Acho que não tem expressão melhor que defina o momento: em silêncio, por mim mesmo, lambendo minhas feridas após uma era longa de muito esforço para que as coisas seguissem adiante. Como um cachorro ferido depois de um ataque, cujos únicos recursos são totalmente inapropriados mas um pequeno alívio diante de tanta dor: saliva e língua.
Nunca acreditei em paz 100% do tempo, mas em face de qualquer dificuldade com alguém o que mais almejo são duas pessoas trabalhando em harmonia para resolver a questão. Claro, há dificuldades grandes, mas nem todas precisam ser um abismo. E o que fazer quando muitas são, mesmo as diminutas?
Diante de tantas mudanças, a crueldade injusta da influenza me prende em casa com as caixas que se empilham no corredor da cozinha pra sala como um corredor polonês de fatos de uma vida passada a dois que você quer que, por um segundo, não doa. Ontem, estava em casa fechando caixas, empacotando os quadros com plástico bolha... e pensando onde estava o erro.. onde havíamos falhado (?).. a casa aos poucos desaparecendo sob meus pés, as paredes com as marcas dos quadros que ali estavam e que se foram, as memórias impregnadas em todos os cantos, o espelho que ainda guarda o reflexo de tantas noites... uma música do Stevie Wonder fisgou aquele exato momento no headphone.... eu, puxava mais pedaço de fita, cortava, prendia, puxava mais plástico bolha, ouvia... caia uma lágrima, caia outra...
Nunca havia parado pra pensar que a letra não lamenta exatamente o amor-pessoa, mas também o amor-sentimento que se foi e a pessoa não sabia mais onde o encontrar. A partir daí perde-se incessantemente num labirinto em busca de explicações e possíveis culpados, um alívio, algo razoável que indique como tudo o que foi no começo deteriorou ao ponto final... as frases mais banais tem vem à memória - o deslocamento do trabalho pra casa, o alho que esqueceram de comprar na feira, as flores, as árvores.... E, no fim, não adianta. Toda "lógica" de responsabilização cai por terra e teus sentimentos apontam o dedo pra outro culpado: você mesmo.
É embaraçoso olhar pra trás e sentir os momentos em que se foi injusto... e intercalar isso tudo com os momentos em que você pareceu tentar-tentar-tentar e nada, nada do que tentava parecia ser recebido positivamente. "- Cara.... é uma pessoa super legal e você realmente deve gostar demais dela, mas o preço que você está pagando por isso é muito, muito grande", disse um amigo. Será que esse vazio então é ausência da pessoa ou ego ferido? Talvez o tempo vá exacerbar minha sensação de culpa, mas espero, isso sim, que me redima dizendo que eu fui, tentei, mas esmoreci em ânimo diante das dificuldades. Nem toda montanha é pra ser escalada, às vezes devemos ser humildes e simplesmente voltar pra trás inteiros, íntegros.
Mas dói. E está doendo ainda. Porque não deixei de gostar, mas deixei de acreditar em algo.... Que o outro lado estava aberto a ceder, a deixar ressentimentos antigos pra trás ou segurar na minha mão pra que juntos pudéssemos discutí-los, dividí-los e reduzirmos todos eles a nada, que é o que eram(?). O que impediu chegarmos a isso: por que nunca perguntei? Por que nunca insisti? Será que não? Dúvidas, perguntas, angústias.... nem mais sei, e nem faria tanta diferença saber, acho...
Vai ver era só incompatibilidade mesmo... ou talvez não haja por onde procurar culpados: simplesmente não era pra ser (?). Quando passar esse luto a gente pára e reflete tudo de novo pra fazer sentido das coisas.
Se bem que, me parece que o único ser soberano que pode fazer sentido das coisas é o tempo.