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terça-feira, 5 de abril de 2022

Direto da Terra do Sol Nascente #122: lamaçal

 Nunca havia acontecido comigo. Já tinhaouvido falar, mas não, nem havia chegado perto de mim. 

Mas sim, ma hora, como talvez tivesse que ser, aconteceu.

"-Let's just put the name of two more people here: my boss and my superior..."

Reagi num imediato "-no fucking way!", mas não sei se foi o suficiente pra me deixar bem diante da estória. Caramba... que ousadia!!

Sei lá... fiquei meio chateado em ver isso. Fiquei pensando no "lemon problem" do Akerlof, me perguntando sobre o custo de ser desonesto e em como isso leva, por uma força maior que a de cada pequena parte, a corroer toda a estrutura de uma sociedade (no caso, a sociedade científica japonesa). 




Alright, já tinha ouvido coisas similares nos EUA quando estive por lá, não é algo particular do Japão em si. Acontece aqui, acontece em todos os lugares.

Me pergunto quanto tempo levará pra essa espiral culmine num turbilhão onde só o que restar são os mais corruptos. A pergunta é interessante (e o Akerlof, infelizmente, não a responde). Claro, você deve pensar, "-isso nunca há de acontecer! O ser humano é bom e cientistas têm que prestar contas à sociedade!" Aí que mora a assimetria de informação: a depender do meio científico que você está não há avaliador de fora que possa dizer se você está certo ou não. O conhecimento é muuuuuito técnico pra ser avaliado como uma simples leitura por lazer feita opor outsiders.  E olha, nem precisamos ir muito longe da academia pra ver outros exemplos: crise de 2008, milhares de Ponzi schemes pelo mundo, onecoins etc. É um pouco do que o próprio Akerlof e o Schiller falam no Phishing for fools: se alguém coloca um anzol com uma isca, vai aparecer um trouxa e ser fisgado. O difícil é admitir que, às vezes (ou muitas vezes), o trouxa somos nós.

Talvez, infelizmente, resistir a isso é mais forte do que a minha, a tua, a nossa honestidade: se "competidores" (caso você compita com os mesmos pro vagas de trabalho ou por grants de pesquisa) são corruptos e isso os coloca num outro nível de reconhecimento perante juízes (sociedade, bancas de avaliação de projetos, hiring managers), a imoralidade passa a ser um novo standard e todos acabam fazendo o mesmo.

Num outro exemplo, relativamente distante mas não tanto: muita gente que é atleta profissional já me disse que é impossível ser um atleta de alta performance que não se dopa de alguma maneira. Foi na verdade de um atleta que ouvi pela primeira vez que "se você não fizer o mesmo, você nem chega num nível pra competir com os outros". 

Enfim... aconteceu...  em primeiro de Abril de 2022 (mas, se foi piada, foi de muito mal gosto).

[Toca vinheta de fim de programa]


terça-feira, 25 de janeiro de 2022

Entre os emaranhados da verdade e da confiança ("Chain of trust" & "chain of truth")

Uma das coisas que sempre achei interessante quando alguém descreve estelionatários e outros golpistas está em como estes constroem uma "rede de verdade" com falhas, buracos enormes, mas nas quais uma pessoa está disposta a se jogar ao se sentir "em segurança". Tais buracos correspondem àquilo que consideramos difícil de acreditar logicamente, "gaps" lógicos que dificilmente convenceriam, ou se sustentariam, por si só. No entanto, ainda assim, as pessoas acreditam neles, caem em golpes, se jogam, se estrepam. 

A meu ver, há algo maior nessas estórias: a cadeia de confiança que estes vigaristas são capazes de construir. Essa linha tênue, tenebrosa, e enevoada entre a verdade e a confiança.

Mas aonde quero chegar com tudo isso? Talvez tudo tenha começado no texto abaixo: nele  um médico relata o caso de um paciente soropositivo (Mr B, um morador de rua) que não acredita no HIV. O médico tenta e tenta com que o paciente tome o remédio retroviral mas não, o paciente não toma porque não acredita que o vírus do HIV causa a doença. 
"Covid denialism, like AIDS denialism, reveals that many of doctors’ assumptions are incorrect. We overestimate the value of reasoning and facts. We believe in our clinical authority. We expect patients to behave rationally. But we all develop our beliefs through interactions with other people — what you believe depends on whom you trust. "

[Em The Doctor’s Oldest Tool, no New England Journal of Medicine, por Elvin H. Geng]

Calhou de esse artigo "resolver" um desconforto que senti numa outra conversa, ao ouvir que "a ciência é uma fé, assim como a falta dela também o é". Não, não concordei. Na verdade me causou desconforto pensar nisso, apesar de não saber bem oque dizer na hora

Essa frase me despertou uma memória sobre um post antigo, A estalagem da razão: sobre agulhas, alfinetes, Index theorem e linhas, de 2010, no qual cito:

"A meio caminho entre a fé e a crítica está a estalagem da razão. A razão é a fé no que se pode compreender sem fé; mas é uma fé ainda, porque compreender envolve pressupor que há qualquer coisa compreensível."

Fernando Pessoa - Livro do desassossego

Há alguns anos eu até brincaria com esse tema, concordaria com F.P. até. Sim são todas fés. Mas hoje minha visão sobre o tema mudou: verdades não são idéias que flutuam no ar e adotamos as que nos apetecem. 

Mas se já ficamos desconfortáveis com a idéia de toda crença ser uma fé, imagine então a idéia de podermos agir em função de qualquer coisa que acreditemos. Pensemos neste cenário dos dias de hoje: pessoas sem máscara, sem vacina, um perigo de saúde pública. E se esse paciente (Mr. B) fosse um "spreader", um cara que saísse transando com meio mundo passando AIDS pra tudo e todos, dizendo que não era HIV que causa oque ele tem? Trata-se então do direito de não só terem fé, mas de exercê-la da maneira como bem entenderem? Certamente, não ligo que as pessoas acreditem no que queiram: enquanto eles tomam atitudes que impactam a vida deles somente, eu lavo minhas mãos, sigam na direção que quiserem, eles são livres pra tanto. Agora, são livres pra sair espalhando as "verdades" nas quais acreditam? Não, não são.

