segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

Direto da Terra do Sol Nascente #44: em trânsito (rascunho entre Brasil/Japão)

Há tempos estou pra escrever, sobre diversas coisas. Recentemente houve um outro surto do meu chefe, seguido do qual eu pensei

“-pqp, que que estou fazendo aqui?” 

É interessante porque, essas coisas só fazem deteriorar meu tesão pelo que faço. Não... não sejamos ingênuos: o lugar onde trabalho, as pessoas com as quais trabalho, e a dificuldade do trabalho em si, tudo isso está ligado, se mistura, fazendo com que as minhas impressões do mundo igualmente se emaranhem.

Meu último projeto aqui (digo, Japão) finalmente “terminou” (submeti o artigo!) há algumas semanas. Saí aliviado mas ressentido: fiz tudo, tudo mesmo, tive ajuda mínima em algumas coisas ("você deveria arrumar esse sinal de +" etc) e... lá está o nome de um colaborador que não fez nada. Chato... me senti usado, violado. Não queria me sentir assim, é um sentimento horrível de... relacionamento abusivo... é um sentimento muito desconfortável. Mas coisas boas saíram disso: vi e senti que o tipo de relação/colaboração que busco é mais 50%-50%, aquela no qual vc é co-responsável pelo crescimento de algo. E também me perceber capaz de fazer as coisas por mim mesmo, coordenar e catalizar o processo de criação. Ótimo! Dou conta, consigo! Mas... não precisa ser sempre assim, né?

Curioso que essa semana um amigo me mostrou um artigo que diz que mais e mais PhDs (60%) passam suas carreiras como pesquisadores que dão suporte a outros, sempre servindo de base de apoio pra rojemos de pesquisadores com mais nome. Vou deixar aqui o link.

Por essas semanas também tive um encontro com uma colaboradora (química) que estava deprimida diante das hostilidades que têm sofrido no trabalho.
Mulher e estrangeira, no Japão.
Resultado: discriminação.

Coisas como
1) pedirem pra ela colocar nome de outros pesquisadores em artigo, gente essa que ela nunca viu na vida ou que nunca colaborou com coisa alguma (política de “boa vizinhança”)
2) tirarem-na do escritório dela para mudá-la pra sala das secretarias onde, segundo o chefe dela, “ela pode fofocar com as secretarias”
3) ter grants destinados a ela encaminhados para uso de outros pesquisadores (japoneses e homens).

Isso tudo pra dizer que... o ambiente acadêmico no geral é estranho, mas no Japão é estranho e hostil. As pessoas não têm ideia do que é trabalhar num ambiente mais egualitário, ou onde não se desperdiça tanto. Mas isso fica pra outra discussão.

Jettlag/ sono.. volto em breve.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

Rewiring

Bem imaginava que isso fosse acontecer: meu cerebro, ele mesmo,  me pregando peças. Vááárias, inesperadas, sorrateiras. Vem de mansinho e me atocaia como um gatuno, em geral quando menos espero: quando durmo, ou quando estou de bobeira tentando espairecer.

Me pego em sonhos nuns dialogos estranhos com minha ex, ouvindo dela que ela seguiu adiante, que vai casar, que está grávida de outro, que na verdade já está de rolo com aquele sujeito que sempre foi uma pedra no sapato durante a relação etc etc. O cérebro faz dessas mesmo, não nos perdoa. E nos coloca nas situações mais dolorosas possíveis. Ahhh  tenha certeza disso!

Outras coisas curiosas: vários momentos que vivi com minha ex têm sido reescritos, só que com outras pessoas como atores/atrizes: mudam caras e rostos, mas eu estou ali. E quando vejo me pego consciente da troca, discutindo com uma amiga, ou dando um beijo numa colega de trabalho, ou pedindo desculpas pra minha irmã... e acordo num rompante, aflito, tentando discernir oque é verdade, oque é fato, do que não é nada senão.... meu cérebro, buscando sair de seus próprios labirintos.

