domingo, 29 de maio de 2022

7 dias entre o oriente e o ocidente: "Seat belts, please. Turbulence zone"

 É... os altos e baixos que todo ambiente instável nos traz.. esse navegar por águas incertas que uma hora te jogam pra cima, outro te inundam de água salgada que te suga pro fundo do mar. Turbulência... esses redemoinhos que parecem querer nos fragmentar em todas as direções possíveis, tudo ao mesmo tempo....

Hoje bateu. Cheguei no trabalho logo cedo, um monte de picuinhas pra resolver - cancela mais isso, envia mais aquilo, muda objeto da mala A e passa pra mala B etc. Era muita gente pra ver e dar tchau, mas acabou: ninguém mais na lista. Como um contato que se deleta, um afazer que se dá um check, um compromisso de agenda que sai do caminho. Me senti vazio, a medida que cortava cada amarra que parecia me "prender", me vincular, ao local.

É bizarro esse processo de desenraizamento. Um amigo que fiz recenemtente aqui, que viveu em vários lugares também (6 anos na China, 1 ano em Hong Kong, mais anos em Londres) me fala que o Japão está sendo o pior pra ele: esse distânciamento social que sempre existiu entre japoneses, a sociedade lacônica, a educação e respeito extremos que muitas vezes escondem uma certa frieza e impessoalidade (ótimo pro turismo, ruim pra quem tenta estabelecer vínculos). O Japão não é para os fracos, honestamente.  Vejo a dificuldade dele em sentido reverso... tento me entender, entender oque se passa. Lembro da primeira visita ao Rio até hoje, depois de me mudar pros EUA: andava pela cidade, via pedaços de mim por ela. Hoje pareço viver o mesmo (e me esforço pra meditar em cima dessa sensação de "viver de novo", tentando separá-las).

Hoje está foda... tenho reuniões ainda, mas mal consigo trabalhar e me preparar pras mesmas. Cansaço? Sim, dormi pouco (de novo), mas é mais que isso: é algo que vai além do país, da saída... do remar até à costa brasileira...  Há dias rememoro o óbvio, rememoro fatos, e me sinto parado, stuck, como um ser atolado em lama ou areia movediça: quanto mais me debato, mais pareço afundar. Em alguns momentos pareço vir à tona, respiro, encho os pulmões de ar. Em outros, sou forçado a me lembrar daquilo que me dói: tento olhar pro céu pra apreciar a copa das árvores, o canto dos pássaros, mas sou forçado a olhar pro chão pra ver onde meus pés pisam. Não quero ser forçado a lembrar do que me dói, mas também não quero ter que sacrificar todas as boas lembranças junto. Quero casa... quero colo, quero papaya e tapioca... quero meu sobrinho, mãe, amigos, mel... quero abraços. Hoje estou abatendo nuvens a tiros... não fosse esse céu tão azul, que não me dá alvo pra nada.

Outras coisas por falar, mas ainda não fizeram sentido pra mim. Tento elaborar em breve. 

Vou lá, tentar preparar algo pra reunião. 

8 dias entre o oriente e o ocidente: "no sanba, no samba"

 Tem sido difícil dizer tchau, acho até que já falei sobre. Fico me alongando, dizendo que na semana que vem sobra um tempo ali, entre o acordar e o lavar o rosto, ou entre o almoço e o depois do almoço. Quando vejo, não sobra tempo pra nada, nem pra mim mesmo.

Estou esgotado. Nem eu sabia que conhecia tanta gente. Um casal de amigos me deu um sanba, um instrumento percussivo de Okinawa, uma região ao sul que é a Bahia deles. Até os estereótipos são iguais!!! O de falarem que o pessoal de lá é preguiçoso etc. Tudo inveja, porque é uma das regiões mais gostosas do país. Há um vídeo super bonito de duas japonesas cantando uma música local de lá. A da esquerda está tocando um sanba (ainda não toco tão bem :).



ティンクティンク ♪谷茶前節


[Acho lindo o jeito que elas vocalizam, várias vezes de boca fechada! Incrível!]
[Tentei achar o instrumento de corda que a da direita pra comprar... ]
[... mas é quase coisa de família: quem tem não vende]
[...ou só vende por um preço exorbitante]

Tanta coisa pra se falar e escrever... algumas coisas têm sido um alento nesses dias, mas no todo estou simplesmente cansado fisicamente e, apesar de bem melhor, um tanto cansado emocionalmente. Várias coisas pra se fazer sentido, tentar aceitar, admitir, admirar, desapegar, apegar, deixar de lado, colocar na mala, esquecer, e ser forçado a lembrar... 

Ainda me deparo várias vezes estarrecido com essa realidade que veio tão súbita e virou o barco, fazendo voar um tanto de coisas pro mar: idéias, planos, expectativas... desacredito, num misto de desapontamento com compaixão com saudades com mágoa, tudo junto e misturado num sentimento só que não tem nome ou qualquer kanji Japonês que dê conta. Há tempos deixou de ser frio, de ser ciúmes, de ser ruído, deixou de ser culpa, deixou de ser tanta coisa, e virou essa bagunça disforme, um tempo que corre atrás de mim a constantemente me lembrar que uma parte da minha estória está pra mudar assim, como se nada tivesse acontecido e só fosse uma questão de contar de 7 até 0 e "puff", me teleporto pra América do Sul. Uma coisa que talvez tenha que admitir a mim mesmo é que só consigo ver 50% (ou menos) de algumas estórias e que ainda falta ler/ouvir a outra metade delas. 

"Give me an example of some work that you did in group?" 
O entrevistado começa a falar dos seus fracassos amorosos. 
A entrevista termina em soluços, entrevistador enxugando lágrimas.

[Pequena pausa-intervenção imaginária]

Enfim... hora de dormir. Amanhã tem mais burocracia pra resolver e um monte de coisas pra ir atrás. #lifesometimeshasnopoetry ... só sono...só sonhos

sexta-feira, 27 de maio de 2022

10 dias entre o oriente e o ocidente: countdown

Meu pé bate ao som da música. Som limpo, bem produzido. Presto mais atenção enquanto espero minha janta. 
I’m going home today. I’m going home today.” 

Algo assim (felizmente já esqueci). O refrão da música é isso. O pé para de bater, fico refletindo. Um pessoal feliz cantarola alguma coisa, uma percussão dançante entra. Pop culture idiotiza as pessoas… logo começo a me censurar, reparando que há poucos dias era eu a endeusar uma música que fica “sobe ni mim”. Vai ver o idiota sou eu…. 

Por uns minutos me pergunto o motivo de achar uma letra horrível, outra genial. Imaginei o autor(a) da música chorando num programa de entrevistas, fumando um charuto, emocionando a audiência com a verdade por trás de uma letra tão poética e profunda… “não… vai ver é ruim mesmo”. Desisto quando minha comida chega: pra que ficar fundamentando coisas que nem mesmo eu entendo (como o meu gosto?). Oba, hoje tem alga!

Mas não deu. Logo o cérebro estava pensando novamente na música… “I’m going home today..” justo hoje, quando nem mais casa eu tenho e acabo de devolver meu apartamento: aquelas paredes vazias, o chão enorme. Eu, “estrelo-do-mar” num oceano sem água, deito no chão novamente esperando pelo homem do gás, pelo homem da água, pela inspeção do apartamento, pela minha secretária que - em maior angústia que eu - resolve aparecer para me acudir “caso algum problema maior em japonês aconteça”. De qualquer forma, lido com o homem da água sem ela, que se surpreende. “Sugoi, Rafaeru-san!”. A gente faz oque pode.

Por uns minutos me delicio jantando, todo esse filme da manhã de hoje passa diante dos meus olhos. Penso no dilúvio matinal, no pônei da vizinha que me viu pela porta do estaleiro e começou a relinchar, nos mais presentes que recebi, nas últimas simulações que corro pra terminar, no almoço com o pessoal do trabalho “vamos convidar o W-san? Ele é tímido, mas é gente boa!” O W-san se senta ao meu lado. Conversar com ele é um exercício zen de aceitar o silêncio taciturno dele. Tento… abertura parcial de fronteiras, ele conta um pouco mais dele. Sucesso. “Tá bom esse vietnamita, não?” Me pergunto se vai haver comida asiática no Brasil… meu coração aperta… “protesto, meritíssimo: se não tiver, eu aprendo a fazer… mas não queria ter que” às minha mente vira adversária de si mesma, e fica oscilando entre obstruções, resoluções…. termodinâmica de fenômenos fora de equilíbrio… in my country they call that craziness! Na Bahia, estupidez. Raffaello,
termina o almoço! Num átimo de segundo, minha mente volta pro lugar… termino a janta. Corro contra o tempo. 

A tarde segue, tento “caber minha vida nas malas que me cabem”… ao menos é oque a companhia aérea demanda desse pobre viajante.  “Quem se apega às coisas acaba virando refem delas”, penso. Tento racionalizar a ideia de “ter” e vejo que quero continuar “tendo”….por isso que o mundo está indo de mal a pior… suspiro. Abro o presente que a vizinha me deu, uma seda linda com um padrão incrível… endereçada a ele, “Dear Raffaello.” Acho fofo e engraçado. Esses japoneses… 
Jogo um monte de coisa fora… “sou um homem de gostos simples … mas porque não levar isso também?” Sofrer  por coisas é um sentimento raro… páro alguns segundos pra processar e vejo que há muito a ser aprendido debaixo desse céu chuvoso. Raffaello, a sailor of imaginary ships, or an aristocrat?