Uma parte considerável deste embróglio então está nisso, nessa disputa pelo correto ter virado uma disputa de "crenças". As pessoas julgam que tudo, toda visão de mundo contém erros, então são todas iguais. Dessa forma, tudo vira uma religião: futebol, cloroquina, ciência. Cito então algo que li num texto do Asimov:
This particular thesis was addressed to me a quarter of a century ago by John Campbell, who specialized in irritating me. He also told me that all theories are proven wrong in time. 
My answer to him was, "John, when people thought the Earth was flat, they were wrong. When people thought the Earth was spherical, they were wrong. But if you think that thinking the Earth is spherical is just as wrong as thinking the Earth is flat, then your view is wronger than both of them put together."
[Isaac Asimov, "the relativity of wrong"]

Sim! Aí está parte da chave pra esta questão. Existe assim gradações de erro, algo que Asimov foi muito sábio em apontar nessa frase. Há uma "relatividade do errado". E isso acaba tangenciando oque o médico relata. Isso porque existe uma "chain of trust" (cadeia de confiança) da qual o médico fala, que talvez preceda oque chamo de "chain of truth" (cadeia de verdades): adotamos, acolhemos a ciência em princípio por confiarmos naqueles que nos levam a ela. Posterior a isso, vê-se que existe sim todo um arcabouço de idéias e sustentáculos que seguram esse edifício em pé. Claro, não sem contradições internas, mas com amarras muito mais firmes e auto-consistentes do que uma "fé" religiosa, por exemplo. Sendo assim, não desmereço ou nego que a fé exista de alguma forma, mas ela é somente um "ticket de entrada" pra essa casa onde a ciência reina. É talvez oque o médico ressalta do texto do NEJM quando diz
"I am part of what anthropologist Heidi Larson calls a “chain of trust” in a social system that has treated me fairly and generously — a chain that did not reach Mr. B. I realized that the chain’s links consist of lived experiences and relationships, not data in scientific journals. I believe what my colleagues say because of my proximity to their experience: I work with people like the scientists who conducted the earliest studies, and I know them to be generally honorable and credible. Mr. B. did not believe — ultimately, not because of quibbles with the scientific method, but because the sum of what society, and “expert” professionals like me, had offered him in life seemed more like lies than the truth. "
[Em The Doctor’s Oldest Tool, no New England Journal of Medicine, por Elvin H. Geng]

Achei incrível ver que, no fim das contas, a atitude do médico foi a de ter empatia, de ver ele mesmo aquilo que o paciente estava professando/fazendo. Ele sacou tudo aí, quando viu que este Mr B, marginalizado, vivendo às franjas da sociedade, nunca participou do que era discutido nessa "grande casa" (aristocrática talvez?) na qual a ciência impera. Sendo assim, ele mudou a abordagem: simplesmente convidou Mr B a ela. O ticket de entrada: simplesmente tomar o anti-viral. Foi uma sacada genial ele perceber que não era uma questão de convencimento por argumentos, mas uma outra coisa.... talvez resultados? Não exatamente... 

Aliás, esse "chain of trust" é algo interessante: recentemente o "this american life" fez um episódio sobre um republicano, âncora de televisão, super conservador, se reunindo com pessoas ati-vax pra tentar convencê-las do valor de tomar a vacina (episódio 736: The Elephant in the Zoom). O programa vai por linhas incríveis, até chegar ao convencimento (ou quase) daquelas pessoas.

De alguma forma, depois desses redemoinhos que se sobrepões, pensei em mim mesmo, em algum momento lá em 2010, mais confortável com essa idéia de que a ciência, mesmo a matemática, é sim uma ciência que envolve uma certa fé, ou intuição. Será que o que me movia era a fé? Era a crença de que aquilo que via era a verdade, uma única verdade, ou forma de verdade? 

Não sei.. se era fé, acho que a perdi em algum momento. Mas já era tarde: já fazia parte do "clube", me via parte da engrenagem, membro desse grupo "fechado", que não admite outra religiões... em especial, parte de um grupo que muitas vezes não admite outros que nunca foram convidados a ele, pra essa "festa" regada a lógica e leis universais, onde a ciência impera.

E pra terminar esse grande círculo: tudo bem termos compaixão por pessoas negacionistas, mas não acho "producente" confundirmos esse sentimento com o de "liberdade que essas pessoas têm", ou mesmo confundir as crenças deles com "a mesma fé que temos na ciência". Acho que, a alguém que diga isso, ou equalize as duas "crenças", só posso dizer: "your view is wronger than both of them put together".

Acredito, isso sim, que esse artigo indica que a paciência, a escuta, precede a razão em alguns debates onde existe sim um lado que está correto. 
Instead of arguing about the veracity of science, perhaps I could simply bear witness, as one human to another. 
[Em The Doctor’s Oldest Tool, no New England Journal of Medicine, por Elvin H. Geng]

É isso, pessoal. Crescer para melhor ouvir. Ouvir para mais alto crescer.

sábado, 27 de novembro de 2021

Direto da Terra do Sol Nascente #119: só poderia ser amor... (ou, talvez, o contrato)

[Bato na porta]

- Professor boss? Are you there?

-Yeeeessss

[Ele responde, com um yes bem longo]

- I have something to tell you. Well... you know... it's hard to say this, but I'll be leaving next year, in February...

- Ohh!!! Good! So, you have found your next position...

- No. Actually, I have not.

- How are you leaving then, if you have no next job?

-Well.. it's complicated. I just think that..

-Because in general people find a job before leaving their current job.

-...but I..

-Because you know that you can stay longer if you want, we'll be happy to have you here 'til the end of your contract..

-...but...

- What don't you do some more thinking and let us know? 


[Pronto, falei! ]

[Fiquei surpreso com a reação do meu chefe, quase "paternal", diria]

[Inesperado para um japonês. Foi bom, sentir-me benquisto onde trabalho, numa cultural tão different da minha.]

[Ainda meio assustado diante das minhas próprias deliberações, mas... acredito que esse barco já saiu do porto e a ele não volta mais.]

[...rumo ao desconhecido mundo lá fora, aqui vamos nós]

quarta-feira, 24 de novembro de 2021

Direto da Terra do Sol Nascente #118: carnaval japonês (ou "quebrando o contrato")

 É agora... respiro fundo, vou dizer tudo oque penso.  Dizer que me cansei, que vou embora, que de hoje não passa... 

..bato na porta, "shitsure-shimasu", come licença já entrando... 

...ninguém na sala.

"-Maybe our boss is hiding under his desk... we just don't want you to leave us", me disse a secretária.

Vai saber... tento de novo mais tarde.

terça-feira, 28 de setembro de 2021

Dear editor...

Dear referees and editors.

Anonymity does not grant you rights to be jerks. 

