sexta-feira, 29 de novembro de 2019

Garotas de Ipanema: os homens e o "me-too movement"

Há um episódio muito besta/engraçado, como muitos outros, do (Jerry) Seinfeld, onde ele leva um date a um restaurante cujo dono é seu amigo. O dono, muito calorosamente, o recebe dizendo que vai preparar uma pizza pro Jerry e seu date ele mesmo. Aí acontece o seguinte:


[Wash your hands, Seinfeld]

Isso: eles se encontram no banheiro, e o dono do restaurante sai do mesmo sem lavar as mãos. Sempre lembro dessa estória quando vejo alguém sair do banheiro sem lavar as mãos. Se for algum colega de trabalho então, ou alguém que conheço, seja de vista ou oque, aí não tem como: passo a ter um pé atrás enorme com aquela pessoa. 

É mais curioso ainda pensar que, mesmo em situações extremas a gente vê esse comportamento: a exemplo, quando vou em alguma "balada", casa noturna ou coisa assim, aquela fila enoooorme de homens bêbados urinando, vejo um ou outro que sai direto pra noite, pra conversar com amigos, dar em cima de alguém ou sabe-se lá oque. Penso imediatamente:

"-pqp... se as pessoas soubessem quem esse sujeito é...".

Bom... termina aqui essa parte aparentemenre desconexa do post. Onde quero chegar é realmente o seguinte:  e se as pessoas realmente soubessem quem somos? Ou, mais na linha do que gostaria de propor hoje: e se as mulheres soubessem o que os homens realmente são, pensam...e dizem?

Sabe...  umas das poucas coisas que vim a entender de budismo é que quanto mais consistente você consegue ser, menos dor você traz ao mundo. Não há como você ser um misógino, fazer piadas sobre gays, ser racista por um lado, e por outro advogar pelas causas de minorias, ser o amigo de todos. Por muito tempo, ainda mais por conta da cultura permissiva onde cresci, achei isso ruim, mas dentro de certos limites aceitável ouvir calado. Mas a medida que fui ficando mais velho, vendo palavras,  pecados, e dores sendo causadas desmesuradamente e descuidadamente por todos os lados, fui crescento cada vez mais hostil a este tipo de pessoas. Isso, como um outro lado da moeda, também acabou gerando dor: me afastei de alguns familiares, e perdi alguns amigos.

E veja: tudo isso não tem  a ver com simplesmente "lavar uma mão"1,  falarmos tudo oque pensamos, ou oque quer que seja. E certamente não saímos das barrigas de nossas mães assim, prontos pra respeitarmos o espaço e limites sociais uns dos outros: há muito, muito a ser dilapidado ao longo do tempo, enquanto crescemos.

Mas, se todos somos expostos a todas essas questões, aos embates que o mundo nos apresenta, porque reagimos diferentemente? 

Realmente não sei... talvez nessa equação entre a personalidade de cada um? É... realmente não faço idéia... vejo a dificuldade de alguns amigos (em especial os mais velhos) em entender um movimento como o me too como algo legítimo, e mesmo mulheres entenderem do que se trata (amigas muito próximas, que pintam qualquer movimento de minorias sob o viés de "coitadismo", segundo elas..). E me é claro que nada disso tem a ver com escolaridade: os amigos dos quais falei vão desde PhDs a pessoas com menos escolaridade (em ambos os gêneros)... 

A diferença no entendimento/percepção mora onde então?