Respondo um e-mail do meu antigo orientador. Legal, mas não é mais isso que quero. O sol se abre. Me desfaço do que eram coisas, que agora viraram lixo…dicotomia capitalista-consumista… “será que o resto da minha vida cabe na mala?” …penso enquanto meu pé bate no chão… música na cabeça, tocando na minha playlist mental. A secretaria vem na minha sala “-acabaram de me ligar, teu antigo landlord. Faltou cancelarmos um outro seguro… getsuyoobi, desu-ne!” Fica pra segunda. Os grãozinho de vida no Japão correm pela ampulheta do tempo. 10 dias… countdown… 

Hoje acordei pra um sonho estranho, conversa difícil, marinheiro-sereia proseando no convés do barco… só sei que me acordou (na verdade, há dias acordo antes do relógio despertar)… deve ser meu inconsciente tentando fazer um kintsugi… certeza, esse oceano tá enchendo de mágoa… mágoa-água… tropeço em haikais. Penso no tema, resolvo deixar pra depois. Abro a mala, abro outra mala… a tarde passa… a chuva passa… o dia parece estar todo fora de ordem.

quarta-feira, 25 de maio de 2022

11 dias entre o oriente e o ocidente: "a sky of strawberries over a field of starfishes"

Por estes dias uma senhora dona de um restaurante macrobiótico que adoro (a Y, cujo nome não sabia até então) me convidou pra tomar um café com o staff  dela. "-Aparece aqui na segunda à tarde!". Meio que falei que sim pra não soar mal educado: tanta coisa por fazer… Ainda assim, deu segunda, resolvi ir: havia falado que iria… virou compromisso.

Cheguei lá e só tinha mulher! Tudo meia idade... será que estou nessa faixa já? Bateu uma micro-ceise na hora, mas acho que não. Todo mundo sentado, abriram espaço, puxaram uma cadeira e me deram lugar na mesa. A Y é uma empreendedora que sempre tento encher de perguntas (a exemplo: todo o staff é de mulheres, algo raro no Japão, além do que a estética do restaurante é simples e bebe muito em tradição Zen etc). Ela sentou ao meu lado e, pra minha surpresa, me deu vários presentes: um livro com as receitas macrobióticas do restaurante, além de uma vela super linda. Na hora pensei "não, pleeeease... mais peso pra levar na mala". Ainda assim adorei. Muito fofa. Fofas, na verdade, todas elas.

Claro, tudo estava indo bem, elas me enchendo de perguntas sobre o Brasil e sobre meu trabalho. Eu tentando explicar um tópico super hard-core de termodinâmica de fenômenos fora de equilíbro com palavras de um menino japonês de 4 anos de idade. Até cansar e mostrar pra elas um vídeo com uma reação de  Belousov-Zhabotinsky, um fenômeno oscilatório relacionado ao que estudo. “Talvez isso responda tanta indagação, pensei. 

Engano meu: ao invés de acalmar a horda de olhares curiosos, todo mundo ficou hipnotizado e as perguntas continuaram, mais e mais. "-Gente curiosa da p.." se ao menos meu nesse mundo eu não fosse um cientista preso num subespaço vocabular de baixíssima dimensão... fiquei sem palavras. Melhor focar nos bolos vegans. "-Esse de abóbora está bom, hein?". Delícia. 

Até ali já havia me safado (epa!) de um percalço: tudo corria bem, eu + senhoras. Até que chegou uma bonitona, mais nova. Me fitou de longe, mas ficou fingindo que não me via até ser formalmente apresentada; beeem japonesa nesse aspecto: em geral elas não te confrontam com o olhar, mas te apunhalam quando você não espera rsrs (ou seja: o cupido japonês não dá flechada - te espeta pelas costas rsrs). Aí a dona do restaurante virou, me apresentou e começou a se rasgar em elogios a meu respeito (provavelmente tudo mentira e imaginação dela, dado que mal consigo me expressar com decência). Enquanto ela  falava, a bonitona ia repetindo: "-é mesmo?".."é mesmo?" ("sôo desu ka?", em Japonês). Até... chegar à cena derradeira: depois do último “-é mesmo?” ela passou a lingua beeeem devagar pelo lábio inferior até chegar com ela parada no cantinho da boca e mordê-la bem de leve com os dentes de cima. Tudo enquanto semicerrava os olhos, me despindo com eles.

"-Vixe...lascou...."

Interessante que ando totalmente desconectado desses prazeres carnais ultimamente, ainda mais por conta dessa bagunça emocional recente. Em geral eu não estou muito acostumado com isso de uma mulher se manifestar na minha direção quase explicitamente, ainda mais por ter começado nesses meio amorosos num país machista chamado Brasil, onde se espera que o homem tome a iniciativa de mostrar interesse. Anyway, apesar de adorar, admirar muitíssimo uma mulher que faz isso - e ter tido a graça de viver isso umas poucas vezes - eu tenho tão pouca experiência nessas searas que até hoje não sei direito oque fazer hahaha Em geral, ou eu fico sem graça, ou faço piada pra acobertar que estou sem graça, ou fico sem graça e finjo que não é comigo. Optei pelo último, mas fiquei tão sem jeito que, por fim, achei melhor evitar perrengues e resolvi ir embora alguns minutos depois: "shigoto ni modoranakerebanaranai...chotto izogashi desu... gomenasai" (preciso voltar ao trabalho… ando meio ocupado)... aí a dona insistiu "bom...você vai embora então leve uns morangos... ". Aí foi isso: eu saindo pela rua com uma cestinha de morangos como se fosse a Ingrid Bergmann, meio que fugindo da japonesa. 

O dia termina, à noite passa. Fui pro hotel - uma outra novela, sobre aqual falo outra hora- com meus morangos “strawberry fields forever”. Mas tive que acordar cedo e ir à minha antiga casa: meu Deus, quanta tranqueira. Na volta caminhava pensando na vida, olho pro canto da rua, reconheço um negócio que era meu, jogado no chão. "-Caramba!!! Caiu enquanto trazia as coisas pro trabalho no domingo!!". Ainda assim,   ali estava, depois de dois dias, intocado. Surpreso, dei um sorriso... só no Japão mesmo pra ninguém ter pego pra si (segunda vez que me acontece isso). 

Dia passa. Encontro o  colaborador indiano no meio tempo. Ele concordando com tudo oque eu falo. "-Porra... você concorda com tudo oque eu falo. Dê tua opinião!!! Discorda de mim, por favor! "... "-Tá bom" Ai me dei conta do paradoxo de Russel em que havia me metido e fiquei numa angústia danada, quase rindo sozinho da situação. "-Erre, por favor... erre mais... só eu tenho errado aqui, você fica me pedindo permissão pra corrigir erro gramatical, pelamordedeus!!!", disse, em quase desespero. "-Tá bom...tá bom.." Aaargh!! Vontade de gritar!

Cansaço. Paradoxos. Suspiro.

Dias passaram, mais tchaus, mais cansaço, mensagens, burocracias etc. Dificuldade enorme de dar tchau “-let’s see each other again!!”.. notei recentemente. Preciso deixar partir, saber dar tchau. Começo a sofrer com isso, me sobrando pouco tempo pra tudo: viro, me reviro, não durmo. Desapegue, abra mão..

Volto pro apartamento mais uma vez... Caramba... quanta coisa pra se limpar.. vai, me deixa, burocracia, me esquece.. tento fingir por um minuto que nada acontece: me deito no chão da sala/quarto, braços abertos, costas ao chão, como se fosse uma estrela do mar... ahh, a vida seria mais fácil no fundo do oceano... não teria céu nem nuvens pra observar, mas ao menos veria os barquinhos passando lá em cima... abro os olhos, vejo meu disco da tropicália encontrado num record shop japonês (gold!!!) ainda na parede ... “como vou levar essa joça na viagem?”, penso. Sonho com malas e check-ins. No good… teu sonho pesa mais de 32 kilos, vamos ter que jogar da janela… fecho os olhos... lembro de checar o relógio....”-ixxe, tenho reunião às 11horas!”. Levanto, vou correndo pro trabalho.

sábado, 21 de maio de 2022

16 dias entre o oriente e o ocidente: oceano sem água

É sabido por razões óbvias que em oceano sem água sereia nenhuma nada, nem marinheiro algum navega. Então às vezes precisamos parar pra tentar fazer sentido das coisas e das direções que seguimosBotar ordem na casa! Como diria Teodoro Madureira: "-Em cada lugar a sua coisa, e cada coisa no seu lugar". Parte desse processo de resignificar as coisas e colocá-las no lugar passa pela culpa. E hoje vejo que não sou o único culpado, disso eu tenho a certeza.

