"

Tangled up in blue, Bob Dylan


Uma das coisas que talvez me peguem de maneira mais intensa numa transição é a ausência de estrutura: os dias nascem difusos, tudo parece orbitar em torno de poucas e essenciais pendências (procurar casa etc). Me lembra muito a sensação estranha de estar no Rio ou na mini-apple, tentando equilibrar pratos e vivendo de maneira transiente na casa de alguém ao mesmo tempo que tinha que procurar casa pra mim mesmo.

O começo é difícil... tento me lembrar disso, dizendo algo que me alente diante de tanta falta de sal, de sol, de céu, de cor, de mel, de piscina, de carinho. A vida parece seguir com propósito... uma versão brasileira de algo do qual falei anteriormente: se o Japão me "punia" com purposefullessness, o Brasil me acolheu em piada com um propósito-despropositado que só há de passar assim que algumas coisas cairem no seu lugar - casa, poder me exercitar, ter rotina, receber mimos etc etc. Tudo parece perto e longe de se estabelecer, embora saiba que tudo vai meio que acontecer ao mesmo tempo, pois um desencadeia o outro. Por agora, só me resta esperar com todo contentamento possível dispendido em sub-rotinas: levar um quadro pra emoldurar, pensar em como vai ser a casa, preencher formulários da empresa nova, receber ligações indevidas no meio da noite etc Eta vida besta, meu deus! 

De certa forma, algumas coisas parecem estar caindo no lugar, apesar de envoltas em incerteza: reestabeleço laços com amigos, família, descubro coisas boas em mim e neles, fico feliz de imaginar esses finais de semana entre os mesmos, me encho de afeto ao qual há tempos não tinha acesso, choro surpreso ao saber de sereias oniscientes que acompanhavam o diário de bordo ao longo dessa travessia, olho pro futuro com os olhos cheios de encantamento e sossego, vislumbrando aguas serenas envolta do meu barco que ruma a trópicos abundantes em mel, amor, flor, mãos dadas seladas em riso... Ó abelha rainha... faz de mim... e aproveita pra fazer zum zum na orelha, na janela, na sala, na escada....

[Salve Waly Salomão!]

Me equilibro na corda bamba da ansiedade levando nos ombros o enorme peso da incerteza, dando passos adiante enquanto tenho os olhos ofuscados pelo silêncio dos outros,  querendo abraçar tudo e me mostrar presente quando, na verdade e de maneira até irônica, a vida parece me testar em paciência e resiliência.

Nesses desandos, tentando entender qual é a maior distância que pode separa dois pontos tão próximos e que parecem se atrair, me deparei com algo que escrevi em Junho de 2015:


Sometimes we are too selfish and arrogant to realize that there is way more than ourselves, our pain, losses, failures or our confusion around. We forget that we are part of a whole and that we are just dust amidst all the beauty and peace that nature can give us. 
"Praise and blame, gain and loss, pleasure and sorrow, come and go like the wind. To be happy, rest like a giant tree in the midst of them all." (Buddha)


Tchau, pessoal. Vou lá.... ganhar o dia e agarrar o sol com a mão.

quinta-feira, 16 de junho de 2022

Terra Brasilis : mentira

"Hoje eu tenho apenas uma pedra no meu peito

Exijo respeito, não sou mais um sonhador

Chego a mudar de calçada

Quando aparece uma flor

E dou risada do grande amor

Mentira"

Samba do grande amor, Chico Buarque


Hoje me lembrei dessa música do Chico que, coincidentemente(!?), foi parte da trilha sonora de uma viagem a dois pra Paraty, em meio a risadas e mais risadas. Lembrei dela ao  perceber que, no fim das contas, essa sereia-estória é cheia de ludibriações de diversas formas, quase um fogo cruzado. Sim, o ato de enganarmos o outro é evidente em diversos momentos e é o que mais causa dor. No entanto, há um outro tipo de enganos que acontece também, quando ludibriamos a nós mesmos... esse é o mais complexo, porque envolve viéses cognitivos, ansiedades, expectativas. Assim, por ser tão sorrateiro, mal reparamos quando esse tipo de engano acontece.

