segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Direto da Terra do Sol Nascente #61: insensatez, parte 2 (ou "transferência bancária")

[Para facilitar o entendimento dos nossos queridos leitores]
[Todas as falas foram traduzidas do japonês]
[Pessoas diferentes terão cores distintas (pra variar)]

Mais um dia no banco Mitsumonoko-noko na Provincia de DenSai-sen,  Japão.
Um funcionário corre entre papéis e grampeadores para comentar com outro:

- Satoko-san, Satoko-san!!! Adivinha quem está aí fora pra ser atendido?

- Quem, Mitsunaga-san?Quem?! Alguém famoso? É o primo do sobrinho-neto do imperador?!

-Não, Satoko-san, claro que não! É aquele brasileiro, que fica puto quando vem ao banco

- hahahaha
- haha

[Os dois riem]
[Sorriso escondendo os dentes ]


[Nessa hora chega um outro atendente]


-Eu quero atender!!! Eu quero atender! Ele sempre fica puto, eu quero estar lá pra ver


- Ahhh entra na fila, Mitsoneka-san!! entra na fila!!

- Vamos tirar no joken-... oque... ele já tá na fila?

[Satoko-san interrompe a discussão pra falar com um outro funcionário]

- Ahh ele pode esperar... vamos tirar no jokenpô



[Faz-se de um longo torneio de 6 pessoas]

- Eba!!! Ganhei!!! Vou lá então

[a passos de formiga, Satoko-san vai ao balcão atender o gaijin]

- Irasáááái masê! 

[Bem vindo]

- Konnichiwa! - o brasileiro diz - Eu gostaria de pagar essas contas...

- Daijôbu

[Ok]

[Nessa hora ela pega as faturas e vai ao fundo do banco.]

[...a passos de formiga]

- Pouts... ele só quer pagar umas contas.. não tem muito como enrolar...

-Ahhh fala que ele escreveu o endereço no lugar errado. Mas só pra assustar - diz Itsunoko-san, um senhor a poucos meses de se aposentar. -mas faz ele desenhar uma seta ou algo assim.. eu fico com dó do rapaz.  

[Com remorso, Satoko-san volta ao balcão para falar com o rapaz, e faz com que ele se desespere pelo endereço errado (que implicaria em mais 10 formulários)]
[Com uma risada maquiavélica que o rapaz não nota, ela faz um sinal para ele desenhar uma seta  resolvedora do transtorno]

- Por favor, sente-se de novo e aguarde mais um pouco

[Satoko-san segue para o fundo da agência, entediada por estar quase finalizando o serviço com o rapaz]
[Nessa hora chega um outro atendente correndo esbaforido para lhe dizer]
[Seu rosto não esconde uma enorme alegria]

- Ei, ei!!! Ele está tentando comunicar algo com a Shiomura-san... ao que parece ele quer fazer uma transferência"


-hahahaha 

[a sala cai em risada]

- Ok.. manda o pessoal das duas outras agências virem pra cá então, só pra dar uma inflada no numero de gente e deixá-lo mais ansioso

Passam-se alguns minutos. Shiomura-san finalmente entende oque o gaijin quer fazer: uma transferência bancária. O pobre gaijin, acreditando ter encontrado uma forma de facilitar sua própria vida, carrega consigo um formulário já preenchido, de uma outra transação que fizera antes de uma viagem à Europa no ano anterior. Infelizmente, o formulário tem um layout antigo, e Shiomura-san entra na parte onde ficam os atendentes duas vezes. Para isso, cuidadosamente, ela passa por uma porta com senha.

[Nota-se: o balcão é aberto, e qualquer um poderia pulá-lo facilmente]
[...ou talvez não, num país de septagenários]

Com olhar de resignação mas já entendendo que o fomrulário preenchido não lhe garantiria uns minutos a mais na vida, o pobre brasileiro preenche outro formulário, onde duas linhas diferiam do formulário anterior. Para ser mais exato: elas haviam sido permutadas de lugar, com o mesmo conteúdo.

Shiomura-san então pergunta:

"-mas pra que vc quer transferir dinheiro? 

- Ahhh você quer viajar... mas pra onde? Quando você está pensando em viajar...

-Talvez eu me mude daqui em breve.. eu não tenho cartão de crédito nesse país, e toda vez que viajo pra fora eu uso esse cartão americano

-E quanto você gostaria de transferir?

-X dólares

-Oque que vc quer comprar?"

Mostrando leves sinais de impaciência, o brasileiro responde:

- não sei... talvez vá viajar... livros.

-Ahhh ...entendo... 

[Shiomura-san responde num japonês super polido]

- aguarde um minuto

E lá vai o formulário e a funcionária,  se perderem no labirinto da burocracia japonesa.

[15 minutos depois ela volta]
[...com outra pergunta]

-Desses X dólares, quanto você quer gastar em livros, quanto você quer gastar em viagem?

Perplexo, o pobre rapaz olha ao redor: ninguém ri, não há nenhuma câmera escondida filmando aquela cena estarrecedora. Por um segundo ele se perde no estarrecimento daquel instante, mas depois regressa... e diz, ainda perplexo:

-Não sei... Y em livros, Z em viagem 

- Como?

[O rapaz percebe que não deve mostrar relutância diante desse povo, pois isso pode gerar mais perguntas]

- Y em livros, Z em viagem 

-Ahhh tá... só um minuto

Mais uma vez, Shiomura-san e formulário se perdem em meio a corredores de colegas e formulários. O rapaz não nota, mas o número de funcionários inflou levemente desde sua chegada: os funcionários dos outros dois estabelecimentos do mesmo banco ali chegaram, e trabalhavam avidamente em tirar pilhas de papel de uma mesa, levá-las para outra, enquanto outro grupo de funcionários pegava essas mesmas pilhas e levavam para o seu lugar inicial.

30 minutos se passam e o rapaz se pergunta por que tanta demora. 

[Nos bastidores, no fundo do banco,...dedicação extrema]



-Ai... preciso voltar!! Senão não saio desse banco hoje!

-Vai lá, Shiomura-san. gamba-tê!! 

[Diz Mitsunaga-san, em êxtase depois de ter vencido sua 3 partida de têncis de mesa no dia]

Passam-se  minutos, e Shiomura-san finalmente regressa

-Havia um erro no teu primeiro formulário. Você vai ter que preenchê-lo de novo


Com uma mistura de surpresa e lágrima nos olhos, o rapaz mais uma vez preenche o formulário, com os olhos atentos para quaisquer linhas que tenha sido mudadas de lugar no tempo entre o preenchimento deste e do formulário anterior.

-Obrigado. Só um minuto - diz Shiomura-san, que segue apressada por uma pequena porta. Lá dentro, os funcionários estão em reunião, conversando e fumando. Um deles se espreguiça numa rede



-Ele tá ficando meio bravo, você notou?

Todos riem. 
[A risada é tão alta que o chefe faz um sinal de reprovação]

-Ei ei... nada de rir alto... senão o gaijin vai ouvir lá fora 

Eles se olham sérios. Enquanto isso alguém aponta pela janela da porta: lá fora, o brasileiro está prostrado no banco, com uma cara de tédio infinito. O chefe é o primeiro a rir bem alto. Todos os outros imediatamente também caem na risada.


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[Nota: não muito diferente de uma ida recente ao banco, onde fiquei 1 hora e 50 minutos para fazer uma mera transferência bancária. O detalhe da seta, do formulário com erro depois de meia hora de espera, e do formulário novo são verídicos]


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