Temos a tendência a botar a culpa nas pessoas, apontar dedos, a bradar por orgulho que nos diminuímos, que nossa dor foi ignorada, e a "raiva" acaba nos cegando. No entanto, num koinobori, concluímos que se essa viagem durou tanto foi porque ela era sobre o caminho, não sobre o destino final que o futuro ainda estava por desvelar. Não me engano ou me blindo em vitimismo... ou ao menos tento não me enganar com jogos de palavras. 

Infelizmente, muitas vezes não vemos que os erros que levam a uma falha não moram nas pessoas que os testemunham/cometem, e sim na estrutura daquilo que as mesmas constroem. Isso! Desde o começo, minhas palavras eram claras: "já conheço os passos dessa estrada".. não existia ponte visível entre o mundo dos homens e das sereias, tão longe viviam esses dois universos. (Oque não significa que não poderia ser construída.) Me amarrava ao mastro do navio para resistir àquele canto: "Distância não", algo que me vinha por saber que o começo era legal e que depois pioraria  (não quero soar frívolo, mas tive alguma experiência com o tema). Curiosamente, trata-se de uma grande falácia de planejamento da qual se fala bastante em ciência comportamental: eu alertava, mas quando falava sobre, o outro lado não via - achava que dessa vez era diferente... Da minha parte, eu gostava mas sabia que oque tinhamos ali estava sempre à beira do precipício, arriscado a cair no mesmo engano... o engano de acharmos que não iria doer. 

Sim... a falácia de acharmos que temos o controle de todo o processo. Mas... quem controla o gostar? Quem consegue domar esse processo de se enredar em alguém? Não devia ter despertado, mas... aconteceu. Dois lados que seguiam juntos mas desconfiados: vejo o outro ajoelhado, mas seria isso uma reza? A diferença entre o agir e falar... e em um dado momento fomos engolfados por essa estória. 

Conseguir ter a clareza das coisas é difícil. Separar fatos das pessoas que os vivem... poutz, mais difícil ainda: exige maturidade e, com sorte, algum momento de lucidez - difícil vermos o mundo que nos cerca em meio a um nevoeiro, não? Nesse meu "excesso de lucidez sem amarras", rememoro elaborações antigas. E as sustento: a distância corrói... e desde o começo alertava pra esse fato.

 "

Um amor assim violento. 

Quando torna-se mágoa. 

É o avesso de um sentimento. 

Oceano sem água

Caetano Veloso, Queixa

Mas a distância não define uma relação: às vezes ela é parte dela. Period. E uma parte que pode ser transiente também e deixar de existir.  Oque talvez estejamos ignorando seja justamente as palavras que disse lá no começo, que uma reflexão profunda talvez mostraria logo de cara: não dói porque um lado ou outro esteja errado; dói, isso sim, porque é a natureza de se ficar longe de quem se gosta/ama. A incerteza nos faz vítimas de um futuro cheio de possibilidades. Um futuro empilhado em montanhas de separação, um apinhado de dificuldades que parecem pequenos diante de um querer tão grande... querer esse que nos foge ao controle quase: uma coisa que mete medo pela sua grandeza, envolta na turbulenta aflição de um mar de dúvidas.

Difícil deixar passar as palavras recentes... a conivência/tolerância(?) diante do inexplicável, da impulsividade, um pedido de "imposição"(?) que transcende o razoável... ondas, desejos de vingança que tentam nos corromper, uma desnatureza sem tamanho que nos força a fazer oque faço agora: parar, refletir.. e tentar entender. 

A estupidez bate à nossa porta (ou nos envia "solicitações-de-contato-não-solicitadas"), e por um segundo nos deparamos com a ilusão de que discutiremos com o irracional por meio de argumentos em volta de uma mesa de chá (um pouco do que acontece com nossa política no Ocidente, diga-se de passagem). A razão bate forte sem esperança contra a nossa dureza... porque, no fim das contas, não se trata de razão: esta eu deixaria pros livros de matemática. 

Não nos esquecer de sermos justos... Um amor assim delicado, nenhum homem daria ou tomaria como "dado", pronto, esperando pra ser encontrado: não existe alquimia que o explique, explique seus detalhes+imperfeições, sua química, seus arabescos, sua unicidade. 

Talvez nem tenhamos errado… mas sim cometido o pecado de termos apostado na alegria. 

[No entanto, diferentemente de Caetano, não faço queixa, mas sim uma reflexão...]
[... vai ver é isso que hoje carrego na bagagem.]
[Obrigado, Caetano: bebi um tanto nas tuas palavras.]


quinta-feira, 19 de maio de 2022

17 dias entre o oriente e o ocidente: "máquina do abraço"

No momento há outras coisas sobre as quais gostaria de escrever, verbalizar, poder entender e colocar em ordem. Mas esse entendimento (ou algo assim) não chegou ainda, então faremos um passeio pelo convés do barco e seguiremos remando até a costa brasileira. 

E falaremos de outras coisas. 

PLEASE, RAFFAELLO, PLEASE...

Ok... vou tentar. Por conta do contexto vou falar sobre algo do qual lembrei por estes dias e de algumas coisas que tenho passado durante esse processo de saída daqui.

Existe um conceito em terapia ocupacional que se chama "máquina do abraço". Acho que já falei sobre - uma amiga que trabalha com autistas que me contou. Em geral autistas são sensorialmente muito sensíveis: alguns, quando ficam nervosos, precisam correr para um lugar pequeno e apertado, ou terem pesinhos colocados em cima deles. Por conta disso, inventaram uma máquina com esse papel: a máquina do abraço, que os comprime ou coloca peso/pressão sobre o corpo de quem a usa.

Quando minha amiga me contou isso a interpretação que dei foi a de que eles precisam, de alguma maneira, saber redesenhar o contorno que os separa do mundo. De certa forma, sempre digo a mim mesmo que a idéia se aplica totalmente na vida das pessoas em geral. Na minha, por exemplo: quando pareço duvidar de meus valores, procuro ter muito contato com meus amigos, que então funcionam como essa máquina, me lembrando de quem sou e dos contornos que tenho. 

Pode acontecer às vezes desses contornos ficarem claros também quando somos jogados contra a parede por algum acontecimento hostil ou indesejado (como oque relatei no post passado): diante do inesperado ou de um comportamento impulsivo, você retribui de maneira igualmente impulsiva, se comporta como bicho, ou com serenidade? Tais acontecimentos, de alguma maneira, servem pra dar clareza aos nossos contornos e nos mostrar quem realmente somos (os experimentos comportamentais nessa área são incrivelmente interessantes, diga-se de passagem).

O momento qe vivo não anda dos mais fáceis, algo que já antevia desde que soube que seria "desenraizado". Aí você adiciona a isso uma pitada de angústia, duas colheres de estresse, uma caneca de incerteza, um balde de mudança de país, mais uma pá de transição de carreira... e você vê como estou: cognitivamente intacto (acho), mas emocionalmente bem longe do que usualmente sou.

[Como eu sempre digo a mim e a outros:]

[estar bem emocionalmente não é um diploma que se pendura na parede]

[mas sim um constante e difícil exercício] 

Por conta de tudo isso, tenho buscado bastante contato com amigos ultimamente, algo que havia ficado "rarefeito" devido à  pandemia. 

Ainda na segunda estava tão sensível que quase chorei durante uma entrevista (que no fim das contas correu bem). Na hora me veio o contraste do ocorrido domingo com a lembrança doce do sábado, quando saí com amigos pra escalar...me segurei no cognitivo, respondendo coisas da minha área e falando de pesquisa. Mas a lembrança continuou ali, forte, da última escalada. Parecia que me celebravam em tudo. "-L, I brought our prince!", disse em meio a risos a amiga japonêsa K, que me deu carona da estação de trem até a montanha. Na volta então... eles falando de mim como se eu fosse a pessoa mais terna do mundo, de como vão sentir saudades etc ... eu ouvindo tudo, numas cena patética: comendo um ritualístico sorvete-pós-escalada, os olhos em quase-lágrimas...  #lifeispoetry

..."-man, you need to eat more", me disse meu amigo indiano. "-I know... it's just that... I've been with my brainemotions all over the place...scatterbrained". As pessoas estão querendo me cuidar e preocupadas.. notam, me notam. Ao menos com meu colaborador eu rio um pouco. Tenho almoçado com ele quase todos os dias. Ele sempre foi meio casamenteiro, dizendo que eu deveria casar. Aí arrumou uma esposa que... faz igualzinho a ele: vive me dizendo que eu devo casar.  Tive a sorte de ter uma família tranquila quando a isso, mas os amigos... não estão ajudando. Tudo, invariavelmente, acaba em piada. :) 

Na terça acordei pra uma oferta de emprego: ao menos isso. Finalmente, acabou a tortura. Mal conseguia acreditar. Perguntei pra pessoa que me indicou à vaga se era mesmo uma proposta de emprego, ao que ela me disse: "

-Sim!!!! Mas não pudia te contar por que estava no comitê!! #eujásabia  :)".. a vida me deu a sorte de ter amigos muito doces.