Hoje me atentei pro fato de que tenho tentado me mostrar pro outro sem vulnerabilidades, passar a impressão de que essa sereia-estória é passado e  tudo o mais, quando na verdade não: não passou... ao menos pra mim. "Boa sorte! Siga teu caminho!" - mentira! Quero seguir adiante, quero me abrir pra novas estórias, começar de novo nesses trópicos, mas... parece que aguardo ainda, algo que não sei bem oque é: um raio, uma palavra, um aceno... não sei... quero dar um passo à frente, mas tudo oque vejo adiante parece me remeter a sonhos e idéias que tinha antes de tudo isso começar.... 

Não sei... hoje me senti injusto ao só ficar reiterando que a decisão ("culpa"?) disso tudo não é minha etc etc... quando na verdade só deveria acolher as palavras que disse no post anterior e não só dizer, mas finalmente aceitar que não, que isso é engano meu: me desculpar, não há palavras pra sustentar kintsugi tão rápidovernight... No fundo, talvez a única coisa que posso dizer é que estou aqui, que estou aguardando, me mostrar vulnerável e não me esconder atrás de palavras rasas que não representam oque sinto. Claro que quero seguir adiante! Claro que quero abraçar o futuro! Mas... ainda quero fazer isso com uma sereia muito específica nadando em volta do meu barquinho...

... e quando eu digo o contrário, é evidente: mentira, Raffaello...mentira. (Pelo menos agora eu sei disso.)

[Então... só me resta manter a calma e a serenidade...]

[...não ter medo de me mostrar vulnerável...]

[... ter paciência, ser grato e não ser injusto :) ]

 

quarta-feira, 15 de junho de 2022

Terra Brasilis : piracema #1

Ontem conversava com um amigo de infância e ele me apontou algo interessante: que de todas as minhas mudanças pelo mundo, as únicas que foram "loucas" foram a minha ida pro Rio de Janeiro (há uns 15 anos) e esta de agora. 

Na hora fiquei pensando no que ele falava e vi que ele tinha razão. De certa maneira, sempre equalizei todas minhas mudanças como se fossem simplesmente mudanças de cidade e ponto - tudo igual. Mas não: fui pro Rio sem saber se ia rolar ficar lá. Passei dois meses naquela incerteza, inicialmente sozinho no apartamento minúsculo de um amigo que então viajava. Depois de um mês meu amigo voltou de viagem e ficamos lá, eu + ele + a namorada dele que vinha quase sempre: fui forçado então a dormir debaixo da mesa, onde fiquei por um bom tempo. 

Terminados esses dois meses de sol, matemática e incertezas, voltei pra São Paulo e, envolto em dúvidas, comecei uma pós no mesmo lugar onde fui undergrad e que havia me aceitado até aquele momento: uma angústia enorme naquele ambiente hostil, salas sem janelas, os mesmos alunos de antes, aquele pessoal apático e desunido de sempre... aí chegou a oferta para se ir pro Rio: aceitei e fui, pra morar por mais um tempo debaixo da mesa do meu amigo, até encontrar um apartamento. 

Ontem meu amigo me relembrou desses detalhes... que a ida pro Rio era meio 0 ou 1: se não fosse aquilo, não seria mais nada, talvez nem pós fizesse, dado meu desgosto em ficar no mesmo lugar em São Paulo. Foi um pulo sem rede de proteção, algo que se assemelha muito ao que fiz agora. Mais uma vez, felizmente (e por sorte), está rolando.

Fiquei meio desconcertado em não ter percebido isso antes... aí reparei que, curiosamente, os dois momentos mais difíceis dessa trajetória foram justamente sair daqui, e voltar pro mesmo lugar... mais um koinobori/piracema, eu voltando pro lugar de onde saí e tendo que morrer um pouco pra isso: quando fui, em cortar raízes profundas de uma vida de tantos anos e tantos amigos em São Paulo. Agora, quando volto, a dificuldade em reatar laços com um país que sinto desconhecer e com o qual tenho vínculos, mas não mais assim tão fortes. Pareço morrer pois uma parte de mim se sente rejeitada enquanto aqui. No entanto, a cada passo que dou me sinto mais vivo, tentando assimilar uma cidade nova, um tentando acomodar o outro, mutuamente. Meu corpo parece faiscar ao tocar as ruas, meus olhos se deslumbram com tudo, em como a vida consegue florescer e crescer num ambiente cercado de tantas incertezas e injustiças. Ao mesmo tempo que tudo isso me dói os olhos e a alma, me empolga ver tanta vibração e energia em pessoas que têm que se esforçar tanto por um lugar ao sol... admiro e quero reencontrar isso, algo que parece ter ficado em estado latente diante das facilidades do "primeiro mundo" (termo que não curto, diga-se de passagem), mas que vive dentro de mim desde sempre.