I think you are a fuc**** idiots who have not read the paper. 

 Sincerely, 

Momo


[I wish I could leave the academic world in such a grand style]

[but I was a bit more polite than that 😁 ]

domingo, 29 de agosto de 2021

A encantável geometria do desconhecido

 Já vi de tudo nessa vida. Bom, nem ouso enumerar e já me corrijo: já vi muita coisa. Não, me corrijo mais uma vez: já vi algumas coisas nessa vida. Umas poucas, digo mais humildemente. Vai ver por conta disso me surpreenda tão pouco com oque vejo: nada é novo, tudo é uma reelaboração de uma velha piada. Viver é um marasmo constante. Talvez, a arte de viver bem seja saber extrair poesia da seiva da mesmice.

Só sei que ontem, num repente de meio de conversa de vídeo, tive contato com algo novo: fui apresentado a um vibrador feminino.  
Fiquei intrigado: como é que.... por que será que.... como... porque tem esse formato? Fiquei mudo. 

Me senti como um ponto diminuto se deparando com uma geometria inimaginável. Como uma equação relativística que diz que espaço e gravidade se imiscuem como dois amantes inseparáveis, ali estava algo que - talvez mais surpreendente que qualquer desses fatos científicos - me estarreceu. Como será que um se conecta no outro? O peso de quem faz oque se curvar e mudar de forma? Incrível.... um objeto-pedacinho, ponto de curvatura infinita, vibrando sabe-se lá como e onde, em busca de uma orgasmica singularidade.  Nem Einstein explicaria como funciona.

Sei lá... tô meio perplexo ainda. 

[Um perplexo diferente do post anterior, diria.]

terça-feira, 27 de julho de 2021

Entusiasmos numéricos, ma non troppo (parte 1)

Há algum tempo atrás aconteceu interessente: numa conversa por telefone com minha mãe, esta me contava entusiasmada sobre um presente que comprara para o seu neto (meu sobrinho). "-São uns bichinhos de esponja que crescem na água!! Ele vai adorar! Poderá brincar no banho e quando for pra praia. Diz na embalagem que eles crescem 600%!! ".

Ouvi aquilo e fiquei quieto. Quem sou eu pra ficar dando aulas de porcentagens e seus significados pra alguém? Fiquei na minha... a Matemática te dá essa virtude meio ambivalente (pra não dizer chata): a de te roubar a poesia de algumas coisas e de adicionar mais cor à outras... um tradeoff meio estranho mas que, no fim das contas, quem trabalha com números acaba por aceitar.

Até aí tudo bem. Conversa vai, conversa vem.... e minha mãe volta a insistir nesses 600%. Aí começou a dar coceira... pqp... será que eu falo algo? Fui desviando a conversa, andando pelas beiradas para não cair nesse abismo das divergências familiares. Oque: eu, ser chato? Nunca! Eu estava na minha, e ali fiquei enquanto pude. 

Resisti mais um pouco: ouvia minha mãe animada com a próxima visita do neto. Num ato zen, ouvia, imaginando como meu sobrinho deve estar, e me perdi em saudades de tudo e todos. Sustentei-me firme e bravamente. Mas aí, quando menos esperava, palavras duras me atingem como uma flecha. Uma não: 600. 

"-Mãe, me desculpe te dizer, mas 600% não é muita coisa... não sei como mediram isso, mas isso é no máximo 6-7 vezes o tamanho do brinquedo... não vai ficar do tamanho de...sei lá, um tiranossauro que não vai caber na banheira..."

[Silêncio]

Por alguns segundos ficou aquele silêncio no ar... um clima de decepção, como num presente de natal que não corresponde com o imaginado, como se uma esperada bicicleta acabasse virando uma meia mal embrulhada.... ou um eterno 7 a 1 que não acaba. 

Me senti um chato.

Mãe, me desculpe... da próxima fico quieto e falo pra vocês tomarem cuidado. 
Digo que é capaz do boneco crescer tanto que não caberá no apartamento. 
Ou que ganhará vida, e que com um carnívoro tão mortífero não se brinca.
Ou que o peso do boneco pode colocar a da criança em risco....


sexta-feira, 9 de julho de 2021

Direto da Terra do Sol Nascente #115: dias de marcenaria e patchwork

Essa semana foi bem estranha: estava angustiado até ontem, tentando resolver um problema absurdo que parecia sair do meu controle a todo o momento. Uma hora parecia que tudo funcionava,  noutro você tinha um boicote evidente, eu versus um supercomputador. Me senti, por alguns minutos, como Kasparov diante do DeepBlue. A máquina saiu ganhadora neste caso também (digo: ganhou diante da minha paciência).

Ou não.

Ontem eu saí do trabalho transtornado. Pensei: "vou pra casa chorar" hahaha Não, não foi pra tanto. Mas tava um dia daqueles, cheio de bugs até nas coisas mais simples que, até ontem, funcionavam. Aí disse pra mim mesmo "hora de ficar longe, ir escalar um pouco, tentar desanuviar a mente". E assim fiz. 

Hoje acordei mais tranquilo, fui com calma, vendo como eu poderia resolver tantos problemas ao mesmo tempo de maneira efetiva. E assim foi, de maneira meio infinitesimal, quase como se faz em escalada "na pedra" (fora): vai-se ganhando espaço/altura aos pouquinhos, conquistando terreno aos poucos... à tarde, já confiante do "xeque-mate" que preparava, fiquei pensando no que estava rolando. Qual era a lição maior por trás disso tudo?

Talvez seja a de que não existe como ficar harmonizando uma cadeia enorme de pequenas coisas conflitantes, pois ao se tentar arrumar uma acabamos por desencadear outras inconsistências. A "ordem do dia", que teci logo no começo do dia, foi a de colocar um protocolo único que todas as coisas deveriam seguir. Aí pronto: nada de ter que brincar de patchwork, emendando/consertando aqui e ali coisas que no fundo não se conectam. 

É interessante pensar nisso olhando pra trás, pois muitas vezes acredito que matemática (aplicada) é um pouco isso, uma sucessão de tecnicalidades que não difere muito do trabalho de um marceneiro ou artesão, que corta uma tábua, faz as marquinhas na madeira de onde vão os pregos, vê que deu errado, vai corta de novo outra madeira, dessa vez medindo(!), até dar forma àquilo que no começo era só uma idéia abstrata: uma cadeira, um teorema, uma desigualdade, um móvel...

sexta-feira, 26 de março de 2021

Serás exibicionista e se alimentará de likes...