Amor é uma droga mesmo.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

Direto da Terra do Sol Nascente #43: "tautologias nipônicas"

-Não está dando certo... não estou conseguindo imprimir o pôster da minha apresentação. O senhor pode imprimí-lo pra mim?

-Hummm não.

-Como assim, não?

-...Não. No email que te enviei semana passada eu dizia que vc deve imprimir o seu pôster.

Eu entendo, mas eu não estou conseguindo imprimí-lo. Te envio o pdf e você o imprime pra mim.

-Não.

-Mas me diga, porque!? 

-Por que você deve imprimir o poster, como dizia o email.

O postêr não vai ter o nome de quem o imprimiu... Ok, vou pedir pra alguém fazer isso pra mim

-Não!! O teu poster deve ser impresso por você mesmo!


Direto da Terra do Sol Nascente #42: "Big boss"

Japão... produzir para criar números e índices de produtividade... mal sei oque pensar quando leio

"I am expecting good many publications of you"

no final dos emails do meu chefe.

domingo, 18 de novembro de 2018

Direto da Terra do Sol Nascente #41: Gincana do ryokan de Kinosani (participação ilustre)


Abre a porta
Tira o Sapato
Calça a pantufa de casa
Sobe a escada
Desvia a cabeça
Atravessa o corredor
Tira a pantufa de casa
Calça a pantufa do banheiro
Abre a porta do banheiro
Entra abaixando a cabeça
Fecha a porta do banheiro
Abre outra porta onde tem um buraco
Agacha
Alivia
Faz yoga
Abre a porta
Sai do box da privada
Fecha a porta do box
Abre a porta do banheiro
Sai do banheiro sem bater a cabeça
Fecha a porta do banheiro
Lava as mãos
Tira a pantufa do banheiro
Calça a pantufa de casa
Atravessa o corredor
Sobe a escada
Desvia a cabeça
Atravessa o corredor
Abre a porta do quarto
Tira a pantufa de casa
Entra no quarto esquivando a cabeça
Deita e comemora o fim da gincana

[por Léo e Natália, dois amigos de longa data, durante visita a Osaka]

Direto da Terra do Sol Nascente, #40: "On the road again?"


["Alice in the cities", por Win Wenders]

domingo, 11 de novembro de 2018

Direto da Terra do Sol Nascente, #39: sutras (ou seriam mantras?)

Ao fim de cada sessão de meditação nos templos budistas no Japão, termina-se com a leitura de um mantra... ou seria um sutra? Não sei... só sei que, logo após minhas primeiras visitas, quando notaram que eu seria mais que um gaikokujin curioso, me trouxeram um livreto velho, escrito "SOTO NO SUTRAS", onde uma transliteração das leituras estava presente (além de traduções, que poucas vezes li, pois ficam .. bom, outro dia explico).

É interessante ler os sutras, pois no geral eles são monotônicos: não são cantados, como nas leituras do corão (da qual falei uma vez no post ramadam). E acho que aí, nessa monotonia, jaz grande parte da beleza da coisa toda. Pra se começar, há um monge que lê o sutra de pé, e de certa forma, lidera a leitura. Aí as pessoas o acompanham, todos tentando ler ao mesmo tempo. Mas, em sendo o lugar grande, diversas pessoas lendo ao mesmo tempo, uams vozes despontam mais que outras: em geral as pessoas com voz muito forte ou estridente... ou, simplesmente, os desafinados. E essas pessoas têm a proeza de atrair as pessoas ao seu redor pro ritmo delas! E, no geral, elas não sincronizam muito bem com outras pessoas desafinadas/estridentes (no geral, as pessoas de voz mais forte parecem sincronizar melhor com outras). E segue assim, nesse mundo de vozes que parecem querer seguir os passos de um, de outro, do desafinado ali do canto, da mulher de voz estridente de cachecol vermelho, e por aí vai: um mar errante de vozes, como uma nuvem de vagalumes.

