terça-feira, 5 de julho de 2011

Sobre a responsabilidade

 Na época havia um menino na minha sala - primeira série - que era repetente. Naturalmente, o resto da sala dele que passou pra segunda série ficava sacaneando o moleque: antes de entrarem nas salas de aula, os alunos formavam  filas na quadra de esportes da escola, sempre do mais baixo para o mais alto: o indivíduo n com a mão sobre o ombro direito do indivíduo n-1, e assim sucessivamente (para    n >= 2). A fila ao lado da nossa, claro, era da turma da segunda série, a maioria de antigos colegas dele. No meio da balbúrdia do momento em que o sinal tocava, sempre havia alguém gritando pra este garoto: 


     "- Didier, burro..."  


Ele, último da fila da primeira série C ( sala da tia Lídia) baixava a cabeça.
Triste. 
Fazendo beicinho.



    Havia algumas coisas que o faziam diferente dos outros alunos da turma: Didier era maior que as outras crianças, pois nessa época todo ano a mais de idade é convertido em alguns muitos centímetros de altura. No entanto, a diferença mais importante estava no fato dele ser o único da sala com permissão pra usar canetas: todos os outros alunos deveriam usar lápis; usar caneta era sinal de maturidade, responsabilidade. 


De vez em quando a professora falava sobre como era o mundo depois que a gente começa a usar canetas pra escrever:


     "- Existem cheques... e você também pode escrever telefones numa agenda... e o melhor de tudo: você escreve e ninguém pode apagar!" 


E poder deixar sua marca no mundo, inapagável, inextinguível, à ferro e fogo, marcada nas páginas de algum caderno/folha/parede da sala casa, era o sonho de todos nós. Exceto o Didier, que já podia fazer isso, e às vezes até nos esnobava.


De tempos em tempos, pra corroborar com a descrição deste novo mundo (e pra evidenciar a nossa condição de semi-analfabetos =), ela pedia pro Didier fazer um relato pros colegas de turma sobre como era escrever com caneta. No alto de sua sabedoria de mais alto da turma, ele dizia:
     
     "- É...."


[respira fundo/ suspira]


     " ... é difícil, porque a caneta desliza muito."


A sala inteira ouvia em silêncio.... 
     ... e sonhava =)

Um comentário:

Rafael disse...

Antes que alguém pergunte: este post é um relato de uma história verídica.

À tempo: o Didier nunca mais foi visto (por mim, ao menos )