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segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

Adultescência, tardia mas precoce

 Uma das coisas que mais interessante de se morar perto dos pais é poder visitá-los durante um dia de trabalho e, pra variar um pouco o ambiente, trabalhar na casa deles. Mas é nessa hora que você tropeça na fronteira que separa tua vida adulta da tua vida de adolescente.

E mesmo que arame farpado ali houvesse, não adiantaria: por mais cuidado que se tenha, lá vem tua mãe atrapalhar tua reunião importante pra te oferecer um suco, ou atravessar a sala durante uma call com câmera ligada com um recado "fui comprar manteiga pra fazer pão".

É foda.

Eu fico bravo, digo que não é pra entrar no escritório enquanto estou trabalhando ou em reunião, mas começo a rir sozinho dessas absurdidades que chegam a ser fofas de tão nonsense. Porque, no fundo, não adianta: nossos pais nunca vão entender que a gente cresceu.

Mas o pior disso é ver que não apenas crescemos, como invertemos os papéis:provavelmente lá estavamos nós, aos 5, querendo brincar de pega-pega enquanto nossos pais queriam é brincar de um outro pega-pega (entre eles somente, claro), ou queríamos ficar cantando na frente da TV e pulando no sofá enquanto eles queriam ler um livro. Hoje, é o contrário: os adultos somos nós, eles é que viraram crianças.

Não sei... só sei que estou desistindo. Não adianta falar mais, só me resta evitar e não repetir esses erros de achar que sou eu que tenho o controle da situação. Bate então o momento humildade, eu tentando aprender com essas fraquezas que me desviam a alma.... e não chego à lugar algum. Me pergunto que tipo de coisas hei de fazer aos 60... 70... de quantas formas diferentes podemos encabular nossos jovens filhos que ainda não temos? Pergunta retórica e difícil... mas já estou preparando uma listinha hee hee :)

terça-feira, 8 de novembro de 2022

Primeiros passos

Hoje, depois de alguns meses "parado", enferrujando, voltei a escalar.

Não sei oque foi mais difícil: o esporte em si ou chegar lá, sozinho, aprendendo a navegar num ambiente que está longe de me fazer me sentir confortável. A ausência completa de referências, de pessoas que conheço, de amigos. Minha mente parece voltar no tempo, pro primeiro dia nadando num lugar novo, pra piscina escura e suja (que não anda mais escura, nem suja) onde comecei a nadar há alguns meses, nas primeiras incursões sozinho pra escalar no Japão, nos primeiros dias de tantas coisas que encarei que esse me parece mais um, igualmente difícil, primeiro passo depois de muitos outros.

E foi engraçado. Eu ficava ali me perguntando o quanto ia levar pra eu me habituar de novo. Pra eu entender a posição geográfica daquele lugar no mapa da cidade, pra eu começar a avistar rostos conhecidos, pra eu começar a fazer daquele um lugar de conforto: umas semanas, uns dias? Me lembro do primeiro dia escalando no Japão, o acaso de conhecer alguém que acabou por me apresentar a uma outra pessoa, hoje grande amigo. Nas primeiras tentativas de se falar japonês e expressar minha angústia diante dos "puzzles" de boulder. 

Hoje, de alguma maneira, fiquei ali parado, olhando aquela parede sozinho, cercado de gente mas ainda só, rememorando e provando todas essas memórias a conta gotas. O presente se mistura com o passado. Minto: o presente parece ter gosto de passado. Minto: me deparo com o presente tentando sentir se já o conheço de algum lugar... e parece que sim, o reconheço de outros carnavais.

Voltei pra casa pensativo, as mãos machucadas. "- Acho que já conheço essa sensação", penso. Meus olhos se perdem numa seringueira gigantesca que parece se desviar da ciclovia. Toda beleza me parece nova. Já toda beleza parece me dizer algo diferente. 


terça-feira, 26 de abril de 2022

Mudanças estruturais

Sempre penso, enquanto nado, na analogia entre cada braçada e um grão de areia que culmina numa duna: no fundo, nadar uma longa distância é o mesmo que concatenar um monte de braçadas inexpressivas. A grande questão em se percorrer uma grande distância então está em mantermos a calma, a respiração e aceitarmos que grandes mudanças/transformações podem levar, sim, muito tempo.

Páro pra reflitir no que as mulhers que passaram na minha vida me deixaram... delas e com elas aprendi muito (assim como aprendo dos amigos, mas é diferente). Sem sombra de dúvidas, todas fizeram de mim uma pessoa melhor (não que eu seja lá grande coisa..). Algumas, no entanto, causaram mudanças muito, muito grandes. Nuns casos, em personalidade - em me fazerem ver que posso sim me engajar num relacionamento e construir conexões; noutros, que deveria contemplar outras possibilidades - como sair da academia. E, mais recentemente, me apontarem que muito do que eu preciso agora não tem a ver com minha carreira somente, mas sim com a minha vida pessoal.

Há 12 anos estou fora do Brasil. Há 12 anos sinto que desenvolvi e me dediquei a uma parte de mim que contempla somente parte da minha personalidade: o meu lado introspectivo, de fazer coisas sozinho, de saber me deparar com a solidão e, em face a ela, encontrar maneiras de encará-la com serenidade. No entanto, carrego um outro lado, mais "carnavalesco", mais leve, que sempre fez com que me conectasse com as pessoas, as ouvisse, e fizesse amigos por onde passasse. Esse último Rafaello, infelizmente, ficou meio apagado nesses últimos 12 anos. E é nele que eu quero investir de agora em diante. 

Me levou muito tempo pra acordar pra isso. Muito tempo pra ver que essa resposta sempre esteve debaixo do meu nariz. Me puno, me machuco, chego até a me auto-flagelar  emocionalmente um tanto por isso. Mas... sei que todo processo de mudança nasce primeiro em termos consciência de que uma mudança é necessária... com essa consciência em mãos, cabe a nós a ignorar tal verdade (por medo ou algo assim), ou abraçá-la. Eu escolhi a última opção.