Nesse mundo hiperexibicionista em que a gente vive estamos sempre a traçar no chão as linhas que não cruzar: posts entusiasmados com a camisetinha da empresa falando sobre o amor que transborda pelo lugar no qual trabalhamos, posts com fotos de cada almoço estranho, uma árvore no sol florescendo hashtags, uma tarde afogada em bobeira, um livro que nunca li mas quis parecer intelectualizado, um coqueiro que se move na praia e que vira um vídeo...  Tudo é processado, deglutido e expelido em pixels pro mundo digital. 39K likes. Digo, pro mundo real. Que dizer, pro mundo dig... não sei mais qual é qual. O ser humano se alimentando de sinais e símbolos ❤❤❤❤❤❤

Recentemente calhei de começar um outro blog, relacionado a outras coisas. Mas fico nessa reticência entre saber oque vale e que não vale à pena de fazer. Se tudo é exibicionismo, oque significa isso que eu quero fazer? Mais um blog exibicionista? Páro, pondero o porque de tanta relutância em me expor. "Será que é medo de ser escrutinado, julgado?", me pergunto...  As vezes culpo minha formação já que, como um monge, cresci pra e aprendi a fazer coisas técnicas - tanto porque gosto delas quanto pelo valor que dou pras mesmas. Então, quando penso em fazer algo que difere em qualidade... começo a duvidar da sua relevância. "Ninguém vai ler essa merda!", me digo.

Não sei... me pergunto se me enclausuro dos medos do mundo numa concha. Em grande parte eu querer sair da academia envolve saber uma resposta a esta pergunta: enquanto acadêmico eu tenho o conforto de ser um dos poucos conhecedores de uma área, pouca gente a criticar e ver... mas e no mundo lá fora? Como seria amplificar o número de interações ao meu redor pra ver como reajo/ajo? Por diversas vezes na minha cabeça essa imagem do cientista numa ostra aparece, uma casa na beira do campus de uma cidade pequena, protegido em papel bolha dos males do mundo, férias de final de ano com uma família criada com uma professora de outro departamento... era pra ser assim? 

De certa forma, uma coisa parece tocar na outra: eu, avesso a me exibir, me escondo dentro de uma biblioteca de matemática e em artigos que demoram longos meses quase anos para sair da minha ostra-concha,  compartilhados com outras pérolas de outras conchas ano a ano numa conferência de ostras para se discutir outras pérolas ... Curiosamente, ostras (o ser mesmo, bivalves, não a analogia que fiz até então) são seres que vivem a filtrar a agua do meio, pra no fim "cuspirem" essa bolotinha esbranquiçada "sem utilidade alguma" na natureza, mas pra qual algumas pessoas têm olhos. Vai ver ciência é um pouco como isso, tanto no processo de criação quanto no produto final.


[Bom... enrolei e enrolei... vai ver o jeito é postar o negócio e pronto!]

terça-feira, 2 de março de 2021

Direto da Terra do Sol Nascente #108: unemployment S.A.

 Não rolou empresa A. Sabe-se lá porque. Me sobra S, com Brasil a tira-colo. 

Volto?

Calma, calma.. não tão rápido. Nem eu sei. Ainda preciso ver se é este o caminho a se seguir. Por uns dias pensei que talvez fosse, mas agora.... não sei...

Como tenho dito a mim mesmo por dias, o saldo teria sido positivo em qualquer um dos cenários, mesmo sem empresa A ou mesmo S demonstrando interesse. Veio uma: ótimo! Agora, cabe a mim decidir oque fazer.

Curioso que na última entrevista (de 7) eu senti que dei uma escorregada... não sei bem oque foi, mas senti que não estava muito bem: nervosismo diante de perguntas bestas, respostas convoluídas para coisas simples... oque foi seguido de dias de auto-flagelamento até que me desculpasse.  "-Prenúncio de que não há de dar certo", pensei. 

E assim foi. Acontece. Errar acontece. Acima de tudo, errar não é medida de fracasso a ninguém, do contrário não teria passado por tantas coisas na vida. Mas e agora? Que experiências, ou melhor dizendo, que lições posso tirar disso tudo?

Não sei.... tenho deliberado algumas direções nas quais me aprofundar, coisas que estavam em pontos cegos. Ou mesmo coisas que sabia estar ali mas não dava muita atenção. Felizmente, essas áreas fora de cobertura estão diminuindo e diminuindo... no fundo, experiência é isso mesmo. E experiência com entrevistas também.

Acima de tudo, o emocional é parte do profissional que você é. Não? Ficar nervoso é ok, todo mundo fica. Mas se você não ficar, demonstrar conforto diante do que fez/sabe/diz... melhor, não? Então... 

Me abateu? Claro, não nego. Mas há "nãos" que parecem tão previsíveis que, longe de denotarem uma porta fechada, indicam algo que você deve perseguir, buscar. Hora de ponderar, reavaliar, e seguir adiante. 

Sobretudo, caminhar sempre pra frente. Sem medo E sem olhar pra trás.

sábado, 6 de fevereiro de 2021

Pesaroso baysiano procura

Não é incomum termos intuição sobre as coisas, ou acreditarmos que determinados  caminhos são os apropriados para seguirmos: um processo que que às vezes se dá por intuição, outras vezes por racionalização.

Ontem me aconteceu algo desconfortável. Inundado diante da persistência de um colega em começar um trabalho que, a meu ver, já nasce morto, me peguei hesitando. Me senti mal por dizer que não queria entrar naquele barco. Mas na hora não sabia bem o porque.

Disse não, mas saí dali pesado, com culpa. Será que mais informação relevante me havia sido dada? Havia algo ali que me fez mudar de opinião sem que eu soubesse? Talvez fosse a dúvida diante de tanto entusiasmo da parte dele, e me imaginar pesaroso no futuro por ter errado na minha "crença" de que aquele era um barco furado.

Ou talvez tenha sido essa estranha sensação de estar perto de alguém um pouco arrogante e impulsivo, que parece te levar com informação mas, no fim das contas, deu um show de hand-waving com pitadas de entusiasmo desmesurado e você não soube muito bem como reagir com fundamentos, você não soube argumentar de maneira clara o porque esse não era um caminho a se seguir.

Você se julga racional, mas se "defende" de uma crença com uma outra crença. Condenar a arrogância do "esse é o jeito XXX de qualidade que eu sigo", a convicção sem respaldo... com uma resposta não clara. Como se  despida de todo fundamento lógico da tua rejeição àquele caminho.