Agora, uma digressão pra dizer que tenho tido dificuldade em processar cognitivamente tantas pessoas na rua: todas são muito diferentes!!! Meu cérebro quer assimilar todos os detalhes - o cabelo enorme de uma mulher, o nariz estranho do senhor que senta no metrô, a roupa curiosa do travesti que me pede dinheiro na rua, o cabelo cool da pessoa que dá em cima de mim no metrô (hoje, um homem, mas bem andrógeno)... meu cérebro precisa reaprender a ignorar tanta informação... há de levar um tempo.

Nesse processo de assemelhar o pulo de saída do útero, e o de volta a ele, hoje eu vi como as coisas mudaram: lembro dos milhares de perrengues em ter ido ao Rio, e agora o conforto em voltar, com o poder de decidir onde quero morar, como quero morar, oque quero fazer... ter saído daqui foi realmente uma loucura dolorosa... ter voltado é outra, mas bem menos ruim. Ambas, cheias de possibilidades. E, como meu amigo falou - e não tenho como discordar - são ambos momentos para se crescer muito e brotar de novo, transcendendo medos que muitas pessoas simplesmente não vêem ou, na marioria dos casos, nem sabem que todas as vidas igualmente possuem...

Muito feliz em ter ido... muito feliz em ter voltado... esse koinobori-piracema é mais um ciclo que parece se fechar na minha vida.... um que, em gratidão e serenidade, pareço receber nos meus braços sem nunca sequer ter vislumbrado que seria assim... 

...a graça de viver algumas coisas sem planejá-las...    :)

Terra Brasilis : o jardim dos caminhos que se encontram

É bizarro isso de tentar reparar algo envolto em dor... um kintsugimpossível onde todas as memórias boas parecem ter sido engolfadas por uma onda gigante que só deixou pra destruição pra trás de si.

E como "curamos" isso? 

Honestamente, não sei. Mas andei pensando... num cenário onde não cabem desculpas, talvez não sejam palavras a reparar as dificuldades. No caso, quando nenhuma desculpas cabe é nítido que ou o lado que ouve está sendo muito rígido em querer um pedido específico - como num script (que o outro, claro, desconhece!), ou o lado que ouve simplesmente não sabe oque quer ouvir. Em situações assim, não há pedido de desculpas que seja o suficiente.

Talvez não sejam palavras a se resolver uma questão complexa assim, mas simplesmente permitirmos que memórias afetivas novas sejam criadas. Isso volta a um post anterior do qual falei sobre como processamos eventos como bons ou ruins a depender de quando um momento ruim se dá dentro dele (no começo, ou no final): um relacionamento que termina em um momento difícil tende a sofrer com esse viés de seletividade, de buscarmos sempre as memórias mais recentes.

Anyway… foi só uma digressão mesmo…


domingo, 12 de junho de 2022

Terra Brasilis : o jardim dos caminhos que se bifurcam

 As maiores lições do dia (e da semana):

1) aceitar que algumas coisas são tão dúbias e incertas que acomodam mais de uma perspectiva. 

2) aprender a ouvir e manter a calma, mesmo diante de coisas que discordamos.

3) aprender que medo é medo; que é normal tê-lo, e que nem sempre o manifestamos abertamente (isso vale pra todos os lados de uma relação).

4) aceite o medo, mas não se submeta a ele, nem tome decisões precipitadas sob efeito do mesmo. 

5) aceitar decisões dos outros e respeitá-las, mesmo quando estas te machuquem.