Tenho escrito mais ultimamente porque realmente preciso verbalizar tantos pensamentos. A mente parece seguir lúcida e clara nesses dias, mas os sentimentos parecem tentar me inundar de quando em vez como um tsunami atingindo um farol costeiro: a cada onda, eu receio o quanto há de sobrar de mim, e imagino que a dor há de ser pior e não arrefecer. Mas eu sei... eu sei que arrefece.... eu sei que passa... 

Meu maior medo na vida, talvez, seja o de um dia parar de mudar ou de me abrir pra ouvir os outros. Sinto muito por levar tanto tempo para fazer isso. Mas... esse sou eu: dificilmente jogaria tudo pro ar por idéias que não me parecem plausíveis de imediato... mas as ouço. E, como pequenos grãos de areia que vão se acumulando na minha orla interior, um dia elas se empilham em dunas gigantescas,  intransponíveis como um deserto. A maior prova disso, talvez, seja o fato de que esse ciclo hoje parece se completar da maneira mais inesperada que eu poderia imaginar: com o caminho mais óbvio.

Humildade talvez seja isso: se abrir pra aceitar e acolher, se silenciar diante de algo que nos parece duvidoso mas pro qual não temos argumentos: se abrir para mudar e, então, abraçar tais mudanças.  

Como uma amiga escaladora que, tradutora e envolvida em diversos projetos  - que, de acordo com ela, "só a deixam mais pobre, mas muito feliz" - me disse recentemente: "let's keep things interesting...that's what drives me". Na hora que ouvi isso, me vi naquela frase: vai ver, no fim das contas, é isso que tenho buscado ao longo da vida...

quinta-feira, 21 de abril de 2022

Entre braçadas

Sabe, eu nunca fi um esportista. Nunca fui o cara que jogava bola pra caramba, ou corria mais rápido que todos nem nada. Eu estava sempre na média ou um pouquinho acima dela. De qualquer maneira, há alguns anos que exercícios fazem parte da minha vida.

Por muitos anos eu sempre os tive como uma necessidade que "tem que estar ali para poder conter minha ansiedade". Ao menos era assim, por exemplo, que via a natação: uma dependência quase, que se tirasse da minha vida não sabia oque viria a acontecer. Calhou, no entanto, de já ter ido por meses sem nadar e ... "nada" (perdão o trocadilho infâme e "nada" ...[oh gosh]...poético): fiquei bem e sobrevivi inteiro.

Aí eu penso... então pra que? Pra que me submeto a essa dor?

Vim a saber há algum tempo que algumas pessoas, não de maneira científica, categorizam o prazer em tipo 1, tipo 2 (o que, de fato, desencadeou pesquisas sobre o tema). No primeiro ficam as coisas super simples como comer um sorvete, enquanto o segundo envolve nadar, trabalhar num projeto interessante, escalar etc. Ao que parece, existe uma escala - diria até um trade-off - entre a dificuldade e o prazer: quando se faz algo muito trivial, não sentimos prazer. Assim como também não extraimos prazer de coisas muito difíceis, mesmo que gostemos delas. Agora, quando tocamos em algo um pouco mais difícil e que demanda da gente cognitivamente, acabamos num processo indutor de flow, que seria como um estado em que nos sentimos sublimes e nal vemos o tempo passar.

Honestamente, não sei se nadar - nem escalar, me leva a esse estado de flow. No entanto, sempre que nado tiro grandes paralelos "quase-filosóficos" com outros aspectos da minha vida. Como o fato de que cada braçada ser oque me separa da minha meta, e de que, no fundo, nadar é só uma "concatenação complexa" de coisas simples. Assim como matemática, ou escalada. 

De certa forma, me vejo um pouco em tudo oque faço. (Ou, vai ver/quem sabe, tudo oque faço me limita e restringe minha visão de mundo?) Em todo caso, toda vez que nado me deparo com essas mesmas dificuldades que imploram por ser resolvidas e, diferentemente de uma teoria que um dia se compreende, ou uma idéia que um dia se domina, sempre acabo desafiado pelas mesmas dificuldades e repetições. É claro que se aprende, que se melhora, que se treina para melhorar perfomances. No entanto, ao menos na parte psicológica, todos esses esportes acabam sendo um pouco daquilo que Pessoa fala quando nunca se entra no mesmo rio duas vezes: as complexidades desses esportes sempre me são as mesmas, mas são sempre encaras como se as visse pela primeira vez.

É gostoso também sentir onde está a fronteira dos nossos limites: até ali o corpo aguenta, depois disso me machucaria. É um eterno estado de auto-consciência que nos pune quando não somos humildes o bastante para admitir que excedemos. 

Mas... aonde eu quero chegar com isso? Acho que a lugar nenhum rsrsrs Vai ver escrever também é um prazer tipo 1.5, que me leva a algo que se parece flow mas que termina em verborragia e posts sem começo, meio, ou fim.

Pronto. Parei.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

Já foi?

Situação estranha que é essa de ter um orgasmo. Ainda mais, de gozar em linguas diferentes. Em inglês, seria um "veio" ("to come"), da mesma maneira que em Francês (viens). Por sua vez, em Japonês se vai ("iku", do verbo ir... mas que, provavelmente, um japonês nativo há de te dizer que o kanji é diferennte, embora sejam verbos homófonos). Em Português, diferentemente dessas outras linguas, nem se vai, nem se vem, nem mesmo se fica: se goza. Como se fosse o fim de uma ato que findasse em plenitude. "-Nem fui, nem vim, e nem me pergunto como cheguei aqui: só sei que me deleitei".

A parte mais curiosa dessa jornada a algum lugar, essa promenade "pra aproveitar algo", é o fato de que, diferentemente de passeios de barco, de lancha, de jet-ski ou de charretes, não se pode ir neles sozinho (well...técnicamente sim... mas vamos ignorar esse detalhe): são passeios em grupo, onde se vai na garupa de alguém, ou ao lado de alguém - ou alguns, caso haja mais espaço no barco. 

De toda forma, por mais gente que caiba, a questão toda dessa viagem vai além do transporte: é uma viagem em que nunca se sabe onde se vai chegar e, curiosamente, onde duas pessoas num mesmo barco podem viajar e chegar em lugares muitos distintos. Como um paradoxo Físico, partículas regidas pelas mesmas equações e gozando (!) das mesmas condições iniciais acabam chegando a lugares distintos num mesmo intervalo de tempo. Gozar tem essa natureza absurda-quase-quântica - a de estar e não estar num mesmo lugar, e ainda assim não ser quantico, por não ser quantizado em pequenas parcelas: quando vem, é como uma erupção, consumindo todas as cidades e vilas nos arredores. 

