domingo, 8 de maio de 2022

29 dias entre o oriente e o ocidente: Koinobori (鯉のぼり)

O dia das crianḉas no Japão leva o nome de koinobori (鯉のぼり). Não me perguntem por que, nem quando, só sei que foi por esses dias. Em geral, eles colocam esses peixinhos amarrados em hastes ou árvores em todos os lugares. Aí eles ficam saltitando com o vento, como se estivessem subindo o rio. É bem bonito, as crianças (e os adultos que nem eu) ficam vidradas. 

A idéia de koinobori, pelo que depreendo, é a de um peixe que, apesar das adversidades, sobe contra a corrente para chegar onde precisa, em geral para se reproduzir. Vejo essa representação e fico pensando nesses peixes fora de si, como o salmão, que segue contra o curso das coisas para poder gerar vida e criar descendentes. Mas claro, pra fazer da novela algo mais dramático, o pobre salmão morre no final(!): seu corpo, acostumado a aguas salgadas, já não aguenta a água doce e se decompõe. É então um gesto de sacrifício, auto-flagelação, de fechamento e criação de um novo ciclo de vida. Tudo num ato só!

[Isso, Shakespeare: nem você poderia com essa.]

Sei lá, mas desde o último post, quando fiz a analogia entre o fluxo "correto" das coisas e os erros (como pedras a desviar o curso de um rio) que fiquei com essa idéia na cabeça... andava hoje cedo na rua, refletindo sobre o que se passa comigo e fiquei pensando sobre "maneiras distintas de sofrer a mesma coisa". 

Calma... eu explico, não é assim tão simples. 

Então... a idéia nasceu de um acontecimento: fui a um restaurante há algumas semanas, e ao final o dono me falou "-há uma taxa extra de 500 yenes, pois você chegou depois das 6PM". Fiquei me perguntando o quão ruim é você introduzir uma "dor" (perda/loss, no sentido de Economia) ao final de um evento prazeroso (como um jantar). Me perguntei se ele teria outras opções quanto ao momento de adicionar dor ao cardápio: se fosse no começo, o cliente poderia se recusar e nem entrar no restaurante.... então …talvez no meio da refeição? Ou depois da pessoa olhar o cardápio? 

Enfim, essa idéia do “se há de ter dor, então quando?” acabou me assombrando de novo noutro post... embora hoje tenha vindo a mim de uma outra forma. Isso porque  fiquei me perguntando ao andar na rua, 

oque seria do mundo se as relações fossem de trás pra frente

Ou seja: e se a dor viesse no começo, e oque é bom no final? E se tudo começasse em break-up, mas acabasse em orgasmos? Ou acabasse naquele primeiro beijo que não queria ter fim quando os amigos saíram da sala por perceberem o clima que rolava... Ou naquele dia hilário de sexo no parque (não, calma...eram dois velhinhos finlandeses safados.. a gente só ficou de longe, rindo e se atiçando em palavras)... Como num koinobori, nesse mundo as relações seriam dois peixinhos a nadar rio acima, num esforço descomunal pra levar uma situação insustentável e dolorosa a uma outra de descoberta, de curiosidade, de novidades, amores à primeira vista... etc etc

... dessa forma, nesse mundo paralelo, tudo começaria em dor e terminaria em samba.

Há dias, quando ainda tinha contato com o mundo das sereias, fui tentar entender oque acontecia com o mesmo, buscando no fundo ver oque poderia preservar-ou-deletar daquelas interações.... mas não consegui: fui voltando nas conversas de celular, scrolling up como um peixinho que segue rio acima.... e ao longo do caminho ia encontrando paisagens e corais de um mundo no qual um dia nadei, embora rio abaixo... no entanto, agora seguia contra a corrente.... e cada mensagem  me caía como uma pedra no caminho... as lia aos prantos e me perguntava "-aonde foi que errei?"... meu peito enchia de dor e lágrimas... lágrimas salgadas, em contraste com as águas doces que tentava encontrar na tela do celular...  lágrimas, como uma torrente que tentava me levar rio abaixo...  cada joinha (👍) em resposta a um carinho meu parecia um obstáculo gigante que enchia meus olhos de mais dor, revirando minhas barbatanas e me jogando pra fora da água sem ar... "-será que falei algo.. será que machuquei sem querer machucar..?" e chorava.... Os dedos pareciam ir mais rápido do que conseguia processar ... cada doçura minha desmesurada em palavras... as respostas desencontradas... as respostas por vezes doces das semanas recentes me faziam chorar ainda mais… faziam com que  regressasse a um passado que me fugia entre os dedos... como um rio que não queria mais que subisse por ele, como se toda a doçura naquelas águas fosse demais pra que a suportasse...  o corpo já não podia nadar ali…. não era mais bem-vindo... as lágrimas eram tantas e tamanhas que não consegui ir muito longe... 

Chorei muito nesse dia (e enquanto escrevia esse finalzinho)... nem pensava em escrever sobre, mas comecei a relatar a idéia de reverter relações e me veio esse dia à memória ... verborrágico … fluido…



[Mas... foi bom escrever sobre.]

[Sinto meu corpo querendo me livrar dessas lembranças ruins e só se apegar às coisas boas ...]

[.... pois são elas que fazem com que ainda me esforce em nadar rio acima.]


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