Os colegas de trabalho  têm parado na minha sala pra dar presentes... na terça foi uma colega com seu  filhinho de 5 anos. O menininho me adora, toda a vez que vai ao escritório faz questão de ir me ver. Diferentemente das crianças japonesas, ele não é tímido e sempre se abre pra  tentar falar comigo em inglês. Hoje ele foi me dar um presente que ele mesmo escolheu, além de dizer que queria me ensinar a fazer origami. Como eu já sabia (pois fazia muito quando era criança), ele ficou surpreso com o resultado: pegava meus origamis na mão, levava pra mãe dele ver, e falava em japonês pra ela: "-olha só, como ele é talentoso!". Muito fofo.... por alguns minutos voltei à infância. 


Ficamos lá fazendo origamis por quase uma hora: ele fazia um origami e vinha me dar de presente. Encheu uma sacolinha pra eu levar pro Brasil, além de me dar um desenho que fez usando folhas de árvore (o menino é super talentoso). Bateu uma saudades do meu sobrinho "-tio rafinha... como é que é um terremoto?"


Na terça rolou uma conversa com um amigo-de amigo-de amigo que trabalha num banco. O cara nem me conhecia mas se dispôs a sentar e bater um papo comigo. Desacreditei como existem pessoas tão nobres em estender a mão pra ajudar quem está começando: isso é pra poucos, foi uma das melhores surpresas do dia. A conversa correu tão bem que acho que, mais do que uma ajuda, ganhei foi um amigo: melhor coisa pra se começar numa nova cidade (na qual, felizmente, tenho vários outros). Já até marcamos um café.

Os amigos, em geral, são os que têm me aguentado nesses dias mais turbulentos. Indescritível o carinho que tenho recebido, o cuidado, os mimos... às vezes fico abismado com o quanto consegui me conectar com algumas pessoas, mesmo existindo uma comunicação (em japonês) tão ruim entre eu e elas... 

Na quarta houve uma despedida no trabalho.  Várias pessoas falaram: colaboradores se rasgaram em elogios, não colaboradores me surpreenderam com tanto candor, mas... diferentemente do usual, não fiquei sem graça: recebi tudo e agradeci tudo... acho que estava precisando desse carinho. Mas claro: por vários momentos fiquei me perguntando se estavam falando de mim. 

De quando em vez eu parava e começava a falar... e aí parava - ciente de que eventos japonêses tem schedule pra tudo - e perguntava 

"-desculpa... era pra eu falar agora?"

Aí a secretária do grupo falava 

"-ainda nã, Rafael-san."

e todo mundo ria, 

"-desculpa... eu sei que falo muito... se vocês deixarem eu vou ficar falando aqui"

Fiz piada do começo ao fim do evento, mas não fui sarcástico com nenhuma mensagem (como talvez fosse no passado)... vai ver mudei.. não sei. Acima de tudo, mantenho a opinião que tinha desde que cheguei aqui: japonêses e brasileiros têm um senso de humor mais próximo do que americanos e brasileiros. 

Lá pro meio do evento a secretária do grupo comecou a chorar, algo EXTREMAMENTE não japonês(!), um povo que pouco demonstra seus sentimentos em público. Aí colocaram um vídeo (japonês adora esses vídeos com foto! Bem old school mesmo, mas... aprendi a entender a/gostar da "forma" como se expressam) em que vários ex-colegas - um chinês, um vietnamita, um belga, um japonês -  enviavam mensagens pra mim... "-vixe...agora sou eu que vou chorar", pensei. Mas segui sem lágrimas (no stove, no internet, no bike... no tears). Um deles até colocou o filhinho de 1 ano e pouco pra me enviar uma mensagem por vídeo, o menininho tentando falar umas palavras... muito, muito fofo. ♥

Depois do evento rolou uma pequena dissonância entre oque estava sentindo e tudo oque disseram, mas acho que pela primeira vez eu consegui estar ali e absorver tudo sem muita "blindagem" ou dificuldade: recebi o carinho dos outros, aceitando que me vejam de uma maneira que não "entendo" direito. Lembrei que minha primeira terapeuta sempre falava que tenho uma visão distorcida de mim mesmo, então... talvez tenha passado a aceitar essa visão meio cubista de mim mesmo: sou e não sou, e contenho todas as perspectivas - "erradas" e "certas" - com que me vêem ao mesmo tempo e sob todos os ângulos. Por que, no fim das contas, não estão nem certas nem erradas: são apenas perspectivas. Por conta disso, às vezes acho que essa máquina do abraço não funciona muito bem comigo. Noutras, como nesses últimos dias, parece estar fazendo efeito: ando bem mais tranquilo depois do que aconteceu no final de semana. 

Twist of fate... vai ver é isso... meus contornos, sendo redesenhados.  



terça-feira, 17 de maio de 2022

19 dias entre o oriente e o ocidente: redflags (ou "twist of fate"?)

Uma das coisas que se observa quando estudamos teorias de aprendizagem é que o processo de tomada de decisão muitas vezes se dá em etapas: interagir com o meio/ambiente, agir, e depois avaliar o resultado de tal ação (boa, ruim, se te machucou etc). Por exemplo, "errar..recuperar rápido...ter otimismo...não dar desculpas e ser prático" é simplesmente só agir sem pensar no que se fez. Sob essa ótica, quando isso acontece a pessoa simplesmente só reagiu a um estímulo do ambiente de maneira inconsequente, se estrepou e fingiu que nada aconteceu. Mas claro, o momento de avaliação nesse caso vem, mas com delay/atraso, em formato de "culpa", ou "errar, reconhecer e se levantar rápido". Em casos assim, o "reconhecimento do erro" na verdade pode só ter se manifestado porque alguém apontou o erro. Mas no caso do exemplo, o aprendizado nem vem, pois não houve aprendizado algum: há de se repetir. Redflag. 

Esse blog relata coisas da primeira e bastante da terceira parte do processo de aprendizagem: em geral, sou eu falando sobre meus erros e tudo mais, já que não é incomum tentarmos aprender algo com os mesmos. 

Uma coisa ultimamente tem ficado mais pronunciada na minha vida, meio que mudando um pouco esse viés: aprender com os acertos. Isso por que, olhar para nossos tropeços e aprender com eles é até fácil, pois envolve dor e penalização. Agora, extrair sistematização e método de algo que deu certo... em geral é mais difícil: temos a tendência a querer replicar oque funcionou, mas pouco estímulo para nos debruçarmos sobre tais eventos e estudá-los.

Mas porque estou falando disso.... acho que por olhar pra tomada de decisão do outro, e tentar também aprender lições delas. Ainda mais quando essas nos afetam.

Sabe... ainda estou processando tudo oque se passou nesse fds... está difícil ainda fazer sentido da situação, das ações e das reações das pessoas... desde o domingo estou num misto de estômago embrulhado com... sei lá, dissonância cognitiva, talvez: tentando não acreditar no que vejo e leio, mas sim me apegar ao que sinto...  

Interessante isso, em como a vida se fecha num círculo... me lembrei por estes dias da primeira vez que conheci uma tal sereia, numa festa, ou "balada", como dizem os paulistanos. Em algum momento da conversa, apareceu um cara novinho, beligerante e impulsivo, me atravessando e a pegando pelo braço... fiquei ali ao lado, observando e só esperando, mas atento e alerta. Logo ela jogou o cara pra escanteio e, pra minha felicidade, continuamos a conversa.

Sempre disse a ela que a decisão do que fazer ali era dela: se ela quisesse aquele rapaz... oque faria eu? Nada, oras! Vou "atravessá-lo" também, brigar com ele, querer me mostrar mais forte? "-Você gosta de deixar livre, ...não liga"... ela dizia. E a gente ria.... distorcíamos tudo em piada... 

....no entanto, algumas vezes eu dizia a ela o seguinte (e hoje me lembrei disso): que na verdade ali não era eu que estava a "dar" (diria melhor, "ressaltar/celebrar a") liberdade de decisão a ela. Estava, isso sim, observando e avaliando a situação. Primeiro, pra agir em caso o rapaz transformasse impulsividade em agressividade. E também, acima de tudo, pra ter a certeza de que, se ela fosse com ele, talvez não fosse a pessoa com a qual eu deveria estar conversando naquela festa. Observava por ter a convicção de que, se fosse aquele o caminho que ela preferisse, então não, não poderia ser pra mim; ela nunca encontraria algo do tipo em mim pois não sou, nem quero ser, aquele tipo de homem.

Um ouroboros
num tratado de alquimia do século XV
Fast-forward, 2022... algo muito parecido me acontece novaente. Na hora me lembrei daquele símbolo de ouroboros, do qual falei uma vez: impulsiva e num arroubo auto-destrutivo, a "pobre" cobra consome a si própria… uma estória que parece se repetir... Isso porque, curiosamente, havia acordado logo cedo pra uma imagem no meu celular de uma borboletinha que tinha justamente isso em suas asas: dois tracinhos em formato de semi-círculo, um em cada asa... duas cobrinhas.. um ouroboros... vai ver o sinal que esperava era esse...pensei. Só não sabia em que direção esse sinal apontava (nem sei ainda).