Mas vejam: eu também já me desvio e vou parar num outro lugar que não oque imaginava.  Me perdõem... me perco, mas agora volto! (Francês ou Inglês?) Fiquei pensando essa semana nessa natureza linguística do orgasmo e, me arriscando numa auto-avaliação que me levasse a vales mais distantes dos infortúnios de se chegar a ele. Me perguntei, como é difícil exercer esse papel de viajante, entertainer, e guia de grupo que o prazer nos exige: você ali, com a bandeirinha, chamando a atenção de viajantes que se perdem em fotos e selfies, discutindo o troco em barraquinhas de milho, em sonecas num banco de praça. Isso quando você não é a pessoa a ser chamada a atenção. Sim, meus caríssimos leitor(a)es: muitas vezes somos nós a nos perdermos ao longo de tal viagem e, quando regressamos ao grupo, levamos uma bronca por deixarmos todos esperando: "-o ônibus já estava de saída!!".  Isso, claro, no melhor dos cenários: às vezes o ônibus já saiu há tempos!

É.... gozar é difícil, se é que vocês me entendem. E pior, muitas vezes acreditamos estar num hiking onde todos estão aproveitando, chegamos no cume da montanha, para vermos que estamos sozinhos lá em cima. "-Ué... cadê todo mundo?" De alguma maneira, o orgasmo tem essa estranha beleza de nos empurrar em contato com oque temos de mais egoísta. 

No entanto, se nos mantivermos atentos, o orgasmo pode também nos aproximar daquilo que temos de mais "autruístas": o doar-se para uma causa nobre, o ceder para que todos aproveitem a viagem. E, não se esqueçam da bela lição que pode nos dar para que melhor saibamos ouvir e aprender diante de fracassos e vergonhas. Isso porque, é claro, muitas vezes assumimos que todos estão adorando tudo quando, no fim das contas, uns estão sendo comidos vivos pelos mosquitos enquanto nos lambuzamos de repelente. O orgasmo nos mostra essa grande virtude que é ouvir, admitir erros, e também saber dizer pros outros que não, a viagem não foi boa (ou, ao menos, não chegam a um lugar comum ao fim dela). Lembro da primeira vez que uma ex me disse que havia mentido, "faked it". Ao mesmo tempo fiquei envergonhado e feliz: uma certa vergonha pra mim (presunçoso) e pra ela (de certa forma), que se sentiu pequena por não ter dito a verdade. Nesses momentos, rápidos e efêmeros como de átomos que se dividem, a gente pode aprender muito: alguns se escondem e os evitam, enquanto outros (presumo que fora nosso caso) resolvem correr ao guichê pra comprar mais tickets, viajarem novamente e seguirem aproveitando a paisagem até, eventualmente, aprenderem a viajar juntos.

Mas, claro, tudo depende da pessoa... é difícil nos vacinarmos contra essa presunção de que o outro "chegou lá também". Lendo  Jorge Amado encontrei esse trecho em que ele descreve, de maneira sutil, mas sem delongas ou palavras desncessárias, o famoso "- oque... você já gozou?pelo qual todo homem passa. E, se não passou, é mentira: esses devem ser os que mais rápido terminam tal ato. 

"Foi tudo muito rápido e pudibundo, por assim dizer. Muito diverso de quanto conhecera Dona Flor, e por isso mesma ela se perdeu e não o alcançou em tão mudo e austero possuir-se. Apenas desamarrara no pasto do desejo e já ouvia o canto de vitória do marido no outro extremo da campina. Ficou Dona Flor como perdida, opressa, uma vontade de chorar."

Dona Flor e seus dois maridos, Jorge Amado. 


Uma arte. 

Um exercício (zen, talvez?). 

Uma viagem. 

Uma lição. 

Um passeio.

Um devaneio. 

Um sonho.

"-ihhh .... já dormiu?"

terça-feira, 21 de dezembro de 2021

Letrada e safada

Há algumas semanas conversava com um amigo indiano que estava pra voltar à India pra casar. Havia enrolado a namorada uns 5 anos, até que ela e as famílias dos dois deram uma pressionada e ele cedeu. Eu, curioso, resolvi perguntar mais sobre o caso.

- Mas pérai...  como as pessoas se conhecem e casam no teu país se você não pode chegar numa pessoa diretamente?

- No meu caso, eu falei pra minha mãe o tipo de esposa que eu queria. 

- E que tipo que era? - perguntei.

- Tinha que ter mais ou menos a minha idade, e ter um mestrado.

- What!!! Mestrado? Pra que que você quer um mestrado?! Tanta coisa boa pra procurar em alguém e você quer um mestrado?!

- Ahhh deixa a vida mais fácil. Seja por conta das conversas que podemos ter, ou caso a gente mude de país... Aí ela pode aprender outra coisa mais facilmente, ou encontrar um emprego com mais facilidade.

Na hora fiquei pensando a respeito e vi que, de alguma maneira, até fazia sentido... Me perguntei então se também tenho exigências do tipo. Ou pior, exigências implícitas, que nem me dou conta! Será? Fiquei pensando na hora e cheguei à conclusão que sim, estudo conta, claro. Mas, no meu caso, acho que a combinação "letrada e safada" seria o melhor dos dois mundos :) 

Fiquei me imaginando num mundo em que eu fosse indiano, falando isso pros meus pais: 
"-Olha, mãe. Olha, pai.... pra inteligência a conversa basta. Agora... ser safada... é mais difícil, né? Safadeza é química, jeito de olhar, de desejar, de se doar".  É... o tipo de coisa que é fácil de saber quando está ali, mas difícil de descrever pra alguém... e meus pais, os conhecendo bem, certamente errariam na escolha: se dependesse da minha mãe, casaria com alguma filha de amiga dela, fofinha, meiga, etc. Por outro lado, se dependesse do meu pai, acabaria com alguma mulher bem barraqueira, sem juízo algum.