6) mesmo quando discordarmos de alguém, manter o respeito e não erguer a voz; nossa razão não está acima da razão de ninguém, ainda mais em terreno incertos, cheios de ambiguidades. O melhor sinal de que estamos nos excedendo é alguém ter que implora desculpas para nos acalmar: nessas horas somos nós que devemos parar e nos desculpar com o outro lado.

7) aceitarmos que as maiores dores e provações talvez tenham um porquê, e que muitas vezes são um sinal da imperfeição intrínseca a tudo oque nós humanos tocamos e construímos. Talvez seja isso oque nos torna grandes, e oque indica aquilo que nos é importante na vida. 

8) aceitar que algumas pessoas nos veem de maneira rígida: esta é a maneira como nos entendem e não adianta mostrarmos nada, apontarmos fato algum, ou fazermos coisa alguma. É assim que nos vêem e ponto.

9) aceitar que, às vezes, a dor nos faz interpretar as coisas de maneira errada (e da maneira mais dolorosa possível); a dor é o pior dos vieses. Acima de tudo, que nos permitamos a surpresa diante dos nossos próprios enganos. 

[De certa forma, essa foi a coisa mais bonita e significativa do dia.]

[Fiquei mais feliz ainda em poder ter me permitido isso.] 

[Removeu uma tonelada de desapontamento das costas.]

10) não silenciar outras pessoas, nem anular oque estas dizem ou sentem. Nunca peque em assumir que "o meu caminho é oque faz sentido" quando se trata da vida de uma outra pessoa.

11) ser grato, mesmo diante daquilo que nos machuca e cujos propósitos fogem ao nosso entendimento. 

12) desapegar e saber deixar partir (em especial quando oque se diz/faz já não faz mais diferença aos olhos dos outros).

[ps: salvo engano, "o jardim dos caminhos que se bifurcam" é um texto do Jorge Luís Borges.]

quarta-feira, 8 de junho de 2022

Terra Brasilis : extravio

Tentei dormir. O corpo cansado de 30 mil horas de aeroportos, esteiras rolantes e aviões. Tento estar grato por ter um  teto e um lugar no qual ficar agora que chego: tudo oque preciso, não exatamente oque queria. 

Me esperavam no aeroporto. Como um mantra que se repete dentro de mim, tudo oque preciso, não exatamente oque queria. Tento ser grato e aceitar... Até consigo ser grato.... mas aceitar ainda está em processo (apesar dos últimos posts, não cantei vitória ainda, infelizmente).

Deixo as malas no canto... parece pequena perto de tanta vida que tive enquanto grande diante do apartamento que me recebe. Penso na minha próxima casa... como há de ser, onde há de ser... esses dias pela cidade vão demandar alguns tours de reconhecimento

Jetlag. 

Acordei às 5 AM, o corpo parece ainda não ter saído do Japão. 

A mente tão pouco. 

O coração, perdido pelo mundo, extraviado entre oriente e ocidente.

Em que balcão reclamo?

Dissonâncias cognitivas.. ainda outras: dessa vez o mundo me cerca de cidade e carros, enquanto ainda tento processar tudo oque se passa. Como pode, ontem atravessava Shibuya debaixo de chuva, alimentava um pônei num parque... e hoje estou em São Paulo, minha mãe dormindo no quarto ao lado...eu de olhos vidradabertos esperando pelo dia que já amanhece com tons de cinza? 

Ainda não vi ninguém. Talvez encontrar amigos ajude a processar que já estou aqui, e que aqui estarei por um bom tempo. Paro e penso "-sério mesmo que você morou 5 anos na Ásia?! E não sei aonde e aonde ... mais 7 anos?!" Minha vida às vezes é um eterno disbelief... olho pra trás e não acredito que fiz algumas coisas. Mal acredito também que hoje estou aqui, encarando algo que nunca mais imaginaria acontecer: voltar pro Brazil (olha só... outro "erro" typo que brotou em verborrágia...) Amanheço ansioso, um pouco cinza como o céu acima de mim, com leves toques de cor garoando ali-ali-e-acolá.

A fome bate, me chamando pra minhas próprias limitações e pro fato de estar vivo. Suspiro....