Bom... vocês já sabem como a estória antiga procedeu. Agora, a de hoje? Não sei... não sei ainda... só sei que fiquei preocupado, assim como quando observei a cena da festa que descrevi acima: eu de canto mas atento e próximo, preocupado, ... Oque fica claro pra mim talvez seja algo que permeie muito de como eu vejo o mundo e as pessoas: estamos em tudo oque fazemos, e em cada coisa que fazemos encontramos todas as nossas faces, imperfeições, e virtudes. Pois, no fim das contas, nunca aprenderemos com nossos erros ou acertos ("levantar rápido")  ao simplesmente fingirmos que nada aconteceu. 


Mas vale lembrar: nossas decisões não se impõem a de outras pessoas, nem como avaliamos as coisas ou aprendemos com nossos infortunios. Pra que lado uma pessoa vai quando bate o vento… isso em geral não é problema nosso. Vai ver, no fim das contas, tudo não passa de aceitação: de acolhermos os outros em suas decisões, por mais que as recriminemos… enfim, tô andando em círculos aqui… como um ouroboros..

[Adendo]
[Que coincidência o fato de, dias antes do incidente, eu ter citado  a música "hissing of the summer lawns" da Joni Mitchell]
[
"He put up a barbed wire fence
To keep out the unknown
And on every metal thorn
Just a little blood of his own
She patrols that fence of his to a Latin drum
And the hissing of summer lawns

Darkness, wonder makes it easy
Darkness, with a joyful mask
Darkness, tube's gone, darkness, darkness, darkness
No color, no contrast"
]

domingo, 15 de maio de 2022

21 dias entre o oriente e o ocidente: please fill the form

Allergic... to belligerent, insecure, possessive, and territorial men

Worried... about loved ones, mostly (especially those in contact with allergens)

Optimistic... about life and work in general

Tired... no, but sleep-deprived

Inspired... by friends, beautiful algorithms, and music

Breakfast... yes

Not taking other medication

In need... of more poetry in my life (pills, please)


sábado, 14 de maio de 2022

23 dias entre o oriente e o ocidente: Koinobori #3 (鯉のぼ)


Posso me sentar aqui, por favor?, digo em japonês. A senhora me olha... raivannoyance nítida. A muito contragosto, puxa a mala do assento e me dá espaço. Sento. Também a contragosto. Quero dormir. 

As palavras Tokyo e dilúvio amanhecerem na mesma página do dicionário essa manhã. "-That’s fuc..g great"… especialmente quando não se tem um guarda-chuva. Desço às 6 e pouco... hoje é dia de escalada... vai ver seria melhor cancelar e voltar pra cama.... Quando vejo, estou descendo as escadas do metrô.

Vou pra cama… cheguei praticamente no último trem. Tokyo à noite é uma festa que não pára… que cidade incrível, pulsando a 1440 bpm.

Atravesso a rua. A névoa parece encobrir a cidade. Olho pro lado, a Tokyo tower: linda, brilhante e inesperada no horizonte. "-Wow! Que incrível!" Quase me jogo na frente dos carros pra tirar uma foto. “-É a primeira vez que vê?”-Não… tive um date-jantar lá uma vez, com uma sereia”. “-Uma sereia de Roppongi?” Ela ri. Ele ri de canto de lábio, também.  “-Não.. uma sereia-sereia mesmo”. Suspiro.

“-Vamos nos encontrar em Roppongi?”, ela me disse. Aguardo na frente da loja de conveniência. Aproveitei, conheci o namorado francês. Ele me olha de cima a baixo. Me provo inofensivo e amigável. Não sei se ele gosta de mim. Não gosto nem desgosto dele, só me parece desinteressante:  a vida, infelizmente,  insiste em me apresentar gente desse quilate. Acontece. Azar.

A tarde passa. Chove. Tento terminar o artigo. Desenho uma figura, tento colocar as palavras em ordem. Ahhh se a vida pudesse ser editada a base de control+c, control+v… saio pra tomar um café. “-deveria ter pego um depois do almoço”. Me arrependo. Saio na chuva e vou num coffee shop no quarteirão da frente. 

“-Claro!! Só me enviar uma mensagem ou email!”, ele me diz. Que bom, encontrar alguém que posso conversar sobre política, escalada, e estatística mecânica. “-Então… eu já tenho ideia de como resolver, só queria mais insights pra contextualizar com oque o povo da área faz”. A vida, felizmente, me deu amigos interessantes. Acontece. Que sorte.

“-A coisa nos eua chegou no ponto que gritavam com a gente na rua se usássemos máscara… por outro lado, tinha gente usando máscara a todo segundo só pra se mostrar pró-ciência... era uma paranóia e polarização que me deixava deprimido”. A esposa do meu amigo me fala disso quando digo o porque não cogito mais os eua pra morar. Digo a eles sobre as deliberações que me levaram a considerar o Brasil, além de meus receios. Ele ouve, ela ouve. “- eu entendo tua ansiedade… eu cresci na Rússia, então sei oque é viver num país desfuncional”, ele diz de maneira empática. Chega o prato: depois que quase 5 anos, finalmente uma enguia. 

“-Sim! A última vez que nos vimos foi na Colômbia, em 2015! Todo mundo bebaço durante o casamento..: especialmente os noivos", ele disse. Os três caem na risada. Nos abraçamos. “-Vocês então casaram?” Eles dizem que sim e fazem piada sobre o tema.“-Vamos comer algo? Tô com fome!”

O dia começa. Durmo pouco… "besteiras e catástrofes" a tirar meu sono. De quando em vez aparece uma ideia sobre algo a se escrever no artigo… umbrella sampling mesmo? Metadynamics?… Interdisciplinaridade é bom, mas é ruim…. Desigualdades são mais fáceis de se provar, às vezes… saudades efêmera de quando a vida era só provar teoremas e estimar as coisas; já já evapora. Melhor me ajeitar, logo preciso sair. 

“-I was one among many .. or at least I seemed to be… (sorry… I’m citing Funkadelic here)”…. Termino o postal. "-Será que ele vai se lembrar de mim?" Ao menos pros eua as cartas chegam. Relembro a pilha de postais que enviei pro Brasil, os desenhos, a saudade, o postal em formato de urso comendo salmão, as piadas… “-a pandemia me boicotou um pouco, vai…”.. suspiro. 

“-Isso, eles querem construir uma blockchain pra ...”. Meu amigo me parece cético. “-Bom… me avisa conta sobre a conversa com a empresa deles”, diz ele ao colega libanês. Eu olho, sem entender muito. 

“-Você gosta de dinheiro? Vou te mostrar o salário da tua área na minha empresa. Depois, te mostro no Japão”. Ele tenta me convencer… “-..a decisão está tomada. Não estou sacrificando a rainha ou fazendo algo à toa… a vida não é linear, não estou fechando portas alguma, só abraçando a escolha que me faz sentido nesse momento. Vou voltar, há espaço pra crescer lá". Meu amigo me olha entre surpresa e ceticismo, mas parece me entender.

"-Ela tem uns interesses meio diferentes do meu.. não quer trabalhar, quer só ser esposa e ponto. Não sei... não sei se gosto dela tanto assim, mas a gente tá junto"... me diz. Na hora lembro  da Joni Mitchell cantando hissing of the summer lawns: "-diamond dog...", cantarolo mentalmente.

Dou um abraço nele. “-12 anos de conversa pra nos atualizarmos”. Ele continua igual, só mais gordinho. Peço desculpas. “-Se quiser eu pago os teus óculos que quebrei”, digo a ele. “-Relaxa!”. A conversa flui igual,’como se só continuasse uma conversa interrompida ontem; amizades têm dessas.


 

quinta-feira, 12 de maio de 2022

25 dias entre o oriente e o ocidente: AA, alcoólicos anônimos... não, agradecidos anônimos... não, apologéticos an...

Acontece quase naturalmente de, quando estou com muita dificuldade em algo (como por exemplo, quando comecei na mini-apple), eu procurar re-entrar no problema de maneira invertida. Assim: se encontro obstáculos ao aprender uma nova teoria ou perspectiva, procuro encontrar algo onde consiga ensinar (como nos dias em que fiz trabalho voluntário).... e quando tenho dificuldade em me perdoar, tento ir pro outro extremo, saindo por aí, a torto e a direito, perdoando e me desculpando a quem posso.

Alright, alright, não é assim tão gratuitamente, nem sem significado. Muitas vezes é, simplesmente, alcançar... "reach out" (caramba.. não existe algo similar em Português?) pessoas que um dia me machucaram ou machuquei e, quando sinto que devo, me arriscar a dar um passo em direção a elas. 

Acabei fazendo isso recentemente, e isso me ajudou muito a cicatrizar feridas ainda abertas que toda essa mudança de país tem causado.  

O primeiro trata-se de um amigo da época da faculdade que era muito próximo e um dia despirocou numa festa nos idos de 2010 e... nada de bom saiu dali. Há algumas semanas o nome dele apareceu numa conversa. Decidi o contactar: disse que sentia muito como as coisas "terminaram" (sim, fim de amizades dóem como break-ups) e que torcia muito para que ele estivesse bem. Ele disse que eram águas passadas e... "-pérai, você tá no Japão também?" Sim. Por um milagre, o cara está morando em Tokyo. 

