sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

Direto da Terra do Sol Nascente #99: very small, nano, talks

Vai... pensa em conversa fiada....
Que frio hoje. 
Que dia bonito.
Tempo bom essa manhãm não?
E o mengão este fim de semana?
Será que chove hoje?

Agora pensa nisso sendo uma parte considerável (95%) da tua comunicação diária?

Isso é oque viver no Japão tem sido isso pra mim: conversas ralas, destituídas de significado. Talvez seja a parte de ser estrangeiro nessa terra que mais me faz me sentir isolado: em interesses, em idéias. 

Os motivos são vários, e a barreira da língua certamente é um deles. Mesmo quando não existe uma barreira de comunicação, a conversa é por aí mesmo: "quantos cafés você toma por dia?", "que manhã bonita", "otsukare-sama" (que não tem tradução, mas é como um "você está fazendo um bom trabalho"... algo assim). 

Posso soar injusto, mas  de acordo com muita gente que mora aqui, e que fala a lingua fluentemente, o japonês não fala sobre política, sobre assunto difícil, sobre o mundo, sobre nada muito delicado. Da única vez que ousei enviar um email falando sobre desigualdade de gênero no Japão eu fui simplesmente ignorado: meu email caiu num buraco negro e nunca nem foi comentado. Numa outra ocasião, diante de um email entusiasmado anunciando a visita de um representante de uma empresa que vendia máquinas de café em cápsula, fui o primeiro a enviar um email pra todos dizendo que tais máquina geravam um lixo absurdo e que estavam sendo proibidas em diversos países europeus (nota: falei e enviei um link pra uma matérias de jornal). 

Resultado: no dia seguinte compraram TRÊS MÁQUINAS DE CAFÉ! Ninguém nem se quer deu ao trabalho de conversar quando puxei assunto sobre (antes da compra).

Mesmo se comparado à distância que sinto do resto do mundo, estar cercado por pessoas que tem um grau de preocupação com seu arredor tão baixo, tamanhenorme-desmesuradapatia (mesmo com relação aos rumos do próprio país deles!)... é o que mais me entristece. Vivo de tentar transpor uma barreira intransponível que linguagem nenhuma ou anos de estudo da lingua não me dariam, pois é a natureza da sociedade deles: um trabalho hercúleo que não faria sentido. "Rafaello, o homem que tentou transponir o intransponível": essa frase, gramaticalmente errada, é lindamente poética é a pedra fundamental do que sinto por dentro desde que pisei neste país, e que pouca gente que não mora aqui - se é que alguém - conseguiu entender quando falo do que é estar nessas terras.

Às vezes penso se é amargura minha... se toda forma de comunicação, seja lá qual for, terá um certo resíduo de small talk necessário. Bandeira branca! Ok! Tolero! Aceito! Mas acho absurdo ter que viver somente - (só!) - disso. Me dêem palavras, idéias, erros, o contraste, o contrário,  algo que me indique como vêem o mundo!

Odeiem-me, ou discordem de mim! Só não me ignorem dizendo que o dia está lindo e o tempo está bom!!

[Hoje tô chutando pedras... melhor ir dormir.]


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