domingo, 24 de novembro de 2019

Direto da Terra do Sol Nascente # 77: "só mais cinco minutinhos" (parte 1)


[Jorge Ben, Cinco Minutos]

Tenho um grande amigo, que é como um irmão mais velho pra mim, que me recebeu na mini-apple quando mudei pra lá. Foi minha primeira casa naquela cidade: um sofá cinza, debaixo de um quadro enorme que era uma foto do "beco do rato", no Rio de Janeiro. Sabe-se lá o porque de nos darmos tão bem. Mas imagino que, pelo fato dele ter morado no Brasil por uns anos explique. Mas digo isso só pra introduzí-lo no post: oque queria dizer dele é que várias vezes ele me dizia que se sentia super americano no BRasil na hora de dar tchau em festas ou eventos; enquanto a namorada queria dar tchau pra todo mundo, dar abraço em todo mundo da mesa etc, ele queria virar as coisas e ...tchum, desaparecer! Eu como brasileiro entendia o lado dela. Como uma pessoa um pouco anti-social (às vezes, não sempre!) eu entendia o lado dele.

Dar tchau é difícil. Principalmente quando se deixa algo pra trás. Eu só dei dos tchaus deixando algo pra trás na vida: quando mudei pros EUA, e quando mudei pro Japão. É sempre difícil. 

Agora é quase hora de se dar outro tchau: o sayonara a todos os projetos, idéias, planejamento de projetos que partem de mim mesmo, coisas do tipo. Já disse a mim mesmo diversas vezes "agora não vou fazer mais porra nenhuma, só estudar", ou "a partir de agora vou só procurar emprego", ou ainda " a partir de agora vou parar de ter idéias e só focar em ler"...

...engano, engano engano. Acabo fazendo um pouco dos 3 acima, e nenhum dos 3 acima ao mesmo tempo.

Mas como assim, como é que pode, você fazer e não fazer algo? É...nem eu sei. tentei colocar um limite, parar de querer produzir, de ter idéias... mas elas vêm,  chegam como uma coceirinha, aí você vai, experimenta, tenta algo, vê que faz sentido... aí dá um tempo pra "ler, estudar um pouco pra não emburrecer", mas se pega preso nessa incrível balança que a vida de cientista apresenta: 

  • você pode ser um magnânimo conhecedor do trabalho dos outros somente;
  •  um excelente conhecedor do seu próprio trabalho somente, no qual você se deleita tentando produzir algo;
  • ou um pouco dos dois acima.
O primeiro caso não é muito incomum: há muita, muita gente fenomenal em ciência que é extremamente literada sobre o trabalho dos outros, ou de uma área, mas que nunca produziu nada muito significativo. A pessoa no entanto tem uma qualidade enorme de "organizar o meio campo", de sintetizar e explicar as idéias dos outros. Acaba escrevendo um livro, que vira referência na área.

Tem o pessoal que se deleita tentando produzir coisas novas. Talvez eu caia nesse grupo: o que coloca as mãos em algo, tenta criar alguma coisa. Claro, há diferenças nesse grupo também, como diz um estudo de 2018 (Changing demographics of scientific careers: The rise of the temporary workforce), que nos diz que mais de 60% das pessoas que produzem ciência o fazem como colaboradores não principais, como suporte... os "sidekicks". E que hão de permanecer nessa posição ao longo de boa parte da carreira (se não durante toda a carreira!!). Nesse aspecto eu saio do grupo: felizmente eu rapidinho saí de baixo do guarda-chuva do meu orientador pra procurar meu próprio caminho. Oque é bom, mas também ruim: você está na chuva sozinho, brigando por uma marquize que o proteja. Você não tem mais o abrigo que outros que vieram antes de você construiram, e pode muito bem ficar abandonado/relegado ao esquecimento.

Qual é o caminho mais prático ou correto?

Não sei... talvez seja simplesmente uma escolha pessoal. Mas voltemos, por que digredi! Recentemente, nessas buscas por uma alternativa de vida não acadêmica, me deparei com essas questões de "onde focar por agora". Acontece que, infelizmente (ou não) idéias não param de nos visitar... a gente tenta, é gostoso ficar lendo o trabalho dos outros, aprendendo coisas, mas criar algo.... não sei, há alguma coisa aí... como cair de amores por alguém ou lugar, ou cruzar uma rua da qual se gosta ("alguma coisa acontece no meu coração.." como diria Caetano)


[Caetano Veloso, Sampa]


Me lembro até hoje de uma conversa que tive com um dos cientistas que mais admiro, um professor super carrancudo de onde estudei, um cara de uma clareza tão, mas tão grande, que dificilmente se encontrava alguma brecha no que ele dizia: dificil adicionar ou tirar uma palavra, ou mudar a ordem dentro de qualquer coisa que falava. Um cara meio zen, no que tange à matemática, super old school, mas muito, muito gente boa. Sentei com ele, falando sobre os próximos passos que poderia dar na minha carreira, e ele me disse: 

".... - agora você tem uma tese... imagina que  oque a gente sabe é esse círculo, e oque não sabe é oque está fora. Você agora chegou na fronteira desse círculo, e começou a se deslocar pra fora, mas ainda tangente ao círculo.... Teu orientador, por exemplo, está indo pra fora desse círculo.... e é esta direção que você quer ir também".

Nunca me esqueci disso. Por que, de certa forma se alinha a um mantra que sempre trouxe comigo desde que saí do Brasil: "não siga o passo dos que vieram antes de você, mas sim procure oque eles procuravam", de Matsuo Bashô (do qual falei sobre algumas vezes... mesmo há quase 10 anos atrás, em 2010!!!). Na hora que ele falou eu não me dei conta (ou talvez seja assim que me lembre da conversa, agora não sei mais), mas ele não me disse para ir na mesma direção do meu orientador, mas sim para ir pra fora desse círculo. E ... para ali adiante, o desconhecido, é onde me pego às vezes olhando, como alguém que olha o mar e, só vendo a praia e as ondas, se pergunta oque há mais ao fundo, mais pra além do horizonte. Dificilmente uma cabeça consegue parar de fazer isso... porque, no fim das contas, uma coisa move a outra: a nossa sede de conhecer mais e descobrir mais é oque nos move a entender melhor cada engrenagem daquilo com oqual lidamos. 

Curioso, por que esse processo de descobrir (ou tentar), desvendar (ou tentar), me trouxe consciência das minhas virtudes (das poucas que tenho, talvez haha) e defeitos (dentre os muitos que tenho), e diante disso saber perceber oque posso trazer de útil numa discussão: se sento na mesa com alguém, oque poderia dizer de relevante, que acrescente? Hoje, mesmo que não saiba a resposta por completo, e talvez nunca saiba, consigo vislumbrar um pouco melhor como responder essa indagação.

Bom... divaguei, divaguei e não muito sobre oque queria falar. Fica  pra parte 2.



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