quarta-feira, 25 de maio de 2022

11 dias entre o oriente e o ocidente: "a sky of strawberries over a field of starfishes"

Por estes dias uma senhora dona de um restaurante macrobiótico que adoro (a Y, cujo nome não sabia até então) me convidou pra tomar um café com o staff  dela. "-Aparece aqui na segunda à tarde!". Meio que falei que sim pra não soar mal educado: tanta coisa por fazer… Ainda assim, deu segunda, resolvi ir: havia falado que iria… virou compromisso.

Cheguei lá e só tinha mulher! Tudo meia idade... será que estou nessa faixa já? Bateu uma micro-ceise na hora, mas acho que não. Todo mundo sentado, abriram espaço, puxaram uma cadeira e me deram lugar na mesa. A Y é uma empreendedora que sempre tento encher de perguntas (a exemplo: todo o staff é de mulheres, algo raro no Japão, além do que a estética do restaurante é simples e bebe muito em tradição Zen etc). Ela sentou ao meu lado e, pra minha surpresa, me deu vários presentes: um livro com as receitas macrobióticas do restaurante, além de uma vela super linda. Na hora pensei "não, pleeeease... mais peso pra levar na mala". Ainda assim adorei. Muito fofa. Fofas, na verdade, todas elas.

Claro, tudo estava indo bem, elas me enchendo de perguntas sobre o Brasil e sobre meu trabalho. Eu tentando explicar um tópico super hard-core de termodinâmica de fenômenos fora de equilíbro com palavras de um menino japonês de 4 anos de idade. Até cansar e mostrar pra elas um vídeo com uma reação de  Belousov-Zhabotinsky, um fenômeno oscilatório relacionado ao que estudo. “Talvez isso responda tanta indagação, pensei. 

Engano meu: ao invés de acalmar a horda de olhares curiosos, todo mundo ficou hipnotizado e as perguntas continuaram, mais e mais. "-Gente curiosa da p.." se ao menos meu nesse mundo eu não fosse um cientista preso num subespaço vocabular de baixíssima dimensão... fiquei sem palavras. Melhor focar nos bolos vegans. "-Esse de abóbora está bom, hein?". Delícia. 

Até ali já havia me safado (epa!) de um percalço: tudo corria bem, eu + senhoras. Até que chegou uma bonitona, mais nova. Me fitou de longe, mas ficou fingindo que não me via até ser formalmente apresentada; beeem japonesa nesse aspecto: em geral elas não te confrontam com o olhar, mas te apunhalam quando você não espera rsrs (ou seja: o cupido japonês não dá flechada - te espeta pelas costas rsrs). Aí a dona do restaurante virou, me apresentou e começou a se rasgar em elogios a meu respeito (provavelmente tudo mentira e imaginação dela, dado que mal consigo me expressar com decência). Enquanto ela  falava, a bonitona ia repetindo: "-é mesmo?".."é mesmo?" ("sôo desu ka?", em Japonês). Até... chegar à cena derradeira: depois do último “-é mesmo?” ela passou a lingua beeeem devagar pelo lábio inferior até chegar com ela parada no cantinho da boca e mordê-la bem de leve com os dentes de cima. Tudo enquanto semicerrava os olhos, me despindo com eles.

"-Vixe...lascou...."

Interessante que ando totalmente desconectado desses prazeres carnais ultimamente, ainda mais por conta dessa bagunça emocional recente. Em geral eu não estou muito acostumado com isso de uma mulher se manifestar na minha direção quase explicitamente, ainda mais por ter começado nesses meio amorosos num país machista chamado Brasil, onde se espera que o homem tome a iniciativa de mostrar interesse. Anyway, apesar de adorar, admirar muitíssimo uma mulher que faz isso - e ter tido a graça de viver isso umas poucas vezes - eu tenho tão pouca experiência nessas searas que até hoje não sei direito oque fazer hahaha Em geral, ou eu fico sem graça, ou faço piada pra acobertar que estou sem graça, ou fico sem graça e finjo que não é comigo. Optei pelo último, mas fiquei tão sem jeito que, por fim, achei melhor evitar perrengues e resolvi ir embora alguns minutos depois: "shigoto ni modoranakerebanaranai...chotto izogashi desu... gomenasai" (preciso voltar ao trabalho… ando meio ocupado)... aí a dona insistiu "bom...você vai embora então leve uns morangos... ". Aí foi isso: eu saindo pela rua com uma cestinha de morangos como se fosse a Ingrid Bergmann, meio que fugindo da japonesa. 

O dia termina, à noite passa. Fui pro hotel - uma outra novela, sobre aqual falo outra hora- com meus morangos “strawberry fields forever”. Mas tive que acordar cedo e ir à minha antiga casa: meu Deus, quanta tranqueira. Na volta caminhava pensando na vida, olho pro canto da rua, reconheço um negócio que era meu, jogado no chão. "-Caramba!!! Caiu enquanto trazia as coisas pro trabalho no domingo!!". Ainda assim,   ali estava, depois de dois dias, intocado. Surpreso, dei um sorriso... só no Japão mesmo pra ninguém ter pego pra si (segunda vez que me acontece isso). 

Dia passa. Encontro o  colaborador indiano no meio tempo. Ele concordando com tudo oque eu falo. "-Porra... você concorda com tudo oque eu falo. Dê tua opinião!!! Discorda de mim, por favor! "... "-Tá bom" Ai me dei conta do paradoxo de Russel em que havia me metido e fiquei numa angústia danada, quase rindo sozinho da situação. "-Erre, por favor... erre mais... só eu tenho errado aqui, você fica me pedindo permissão pra corrigir erro gramatical, pelamordedeus!!!", disse, em quase desespero. "-Tá bom...tá bom.." Aaargh!! Vontade de gritar!

Cansaço. Paradoxos. Suspiro.

Dias passaram, mais tchaus, mais cansaço, mensagens, burocracias etc. Dificuldade enorme de dar tchau “-let’s see each other again!!”.. notei recentemente. Preciso deixar partir, saber dar tchau. Começo a sofrer com isso, me sobrando pouco tempo pra tudo: viro, me reviro, não durmo. Desapegue, abra mão..

Volto pro apartamento mais uma vez... Caramba... quanta coisa pra se limpar.. vai, me deixa, burocracia, me esquece.. tento fingir por um minuto que nada acontece: me deito no chão da sala/quarto, braços abertos, costas ao chão, como se fosse uma estrela do mar... ahh, a vida seria mais fácil no fundo do oceano... não teria céu nem nuvens pra observar, mas ao menos veria os barquinhos passando lá em cima... abro os olhos, vejo meu disco da tropicália encontrado num record shop japonês (gold!!!) ainda na parede ... “como vou levar essa joça na viagem?”, penso. Sonho com malas e check-ins. No good… teu sonho pesa mais de 32 kilos, vamos ter que jogar da janela… fecho os olhos... lembro de checar o relógio....”-ixxe, tenho reunião às 11horas!”. Levanto, vou correndo pro trabalho.

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