domingo, 26 de abril de 2020

O pior dos monstros, aquele que vive nas nossas sombras

Por estes dias conversava com minha mãe ao telefone. Tenho ligado pra ela todas as manhãs (brasileiras), e feito um pouco de companhia pra ela que está sozinha e quarentenizada por estas semanas. Proseamos versando um pouco sobre tudo mas de quando em vez o assunto cai em política, onde sei que minha mãe é muito mais direitista e conservadora que a maioria das pessoas que tenho nos meus círculos. Num desses dias,  enquanto falávamos sobre covid,  ela me conta sobre os assaltos que estão acontecendo no Brasil: sob a desculpa de vacinar as pessoas ou esclarecer a população sobre a quarentena, pessoas batem à casa delas e tiram vantagem da situação para assaltá-las. Minha mãe, indignada, solta um "aí vem esse pessoal dos direitos humanos pra defender essas pessoas".

Na hora fiquei um pouco perplexo, tentando entender a lógica que faz com que ela ligue coisas que pra mim são totalmente díspares, ou ao menos não diretamente associadas. Fico me perguntando um pouco triste como pode alguém ser levado a processar emoções e julgamentos de maneira tão rápida e inpensada, em como alguém pode ser extremizado por meio de notícias falsas (que circulam a torto e a direito pelo Brasil e pelo mundo). Fiquei calmo, pois ainda tenho paciênci;  mas chamei a atenção. A conversa terminou alguns minutos depois, mas saí com a a mente cheia de pensamentos confusos, e com um estranho desconforto pesando a alma, do qual só fui me dar conta depois. 

Me lembrei do que nos distingue das pessoas que julgamos. Como podemos nos dizer melhor que os outros se, quando nos é dado a chance de fazer diferente e mostrarmos oque é correto nós simplesmente agimos iguais àqueles que recriminamos? Fiquei pensando em Guantánamo (da qual havia lido mais uma vez sobre poucos dias antes), e me recordei de uma coisa curiosa de vários filmes, algo que só fui me dar conta agora: em diversos filmes sobre monstros, ou "anomalias" que nos visitam, no final são os humanos que perseguem o "monstro", monstrando assim suas facetas mais hostis e selvagens.  Em resumo: no fim das contas, aquele a quem nos referimos como monstro na verdade é o maior alvo da monstruosidade que existe dentro de nós. 

No meio desse pensamento-nevoeiro, me veio à cabeça uma cena do Edward - mãos de tesoura:

[Edward- scissorhands, Tim burton]


[Na verdade, era a cena das pessoas caminhando em direção ao castelo, querendo a cabeça dele]

E há outra, de um filme muito bonito do David Lynch

[The Elephant Man, por David Lynch  (Train Station Scene)]


E pra finalizar, umas das que talvez toque de maneira mais próxima neste assunto. Uma cena que me marcou muito quando vi, de um dos meus filmes favoritos, do Fritz Lang. O Peter Lorre está genial nela.


[M , por Fritz Lang (final scene)]


[Oque mais me marca nessa cena é que as pessoas sentadas são assassinos, ladrões, estelionatários...tudo oque você possa de imaginar nesse submundo]
[Enquanto o cara que está sendo julgado por eles (o Peter Lorre, no caso) é um serial killer, assassino de crianças]

Fiquei meio perplexo, num momento de epifania: "como pode.... eu nunca havia percebido que os monstros ali eram, no fundo, os humanos".

Seguiu-se a isso alguns segundos em que fiquei olhando meu café esfriando, e uma tristeza meio desesperançosa. Minha mente ficou andando em círculos procurando alguma coisa para poder pegar, para se agarrar em busca de esperança de que não, de que esses não somos nós. Mas sim, se não o somos, podemos ser "empurrados" a sê-los. 

Nessa estória toda, não fiquei triste exatamente pela minha mãe em si: ela no fim das contas é uma vítima desse fogo cruzado de notícias falsas que acontece a todo segundo debaixo dos nossos olhos. Me peguei triste por vê-la tão indefesa, presa não só na sua quarentena, mas cercada pelas paredes da cegueira, que não a deixam mais ter percepção do que acontece com ela, ou ao redor dela. Me aflige imaginar que ela é só uma nesse mundo enorme de casos e pessoas que desconheço, igualmente vítimas dessas mesmas coisas.... a má intenção das pessoas, que descobriram que a melhor forma de exercer influência numa sociedade é fragmentá-la com discursos divisivos.




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