Hoje o reencontrei. Acabei de voltar do encontro. Nem sei como não chorei. Dei um grande abraço nele e, ao longa da conversa, tentamos nos atualizar desses quase 12 anos distantes um do outro. Foi realmente especial tê-lo visto, um cara que me ajudou um tanto durante a faculdade e sempre acreditou mais em mim do que eu mesmo (pra variar). Catarse!

Outro caso, também recente, foi a minha ex (que ficou na mini-apple). Sei lá... senti que, ao fim desse ciclo, precisava agradecê-la por ter aberto meus olhos pra sair da academia. Pedi muita desculpas por tê-la feito sofrer com a distância e com isso ter feito o relacionamento que tínhamos sofrer juntoContei também que estava a regressar ao Brasil e tudo o mais... calhou dela estar vivendo algo parecido: está de saída dos EUA, voltando pra sua terrra natal. Me disse que sofreu muito ao até chegar a tal decisão, e me desejou sorte ao longo do caminho "-we will both get through it"

Honestamente, duvido que um grande contato nasça em qualquer um dos casos. No entanto.... significou muito pra mim ter arriscado, ter assumido o medo de me expor em dizer a essas pessoas que elas foram e ainda são importante pra mim, de alguma maneira. 

Perdoar para que nos perdoemos... aceitar os erros dos outros para que aceitemos os nossos próprios erros... não sei... pareço ter testemunhado algo tão raro nesses dias que até decidi escrever sobre... Vai ver o Japão foi isso pra mim: me empurrar tão longe para, no fim das contas, me trazer pra tão perto daquilo e daqueles que me importam.

25+1/2 dias entre o oriente e o ocidente: com a cabeça nas nuvens


 [Parade of flying furnitures before migration, water color over Physics paper, by Raffaello]
 [Japanese Museum of folk stuff, craft art, and 'parangolês']


[A caminho de Tokyo.]
[Surpreso com a receptividade e carinho com que tanta gente no Brasil tem me procurado: amigos, amigos de amigos, pessoas que não falava há anos!]
[Entrevista incrível com minha possível futura chefe: cientista, phd em Astrofisica (por sinal, área onde vi as mais belas figuras de simulação)]
[incrível ver como pouco tempo de mercado é capaz de mudar o entender de uma pessoa sobre esse mundo]
[talvez, acima de tudo, ver como o entendimento analítico-quantitativo das coisas é uma joia nesse meio não acadêmico]
[pessimismo na vida pessoal, otimismo na vida profissional…]

[… bem-me-quer, mal-me-quer… vai catar coquinho, Rafaello :P ]

quarta-feira, 11 de maio de 2022

26 dias entre o oriente e o ocidente: dormindo pessimismo, acordando saudades + pessimismo

Ontem/hoje bateu uma bad.... fiquei pensando, realisticamente, que não importa quanto post triste ou esperançoso eu faça, quanto anseie, vá em templo rezar (não, calma... é só exemplo): oque tenho em mãos é nada. A única coisa que ouvi é que o outro lado queria se aprofundar e fazer crescer oque tem  em mãos agora, que não queria me dar esperanças de nada...

... em suma... o pior dos cenários.

Sei lá... fui dormir pensando nisso, acordei... mas essa sensação só ficou mais aguda... que vontade de poder enviar um "estou morrendo de saudades de conversar contigo" ou also assim...

Fico me perguntando se sou um besta por ficar nutrindo esperanças diante de tão pouco que me foi sinalizado. Que angústia... se ao menos houvesse algum sinal... não vejo, não ouço, não conversamos... Gosh... nem o mês de Junho e suas festa junina poderiam salvar? E se convidasse pra um pastel, pra comer um milho numa quermesse? Vai ver... tarde demais, vou chegar pro casamento dos noivos...  o silêncio amplifica o ruído: por agora, as coisas podem já ser tanto um namoro, uma pílula esquecida que virou família, um casamento já marcado... olho pra casa quase vazia mas bagunçada, checo a lista de documentos e formulários a serem preenchidos hoje, entrevistas empilhando de maneira inesperada... um sinal... um sinal...

Hoje cedo tentei puxar as rédeas do meu estado catastrófico...  dei uns passos até a janela de casa pra ver a vista das montanhas e do templo no topo delas, ouvindo algo pra tentar me relaxar diante disso tudo (ou diante dos meus pensamentos somente)... Prokofiev na veia, as sonatas..."- vem sinal..vem" mas nada... só havia um passarinho brincando no telhado perto da janela... ele se virou, ficou olhando pra mim... tropeçou e voltou voando ao mesmo lugar. Mas ficou lá, me encarando... "-Será que você é um sinal?", pensei. Ele não respondeu: só continuou me olhando.

Cansado de esperar por algo, fui arrumar minhas coisas pra viajar. Aí começou a tocar a ária da capo que finaliza as variações Goldberg na playlist, na versão de 1981 do Glenn Gould....


Goldberg Variations, ária da capo, Glenn Gould

Fiquei quieto, ouvindo meio que sem respirar.. atentando pros hummings do Glenn Gould cantando enquanto tocava... ruído-sinal... inventando linhas melódicas complementares àquelas que Bach criou... que diferença  da ária do começo ... que diferença da performance de 30 anos antes... 

Olho pra fora. Agora o passarinho carrega um pedaço de capim no bico, provavelmente pra fazer um ninho... a música acaba... aquela nota final que reverbera como uma mandala... saudades....

terça-feira, 10 de maio de 2022

27 dias entre o oriente e o ocidente: "monta ni mim"

Hoje ela se foi: minha bicicleta. Adquirida logo no segundo dia aqui, tive que dar tchau pra ela, um pouco antes do que imaginava. Foi triste... estou "bikeless"... "bread-machineless"... "loveless"... tudo fugindo pela janela... 

[Exercício #1:]

[imagine, pequeno gafonhoto(a)s..]

[teus móveis caminhando vagarosamente até a janela]

[criando asas]

[te dando tchauzinho...]

[e indo embora...]

Mas ao dar tchau... fui andando e pensando em como é engraçado a gente falar em montar numa bicicleta... soa meio "dirty"... enquanto também se diz "dar uma pedalada fiscal", que nada tem a ver com esse meio de transporte tão nobre. Aí, claro, no alto dessa minha observação "super acadêmica", a caixa de pandora se abriu e comecei a me segurar pra não começar a rir sozinho enquanto andava na rua, ainda mais ao lembrar das conversas que tinha com a tão distante sereia que, "caramba... pensei em você de novo", aparece na minha lembrança nos momentos em que menos espero.

Lembrei das muitas conversas que tínhamos sobre linguagem de grupo, jargões: como é comum pra mim, como matemático usar palavras como "concatenar", ou "convoluir"... No mundo das sereias, eu soava exótico (aliás, é elogio?)... aí, claro, minha resposta era a óbvia: "-você é médica... vocês falam umas coisas super nada a ver também... '-vai ali pra eu te analisar e abaixa as calças...'.. '-vou te ascultar... levanta a camisa e tira o sutiã'... "... quer povo mais pervertido esses médicos... onde já se viu....

Aí, claro, já estava andando na rua com a cabeça pensando nessas palavras fora de contexto: montar, ou atolado (meu carro ficou atoladinho na lama... belíssimo funk)... É totalmente cabível alguém falar, "vou passar um óleozinho antes" enquanto lustra um móvel... mas é também uma palavra que cabe em outros contextos (óbvio!), enquanto "tá lambuzada de mel" pode ser tanto uma colher jogada na pia da cozinha, ou... enfim... FOCO, PESSOAL! FOCO!! 

Acabei então por me lembrar de uma música do Tom Zé (sim, ele, de novo), quando ele fez um álbum falando sobre sexo. Acho que a idéia da música em questão era a de pegar uma frase que às vezes rola no sexo e colocá-la numa música, meio que fora de contexo. 


"Sobe Ni Mim", Tom Zé, em "cançoes eróticas de ninar

Aí a música é essa "delícia" sonora de "vem vem...sobe ni mim" hahaha Gênio!!! Hilário...sem falar no instrumental fenomenal.... 

"vem, vem....monta ni mim de novo, me leva pra casa..."...ela parecia me dizer hoje à tarde. Mas... não rolou: tive que deixá-la ir, nas mãos de um francês (gente finíssima, por sinal). 

"-Compra um capacete antes de sair a mil por aí....", ainda disse. 

Olhei pro céu: azul que só, e voltei à pé, de volta ao trabalho.

segunda-feira, 9 de maio de 2022

28 dias entre o oriente e o ocidente: Koinobori #2 (鯉のぼり, de olhos bem-vendados)

Eu tenho um grande defeito.... não, tenho vários!!! Mas um é bem pronunciado: me esqueço rápido de coisas que considero relativamente desimportantes (oque, claro, às vezes pode parecer ao outro que é descaso... mas não). 

Talvez por isso consiga me recompor rápido, cicatrizar diante de coisas que me machucaram. Em geral sou o primeiro a dar um passo de aproximação depois de uma discussão; não tenho um ego inflado de querer ser a pessoa com a palavra final, ou ser o lado certo das coisas: se estiver errado, me calo, peço desculpas.... e tento seguir adiante. Há coisas maiores numa vida a dois.