Orgulho da minha parte? Queria ter saído de cena sob a glória de uma piada? Ou sob os holofotes da lúcidez e transparência? 

Talvez seja isso... que bailarina quer sair do palco aos tropeços? Foi estranho... acho que meu desconforto foi em me ver impulsivo em dizer não, em não saber como lidar com a resposta, navegar com o desconforto da pergunta "você quer entrar nesse barco?", "você quer escrever um artigo?"

Me conheço, por isso me questiono. Cada galho podado passa por um escrutínio antes de vira adubo: foi vaidade minha? Em ter dado o problema e depois sair de cena? Foi medo de me engajar? Foi tocar uma peça pela metade? Ou foi, pura e simplesmente, uma atitude respaldada na confiança que tenho em mim mesmo?

É interessante isso, como alguém entusiasmado e impulsivo consegue envergar as fundações do edifício da reticência, do medo, do receio, da desconfiança. E quando essa onda passa, presenciamos aquela estrutura ainda ali, firme, sem saber se celebramos a calmaria ou se nos perguntamos o quanto faltou para cedermos.

Há dois posts que escrevi em 2010, (...e que toda escolha é uma forma de renúncia, segunda parte aqui), que de certa forma tratam desse assunto: olharmos pra trás e vermos um horizonte de escolhas que não existem mais, como ramos mortos de uma árvore que no presente insiste em se expandir pra outro lado. 

Meditei sobre esse assunto um bocado entre ontem e hoje.. percorri muitos caminhos e variações até que, depois de um tempo, vi que era o caso somente sedimentar minhas escolhas, aceitando a responsabilidade de fundamentá-las: seja com o cimento da razão, ou com os tijolos frageis da intuição.

sábado, 16 de janeiro de 2021

Os ultimos rinocerontes brancos sobre a Terra

[Isso é uma nota que escrevi recentemente - em inglês - sobre algo que li]

 [Sudan is the name of the last white rhino on Earth, who died in 2018]

"We expect extinction to unfold offstage, in the mists of prehistory, not right in front of our faces, on a specific calendar day. And yet here it was: March 19, 2018. The men scratched Sudan’s rough skin, said goodbye, made promises, apologized for the sins of humanity. Finally, the veterinarians euthanized him. For a short time, he breathed heavily. And then he died."

Sudan left two descendants: Fatu and Najin (two female rhinos).
"In 2009, when Najin and Fatu first came to Africa, they were scared of everything. They would flinch whenever the wind blew, jump away from every rabbit that hopped out of a bush. They were born and raised in a zoo. Their births — in 1989 and 2000 — were two of the very few bright spots in the otherwise doomed international project to save the northern whites. Although their ancestors were from Africa, these particular creatures were not. They grew up in the Czech Republic, in man-made enclosures, eating pre-cut grasses, surrounded by humans. They had no idea how to be wild rhinos."
I was quite puzzled reading all of this. I wondered "what would it be of earth/humanity if lines/ways of thinking go extinct?" What if science, or scientific thinking goes extinct? Would we have no idea of what it is to be human? Would we carry out wars defending a sun centered universe against those who believe in an earth centered one? Or try to kill corona viruses with lice medication?

[recently there has been more than 400% increase in sales of lice medication in Brazil, after widespread- needless to say, FALSE - rumors that such a medication helped in prevention]
I read a few years ago that "science had stopped being a method to become an opinion, like any other non-scientific perspectives in the room", which is a dreadful thing for anyone trained as a scientist to hear.

domingo, 4 de outubro de 2020

Ambiguidades à parte

 Essa semana aconteceu algo estranho: na terça, durante o debate presidencial americano, o atual presidente foi questionado se condenaria white supremacists pela violência que estes têm perpetrado pelo país. Pra resumir, o presidente diz para um determinado grupo (XX) "XX, stand back and stand by".

Stand by pra mim é esperar para que algo aconteça, para que algo possa ser acessado/utilizado adiante.... essa ambiguidade ficou no ar, esse desvio por um (mau) uso da palavra, onde não se sabia se ele se comprometia ou não em condená-los (muitos chegaram à conclusão que não, que até fomentava a proximidade a eles).

Não fosse D. Trump ser divisivo e, acima de tudo, esguio em se deslizar de compromissos e se abster de bandeiras igualitárias, eu teria dito que ele fora, pura e simplesmente, poético: poesia é a mais pura ambiguidade.

Fiquei um pouco perturbado em chegar a essa conclusão, ainda mais diante de uma situação tão horrível e diante de uma pessoa pela qual não nutro o menor respeito. Mais ainda: numa situação abominável e que não poderia ser tolerada! Fiquei me questionando por alguns momentos sobre como essa corda bamba dos sentidos e significados é also difuso, sobre a qual as palavras andam entre um ser e outro. Também quero ser poesia! Mas claro, não ser evasivo e ambiguo para não ter que me compromissar diante do que digo.... mas quão distantes essas duas coisas estão: ser ambiguo e ser descompromissado? 

Lembrei do "Cálice" ou "Cale-se" do Chico, ou de uma que nesse último janeiro foi motivo de muita risada na minha visita ao Brasil

Samba do grande amor, Chico Buarque


Resta-nos a grande dúvida se a mentira era uma mentira ou uma reinterpretação dos fatos. A ambiguidade não está nos fatos em si, mas em tê-los narrados pela voz de uma pessoa que oscila entre dizer a verdade e a mentira. Essa ambiguidades parecem fazer parte de muito que vivemos, seja na forma como as interpretamos ou, de certa forma, na dificuldade que temos em interpretá-las da maneira correta.

Lembrei-me ainda de uma conversa que tive há anos  com uma amiga bióloga. Esta me expressava consternada sua angústia diante da ciência, com o não poder ser subjetiva, poética, num artigo: para ela, eram todos secos e sem vida. Na hora que ouvi suas palavras tive compaixão, mas vi também que não era essa a direção, que em alguns meios não se pode haver ambiguidade, dúvida, ou meias palavras: a poesia tolera, e celebra a ambivalência, enquanto a política e a ciência devem evitar de todas as formas cair em tais recursos. A grande beleza de se fazer as duas últimas (se é que há beleza em fazer política...) está no saber caminhar sobre a corda bamba da clareza, da eloquência, e do discurso. A poesia, a arte, por outro lado, presam por outras qualidades.