Ouvi esse podcast há algumas semanas. Também fiquei me perguntando oque ele queria dizer... oque era e oque não era consentimento, oque era arrependimento, oque era oque


[Dear Sugars: "Episodes we love: consent part one"]

achei interessante. Pensei na discussão. Pensei na quantidade enorme de discussões que tinha na casa onde morava no Rio, com duas mulheres maravilhosas e mais um rapaz (gay): eu, hetero, aprendendo humilde diante das besteiras que falava, das palavras ditas sem pensar. Sair de São Paulo (cidade de montanha), ir ao Rio (cidade de praia) onde o corpo é só mais um corpo que vai à praia..... que mudança... o Rio foi uma lição de vida na qual aprendi muito. E interessante, porque anos depois eu conseguia ver, nas palavras e atos dessas mesmas mulheres com as quais morava, algumas atitudes da minha mãe e irmã, com as quais cresci. Vai ver com elas, por já termos uma relação com certos moldes, com certos "triggers" de impaciência, de tipos de conversa, certos assuntos não chegavam a ser abordados... Educação vem de casa? Nem sempre: educação é dialogar e ouvir o outro lado (que muitas vezes é o mesmo lado), seja lá onde for e com quem for.

Namoros são outros lugares também que servem muito para um homem ouvir e ver sobre quais privilégios pisa enquanto anda pelo mundo. Nessas horas lembro do dia em que fiz uma piada besta em inglês, na qual finalizei me referindo à minha namorada como "bitch", sem me dar conta do peso daquela palavra em inglês... me dói até hoje na alma os olhos dela enchendo de lágrimas, meu chão se abrindo como se fosse um buraco negro...

[Um pouco como naquela cena do "transpotting",]
[ onde o chão afunda enquanto ele tem uam overdose]


[Trainspotting: "just a perfect day"]

Fiquei ali, envergonhado e arrependido... queria ser um avestruz, me esconder do que havia dito. Por segundos me veio o medo de ter rompido tudo aquilo que estavamos tentando construir juntos, tudo aquilo que eu gostaria de ser pra ela, pro mundo. "Como pode, logo eu que ..." é.. a gente sempre se acha acima de tudo, sem "blind spots", mas errar... quem nunca? Pedi desculpas, disse a verdade, não mensurei bem a palavra numa lingua que falo, mas na qual não sou nativo...  parei pra me reentender, refletir sobre uma atitude infantil e impulsiva de falar sem pensar no real significado das coisas e suas consequências.

Todo mundo erra? Sim, todos erramos.
Todo mundo aprende com seus erros? ... hummmm não exatamente (infelizmente).

Entendermos uns aos outros, seja um homem compreender ou ouvir oque uma mulher quer e busca em questão de direitos, igualdade etc, ou oque é respeitar uma outra pessoa. Este processo é evolutivo e nunca há de acabar: dificilmente hei de pendurar um quadro na parede dizendo que acabou, que tenho um diploma nisso (se é que alguém tem). Em 10 anos é bem provável que olhemos pra traz e nos vejamos como ruínas, nos visitemos como escafandristas que visitam um navio em ruínas no fundo do mar, ou um templo no meio de uma selva pra pensar "como é que eles conseguiam viver assim, pensando dessa forma? Como ninguém falava pra eles?"

Assim então, cercado de pontos cegos, a gente tenta crescer, embora de tempos em tempos, se nos mantivermos de olhos abertos, conseguimos vislumbrar um pouco do que é ter percepção do outro, oque é ter dimensão que alguém mais está ali conosco, buscando espaço, atenção, igualdade. Numa das primeiras vezes que saí na mini-apple, logo que havia mudado pra lá e ainda habitava o sofá do meu anfitrião (mesmo sofá do post anterior!), saímos com uns amigos dele para um restaurante que em breve fecharia as portas: despedida!! Achei que todos os finais de semana na mini-apple seriam daquele jeito: só festa, como na foto debaxo da qual o sofá onde eu morava estava....festa, festa, festa2. Mas voltemos à realidade:  havia um karaoke no dia, ao que fui interpelado (para não dizer "forçado") a cantar "garota de ipanema", que eu nem gosto muito: uma música de homens velhos olhando como abutres as moças novinhas na praia de Ipanema.... sem falar que é o feijão com arroz de todo brasileiro, que já a ouviu 30 milhões de vezes.


[Frank Sinatra & Tom Jobim, Girl from Ipanema]


Não... não dá... 