É, pessoal.... independentemente do cenário dos horrores acima, ainda fico feliz por poder fazer tal escolha e "errar por mim mesmo", pois se tivésse nascido na Índia teria sido um celibatário sem salvação. Ou, se dependesse dos meus pais, bem mal arrumado no amor. 

quinta-feira, 18 de novembro de 2021

Love in the time of crisis


Reinterpretação de "serious love", de Roy Lichtenstein.


[Ficaria mais confortável se fosse a mulher falando, mas... acho que é justo dizer que todo lado de uma relação tem suas condições.]

[Com isso, tento ser honesto também, ao admitir que relacionamento é algo a dois, e são dois os universos que se encontram nele.]

[Em todo caso, sempre achei uma piada esses ads em que o "terms and conditions apply" é dito bem rápido ao fim da propaganda, ou em letras diminutas num cantinho... Depois de tantos amores que naufragaram antes de chegar na praia, talvez possa dizer que  relacionamentos não são lá muito diferentes disso.]

terça-feira, 12 de outubro de 2021

Bedbug-free love

Hoje saí pra celebrar o aniversário de uma amiga latino-americana. Vocês sabem: esse pessoal da américa latina acaba se encontrando e encontrando coisas em comum que, nem sempre, são lá tão comuns assim. Enfim, só sei que versei a falar que não me lembrava de muitos aniversários: 33 anos? Não lembro. 25? Não faço idéia. 

E os 30?

Os 30 eu lembro. Foi um frio dia na mini-apple, logo depois de eu ter descoberto que minha casa estava infestada com bedbugs. Havia começado a sair com uma moça que logo depois passaria a ser namorada, mas tudo estava no começo ainda, aquela relação no vácuo, onde nada é bem definido, nem qualquer compromisso. Mas enfim, lá estava eu, dezembro, voltando pra casa às pressas pra poder empacotar tudo porque na manhã seguinte viria o pessoal da dedetização.

Mas porque eu estou falando disso? Bom, oquecompartilhei com a minha amiga não foi o evento em si, mas meu medo de achar que meus amigos, assim que soubessem, deixariam de sair comigo, e que a moça me daria um fora. "-Aqui em casa você não vem..", ou um "-Melhor nos encontrarmos no café lá do outro lado da cidade". Realmente, fiquei bastante assustado, achando que uma vez que a moça que soubesse seria o fim. "-Let's not see each other for a while... I don't think this... you know, it is not you or this bedbug-thing , it's me... it's me...". Well... eu aguardei por este momento e o antecipei em conversas na minha cabeça por um bom tempo, mas ele acabou não chegando.

Os begbugs, no entanto, ficaram lá em casa por mais um tempo. Inimigo invisível, como uma força maligna que se esconde dentro do armário, debaixo da cama, em cima da cama, na cama contigo enquanto você dorme. Realmente, eles quase me custaram umas tantas relações, mas enfim, depois de muito esforço (e 4 meses longe na Europa, delegando o problema pro meu então locatário de inverno que ali passava um sabático), voltei pra casa, e eles já não mais estavam.

-Ohhh Rafa... it was really love then...
- Who, the bedbugs?
- No, silly! The girl!
- Maybe... I just think the winters were tough.. hard to face them by yourself....

Um abraço de aniversário termina a noite. Minha amiga dá tchau, e uns tapas na roupa pra espantar qualquer bicho... olho pra trás, ela disfarça... pelo visto perdi uma amiga... não deveria ter falado nada... malditos insetos!

domingo, 29 de agosto de 2021

A encantável geometria do desconhecido

 Já vi de tudo nessa vida. Bom, nem ouso enumerar e já me corrijo: já vi muita coisa. Não, me corrijo mais uma vez: já vi algumas coisas nessa vida. Umas poucas, digo mais humildemente. Vai ver por conta disso me surpreenda tão pouco com oque vejo: nada é novo, tudo é uma reelaboração de uma velha piada. Viver é um marasmo constante. Talvez, a arte de viver bem seja saber extrair poesia da seiva da mesmice.

Só sei que ontem, num repente de meio de conversa de vídeo, tive contato com algo novo: fui apresentado a um vibrador feminino.  
Fiquei intrigado: como é que.... por que será que.... como... porque tem esse formato? Fiquei mudo. 

Me senti como um ponto diminuto se deparando com uma geometria inimaginável. Como uma equação relativística que diz que espaço e gravidade se imiscuem como dois amantes inseparáveis, ali estava algo que - talvez mais surpreendente que qualquer desses fatos científicos - me estarreceu. Como será que um se conecta no outro? O peso de quem faz oque se curvar e mudar de forma? Incrível.... um objeto-pedacinho, ponto de curvatura infinita, vibrando sabe-se lá como e onde, em busca de uma orgasmica singularidade.  Nem Einstein explicaria como funciona.

Sei lá... tô meio perplexo ainda. 

[Um perplexo diferente do post anterior, diria.]

sexta-feira, 13 de agosto de 2021

Pessoa-iceberg

Pouca gente repara nisso, mas há algo muito comum nas pessoas que se expõe ou resolvem criar algo: oque elas mostram em geral é somente uma fração diminuta do que elas realmente criaram. E nem falo sobre o fato do trabalho ter sido reduzido, polido, enxugado a um produto final. Falo, isso sim, de só vermos aquilo que o autor considera digno (ou com algum valor) para chegar à luz do dia.


Acho que todos que criam tem isso, de uma maneira ou outra. Há algum tempo soube que o Prince tem um arquivo gigantesco de coisas que gravou em seu estúdio, mas que nunca considerou para divulgação (a família que está lucrando com essa estória). Adiciona-se a isso outros nomes: Jimi Hendrix, J.D. Salinger etc. Tudo oque essas pessoas publicaram em vida é uma ponta de iceberg diante daquilo que veio depois. É claro, há muita discussão sobre a legitimidade de alguém sair publicando coisas que estes consideravam indignas de serem vistas/ouvidas/lidas. Mas isso é outra discussão. 


