sexta-feira, 1 de março de 2019

A raposa e o porco-espinho (parte I)

 πόλλ' οἶδ' ἀλώπηξ, ἀλλ' ἐχῖνος ἓν μέγα 
"a fox knows many things, but a hedgehog one important thing"
 [trecho atribuído ao grego Archilochus]

Era uma vez uma raposa que caiu de amores por um porco-espinho.
O porco-espinho, reciprocamente, amava a raposa.
E assim o relacionamento dos dois seguiu.

Os dois eram muito diferentes: a raposa possuía uma visão de mundo fluida e desapegada, sendo até um pouco frivola por possuir tantas perspectivas simultâneas sobre tudo.
O porco-espinho, por outro lado, era de uma consistência admirável, embora de uma inercia insuplantável no que tange a agregar novos valores: inerte, embora sólido como uma rocha.

Mesmo assim, lado a lado, eles se amavam.

A raposa, em seu instinto de busca por aventuras, aprendeu a ver o mundo sob os olhos do porco-espinho, aprendeu a gostar de unidade e consistência.
O porco-espinho, por outro lado, se esforcava em depreender o olhar multi-facetado da raposa.

Os dois ao sol, um repousando na sombra do outro, cresceram por bons anos.

Mas o tempo passou.

O porco-espinho precisava de seguranca que uma raposa não conseguia dar, e tentava ao máximo se esquivar das barreiras que o mundo parecia lhe impor.
A raposa, dedicada ao ninho que os dois construíam mas volátil em seus interesses, buscava navegar pelas turbulentas águas do mundo animal sem se machucar e assim, intacta, remar até chegar são e salva ao porco-espinho, de cuja companhia tanto gostava.

Vítimas das vicissitudes da vida, foram cada um pra um lado, em busca não de alguém, mas de algo que desse um mínimo de sentido ou razão pras suas existências.

[Fim da parte I]
[Escrito em algum momento de Dezembro de 2018]

Um comentário:

Rafael disse...

Eu estava olhando nos drafted posts e encontrei esse. N'ao sei se o continuarei. O escrevi depois de ler um livro que mencionava um ensaio de um filosofo

https://en.wikipedia.org/wiki/The_Hedgehog_and_the_Fox

e ao pensar nos meandros pelos quais a minha relação desaguou em término (e a de muitos amigos). Enfim... quanto mais olho pra trás e penso nisso mais confuso fico. Acho que o tempo há de trazer calma e, uma vez repousando em serenidade, talvez consiga jogar uma luz no que rolou.