Brasil, espero que não me demore muito pra te entender de novo.... e que não te demore muito pra me aceitar de volta.

segunda-feira, 6 de junho de 2022

0 dias entre o oriente e o ocidente: “purposefulless”

Já não tenho mais propósito no Japão. Nem o Japão tem muito propósito pra mim: não sei ser turista aqui; gosto, mas se não tenho oque fazer… não rola.

Mil horas me separam do meu vôo e não sei oque fazer com elas: cruzo a shibuya crossing milhares de vezes, ando pelos parques da cidade outro tanto de vezes etc? Não… o dia de hoje começa e permanece em chuva, nublado, como se externalizasse bem essa virada de página que agora acontece: hoje piso em terra nipônica, amanhã, em solo brasileiro… que mundo grande-pequeno…parabólicamara, ê ê!

Os amigos me enviam as últimas mensagens - uns de tchau, outros de ansiedade “já chegou?!?”, outros de saudades “já se foi?!? Não vá!!” - ninguém sabe bem onde estou, nem eu. Estou em trânsito, entre o oriente e o ocidente, flutuando entre esses dois mundos.

Amanhã acordo numa outra realidade: planeta tapioca, família, reconectar-me com esta última, seguir adiante em outros projetos…. sempre difícil recomeçar “do zero”, mas já fiz isso tantas vezes… por mais que minha ansiedade me deixe alerta quanto a isso, sei que vou dar conta (há uns estudos legais sobre o tema, explicando como lidamos com mudanças e sofremos mais em antecipá-las do que ao vivê-las… o cérebro emula mudancas, de alguma forma nos punindo mas nos preparando pra elas). 

O aeroporto vazio, nada aberto quase: um deserto de fome que assola viajantes desavisados. Please, alimentem-me. Mais tchaus, dessa vez pelo telefone: de onde surgiu tanta gente?! Sair é difícil, chegar num outro país também. Ótima ideia não ter seguido com planos de migrar novamente pra um país novo: certamente seria um baque recomeçar num ambiente ainda mais cheio de novidades que o Brasil (embora já me prepare pro choque cultural reverso, de tentar ser adulto no Brasil/ América do Sul pela primeira vez). 

That’s it, folks. Esta sereia (gosh… vou até deixar o erro… corretor ortográfico querendo que passe raiva e me pregando peças…aliás, já leram “mishearings” do Oliver Sacks?)… De novo: ESTA SÉRIE termina aqui. さよなら!Au revoir! Goodbye! Adiós! Tchau! Nos vemos logo mais, no outro lado do mundo.

domingo, 5 de junho de 2022

1 dias entre o oriente e o ocidente: primavera japonesa com um toque francês

Ontem encontrei H de novo. Jantamos, rimos um monte. Pedi desculpas por ter sido um idiota que não conseguiu dar a ela oque ela precisava (patterns!!??) Aí o namorado dela começou a ligar e ligar… queria que nos encontrássemos com ele e outros amigos dela. “-Rafa, você quer vir também? Só fico com receio… ele é meio difícil às vezes.” Aí meu alerta acendeu: adoro encontrar pessoas  difíceis e observá-las… assim, lá fui eu hee hee :)

Dessa vez ele foi mais doce: conversamos mais. Ele pareceu se abrir, queria saber mais de mim. Ela super emburrada com ele “-ele é meio grosso… francês demais às vezes… não são um povo simpático que nem vocês”…. “-Te entendo… brasileiro é meio besta… a gente ri à toa, sem ter motivo algum pra rir”… 

Caminhei por Shibuya e Shinjuku à noite. Que loucura, cidade que não pára! Viro pra H no meio do trajeto e pergunto: “-por que será que várias das minhas ex ou antigos relacionamentos acabam nas mãos de franceses?" Ela não sabia responder… Pelo menos dessa vez consegui conhecê-lo melhor: vi que ele é um cara legal e que gosta dela. Conversamos um monte, ele super interessado em saber sobre oque faço e como vejo as coisas; eu, igualmente interessado em ouvir as estórias dele (o cara veio pro Japão da França… de carro!). Sem falar que ambos foram maduros e respeitosos comigo: isso diz muito à respeito de uma pessoa. Fico feliz e tranquilo em sabê-la com um cara comedido, alguém que teria como amigo. 