Comecei a pensar nesta questão ao reparar em quanta coisa eu tenho que nunca achei que deveria ser finalizada, ou mesmo trabalhada a um produto final. Este blog, por exemplo: possui 694 posts publicados, e um total de 975 escritos, oque dá uns quase 30% de coisas que provavelmente nunca vou postar - ou por falta de vontade de terminá-las, ou por achar que não são boas, ou simplesmente por não ter mais tesão nelas. No que diz respeito a trabalho, a taxa fica por aí também: uns 30-40% em artigos esquecidos que nunca fui atrás de finalizar, de programas que não fui atrás de debugar, de pingos nos "i's" que deixei de dar.


Existe um equilíbrio enorme neste caso que tem dois extremos: uma pessoa que divulgue tudo oque faz (talvez este tipo de "artista" já exista; o Instagram está cheio deles haha) e, num outro extremo, um artista tão exigente consigo mesmo que não divulga nada.


Mas vamos fugir de extremos por agora e voltar ao mundo dos humanos "normais", que vivem num meio termo entre estes dois casos. Fico refletindo sobre as taxas de cada pessoa. Será que as pessoas têm isso? Será que existe um "quociente de aproveitamento/divulgação" de cada um? Talvez, como disse anteriormente, a questão nem seja o quanto se aproveita, porque ao sermos exigentes com oque deixamos "escapar" pro mundo damos sinal de senso crítico, de respeito por nós mesmos (e pelos outros), além de curarmos aquilo que criamos. 


Ao que parece, gerirmos nossas vidas como uma ponta iceberguiana que os outros vêem e uma parte "obscura", longe de olhos alheios ("longe de olhos alheios".... vou virar cantor de lambada depois dessa :) que pode até parecer inútil, ou lixo, mas talvez sirva como uma base de sustentação a tudo aquilo que chega ao crivo do mundo.


Me estendo então, e penso num outro iceberg - visível/invisível - que fica entre oque dizemos ou não. Claro, se não digo nada do que penso eu viro uma pedra. Por outro lado, se disser tudo oque penso - sem freios  ou amarras - posso acabar em sérios problemas (na verdade este último caso se trata de uma doença chamada "sindrome de Tourette"). 


[Mas por que comecei a falar disso tudo mesmo?] 

[Bom, ao menos dessa vez vou dar um destino diferente a este post, tirando-o do submundo dos posts que nem ouso publicar....]

terça-feira, 27 de julho de 2021

Entusiasmos numéricos, ma non troppo (parte 1)

Há algum tempo atrás aconteceu interessente: numa conversa por telefone com minha mãe, esta me contava entusiasmada sobre um presente que comprara para o seu neto (meu sobrinho). "-São uns bichinhos de esponja que crescem na água!! Ele vai adorar! Poderá brincar no banho e quando for pra praia. Diz na embalagem que eles crescem 600%!! ".

Ouvi aquilo e fiquei quieto. Quem sou eu pra ficar dando aulas de porcentagens e seus significados pra alguém? Fiquei na minha... a Matemática te dá essa virtude meio ambivalente (pra não dizer chata): a de te roubar a poesia de algumas coisas e de adicionar mais cor à outras... um tradeoff meio estranho mas que, no fim das contas, quem trabalha com números acaba por aceitar.

Até aí tudo bem. Conversa vai, conversa vem.... e minha mãe volta a insistir nesses 600%. Aí começou a dar coceira... pqp... será que eu falo algo? Fui desviando a conversa, andando pelas beiradas para não cair nesse abismo das divergências familiares. Oque: eu, ser chato? Nunca! Eu estava na minha, e ali fiquei enquanto pude. 

Resisti mais um pouco: ouvia minha mãe animada com a próxima visita do neto. Num ato zen, ouvia, imaginando como meu sobrinho deve estar, e me perdi em saudades de tudo e todos. Sustentei-me firme e bravamente. Mas aí, quando menos esperava, palavras duras me atingem como uma flecha. Uma não: 600. 

"-Mãe, me desculpe te dizer, mas 600% não é muita coisa... não sei como mediram isso, mas isso é no máximo 6-7 vezes o tamanho do brinquedo... não vai ficar do tamanho de...sei lá, um tiranossauro que não vai caber na banheira..."

[Silêncio]

Por alguns segundos ficou aquele silêncio no ar... um clima de decepção, como num presente de natal que não corresponde com o imaginado, como se uma esperada bicicleta acabasse virando uma meia mal embrulhada.... ou um eterno 7 a 1 que não acaba. 

Me senti um chato.

Mãe, me desculpe... da próxima fico quieto e falo pra vocês tomarem cuidado. 
Digo que é capaz do boneco crescer tanto que não caberá no apartamento. 
Ou que ganhará vida, e que com um carnívoro tão mortífero não se brinca.
Ou que o peso do boneco pode colocar a da criança em risco....


sexta-feira, 9 de julho de 2021

Direto da Terra do Sol Nascente #115: dias de marcenaria e patchwork

Essa semana foi bem estranha: estava angustiado até ontem, tentando resolver um problema absurdo que parecia sair do meu controle a todo o momento. Uma hora parecia que tudo funcionava,  noutro você tinha um boicote evidente, eu versus um supercomputador. Me senti, por alguns minutos, como Kasparov diante do DeepBlue. A máquina saiu ganhadora neste caso também (digo: ganhou diante da minha paciência).

Ou não.

Ontem eu saí do trabalho transtornado. Pensei: "vou pra casa chorar" hahaha Não, não foi pra tanto. Mas tava um dia daqueles, cheio de bugs até nas coisas mais simples que, até ontem, funcionavam. Aí disse pra mim mesmo "hora de ficar longe, ir escalar um pouco, tentar desanuviar a mente". E assim fiz. 

Hoje acordei mais tranquilo, fui com calma, vendo como eu poderia resolver tantos problemas ao mesmo tempo de maneira efetiva. E assim foi, de maneira meio infinitesimal, quase como se faz em escalada "na pedra" (fora): vai-se ganhando espaço/altura aos pouquinhos, conquistando terreno aos poucos... à tarde, já confiante do "xeque-mate" que preparava, fiquei pensando no que estava rolando. Qual era a lição maior por trás disso tudo?

Talvez seja a de que não existe como ficar harmonizando uma cadeia enorme de pequenas coisas conflitantes, pois ao se tentar arrumar uma acabamos por desencadear outras inconsistências. A "ordem do dia", que teci logo no começo do dia, foi a de colocar um protocolo único que todas as coisas deveriam seguir. Aí pronto: nada de ter que brincar de patchwork, emendando/consertando aqui e ali coisas que no fundo não se conectam. 