Mesmo assim, havia um cara que cantava muito bem no local...a voz do Frank Sinatra mesmo, sabe? 

E quem não quer cantar com o Frank Sinatra?  

Bom... eu quero. Mas naquela dia não  queria muito: "Frank, let's call it a day... let's sing in another opportunity"... Eu, meio tímido, meio sem graça... mas ainda assim, empurrado ladeira abaixo, dei uma idéia/fagulha, e chegamos juntos à uma conclusão: façamos um dueto, eu em português, ele em inglês. Meus amigos (eu solteiro à época) me diziam "man, you gonna sing in English, all the girls will fall for you". Dei de ombros: o máximo de atenção que recebi de uma mulher ao dizer que era brasileiro foi um "so what language do do you speak... spanish?" 

Não.... nada mudaria. 

Mas lá fui eu.
Convidei o cara pra cantar comigo.
"-Yes, sure. I love garota dipanema"
Cantei.
Cantamos.
Tentamos cantar.
Eu não ouvia o músico.
Cantamos errado.
Fora do tom.
Um cantando em inglês sobre a voz do outro que cantava em português.
E vice versa 

Em resumo: foi horrível.

Meu amigo me recebeu na mesa depois do fracasso:

"man... let's go home... it was so horrible that nobody will even talk to you at this point"  Foi realmente engraçado: fomos do high-expectation às profundezas da fria realidade. Mas oque se passou depois foi mais curioso ainda. Eu, no limbo, olhei uma moça que achei interessante e, sem nada a perder, me aproximei e comecei a conversar. Ela, que não estava sozinha, começou a prosear... mas aí eu parei e disse "wait.. let's invite your friend too, so she doesn't stay on her own". Na sequência, meu amigo chegou e começou a conversar com a amiga (que ele havia achado interessante há tempos, mas não tinah tido coragem de chegar pra conversar com ela). "-Well... can I sit here then?", perguntei , ao que recebi permissão. Sentei ao lado dela, enquanto meu amigo conversava com a outra amiga. 

A primeira pergunta que ouvi foi "-Do you have a sister?" Aí eu ri: que pergunta inusitada. Pensei na minha irmã, nas minhas roommates do Rio, que também me são como irmãs. "-Yes.. I do... why?" A moça depois me explicou que é raro ver todo esse cuidado com alguém que não tenha consciência do outro lado, do que é ser uma mulher na noite, num bar, sendo "abordada" por um homem: do meu cuidado em não separá-la da amiga etc. Acabou que virou mais uma conversa sobre psicologia que qualquer coisa: meu amigo arrumou um date, e eu, que no fim tentei arrumar o telefone da moça (que nesse ponto já me parecia interessante) não consegui nada. Que que vem abaixo do limbo mesmo?... Voltamos pra casa.  Eu , no caso, pro meu sofá. 

Essa estória terminou em nada: meu amigo arrumou um date (e me deixou em casa, no sofá), a moça da conversa, apesar dos meus pedidos, nem me passou o número dela (e nem insisti): foi uma curiosidade que valeu pela conversa. E, acima de tudo, valeu por me "acordar" pra todas essas variáveis pras quais eu nem dava muita atenção até ali: sim, as pessoas notam, as mulheres notam, e lêem cada detalhezinho, nossos pequenos delitos de desrespeito uns com os outros... 3 

A conversa ficou enraizada: refleti por muito tempo sobre, me perguntando sobre o tema. A partir dali permaneci de ohos abertos não só para me observar, mas pra observar outros homens. E muitas vezes, quando os ouço, eu penso: "-ahhhh se o resto do mundo soubesse oque esse cabra pensa..."





1  Sim, há gente que só lava uma.
2  Preciso dizer que me enganei? hahaha. 
3  Será que elas conseguiriam acertar quem lava as mãos no banheiro na balada ou não? Isso daria um ótimo estudo científico, acho... estilo ignobel prize, mas daria um estudo interessante.





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