[ね?!… Acho que isso já diz tudo :)]

Doeu-doei meu ukulele pra um casal de amigos de okinawa-yamagata. Foi presente da minha ex, mas não tinha como levá-lo ao Brasil. Ao menos o deixei em boas mãos, gente que há de usá-lo e tocá-lo bastante; não poderia ter melhores donos. Saber abrir mão e ser grato a tudo de bom que me trouxe… mas saber jogar no mar, diminuir o peso do barco e seguir adiante… talvez ela entenderia (acho que não...fazer oque).

Hokusai me desapontou…até pensei em comprar uma xilo da grande onda de Kanagawa, mas… melhor desapegar: meu tempo no Japão acabou, não tenho como levar mais nada daqui. 

Ontem me chega uma mensagem “surpresa” que me deixou feliz. Olho a minha mensagem anterior…. que embaraçoso… por que fui enviar isso?! Fiquei sem graça… deveria ter tido um pouco mais de compaixão… qualquer pessoa insegura faria isso… ao mesmo tempo, tenho compaixão por mim tbm… qualquer pessoa assustada faria o mesmo… Respondi feliz e surpreso: adoro surpresas e gente que toma a iniciativa (sem ser impulsivo, claro!).

Sigo pras últimas visitas. Daqui a pouco mais tchaus… os amigos japoneses me perguntam sobre o Brasil, sem a condescendência com que europeus ou americanos perguntam… curioso, como a ideia do América first ou Europa berço da civilização traz danos a qualquer interação… porque será que brasileiros e japoneses conseguem ser tão próximos?!?!

Dou um grande abraço no amigo brasileiro e em sua familia. Escalador e parceiro de muitas vias, ele me dá um carabiner de aço: "-Um pra cada amigo mais chegado!". Peso da porra… não sei se rio ou choro: peso… mais peso… seria melhor ter me dado uma bigorna... ainda assim, adoro.

Volto pra Tokyo. Tarde no parque. Vamos ver no que vai dar… depois tenho que arrumar as malas. Correria, amanhã é um grande dia. Pareço querer absorver a cidade inteira pelos poros do meu corpo, abraçar tudo… esse país vai me deixar saudades, de alguma maneira…. e de todas as maneiras possíveis…tudo meio scrambled dentro de mim, como na Shibuya crossing: uma ordem desordenada… saudade desde já que te pega por todos os lados e não se sabe de onde vem...

[Me lembrei agora que em inglês se diz “shibuya scramble square” pro cruzamento mais famoso do país…. nao poderia ter melhor nome.]

O dia termina, jantar num restaurante… caminho até uma jidohanbaiki (umas dessas máquinas automáticas de venda de bebidas)…bem devagar, como num ritual, tiro meu tênis já furado e pedindo pra não viajar e os deixo aos pés da máquina: “- que algum morador de rua te encontre e te faça feliz por essas ruas”. Caminho pro Airbnb descalço… como há anos atrás, em Paraty… penso na semelhança-diferença… na areia da praia que hoje vira asfalto japonês…mas hoje, eu sozinho… e daqui em diante… caminho calmo… torço para regressar assim, em serenidade… mas talvez um pouquinho desajuizado 😬

sexta-feira, 3 de junho de 2022

2 dias entre o oriente e o ocidente: universalidades, ambiguidades, uprooting ++

 Está no fim… ou seria no começo? Não sei… vivo uma situação (outra?) tão ambígua e que me permite diversas perspectivas. Posso ficar a sofrer, chorando pitangas aos montes… ou olhar para o futuro deslumbrado com as possibilidades que este parece me trazer… que caminho escolher?