É interessante pensar nisso olhando pra trás, pois muitas vezes acredito que matemática (aplicada) é um pouco isso, uma sucessão de tecnicalidades que não difere muito do trabalho de um marceneiro ou artesão, que corta uma tábua, faz as marquinhas na madeira de onde vão os pregos, vê que deu errado, vai corta de novo outra madeira, dessa vez medindo(!), até dar forma àquilo que no começo era só uma idéia abstrata: uma cadeira, um teorema, uma desigualdade, um móvel...

quinta-feira, 4 de março de 2021

Quase sempre sereia

Quando divago por aí - oque não é raro - sempre me vem à cabeça esses seres míticos que são as sereias: os homens caem de amores pelas mesmas mas acabam morrendo afogados ao seguí-las pro lugar de onde estas vieram.  

E olha, não acredito que sereias estejam mal intencionadas! Acredito que muitas querem mesmo levar uns marujos bonitões pra casa, apresentar pra pais e amigos, levá-los pra comer pastel na feira, dentre outras coisas.... mas, quando lá chegam, reparam que não: "-mais um pretendente que não conseguiu completar a viagem".


 É um pouco desolador essa estória, onde o palco do único encontro possível é essa ponte onde os dois se encontram no meio do caminho, impossibilitados de seguir adiante.  Por outro lado é quase engraçado - ou mesmo uma piada de mal gosto - imaginar o simbolismo das coisas que acontecem nas nossas vidas, pois a mulher mais interessante que conheci nesses últimos anos calhou de ser apelidada por mim (por outros motivos) como tal: sereia. E, como no caso do marinheiro que se prende ao mastro do barco para não se perder em desvarios e naufragar diante de um canto tão adocicado, cá estou eu, me degladiando com a razão há um bom tempo, me debatendo entre ter os pés no chão e o coração logo longe, num mundo do qual mal imagino poder fazer parte.

Outra coisa que sempre me estarrece nessa estória de sereias é o fato de que nem um nem outro deixa de ser (ou mesmo pode deixar de ser) oque é para estar chegar ao outro lado: há uma obstrução intrínseca às suas naturezas - de homem, de sereia - e, mesmo diante do óbvio, os dois lados se deixam levar pela maré das risadas, do conforto, da companhia que um oferece ao outro.

Navegador de muitas viagens, já me amarrei no mastro umas tantas vezes. Em todas eu grito, falo, perco a razão, sofro, mas recobro o juízo pra ver que sim, lá se foi mais uma sereia que passou pela minha vida. Olho pro meu barquinho, poupado de um triste naufrágio, e me pergunto se algum dia, mesmo nessa vida cercada de mar por tantos lados, hei de encontrar algum ser que se adeque a mim, e que entenda que talvez seja assim, entre dois mundos, que muitos amores existem, tomando forma e vida em meio às imperfeições daquilo que os cerca.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

Direto da Terra do Sol Nascente #106: aquela sensação de borboletas no estômago, pós prova...

 Sabe aquele frio na barriga estranho pós prova, quando você não sabe muito bem se a vida é um blues, um jazz, ou um bolero choroso?

Assim... como hoje?

É, uma semana inteira praticamente de entrevistas, cheia de sims, nãos, talvez, silêncios, ruídos, perguntas, respostas, perguntas, momentos pra se pensar, para se refletir, nenhum bocejo (!), mas muitas e muitas dúvidas.

Esse samba vai dar em algo?

O pessoal da empresa S me pareceu interessado, mas me pareceram meio angustiados pra me ter logo por lá. O pessoal da empresa A por outro lado.. olho pra trás e não vejo muitos problemas: uma hesitada aqui, um receio ali... a menos que o padrão de qualidade seja "perfeição" então talvez role.

Será? 

Dias cheios de incerteza. Em todo caso, se sair empresa S, lá me vou eu, de volta pro Brasil. Oque será que isso significaria? No longo prazo? No curto? Há alguns anos me angustiaria, me sentiria voltando 10 casas. Hoje em dia, acho que seria até legal, entender como seria equilibrar os novos rumos com o conforto emocional de ter família por perto, amigos de infância ao lado... como tudo na vida, há trade-offs, seja lá, seja aqui, seja em qualquer lugar.

Penso por quanto tempo ficarei nesse limbo pós-entrevistas: me remete a sensações estranhas da época da graduação, como aquela prova difícil do professor sexagenário(quase septa!), que as corrigia de maneira burra, rígida, onde qualquer deslize era um ponto decapitado a menos. Dias de terror, onde não se podia fazer muito senão tentar entender pra onde o vento soprava, ao qual seguiamos de olhos vendados (ou melhor, preso nos livros até a próxima prova).

Como é estranho isso, né? Ficar nessa espectativa, essa dúvida.... me perguntei há alguns dias "será que, ao longo de tantas entrevistas, eles conseguiram ver oque queriam ver?" Não sei. Tento me perceber, sentir se fui transparente, visível, se qualquer potencial intrínseco se fez visível em palavras, em explicações. Me disseram que sou um ótimo contador de estórias, embebido em clareza. Outro amigo leu um texto que tive que escrever: me disse que sou um poeta. O pessoal da empresa S e da empresa A... não sei: será que acham que entendo algo? Que não entendo nada? 

Que dia pra se fazer uma entrevista... será que foi o sono, a noite mal dormida? Seria melhor ter sido entrevistado na semana passada? Será que não era pra ser agora? Nunca?

Bom, aguardemos. Em todo caso, a vida parece se desenrolar diante dos meus olhos como um tapete vermelho, trazendo ali adiante sabe-se lá oque...

terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

Direto da Terra do Sol Nascente #105: moda masculina num universo paralelo

 Hoje andava pela rua quando vi uma mulher num outdoor de uma loja, posando sexy com o dedo na boca, pra anunciar algo...talvez a roupa? Seria a loja? Seria o esmalte do dedo sugestivamente na boca, ressaltando .... o esmalte?

Alguns metros adiante vi uma mulher bonitona num outro anuncio, corpo molhado, numa propaganda de uma loja de... relógios.