Bom... com isso encerro por hoje: queria só dar um oi mesmo, dizer  que estou por aqui, tentando seguir adiante, encarando as muitas ambiguidades que a vida me oferece.

terça-feira, 22 de setembro de 2020

Direto da Terra do Sol Nascente #97: "o meu sem hífen, por favor"

 Dear Momo-san

Congratulations!  I am happy that you submitted your paper.

When revision comes back, remove dash from company name: we are not called 

"AAAA-BBBB", but 

"AAAA BBBB".

Best, 

Katchôu-sensei


[não muito distante de um email que recebi na semana passada]

[um exemplo fidedigno de reconhecimento, depois de quase um ano de ups and downs]

[milhares (reaalmente, milhares) de linhas de código]

[muitos rascunhos]

[e horas de simulação num supercomputador]

sexta-feira, 18 de setembro de 2020

Direto da Terra do Sol Nascente #96: quando você está na chuva se encharcando de poesia (ou "página virada")

 Well well well... nem um, nem outro: nem na chuva, nem encharcado em poesia. QUEM ME DERA!

Não, por aqui tudo na mais prosaica mesmice, exceto que.... finalmente me vejo livre de zeros e uns. Vida que deixa de ser binária, ao menos por um tempo: acabo de me livrar do meu artigo e submetê-lo.

Caramba... deu até um frio na barriga!

Fiquei me perguntando o porque: me lembrei do primeiro, também sozinho, eu me sentindo perdido, sem confiança de que aquilo poderia funcionar... cheio de dúvidas quanto à qualidade do produto... um momento de exposição ao mundo... bem parecido com o que senti na última vez que escalei, a uns 20 metros de altura, prestes a ficar exposto num flanco de uma montanha, atrás de mim somente o nada, acima de mim nada, abaixo de mim somente chão e uma corda passando por um carabiner. 

Quem te segura? 

Quem segura tua mão?

Ansiogênico, um tanto angustiante. Curioso que parei em alguns momentos pra tentar entender oque se passava, e me vieram lembranças de primeiro dia de escola nova, do tal primeiro artigo submetido sozinho, de tantas outras coisas.... viver e se submeter ao novo... será que vivo sob este lema? Acho que não, tenho quase certeza que não.

Mas porque? Porque não ir atrás das novidades, do que há de diferente, de obscuro, de interessante? Porque ficamos no que conhecemos, cercado de rostos conhecidos, adicionando "epsilons" (pra não matemáticos, "grãos de areia") àquilo que já sabemos? O fazemos por medo, por curiosidade diante daquilo que fazemos, por genuinamente termos interesse no que fazemos, ou por que é oque sabemos fazer? 

Não sei, simplesmente não sei... só  sei que o que fiz agora é página virada. Sinto começar uma nova época.

["uma nova era"... imagine cristais descendo do teto]

[eu com uma bata colorida.. :P ] 

Um novo momento onde, por algum tempo posso ousar, me permitir fazer outras coisas, priorizar outras coisas. Ou melhor: priorizar-me!

Foi curioso... até 5 minutos atrás, quando cliquei no "submit", meu coração se enchia de medo, de ansiedade, de dúvidas... Já agora.... essa névoa se dissipou. Foi o primeiro dia de escola em que descobri que ninguém ali falava chinês durante as aulas, ou que na carteira ao lado se sentava alguém legal... Muito interessante sentir isso de novo, essa angústia de ter que me bancar diante do desconhecido, sem qualquer respaldo, sem ser introduzido por alguém, sem ser amigo do rei (grande Bandeira!), e mesmo assim... preparando o terreno para me sentir em casa.

Como um grande círculo, volto para o mesmo lugar... com o corpo cansado diante da volta que dei. 

Colocar  a cabeça pra fora da janela.

Ir, ver, e voltar.

Talvez viver e aprender seja um pouco de cada uma dessas coisas.

quinta-feira, 3 de setembro de 2020

Direto da Terra do Sol Nascente #95: Dr. Raffaellonkenstein

Há dias tenho me sentido como que escalando os últimos metros antes de chegar no cume de uma montanha: falta oxigênio, me sobra desejo de chegar lá, mas  toda a alegria em antecipação a este momento se mistura com ansiedade, com medo, com perguntas.

Ontem, a caminho desse término, me aconteceu algo muito, muito fora do comum: havia pensado em uma maneira de concluir a "obra"...e pensei, tão atípica que é diante do que já fiz até aqui: "- vou testar em mim mesmo!", me veio à cabeça. O teste, no caso, seria colocar duas fotos na "máquina" 

e ver se ela cuspia aquilo que eu via: "0" e "1".

Foi curioso... me senti como um cientista louco cortando da sua própria carne para dar vida a sua criação... algo muito diferente do que já fiz até aqui, onde eu (como indvíduo) não transpareço naquilo que escrevo.1  Dessa vez, no entanto, foi um pouco diferente: lá estava aquele pedacinho de papel, esperando aquela jeringonça me dizer algo sobre ele: "vá...viva, diga oque quer dizer...voe!!!"... dizia a ela, entusiasmado. Pra variar, eu com minha falta de sucesso com pipas e coisas do tipo, nada voou: estava dando errado. Minha "máquina" cuspia "0" e "0".

Uma máquina monolítica, monotemática, monosílábica, de depreende do mundo apenas aquilo que compreende dele: tudo lhe é igual, só vê o mesmo "0" em toda direção pra qual olha.... uma máquina burra....

"Antes houvesse criado um monstro!!!", gritei, do alto da minha masmorra 😛

Caramba... que angústia!!! Logo agora, a cereja do bolo, o momento final, o ponto onde poderia ao menos dar um acabamento pra situação toda.... como se escalasse o everest e pudesse descê-lo ao final fazendo skibunda... Mas não: a vida queria me provar errado, e me deixar fincado no cume, congelado, como uma viagem que só foi de ida.

A angústia me corroeu... pensei no que ainda havia no barco, no que ainda fazia sentido.... mas ao mesmo tempo vinha uma onda enorme de lado, tentando virar a embarcação e me naufragar... "será que eu assumi algo e não percebi?... será que me baseei numa premissa falsa?"...  as questões começacam a pular pela janela, buscando botes salva-vidas.... Como um "mulheres e crianças vão primeiro", a lógica, as indagações, a dúvida buscava sair pela tangente, no bote dos sobreviventes... Havia algo que poderia ser salvo?

Pensei, me revirei... pensei no que poderia estar fazendo diferente.... "vamos, vamos...." nada parecia fazer sentido... quando duas coisas parecem iguais, como é que elas podem ser diferentes? 