Fico meio puto de pensar que quase tudo que me aconteceu nesses últimos 3 anos se concretizou ou consolidou apenas nas últimas 3 semanas de Japão. Pqp, como assim, procurar emprego e receber uma oferta… será que não poderia ter acontecido antes? Ou algumas ideias que entraram no trabalho com o indiano - cacete, como não havia visto isso?… ou finalmente perceber que, mais uma vez, algumas vezes você terá que seguir sozinho e ninguém te encontrará no meio do caminho… Tudo parece ter demorado mais do que deveria… e me culpo ainda muito por toda essa demora (sim, eu sempre me achei devagar pra processar as coisas, embora não o seja pra agir, uma vez que as entenda). Ainda assim, tento aceitar melhor que, se chego na resolução que agora chego, é fruto de tantos meandros pelos quais caminhei. Sem dúvidas, se escolhi o caminho que sigo de agora em diante, muito se deve ao Japão, cultura tão afeita e confortável com a ambiguidade e dubiedade das coisas, com a maneira vaga como as ideias são distribuídas mundo a fora.

Termos gratidão e sermos gratos pelos percalços que passamos. Termos a esperança de que algumas coisas podem tanto afastar pessoas como uni-las, termos a convicção de que errar é parte integral do processo de acertar (e que os dois são indissociáveis)… viver pra se equilibrar numa corda bamba sem termos medo de cair dela. Saber mudar de rota, ter a humildade de aceitar outros trajetos que são tão certos (ou errados!) quanto os que traçamos pras nossas vidas… ter paciência…

Tokyo parece me receber de braços abertos…. ou me dizer tchau tentando acenar com mais clareza oque esses anos na Ásia significaram… Hoje é dia de tentar ver Hokusai… não muito esperançoso de que conseguirei… interessante olhar de perto alguém que conseguiu traduzir a estética japonesa pro ocidente e se comunicar com tanta gente de maneira a influencia-las (Van Gogh, por exemplo)… algumas linguagens são universais mesmo… matemática, por exemplo. Me lembro dos policiais abrindo minha mala na chegada ao Japão… “seno… cosheno”… todo mundo deslumbrado diante do livro de matemática que trazia na mala, como uma tabula cheia de hieróglifos Maias… quanta coisa mudou nesses anos, quanta coisa continua igual… e quanta coisa continuo ignorando… 

quarta-feira, 1 de junho de 2022

5 dias entre o oriente e o ocidente: "uprooting" + dissociação + resignação + aceitação

É muito comum no processo de ficar longe de alguém que se goste de você se fragmentar: teu corpo está aqui, mas você está em outro lugar. Quando isso acontece vive-se num estado de dissociação: teu corpo te envia um informação, teu cérebro outra. Senti muito isso em diversos momentos da vida e não recomendo pra ninguém.

Acho que a coisa que mais me foi difícil nesse trajeto pra nova casa (Brasil) foram os perrengues ligados a esse estado de ouvir uma coisa, ver outra, e não saber bem como me situar. O barco estava a afundar, eu a ver que  estava entrando água... enquanto nos meus arredores ouvia coisas como "-que nada, é só uma cachoeira natural de água do mar", ou quando manifestava meu medo de que o barco viesse a afundasse, ouvia coisas como "-que é isso, pequeno gafanhoto...esperemos até esse barco aportar em terras brasileiras, aí conversaremos com calma e resolveremos isso..." Enquanto isso, a tripulação ia arrumando seus brinquedos nos barcos de resgate na surdina, eu a tentar estancar as rachaduras no casco do navio. Esse é o pior tipo de dissociação, pois vem de quem você confia: em casos assim, não sabemos bem oque fazer e passamos a duvidar de nós mesmos.

Em suma, um processo que gera algo do qual falei antes: uma espiral de destruição. Mas também gera dor.

Por um tempo carreguei mágoa disso. Pra que? Por que não primar pela transparência? Por que não sair a distribuir coletes salva-vidas a todos? Durou uns dias, eu a vilanizar parte da tripulação... até entender que isso não serve pra classificarmos uma pessoa com boa ou ruim: eu, talvez, teria feito o mesmo. 

Acho que aí está a chave da questão. Às vezes nos vemos tão violados por algo que nos fizeram que não conseguimos ver que somos igualmente capazes de machucar os outros. Isso porque não se trata de algo da pessoa, mas sim da estrutura do evento em si. E em condições iguais, faríamos o mesmo. 

[É um pouco como aquela idéia do hospedar o opressor, da qual o Paulo Freire fala: quando nos é dada a chance de agir e fazer diferente, a estrutura que nos cerca é a mesma daquele que nos oprimiu. Assim, agimos da mesma maneira. Vê-se isso em diversos processos históricos de etnias oprimidas que tomam o poder, e quando o fazem, dirigem a seus antigos opressores o mesmo processo de massacre e dor que lhes foi infligido.]

