quinta-feira, 28 de maio de 2020

Direto da Terra do Sol Nascente # 93: normalização cultural, "apropriações culturais indébitas", anormalidades que se tornam normais (e outros afins)

Há coisas que acontecem pelo mundo que, seja por curiosidade ou por preocupação, eu acabo lendo sobre. Uma delas tem sido este estado de ascenção das extremas direitas pelo mundo. Acabou caindo na minha mão o interessante The Light that Failed: A Reckoning, do Ivan Krastev and Stephen Holmes, que fala sobre essa crise do mundo como uma crise do liberalismo/mundo ocidental, buscando as raízes do mesmo láááá na queda do muro de Berlim, na crise de 2008, dentre outras coisas.

O livro tem uma parte interessante que fala sobre normalidade. "Oque é o normal", quando o normal é apenas uma idéia? 
Eles citam  o triste período  de normalização, na República Tcheca, onde o país teve que se adentrar aos conformes do mundo Soviético pra, logo após a queda do muro, ter que começar a seguir um outro modelo: o capitalista, cujas regras lhes eram alheias. Nesta parte o livro envereda por explicar meio que por anedotas alguns casos em que  o conceito de propina tinha que ser mostrado como algo ilegal para os líderes de países que antes estavam sob a cortina de ferro: "propina, dar ou receber, não é legal", assim dizia o ocidente para os líderes dos recém chegados países, que se perguntavam o porque do mesmo, e penavam pra se adequar aos novos "costumes". 

Enfim... porque estou falando isso? Por que ontem estava nadando (finalmente, as coisas estão voltando ao "normal" aqui).. mas nem é desse o normal ainda que quero abordar. Aconteceu foi o seguinte: estava nadando, com ear plugs, mal conseguindo ouvir qualquer coisa lá fora. então, antes de sair da piscina, os tirei e.... pra minha surpresa, reconheci os acordes..

.."lua... estrada nua... olha pro céu imensa e amarela..."

 
[Luíza, por Tom Jobim e Edu Lobo]

[Pra você ter uma idéia do que tento descrever, você pode assistir o vídeo acima junto com o vídeo abaixo (este último, no mudo)]




E pensei "wow... essa música é linda... "... mas realmente, não é música de academia.

Fiquei pensando nessa estranheza, nessa "frase" mal colocada... me lembrei então da época do natal aqui no Japão, onde os japoneses, culturalmente disjuntos do conjunto "Natal", vão à loucura nessa época, com árvores de natal, com músicas natalinas em todos os cantos... "I.... lo-ve Chri-sss-tmas.." é o máximo que eu consigo me recordar de uma das canções que ouvi enquanto num café em Tókyo. 
"-Pqp, será que não tem lugar nessa cidade que não tente celebrar um natal que não é parte da cultura deles?"

Não, não havia: os japoneses tentam celebrar algo que não faz parte da cultura deles o fazendo da maneira que eles acham que os outros fazem. Em outras palavras: eles tentam se "adequar" ao "normal" do ocidente... que eles devem imaginar, é tão insano quanto esse "I-lo-ve-Chrissss-tmas... tchu-bi-dooo" em cafés, embaixo da cama, no chuveiro, no trabalho, nos karaokes.... 

Pra falar a verdade, é um comentário meio injusto este acima. Na verdade não me emputece (não que eu esteja..mas faltou outra palavra agor ahaha... ) eles celebrarem o Natal- brasileiros até produzem neve falsa em shoppings!!! Oque me pega é essa overdose santa-claudiana que não nos poupa seja lá onde estivermos. 
No entanto, é algo curioso imaginarmos que nada, no fim das contas, é original de lugar algum, que toda cultura na verdade tenta emular uma outra, que na verdade tirou de outra, que na verdade começou com algo muuuuito diferente que talvez nem fosse aquilo. É como uma evolução das culturas por mimetismo, adaptação, é mutação. Uma reinterpretação do normal (ou daquilo que se concebe como normal em outro lugar) de maneira "anormal" para os que já viram o evento em outro lugar, mas para os locais.... normal é.

E claro: não pude deixar de pensar se eles nos imaginam ouvindo bossa-nova em estádios de futebol, ou nas academias de ginásticas, ou em botecos apinhados de gente em vielas escuras....

[vou perguntar qualquer hora]




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