Como seria se, por um dia, o mundo tivesse fotos de homens com dedo na boca, em fotos sexys, quase despidos tomando cerveja na praia, anunciando cobertores, travesseiros, fazendo poses fofas em propaganda de leite, abraçando cachorros? Imaginei por um segundo esse universo... olhei pra mim mesmo e pensei: "-se o mundo fosse este eu certamente seria considerado um mal vestido fora de moda"

Por uns minutos me senti inundado por um desconforto engraçado, avistando o mundo sob lentes inexistentes que deixavam mais exacerbadas as diferenças entre homens e mulheres, e em como a vidas dessas últimas é muito mais regida por padrões inalcançaveis de beleza, de estética, de valores.

Será que se outdoors de homens com o dedo na boca fazendo pose sexy ao comprar qualquer coisa - um lanche num restaurante, uma mochila, uma bolsa! - não seriamos nós, homens, regimentados a nos comportar dessa forma? A criticarmos uns aos outros por coisas como "nossa... olha o Raffaello... dois dias seguidos na semana com a mesma jaqueta e o mesmo tênis."

Aí cheguei na acupuntura e acabou o sonho-pesadelo no universo paralelo. Eu, sem saber muito bem oque fazer, me vi desgostoso com esse desequilíbrio todo mas sem saber como consertá-lo... vai ver eu preciso ir às compras, adquirir uma nova coleção pra primavera...


sábado, 14 de março de 2020

Um pouco do mundo nos tempos do corona virus

Quem diria.... a praga chegou por aqui, por ai, por todos os lugares. Me traz à mente um texto do Bukowski sobre a peste, do qual falei em Observações sobre a peste - fragmento de um fim de semana no Rio de Janeiro (em 2011!), quando fui vítima de uma praga durante uma visita ao Rio (regada a acidentes de moto, de discussões de relacionamento etc... quem diria, uma vida então cheia de romances!!).

Hoje a peste só faz uma coisa: me deixar em casa, com receio do que está lá fora, de tocaia, me esperando atrás de alguma porta, ou escondido debaixo de uma tapete. Apareço desavisado e.... ZAASSSS!! a peste pula no meu pescoço e se adentra pelos meus pulmões, ou dos meus vasos linfáticos, tomando posse deste que agora te escreve. 

Nope, nope... felizmente nada disso. Mas dizer que saí incólume desse "tropeço" seria mentira: bolsas subindo e descendo (mais descendo que qualquer coisa...como perder uns 20K em duas semanas), ver as empresas pelo mundo mudando o foco diante da crise, ver o mundo entrando em crise e as pessoas sem saber oque esperar quanto ao futuro. 

"-Por quanto tempo essa visita vai ficar no sofá?...." 

Ningúem sabe... ninguém sabe.. A busca de empregos "pelo mundo" persiste, mas é nítido que há mudanças - com vírus  ou sem vírus na equação

É isso então: Brasil, próxima parada?

Estaria feliz com isso. Há algum tempo já estou satisfeito comigo mesmo com oque tive, com oque faço, com a independencia com que trabalho e penso por mim mesmo, e com oque quero pra minha vida. Estou mais confortável com isso, e não preciso mais ir atrás de algum lugar ou de algo para aprender mais: posso aprender com os que estão ao meu redor ou por mim mesmo. E isso, saber que você carrega consigo mesmo as ferramentas que precisa pra poder crescer, é uma graaaaaande mudança! Se fosse o caso há 10 anos atrás, se me sentisse então como me sinto hoje, provavelmente nunca teria pisado fora do Brasil pra estudar fora.

Mas é claro, tudo teria sido diferente :)  e eu não seria quem eu sou hoje. Seja pelo que vi mas, acima de tudo, pelo tanto que aprendi a me levantar depois de cada queda. Que é, de alguma forma, a abordagem oque o mundo parece estar me pedindo (nos pedindo!) agora: há muito a se fazer pras coisas voltarem ao que eram antes.

sábado, 8 de fevereiro de 2020

Una palomita que no vola


[John Williams tocando a belíssima "Que no te quiera más", de V. Emilio Sojo]

Esses dias, numa reunião de trabalho, meu chefe (de uns 50 e poucos anos), pouco habilidos em falar com o público, esperava sem graça no canto pra começar a sessão. De uma maneira quase infantil ele mordia o lábio inferior, expondo dois dentões enormes que tem e que, assimetricamente, são muito maiores que os outros. Interessante, porque achei a imagem fofa já que, mais que tudo, ele me parecia uma criança em primeiro dia de aula. Me dei conta de que ele, em algum dia, havia sido uma criança. Talvez daquele mesmo jeito, dentucinho, num canto, tímido. Sorri diante da imagem, enquanto a reunião já começada me invadia com alertas e mais alertas sobre corona virus.

Curioso, por que lembre essa semana ao ouvir This American Life, num episodio chamado  "Pidgeons on a plane", sobre um programa do governo Mexicano para levar maes de imigrantes ilegais a visitarem seus filhos nos EUA. Para aplicar as pessoas devem, por exemplo,  ter mais de 60 anos. Pensei muitos nessas pombinhas que não voam. Mais precisamente na minha mãe, que nunca me visitou enquanto vivo fora. Lembro dos primeiros anos no Rio, em que ela me dizia ao telefone "- quando você voltar pra São Paulo", não sei se pra me acalmar (nos meus primeiros dias longe, imerso em angústia) ou por imaginar que, de alguma maneira, a distância era temporária.

O  tempo com a minha mãe foi uma grande parte da última visita ao Brasil. As risadas diante daquele mar de tupperwares que os armários dela viraram, as risadas diante das dificuldades, tão felizes e cheias de alegria quanto as risadas diante das vitórias. algo interessante foi vê-la  reticente em começar a fazer pilates ("vou deixar pra  mudar de casa antes", "vou esperar teu sobrinho crescer um pouco", "vou...") ficava obstruindo toda e qualquer iniciativa minha que, no fim das contas, me ficou óbvio: minha mãe estava com medo de ir sozinha.

