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segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

O pleito, as pestes e a copa do mundo

Anda-se pelo Brasil nestes dias e se vê o seguinte: "patriotas", pessoas vestidas com a camiseta da seleção brasiliana ou envolvidos na bandeira. Pessoas que tẽm se encontrado na frente dos quartéis do país para pedir uma intervenção militar, já que clamam que as eleições foram roubadas, ou que o Brasil há de virar um país comunista, ou qualquer outra loucura na qual acreditam.

Loucura é ver isso e saber que existe um universo paralelo, do qual só vemos essas manifestações espúrias. Seres que parecem sair sabe-se de onde, de que beco, de quais esconderijos, para surgir à tona, clamando espaço forçosamente de maneira que todo aquele que os outros têm deva ser anulado ou extirpado.

O Brasil desses brasilianos me assusta. 

Daqui até janeiro, quando o governo muda, falta um mês. Até lá, menos angústia do que antes. Ainda assim, me dá coceira imaginar oque há de acontecer nos 4 anos que temos adiante. Mais loucura? Donald Trump reeleito? Steve Bannon dando mais consultorias pra extrema direita tupiniquim? Scary...

Olha pro Brasil do futuro com menos medo do que tinha antes. Claro, não deixei de ver o abismo insuplantável que separa o país onde vivo agora do futuro pro qual o mundo parece seguir: o Brasil há de chegar lá... com muito atraso, uns 1000 anos depois de todos os outros países do Norte. Acho que temos que perder umas mil copas do mundo antes de nos entusiasmarmos de maneira besta com gols de jogadores milionários e idiotas, ou dançarmos como se não houvesse amanhã a cada carnaval, tudo enquanto o congresso vota na surdina as leis mais estapafúrdias e que só exacerbam a desigualdade e corrupção nesse país.

É triste admitir, mas o brasliano deveria sofrer mais, ter que assistir mais 7X1 em pleno Maracanã, ter que admitir sua pequeneza diante do resto do mundo... acho que isso nos tornaria mais adultos, mais realistas, desmistificando essa ilusão absurda que muita gente compra: de que o Brasil é o país do amanhã. 

Não, gente: não é.

Ok, Ok. Vocês devem me ler e pensar: "-Caramba... Rafaello tá amargo hoje!" Vai ver sim... mas a culpa é da Copa: só se fala nisso, só se vê isso, em shoppings as pessoas colecionam figurinhas, adultos tentam entrar numa máquina do tempo e completar seus álbuns... Neymar, Richarlison e outros tantos... 

Sei lá... peguei bode dessa copa do mundo. Mas admito que há coisas boas nela, como um respiro no meio da semana pra ver os amigos, pra dar uns beijinhos, pra ver algo verde (uma tela verde com aquele gramado lindo) no meio de uma cidade tão cinza como as que vivemos. É.... melhor parar por aqui: acho que estou pra lá de amargo hoje. 


quinta-feira, 21 de abril de 2022

Entre braçadas

Sabe, eu nunca fi um esportista. Nunca fui o cara que jogava bola pra caramba, ou corria mais rápido que todos nem nada. Eu estava sempre na média ou um pouquinho acima dela. De qualquer maneira, há alguns anos que exercícios fazem parte da minha vida.

Por muitos anos eu sempre os tive como uma necessidade que "tem que estar ali para poder conter minha ansiedade". Ao menos era assim, por exemplo, que via a natação: uma dependência quase, que se tirasse da minha vida não sabia oque viria a acontecer. Calhou, no entanto, de já ter ido por meses sem nadar e ... "nada" (perdão o trocadilho infâme e "nada" ...[oh gosh]...poético): fiquei bem e sobrevivi inteiro.

Aí eu penso... então pra que? Pra que me submeto a essa dor?