Andava em círculos, olhando os detalhes. Olhando pedaços, trechos, comparando-os... "vai ver há uma brecha por aqui..." Tirei mais "sangue", e... ainda sim, nada... até que fui vendo mais caminhos, mais direções.... e oque antes era só turbulência, me pareceu uma corrente a me guiar para fora daquele redemoinho. 

Sim, aquele foi só o começo, que se seguiu a divesas tentativas ainda fracassadas, nas quais o desespero, todas as indagações de "será que errei logo aos 5 minutos?"... "será  que está tudo errado?" foi dando lugar a outras frases na minha cabeça "talvez se eu fizer isso... " ... "talvez seja por tal motivo" e assim galgava aos poucos pra longe daquela obscuridade.  A persistência e a razão, como navegantes parceiros que retomam seu navio de uma irracionalidade que os tenta afundar, por fim prevaleceram. Sim, senhoras e senhores, meu "monstro" por fim ganhou vida, e como mágica, quando já desligava a luz para sair da sala...  moveu seus dedos pra me mostrar que estava vivo, e tinha em mãos a resposta certa: vi surgir na tela "0" e "1"....

... agora é só descer em segurança,  procurar o pé da montanha, e degustar um pouco de descanço.


1 Na verdade não é bem assim... acredito que sim, que mostramos muito do que somos, como pensamos, valores  e outras coisas quando nos comunicamos, escrevemos, quando fazemos qualquer coisa. Nos mostramos em cada coisa que fazemos: ao mandarmos um email, arrumarmos uma estante, contarmos uma estória...  

sábado, 22 de agosto de 2020

O vazio que fica quando você se vai

Ontem aconteceu algo estranho: acordei às 5 da manhã, e não consegui voltar a dormir. Parecia ansiedade.... mas uma ansiedade com propósito. Logo, depois de rolar um pouco na cama, decidi que o jeito era me levantar e começar a trabalhar: como um ataque final ao cume de uma montanha, lá fui eu...

...e quando deu 4 da tarde parece que um grande abismo se estendeu como um tapete à minha frente: não havia mais nada para acrescentar no "papel": havia terminado.

"Acabou?", pensei.

Sim, havia acabado. Uma sensação estranha, um vazio prazeroso mas desconfortável. Penso nas tantas vezes que caí na falácia de planejamento ao longo do caminho: "mais duas semaninhas e acabo", disse a mim mesmo em fevereiro quando acabara de voltar dos EUA, algo que repetiria umas tantas outras vezes até aqui. Como é curioso esse processo de nos auto-enganarmos...

É claro que finalizar algo não significa jogar pro mundo. Há certamente rituais a seguir, procedimentos a adotar: reler, preparar, corrigir, tirar uns dias pra reler.... mas só de saber que "tudo oque era pra estar ali, lá está" já é um enorme alívio. Só me resta lidar com esse vazio que fica por dentro... parte dor, parte coceguinha-na-barriga...

... enfim...



terça-feira, 23 de junho de 2020

ποιέω/Poiesis

 ποιέω == Poiesis. O processo de criar, de fazer. Que deu origem à palavra poesia.

Existe poesia no criar? 

Tenho me perguntado bastante isso nesses dias. Diante de tantos momentos de dúvida, de incerteza, tento me apegar a farelos de confiança que encontro jogados aqui e ali ao longo do caminho. "Estou perto de um rio", "vejo uma pegada".... sigo, vejo e percebo: não caminho sozinho.

Talvez oque tenha sido mais curioso nesses últimos dias é perceber que o processo de criação pode ser um tanto louco, cheio de arroubos e relâmpagos e fagulhas. No entanto, uma parte importante do processo, e que pouco se discute se chama "protocolo": criar métodos pré-concebidos para lidar com o construir.

Como casas pré-fabricadas, mesas da ikea, manuais de instrução, protocolos são manuais para gerenciar o procedimento humanos: por onde seguir, como fazer passo a passo. Talvez, mais que isso, são manuais de registro para nos dizer como seguimos no passado, como fizemos. São um registro, e no registro se encontra um método, um pequeno resquício de extrair poesia daquilo que não damos atenção, de um ato que nos parece simples acaso, mas que no fim contém denso conteúdo, de infinita profundidade.

Poiesis. Poesia. Criar. Produzir. Protocolar. Repetir... Uma cadeia de coisas que se ligam, se sucedem, se interrompem, se interferem. Me pergunto onde está a lição de cada tropeço, de cada evento, de cada arquivo apagado que continha a resposta,  cada margem rabiscada de livro que resumia o conteúdo do livro em 2 linhas e poucas palavras. Protocolamos para criar melhor, ou criamos melhor quando protocolamos, quando sabemos extrair método do óbvio, ou quando conseguimos perceber que no óbvio mora o tropeço, o erro,  a disparidade e a assimetria.

[É isso por esses dias]
[Não tenho muito a falar. ]
[Esses dias de corona infelizmente estão consumindo minhas boas energias]
[... mas estou ok, e as coisas vão melhorar ]

 


terça-feira, 9 de junho de 2020

O não óbvio, numa devida nota ("Ode ao número zero")

Me envergonho.... Sim, me envergonho: de sempre ter desdenhado daquela linha, ou nota de rodapé que dizia 1 

"os povos..... inventaram o número zero em ....A.C."

Sempre dei de ombros. Inventaram? Descobriram? É um número, como pode ser encontrado? 

Por estes dias uma amiga que trabalha com crianças autistas no Brasil veio me trazer a seguinte indagação: um dos pacientes que tem só sabe contar com a comida que gosta, no caso maçãs. Todo pro rapazinho é maçãs, e com elas ele aprendeu a contar. No entanto o desenvolvimento dele travou quando chegaram no número zero: como representar algo que "não existe" pra alguém cuja mente é extremamente dependente em representações (no caso, por maçãs)? 

Talvez como muitos, ao tomar um simples "0" como algo que nos foi óbviamente dado, perdi a dimensão da grande abstração que ele é. Dei meu braço a torcer: não foi uma invenção óbvia, seja em importância, seja em idéia mesmo. Imagino o pobre inventor sofrendo as piadas dos colegas: 

"-olha ali fulano(a) de tal!! Vamos chamá-lo(a) aqui pra nos contar a grande invenção dele(a)"...e todos caiam na risada, rindo do(a) pobre inventor(a).