Então, nesse processo de "me" recompor (ou recompor algo no qual acredito, me dar esperança... não sei ao certo oque), posso até cometer o erro de tentar subir rio acima em auto-flagelação, caindo em tristeza só de imaginar acontecimentos que me machucaram (como ler umas conversas recentes). Mas tento não ir por aí...  ao invés de subir esse rio de olhos abertos, eu prefiro subí-lo de olhos fechados. E não o faço por ingenuidade, ou por tentar me enganar: faço por que acredito na direção que estou indo. 

Se vou chegar lá... não sei; mas sei o caminho que busco. Sem falar que minha lembrança ainda retém as curvas que percorri, os recifes de corais montanhosos nos quais brinquei, a risada doce dos comentários que me desconsertavam, os poucos amigos que conheci e já gostei (inclusive um peixe gigante, insistente, que quis aparecer na primeira selfie-foto tirada em solo japonês), os livros lidos juntos e discutidos com entusiasmo, as trocas, as confidências... o fato de estarmos sempre ali, um a complementar o outro... as discussões que nunca viraram brigas.

Infelizmente, a distância não possibilita a recuperação mais rápida que o dia-a-dia, de alguma maneira, catalisa: a saudades parece só querer acentuar a dor, a falta que o outro faz (que o outro faz pra mim, ao menos)... é desconfortável e ruim,  mas não raramente sou visitado por essas lembranças gostosas que me enchem de sorriso... o privilégio de ter estado ali, ouvindo aquelas palavras/idéias...  a gratidão por ter nadado em tais águas... água-doce-quase-mel... adoro e sinto falta, todos os dias.

Então é isso, pessoal: o post de hoje é um grande constraste - ou diria, uma outra perspectiva - ao post anterior (que achei... não pesado.. mas meio melancólico e, pra mim, difícil de ler... foi por um caminho que não imaginava que iria). Este post-emenda é uma celebração à vida desses navegadores - seres marinhos, marinheiros - que insistem em ir contra a corrente. Yeap, concordo e não ignoro: há sofrimento, é difícil, dói-dói-dói (como diria Tom Zé)... o coração batendo sofrido, calado... mas no fundo... é uma cuíca que ouço? Um samba? ... Tudo talvez não passe de uma celebração, pois este ato não tem um fim em si mesmo: é, isso sim, um ciclo de mudanças, de escolhas (claro!), mas não de dor. A dor é um efeito colateral altamente indesejado.... dor que amanhã... amanhã, menina... amanhã de manhã...quando a gente acordar.... quero te dizer que a felicidade vai.... desabar sobre os homens, vai... desabar sobre a gente, vai...

domingo, 8 de maio de 2022

29 dias entre o oriente e o ocidente: Koinobori (鯉のぼり)

O dia das crianḉas no Japão leva o nome de koinobori (鯉のぼり). Não me perguntem por que, nem quando, só sei que foi por esses dias. Em geral, eles colocam esses peixinhos amarrados em hastes ou árvores em todos os lugares. Aí eles ficam saltitando com o vento, como se estivessem subindo o rio. É bem bonito, as crianças (e os adultos que nem eu) ficam vidradas. 

A idéia de koinobori, pelo que depreendo, é a de um peixe que, apesar das adversidades, sobe contra a corrente para chegar onde precisa, em geral para se reproduzir. Vejo essa representação e fico pensando nesses peixes fora de si, como o salmão, que segue contra o curso das coisas para poder gerar vida e criar descendentes. Mas claro, pra fazer da novela algo mais dramático, o pobre salmão morre no final(!): seu corpo, acostumado a aguas salgadas, já não aguenta a água doce e se decompõe. É então um gesto de sacrifício, auto-flagelação, de fechamento e criação de um novo ciclo de vida. Tudo num ato só!

[Isso, Shakespeare: nem você poderia com essa.]

Sei lá, mas desde o último post, quando fiz a analogia entre o fluxo "correto" das coisas e os erros (como pedras a desviar o curso de um rio) que fiquei com essa idéia na cabeça... andava hoje cedo na rua, refletindo sobre o que se passa comigo e fiquei pensando sobre "maneiras distintas de sofrer a mesma coisa". 

Calma... eu explico, não é assim tão simples. 

Então... a idéia nasceu de um acontecimento: fui a um restaurante há algumas semanas, e ao final o dono me falou "-há uma taxa extra de 500 yenes, pois você chegou depois das 6PM". Fiquei me perguntando o quão ruim é você introduzir uma "dor" (perda/loss, no sentido de Economia) ao final de um evento prazeroso (como um jantar). Me perguntei se ele teria outras opções quanto ao momento de adicionar dor ao cardápio: se fosse no começo, o cliente poderia se recusar e nem entrar no restaurante.... então …talvez no meio da refeição? Ou depois da pessoa olhar o cardápio? 

Enfim, essa idéia do “se há de ter dor, então quando?” acabou me assombrando de novo noutro post... embora hoje tenha vindo a mim de uma outra forma. Isso porque  fiquei me perguntando ao andar na rua, 

oque seria do mundo se as relações fossem de trás pra frente

Ou seja: e se a dor viesse no começo, e oque é bom no final? E se tudo começasse em break-up, mas acabasse em orgasmos? Ou acabasse naquele primeiro beijo que não queria ter fim quando os amigos saíram da sala por perceberem o clima que rolava... Ou naquele dia hilário de sexo no parque (não, calma...eram dois velhinhos finlandeses safados.. a gente só ficou de longe, rindo e se atiçando em palavras)... Como num koinobori, nesse mundo as relações seriam dois peixinhos a nadar rio acima, num esforço descomunal pra levar uma situação insustentável e dolorosa a uma outra de descoberta, de curiosidade, de novidades, amores à primeira vista... etc etc

... dessa forma, nesse mundo paralelo, tudo começaria em dor e terminaria em samba.

Há dias, quando ainda tinha contato com o mundo das sereias, fui tentar entender oque acontecia com o mesmo, buscando no fundo ver oque poderia preservar-ou-deletar daquelas interações.... mas não consegui: fui voltando nas conversas de celular, scrolling up como um peixinho que segue rio acima.... e ao longo do caminho ia encontrando paisagens e corais de um mundo no qual um dia nadei, embora rio abaixo... no entanto, agora seguia contra a corrente.... e cada mensagem  me caía como uma pedra no caminho... as lia aos prantos e me perguntava "-aonde foi que errei?"... meu peito enchia de dor e lágrimas... lágrimas salgadas, em contraste com as águas doces que tentava encontrar na tela do celular...  lágrimas, como uma torrente que tentava me levar rio abaixo...  cada joinha (👍) em resposta a um carinho meu parecia um obstáculo gigante que enchia meus olhos de mais dor, revirando minhas barbatanas e me jogando pra fora da água sem ar... "-será que falei algo.. será que machuquei sem querer machucar..?" e chorava.... Os dedos pareciam ir mais rápido do que conseguia processar ... cada doçura minha desmesurada em palavras... as respostas desencontradas... as respostas por vezes doces das semanas recentes me faziam chorar ainda mais… faziam com que  regressasse a um passado que me fugia entre os dedos... como um rio que não queria mais que subisse por ele, como se toda a doçura naquelas águas fosse demais pra que a suportasse...  o corpo já não podia nadar ali…. não era mais bem-vindo... as lágrimas eram tantas e tamanhas que não consegui ir muito longe... 

Chorei muito nesse dia (e enquanto escrevia esse finalzinho)... nem pensava em escrever sobre, mas comecei a relatar a idéia de reverter relações e me veio esse dia à memória ... verborrágico … fluido…



[Mas... foi bom escrever sobre.]

[Sinto meu corpo querendo me livrar dessas lembranças ruins e só se apegar às coisas boas ...]

[.... pois são elas que fazem com que ainda me esforce em nadar rio acima.]


sábado, 7 de maio de 2022

30 dias entre o oriente e o ocidente: ancoragem

Caramba… menos de um mês… chegou? Ainda não… Olho pela manhã pra esse mar de saudades até a costa… muitas remadas… estou chegando…

Tanta coisa pela frente ainda: os perrengues da burocracia japonesa, documentos, as entrevistas de emprego, continuar fazendo networking, finalizar um artigo + experimentos … acho até estranho sentir (e admitir pra mim mesmo) que a saudade é aquilo que tem sido mais difícil de administrar… a vida e suas rasteiras… realmente, me desestabilizou bastante. Por outro lado… só oque é realmente grande e de muito valor pra gente é capaz de gerar tanta comoção… tento aceitar essa dualidade da situação: vai ser bom… mas quando deixar de ser bom ou de ser parte de você, vai doer. E tem doído, muito

Às vezes tento olhar pro futuro sem me apegar às incertezas que rondam essa saudade: como seria estar na mesma cidade que uma pessoa que você ainda quer, mas não te quer? Como será poder me comunicar efetivamente com quase todo mundo que encontro? Como será ter amigos e família por perto? No todo, me pergunto: oque vai ser, ser um adulto na mesma cidade em que quero viver? 