Vi que, no fim das contas, não há muito a se entender mais nessa estória. Isso por, simplesmente, não ser algo a ser depreendido pelo racional: essas coisas acontecem. Não há heróis nem vilões, nem tiranias injustificadas, nem repreensões das quais devamos nos envergonhar ou querer esquecer. Há, isso sim, lições enormes sobre o quão longe podemos ir diante da dúvida e da dor: no fundo, sucumbimos rápido.. somos humanos, oque fazer? Não conseguimos viver fragmentados, ou crescer em inconsistência.

Ontem, então, parece que me veio uma lucidez súbita que há dias vinha me tomando e não entendia muito bem. Consegui olha um pouco mais pra essa estória, com os olhos da gratidão, compaixão, e respeito... desde que essa viagem começou passei pelos vales da angústia, da incompreensão, do medo de perder, da resignação, do ciúmes, da incerteza, do sofrer, do ter em mãos oque se precisa mas não oque se quer, da mágoa …. até chegar aqui, ao vale do que talvez seja serenidade e aceitação....

..que se mistura a esse outro evento que me acontece: o de ser puxado pela raiz, "uprooting"...

Ontem e hoje deixei pra trás parte da minha estória. Mais um monte de gente veio me ver, passou na minha sala pra dar tchau. Meu colega indiano com os olhos marejados enquanto arrumava minhas coisas, me deu um abraço e me agradeceu pelos primeiros anos em que esteve aqui: me disse que não sabia oque teria sido caso eu não estivesse por perto pra rir das coisas junto com ele. Minha colega de natação caiu no choro depois do jantar de despedida. A secretária com os olhos cheio de lágrimas quando dei tchau... ninguém levou numa boa essa estória. Nem eu.

Fui embora pro hotel a passos lentos, tentando entender essa outra dissociação: como pode, ter sido um lugar tão estranho e desconfortável enquanto, ainda assim, envolto a laços tão significativos? E esse desenraizamento...porque tão difícil? O Japão, nessa cultura tão ambígua e de poucas palavras, me surpreendeu até nesses últimos minutos... uma outra amiga - antiga "language exchange partner" - me disse "-Raffaello... life is a mirror.. you get back from people what you give to them..." ouvi em silêncio.. me parecia justo demais pra ser errado. 

Hoje, no Shinkansen, vim meio que dormindo de cansaço das poucas horas de sono da semana... acordo desconfortável tentando entender esses sentimentos ambivalentes em relação a essas despedidas, a esse pedacinho do mundo que um dia disse que era meu, que um dia chamei de casa... será que vivi o tempo todo dissociado? Em meio a tantas questões sem resposta (respostas que há tempos parei de procurar) páro, e volto a rascunhar uma carta que há dias escrevo: meu aviso pra tripulação do barco que, diante de tanta informação desencontrada, agora sou eu que me embebedo de serenidade e começo a preparar meu barquinho pra sair mar a dentro:

"..eu sei... eu entendo oque vocês fizeram... eu também o faria, e na verdade, já o faço. Tanto que hoje deixo essa carta de despedida. 

Sigam em paz, que eu seguirei meu caminho em serenidade. Não culpo ninguém, nem tempestade tropical alguma... a estrutura das coisas nos forçou a isso... todo barco cede a intempéries e vem a afundar um dia. E, no todo, um barco é um reflexo da tripulação que o serve.

Guardemos as boas lembranças dos dias que aproveitamos na proa, a alimentar as gaivotas, a pular na água e brincar com os peixes, a voltar descalços caminhando pela praia...só nos resta a resignação de saber que de hoje em diante nosso barco há de morar no fundo do oceano, debaixo de água e sonhos.. Temos então que aceitar que esses dias debaixo d'água também são parte dessa estória de ventos fortes,  risadas e sorrisos que um dia construímos. 

Não deixo joinhas nem obrigados, pois não os trataria assim: saudadenorme, abraços e beijos a todos, 

Raffaello

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