Me prontifiquei a ir junto, a entrar junto, a perguntar junto. "Não posso entrar contigo, mas te espero lá fora". E assim o fiz, imaginando que um dia ela havia feito o mesmo por mim. Como uma lembrança, vendo minha mãe me esperando na saída da escola, ou de outra em que abro minha lancheira pra comer meu lanche em casa depois da aula1, pareço fechar um ciclo em que os papéis se invertem: eu levo minha mãe pra fazer as coisas que ela, pequenina, precisa de um empurrãozinho pra começar sozinha.

De certa forma, essa sensação de "completar de um ciclo" foi um pouco do que senti durante minha última palestra (saidera!) nos EUA, diante de antigos professores que tive.... estranho como duas coisas tão díspares podem dar origem a sensações tão similares, não? Vai ver sou eu... vai ver meu olhar anda meio biased quanto a este tópico.

[A se descobrir então: qual ciclo estou terminando?]

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1 Nos meus primeiros anos de escola, estranhamente, eu levava a lancheira cheia pra trazê-la de volta cheia, e então comer em casa. Dizia, após estender uma toalhinha bordada com meu nome,  "-só como na casa da tia Lina", e me sentava no chão de casa, assistindo desenhos e comendo bisnaguinhas.



quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

Direto da Terra do Sol Nascente # 80: "você voltou?"

Sim, eu voltei. Agora, pra que? ...é um enigma. 

No aeroporto já sou inundado por emails que me pedem de tudo: escreva isso, me ajude com aquilo, precisamos terminar o artigo, você se lembra daquele beta na equação, qual é sua cor favorita, você gosta de pôneis.

A vida nipônica, como uma erva daninha, parece querer se apoderar de tudo que tenho, não deixando espaço pra nenhum resquício de férias ou mundo ocidental que trouxe na mala.

Rapidinho, já começo a sentir o sossego correndo pelos meus dedos: um email que respondo, um latex que escrevo, uma vaga de trabalho que me parece interessante e pra qual penso em aplicar, entrevistas, contas de luz e de água.

Férias, ó férias: você me dá saudades

Aclimatizo e Tokyo na casa de amigos americanos. Como uma zona de descompressão, sinto-me voltando aos poucos pra vida na terra do sol nascente. Hoje, finalmente, volto pra casa: depois de mais ou menos 42 dias fora, penso oque será reatar laços com minha casa, com meu trabalho, com minha vida, com kinoko-san e gardênia.

Respira fundo.... você dá conta.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

No olho do furacão (visita à antiga casa) - parte 3

Hoje no café da manhã, mesas e mais mesas de pessoas caucasianas com 4, 5, 6, 7 filhos e famílias, sentadas todas comendo suas pancake, bacon, fruit-salad-with-no-fruit-taste-at-all.

Um homem da mesa ao lado reconhece a conversa minha e de uma amiga, em português. Se apresenta, diz que fazia capoeira, e que adora português: 

" - smoother and more mellow than spanish...". Promete-nos que da próxima ira nos dizer oi e umas palavras em português.

Penso no que era viver aqui, no que era viver tão preso a uma coisa, a um título, como foi viver por 5 anos nessa terra. 

5 fuckin' longos anos!
Eternidade!
Years!
Yeah... it was hard!

Minha amiga fala do relacionamento, de como é ser acolhida por uma outra família que não a sua em terra tão distante. Fala das dúvidas, do break-up que antecedeu a vinda à terra do tio sam. Penso em mim, no mei trajeto, no eu barquinho que aqui chegou desconhecendo tudo, ignorante quanto a tanta "selvageria" que regia o país mais rico do mundo:
A riqueza
O conforto
A sujeira debaixo do tapete

Não consigo vir, ver e viver sem me lembrar dos dias aqui.  Penso no Brasil:
A riqueza
As frutas
A sujeira debaixo do tapete

E penso que é tudo igual, fruta de plástico ou não, conforto ou não, 8% of your taxes going to the military ou não, 8% of your taxes going to bribes and politicians in Brasilia ou não... logo me vendo preso no grande rabo-preso da lógica de uma pessoa que não sai do lugar, que descobre que os predicados tinham um rabo-preso com a conclusão, que por sua vez dependiam do predicado...que por sua vez....

Nessas horas eu paro, por que me é claro que estou sentindo falta de algo: de alguém, de alguma coisa que me preenche
-Alguém viu minha rotina? A perdi no caminho, há mais de um mês não volto pra casa... ela é uma menina magrinha e atarracada, que não gosta de luxos, e tem um cachorro e um aquário com um polvo...

Penso na minha rotina, perdida no aeroporto, chorando num cantinho até ser encontrada por um adulto responsável que a leve de volta para os seus.
Esse adulto: eu, que não volto pra casa nunca
Casa... quero voltar pra minha. 
Pra ser sincero, quero encontrar casa.... e ter vindo visitar a antiga só me fez ver que há anos, e anos, e anos, eu não tenho uma própriamente dita 

E pra variar, isso me lembra algo, the great, ela se não outra: Ella

" a chair is not a chair....

A room is a still a room, even when there's nothin' there but gloomBut a room is not a house and a house is not a home
When the two of us are far apart
And one of us has a broken heart"


[A house is not a home, Ella Fitzgerald]

Na verdade pensei nisso tudono café da manhã hoje cedo, enquanto ouvia minha amiga e, no fundo, pensava em mim, com ais ou menos a mesma idade vivendo aquelas coisas todas, e a acalmava, cheia de dúvidas de tudotodotipo. 

Isso tudo pra dizer que.... andei em círculos, e cheguei no café da manhã de novo. 

sexta-feira, 3 de janeiro de 2020

Twenty-twenty?

Ao se fazer um exame de vista, 
o médico sempre menciona 
o tal
do
 "twenty-twenty"

como se
fosse a 
menor medida 
do enchegar bem 
de uma pessoa 

Oque será que, simbólicamente, 
isto significa 
neste ano que 
pelo mundo aos tropeços
começa?

Torço pra que vejamos o mundo sob mais perspectivas
e aceitemos as perspectivas dos outros
como se fossem as nossas
mais arraigadas
crenças

Que não nos falte sensatez pra discordar
e que não nos falte sensatez
para admitir cada pequeno
diminuto
erro
que humanamente cometamos

Que em 2020
encherguemos melhor
aquilo que somos
pra então conseguirmos focar
em tudo aquilo que queremos ser