Isso porque, em geral, sempre associei estar aqui fora a trabalho, como se a vida e seus prazeres ficasse meio jogada de lado. Acho que somente na Mini-apple essa dinâmica foi diferente, quando estava num relacionamento: a cidade se mostrava diante de meus olhos de uma outra maneira; os tempos livres tinham outro valor. Antes e depois… o mesmo estresse de sempre. Quem quer viver assim?

É curioso que eu conseguia antecipar que essa transição seria difícil, mas não pelos motivos que hoje me tiram o sono. A maior lição disso… talvez seja a de não contar com certos laços como dados (?)… ou, acima de tudo, ser mais capaz de me mostrar ali, presente… comparecendo, ouvindo e sabendo dar segurança àquilo que precisa - ou já é parte - de mim? 

É estranho e curioso esse processo… não me acho um mal ouvinte, ou cabeça dura… consigo acolher, me abrir pra tanta coisa nova… mas como assim, não conseguir assegurar ao outro que estou aberto, que estou disposto, que quero, que gosto, que sonho, que sonho junto, que quero perto, que tenho medos e receios, que… sou humano e falho? Pequei em não dizer ou em dizer do meu jeito? Faz diferença (a alguém) eu dizer isso agora? Pareço viver um enorme paradoxo, do qual eu sou a grande causa de desconforto cognitivo: como assim, tanta contradição junta?

Mais um, dentre tantos “não sei”, cabe aqui. Talvez devesse serenar um pouco, assossegar-me de que tudo isso é uma construção. Nunca deixei de dizer que queria junto, que gostava, de cantar em poemas, de celebrar em músicas, de compartilhar o quanto pude… se pequei, talvez tenha sido por … ter sido humano? Por ter tido medo? Por recear a incerteza de algo que hoje desconheço: minha própria terra? Ou… incerteza diante de alguém que também me deixava com receios (de que era genuíno, de que não era idealização etc)? 

Preciso ser justo comigo mesmo…ou ao menos tentar… e deixar de me culpar tanto. Ao menos disse, ao menos venci a insegurança e quando a névoa baixou mostrei a direção na qual - e com quem a meu lado - quero seguir remando, ao menos sigo firme e confiante no que quero, acredito e sinto. Talvez o maior dos erros teria sido ser grato, abrir mão, e virar as costas… perder sem tentar, errar sem nunca admitir o erro, silenciar quando há tanto a se dizer, engavetar planos e projetos de construções que não se criam sozinhos… a vida segue um curso, e muitas vezes o curso de nossos acertos passa pelo caminho dos nossos erros.

Tenha confiança… faça oque tiver que ser feito, sem deixar arrefecer teu candor. Seja paciente diante daquilo que não tens controle, e sereno diante de intempéries. Leia mais Rilke… coma mais chocolates… abrace mais, flexibilize mais… acolha-se mais.. acolha mais… ame-se mais …  Ouça mais do que falas… aproxime-se … não tenha medo de dizer oque sentes… ame mais… doe-se sem esperar nada do mundo em retribuição… saia debaixo do forninho, espalhe ternurinhas… contemple o absurdo das coisas como se fossem plausíveis… mude, que o mundo há de ou mudar contigo, ou se moldar à tua mudança. Viva. 

31 dias entre o oriente e o ocidente (novamente): wabi-sabi + Kintsugi

Naturalmente que, voltando ao Brasil, eu tenha mais contato com minha família. 

Isso é bom. Mas também traz dificuldades. Ou melhor, sutilezas. Há dois (ou mais) lados nessa estória.

Família é sempre um ponto de referência ou uma antítese àquilo que buscamos. Meu pai, por exemplo, sempre foi pra mim um poço (pocinho, vai) de maus exemplos. Não que seja pessoa ruim ou desonesta, longe disso: nunca vi um cara tão resiliente e que trabalha tanto. Mas cresceu e se formou em condições muito hostis: fugiu de casa ao 16 anos, quando migrou no nordeste para São Paulo, teve um pai abusivo-violento etc Realmente, tiro o chapéu pra ele por ter se mantido firme e chegado onde chegou.

Bom... já que estamos aqui, acho que é isso: hoje vou falar dele, meu pai, que não tem muito a ver comigo mas, ao mesmo tempo, por antítese, acabou me ajudando a ser quem eu sou (como uma série de contraexemplos nos quais moldamos uma teoria).

Por muitos anos meu maior medo era ser igual a ele: por vezes intempestivo, repetitivo que só (quando bebe então... sai de perto), pouco comunicativo e até taciturno. Ao mesmo tempo, super fanfarrão, adora uma cerveja e boteco (isso...não é bar não... é botequeiro mesmo), e tem uma paciência de monge diante de gente mala e igualmente repetitiva (isso eu admiro... não tenho muito). 

Em suma: totalmente nada a ver comigo.

Por muitos anos eu tive dificuldade não pra aceitá-lo, mas pra "aceitar" esse "lado" da minha vida... até que vi que minha família é meio atípica... como algo fantasioso que nasce de um conto do Érico Veríssimo (o pai, não o filho).. um monte de imperfeições em meio às quais eu devo ser mais uma.  Acho até que foi depois  de ler uma entrevista do mesmo que comecei a rir mais da situação: Veríssimo, diferentemente de seus pais, teve a chance de estudar e tudo o mais (assim como eu). Aí ele ficava horrorizado com seus parentes do interior, que desconheciam tudo oque ele levava "na bagagem" quando voltava de férias - um tio que sentou num vinil raro que ele tinha, coisas nessa linha. Até que ele percebeu que ali estava o "dendê" da vida dele: que havia tanta poesia naquilo tudo que ele acabou levando tais fatos aos seus contos. Li Incidente em Antares quando era adolescente: as risadas que dei ali não são muito diferentes das que dou quando lido com meu pai.

[Como no dia que ele parou comigo na frente de um hippie que tocava violão na rodoviária, ficou lá batendo o pézinho ouvindo o reggae que o rapaz tocava... aí quando acabou o hippie disse pra gente "-pode pedir uma música, senhor..." e meu pai, na maior ingenuidade - e pra variar, super nonsense -  vira e diz ..."-toque aquela... de Wando" (meu pai adora essas músicas de boteco dos anos 80) "...-viiixe, amigo.... assim você quebra minhas pernas.."]

[Viajei de São Paulo pro Rio "rindo" desse evento]

Semana passada me toca o telefone - meu pai, que me liga uma vez na vida, outra na morte... isso porque ele é péssimo falando no telefone (a definição de lacônico-monossilábico deveria ter um vídeo do meu pai no telefone..."-ahhh tá tudo bem por aí? Ahh que bom.... então tá bom... beijo, filho!"  [sem ouvir qualquer resposta minha, diga-se de passagem])... 

Mas voltando: toca o telefone, atendo. Aparece um rosto estranho: 

"-Alô, pa.... quem é você?" 

"- Opa!! Tudo bem? Peguei o telefone do teu pai escondido. Ele foi no banheiro, a gente tá aqui na bomboniere de um amigo, bebendo uma cachacinha...a gente gosta, você sabe.. ele sempre fala de você.."

[Nesse momento já vi que seria um monólogo, não uma conversa]

[Ainda mais que ele não conseguia me ouvir, pois havia música no local]

"...- gostei de você!! Bonitão, bem afeiçoado, sorridente, fala mansa...eu sou poeta, tenho umas coisas escritas. Será que você me ajudaria a publicá-las?"

[O cara estava "all over the place", me falando de um monte de coisa]

Passaram-se uns minutos, aquela conversa monologada... Aí meu pai volta, o amigo diz a ele, na maior naturalidade:

"- Peguei teu telefone... tô falando com teu filho!!" 

Aí meu pai me grita um "-Oi, filho!", pega o telefone com vídeo, coloca na orelha (isso... uma conversa de vídeo: eu e da orelha dele, conversando), já super alegre, até se esquecer do telefone e começar a falar sobre mim pro amigo dele, orgulhoso "-..ele é matemático.. já foi até pra China dar palestra..." alugando o amigo até...  aí quando vejo que fui esquecido e meus apelos pra que ele pare não funcionam, desligo... deixo essa parte da poesia-piada pra lá, e sigo meu dia.

Por anos achei que essa minha relação com meu pai seria a de tirá-lo da minha vida: me soava inconsistente com tudo oque queria construir pra mim, e não o via cabendo nela. No entanto, logo que me mudei pros EUA, vi que tinha que fazer as pazes com isso. Mas foi maior que somente aceitar, essa espécie de wabi-sabi que faz das relações coisas imperfeitas. Me demorou pra entender que não precisava aprender a aceitar, mas sim a perdoar. Kintsugi, talvez, concertar algo que estava em pedaços…. Perdoar as pessoas pelos erros que elas cometem, não só pela incapacidade de serem prudentes diante dos danos que podem causar na vida de outros, mas também nas suas próprias vidas. 

Não sei até hoje se meu pai diretamente me ensinou algo… talvez não… mas aprendi a perdoar, e tento me perdoar a cada dia pelas minhas fraquezas e erros, pelos momentos que não pude estar ali para os outros… infelizmente ainda tenho muito a melhorar: não tenho tanta compaixão por mim mesmo quanto tenho por terceiros…. uma lição ainda a ser aprendida.