domingo, 10 de março de 2019

Quem lê tanta notícia?

Me lembro uma vez ter visto que um adulto no final do século XIX (ou seria XVIII?) lia durante a vida algo equivalente em tamanho a uma edição de jornal de domingo. Isso por que, se pararmos pra pensar, livros, quando começaram a ser produzidos, tinham um custo absurdamente alto: estima-se que o custo de um livro girava em torno de $40 por página. Ou seja, um livrinho de 100 páginas custava nada mais nada menos que $4000!! :O Assustador, não? 

[Há várias estatísticas e gráficos legais aqui : https://ourworldindata.org/books#prices-of-books-productivity-in-book-production
https://ourworldindata.org/books#consumption-of-books]

Por que estou falando isso? Bom, primeiro porque hoje me veio à cabeça que a estrutura de classes no Japão se baseia não só na hegemonia de uma "elite intelectual e financeira", mas também na impossibilidade de acesso à outras classes e grupos aos meios para que esta estrutura mude. A exemplo deste artigo

Each year since 2010, Tokyo Medical University fraudulently lowered the scores of female applicants who took the annual entrance exam, keeping the percentage of young women admitted at about 30 percent.
[Japan Times, Agosto de 2018] 

Me estarreceu pensar em como, ao negar acesso à cultura e a mecanismos de ascensão social, a sociedade enrijece de forma a perpetuar o domínio das classes dominantes (e dos seus descendentes). Me lembrei do Brasil, onde muitos amigos com filhos em colégios caros acham injusto a existência do Bolsa Família, pois o "governo não dá nada pra eles".

[Em maior ou menor grau, minha mãe repete esta última frase em outros contextos..]
[...a meu ver, igualmente recrimináveis]

Pensei em números, em como o acesso tão fácil à informação (de variadas qualidades) nos levará a um mundo que passará por algo similar ao que nossa saúde alimentar tem passado: rótulos de junkie food ou comida saudável e coisas assim. Há de acontecer o mesmo com informação: fake news, tweeters, livros etc No futuro, só consumirá notícias de qualidade quem tiver "meios".... ou seja, a internet não vai mudar a ordem de nada (ou será que me engano?)

Me perdi pensando nisso enquanto andava de trem... me lembrei de uma das partes que sempre me estarreceu de beleza no "alegria, alegria" do Caetano Veloso, naquela em que ele diz
O sol nas bancas de revista  
Me enche de alegria e preguiça  
Quem lê tanta notícia?  
[Caetano Veloso, Alegria Alegria, do incrível "Caetano Veloso", de 1968] 


Provavelmente só me lembrei disso por que no começo da semana havia lido este artigo antigo do nytimes que descreve um americano que, após a eleição do Trump em 2018, resolveu parar de consumir notícias sobre o mundo. Ele diz num trecho
The fact that it’s working for him — “I’m emotionally healthier than I’ve ever felt,” he said — has made him question the very value of being fed each day by the media. Why do we bother tracking faraway political developments and distant campaign speeches? What good comes of it? Why do we read all these tweets anyway?

“I had been paying attention to the news for decades,” Mr. Hagerman said. “And I never did anything with it.”
[do artigo The man who knew too little, do Nytimes de 10 de Março de 2018]

Fiquei pensando nisso..e na música do Caetano. Vai ver sim, há notícia demais no mundo, mas muito, muito lixo também sendo criado e produzido. Será que isso tudo existe pra ser lido/consumido ou.... pra ser filtrado somente? Talvez isso me ajude a entender o porque de ter evitado ler as notícias de tantos amigos que ficam chorando as pitangas em post e correntes de mensagens sobre Bolsonaro e Trump: se deixarmos isso nos consome e corrói por dentro. Sim, já sei que são dois escroques que não merecem um milionésimo da minha atenção. Assim sendo, pra que ficar lendo mais uma vez sobre um tweeter idiota que um ou outro enviou? Não, essa notícia eu não leio.

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