[digo isso por que vagalumes sincronizam]


 Mas o curioso não é a sincronicidade, mas esse vai-vem asíncrono (essa palavra existe?) das vozes "dominantes", dos grupos de vozes durante a leitura. 

Outra fonte de beleza infinita são as variações melódicas que algumas pessoas introduzem aqui e ali. Não só melódicas: talvez num lapso de atenção, umas pessoas esticam umas palavras, dão mais pausa aqui, ou ali.  E isso traz umas pequenas oscilações no fluxo da leitura que é muito bonita. Me soa um pouco como Ella e Louis Armstrong cantando no minuto 5:30 dessa música 


[por sinal, vou falar mais sobre esse álbum no futuro!]

Aí, uma hora uma pessoa que deixa de ler pra bocejar, noutra uma pessoa lê acentuando as palavras, outra pessoa lê mais cantado (uma senhora, ao lado das quais meditei algumas vezes, lê meio que  cantando). E, no meio disso, nascem pequenas harmonias, e a leitura, que em princípio era algo monotônico, se enriquece de umas micro-polifonias lindas que seguem amorfas, sem saber se, em algum momento, hão de chegar a lugar algum, ou mesmo se transformar em algo.

Em geral, antes que a resposta chegue, o sutra acaba. 
O sino toca. 
Juntamos as mãos  e nos curvamos em direção à parede em agradecimento. 
Nos levantamos.
E vamos embora em silêncio.

quarta-feira, 7 de novembro de 2018

Um médico no campo (Kafka), por Koji Yamamura



"A country doctor", do Koji Yamamura.

Esse é um conto do Kafka muito interessante. Li há muitos anos, só lembrava da cena que mais de deu asco. Mas havia me esquecido do começo. 
Tenso.
É interessante a mistura de realidade com um quê onírico. Não entendo muito bem o porque de termos sempre tantos livros sobre médicos que vão pro fim do mundo trabalhar... vai ver eram esses os cientistas do século XIX e XVIII... há um livro muito bom do Bulkagov (isso, o do mestre e a margarida) chamado a young doctor's notebook, que é simplesmente genial. O mais interessante, em contraste com esse filme do conto do Kafka, é a universalidade do livro do Bulkagov: seja você dona de casa, carpinteiro, matemático, físico, não há como não se identificar. 

Fiquemos com esta animação por agora. Aproveitem.

ps: eu já havia postado algo desse animador nesse outro post.


domingo, 4 de novembro de 2018

Oque define a Matemática?



Marco Polo descreve uma ponte, pedra por pedra. : 


- Mas qual é a pedra que sustenta a ponte? —pergunta Kublai Khan. 

 - A ponte não é sustentada por esta ou aquela pedra —responde Marco—, mas pela curva do arco que estas formam. 

Kublai Khan permanece em silêncio, refletindo. Depois acrescenta: 

 - Por que falar em pedras? Só o arco me interessa. 

Polo responde:  - Sem pedras, o arco não existe.

[Italo Calvino, Cidades Invisíveis]


Li isso e fiquei intrigado... pois pareceu definir muito bem um dia de trabalho meu, fazendo pesquisa, provando teoremas, tentando entender onde nascem as contradições, onde está o sentido naquilo que provo.  Me causa um enorme desconforto a aparente contradição, a dúvida e o entendimento andarem lado a lado, até se despedirem ali adiante, depois da curva, onde a razão ilumina e evidencia a natureza de suas diferenças. A meio do caminho vocês são no fundo a mesma coisa, e um não faz sentido sem o outro. Mas as matérias de que são feitos são aparentemente opostas.. embora uma não exista sem a outra.

Li, com os olhos cheios de curiosidade, e um pequeno sorriso nos lábios de ver que alguém, de "fora",  parece ter elucidado um pouco isso.