Não acredito que seja uma pessoa que carrega os louros dessa invenção: acho que de tão controversa que sua utilidade é, talvez tenha sido inventado, utilizado, reinventado e reutilizado diversas vezes ao longo da história. Pra vocês verem como é algo interessante: li uma vez que alguns povos indígenas na amazônia conseguem contar, mas não têm representação pra números maiores que 3: quando passa de 3 eles representam como "muito" 2.

Não voltei no assunto com minha amiga. Até tentei procurar por algo na literatura que a ajudasse a explicar o ponto em questão pra criança, mas tudo é técnico demais (até Malba Tahan) pra uma audiência especial como essa.  Ao menos neste post faço uma mea-culpa em busca de redenção: agora que escrevo sobre o assunto, o removo das notas de rodapé e o coloco um pouco mais em evidência. 

"De agora em diante, serás não trivial para mim...."



1 "-...merece mais que isso", diria hoje.

 Em matemática isso é o equivalente a se compactificar um espaço, i.e., dando uma representação "física", ou "simbólica", pra tudo aquilo que foge de certo controle; no caso, o "infinito" deles. 

sábado, 6 de junho de 2020

Por um triz (parte 1)

Uma das coisas que ninguém gosta de admitir na vida e que teve sorte:

Chegou onde chegou? Trabalho árduo!
Ganhou muito dinheiro na bolsa? Descobriu como functiona (me ensina! rsrs) 
Fez uma pós? Porque estudou muito!

É difícil, em alguns casos, se ver que há sorte nos casos acima, principalmente no último. Acredito que poucos estão dispostos a olhar cuidadosamente pro que lhes ocorre ao redor, ou suas trajetorias, e pensar: será que foi acaso? E quando há ganho, "sera que tive sorte ao longo do caminho?" 

Ha uns dias um amigo durante uma conversa comentava  sobre a minha trajetoria: "você não teve sorte alguma, você ralou...bla bla bla". Aí o interrompi e discordei dele... disse que havia sim sorte na equação.  Na hora não me lembrava de exemplos específicos, mas sem dúvida: sabia que existiam. Me lembrei então de um caso muito curioso: ainda quando morava no Rio, tive um semestre horrível com um professor que, apesar de aclamado pesquisador, deu um curso péssimo, tanto em termos de didática quanto em termos técnicos. Em poucas palavras: todo mundo se ferrou no curso, e a maioria passou com sufoco. Eu fui um deles. Pra piorar, o professor era mentalmente afetado. Sériamente perturbado.2 De agora em diante o chamarei de professor X.

Isso dá um idéia do cenário. Oque aconteceu comigo foi o seguinte: uma bela manhã, após o curso ter terminado, eu passei onde estudava pra finalizar uma coisa  ou outra. Avistei meu  então orientador no saguão, que ao me ver dá um sorriso e me diz: "-te salvei!". Eu, meio sem entender, pergunto de que. 

"- Essa manhã, encontrei o professor X na sala da secretaria. Ele estava pra entregar o resultado das provas. Aí perguntei como você havia ido, e ele viu a prova e me disse que você havia sido reprovado. Aí, ao folhear a prova, ele notou... 'ahhh esqueci de somar a nota dele'... e viu que você havia passado.. então, te salvei, embora, na verdade, não te salvei, porque você passou sozinho." 

Lembrei desse caso com um certo frio na espinha, um certo pavor... Fiquei me perguntando: e se, diante de todo aquele abuso de poder,3 será que eu teria voz para reclamar daquilo, dos desmandos de um professor maluco? Que rumo teria eu tomado à partir dali? Um colega de turma acabou sendo expulso do instituto na mesma época, e se não me engano, um outro que não me era tão próximo foi reprovado no curso. 

É difícil não ver isso como sorte... a sorte de ter sido ouvido? Ou de não ter que tentar ser ouvido... não sei... Nesses tempos  em que olho de longe os EUA, vendo que as fagulhas de tanto ressentimento quanto à morte de George Floyd começaram numa cidade que tanto gosto... não há como não se dar conta de que ter voz é, sim, um luxo. E as estatísticas são horripilantes quando se pensa em ser negro no Brasil, ou nos EUA: inimaginável aceitar que voltar pra casa vivo pra alguns pode ser simplesmente uma questão de sorte... a exemplo do caso de um homem que observava pássaros no Central Park em NY: oque separa o destino de tantos do destino de George Floyd?

Sorte, azar, injustiça .... são conceitos tão próximos assim? 

Coloquei as coisas em termos de sorte, de azar...mas vejam que isso não acontece só lá: acontece em todo lugar. Lembro de, nos EUA, o caso de um colega de doutorado, mais senior que eu, cujo orientador, ao comentar sobre o seu trabalho de tese com um outro matemático, teve a idéia "roubada" por este último, que logo adiante escreveu e publicou um artigo sobre o tema. Não deu outra: meu colega ficou sem tese, e desistiu no sétimo ano de doutorado. 

Reclamar pra quem? 
Azar?

O orientador da minha ex teve um infarto durante o PhD dela. Não faço idéia de como terminou essa novela (pois rompemos antes). Mas lembro dela ter que empurrá-lo contra a parede e falar "vai orientar direito ou não?"... e não sei como continuou aquele drama. Desconfio que se aprofundou com o tempo, embora não saiba: se ter um orientador ativo já é difícil, que o diga um ausente. Sorte, azar?... Outro caso em que a rigidez acaba prejudicando o elo mais fraco dessa cadeia; no caso, o aluno.

Sei que existem outras formas de se observar e considerar azar numa vida, mas em todos os casos que citei acima eles tocam no ponto do azar entremeado a uma relação de trabalho. São casos que envolvem um lado com mais poder que o outro, onde o dar certo ou não de certa maneira se equilibra na corda bamba da sorte (ainda mais quando se está no começo de uma carreira)


1 Algo que só fui ter competência, e distanciamento emocional, pra perceber anos mais tarde. À época, pela quantidade que estava aprendendo, não soube atestar se era por mérito dele ou meu. Mais curioso ainda é ver como isso me faz ter sentimentos ambivalentes quanto ao lugar, que ainda tem tantas pessoas que gosto, como o tal ex orientador da estória.  

2 A ponto de talvez nenhum aluno ter alguma conversa decente com ele à época, ou se sentir à vontade para discutir uma questão de prova. Houveram casos de notas negativas em questões!!! Hoje em dia, depois de passar por tantos outros sistemas, eu vejo como isso era um triste caso de abuso de poder. Em outros países e sistemas, note-se, isso também acontece. 

3 Onde dificilmente um professor era questionado em suas decisões, ainda mais por um aluno ou funcionário, sem retaliação.