Vim a saber há algum tempo que algumas pessoas, não de maneira científica, categorizam o prazer em tipo 1, tipo 2 (o que, de fato, desencadeou pesquisas sobre o tema). No primeiro ficam as coisas super simples como comer um sorvete, enquanto o segundo envolve nadar, trabalhar num projeto interessante, escalar etc. Ao que parece, existe uma escala - diria até um trade-off - entre a dificuldade e o prazer: quando se faz algo muito trivial, não sentimos prazer. Assim como também não extraimos prazer de coisas muito difíceis, mesmo que gostemos delas. Agora, quando tocamos em algo um pouco mais difícil e que demanda da gente cognitivamente, acabamos num processo indutor de flow, que seria como um estado em que nos sentimos sublimes e nal vemos o tempo passar.

Honestamente, não sei se nadar - nem escalar, me leva a esse estado de flow. No entanto, sempre que nado tiro grandes paralelos "quase-filosóficos" com outros aspectos da minha vida. Como o fato de que cada braçada ser oque me separa da minha meta, e de que, no fundo, nadar é só uma "concatenação complexa" de coisas simples. Assim como matemática, ou escalada. 

De certa forma, me vejo um pouco em tudo oque faço. (Ou, vai ver/quem sabe, tudo oque faço me limita e restringe minha visão de mundo?) Em todo caso, toda vez que nado me deparo com essas mesmas dificuldades que imploram por ser resolvidas e, diferentemente de uma teoria que um dia se compreende, ou uma idéia que um dia se domina, sempre acabo desafiado pelas mesmas dificuldades e repetições. É claro que se aprende, que se melhora, que se treina para melhorar perfomances. No entanto, ao menos na parte psicológica, todos esses esportes acabam sendo um pouco daquilo que Pessoa fala quando nunca se entra no mesmo rio duas vezes: as complexidades desses esportes sempre me são as mesmas, mas são sempre encaras como se as visse pela primeira vez.

É gostoso também sentir onde está a fronteira dos nossos limites: até ali o corpo aguenta, depois disso me machucaria. É um eterno estado de auto-consciência que nos pune quando não somos humildes o bastante para admitir que excedemos. 

Mas... aonde eu quero chegar com isso? Acho que a lugar nenhum rsrsrs Vai ver escrever também é um prazer tipo 1.5, que me leva a algo que se parece flow mas que termina em verborragia e posts sem começo, meio, ou fim.

Pronto. Parei.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

Já foi?

Situação estranha que é essa de ter um orgasmo. Ainda mais, de gozar em linguas diferentes. Em inglês, seria um "veio" ("to come"), da mesma maneira que em Francês (viens). Por sua vez, em Japonês se vai ("iku", do verbo ir... mas que, provavelmente, um japonês nativo há de te dizer que o kanji é diferennte, embora sejam verbos homófonos). Em Português, diferentemente dessas outras linguas, nem se vai, nem se vem, nem mesmo se fica: se goza. Como se fosse o fim de uma ato que findasse em plenitude. "-Nem fui, nem vim, e nem me pergunto como cheguei aqui: só sei que me deleitei".

A parte mais curiosa dessa jornada a algum lugar, essa promenade "pra aproveitar algo", é o fato de que, diferentemente de passeios de barco, de lancha, de jet-ski ou de charretes, não se pode ir neles sozinho (well...técnicamente sim... mas vamos ignorar esse detalhe): são passeios em grupo, onde se vai na garupa de alguém, ou ao lado de alguém - ou alguns, caso haja mais espaço no barco. 

De toda forma, por mais gente que caiba, a questão toda dessa viagem vai além do transporte: é uma viagem em que nunca se sabe onde se vai chegar e, curiosamente, onde duas pessoas num mesmo barco podem viajar e chegar em lugares muitos distintos. Como um paradoxo Físico, partículas regidas pelas mesmas equações e gozando (!) das mesmas condições iniciais acabam chegando a lugares distintos num mesmo intervalo de tempo. Gozar tem essa natureza absurda-quase-quântica - a de estar e não estar num mesmo lugar, e ainda assim não ser quantico, por não ser quantizado em pequenas parcelas: quando vem, é como uma erupção, consumindo todas as cidades e vilas nos arredores. 

Mas vejam: eu também já me desvio e vou parar num outro lugar que não oque imaginava.  Me perdõem... me perco, mas agora volto! (Francês ou Inglês?) Fiquei pensando essa semana nessa natureza linguística do orgasmo e, me arriscando numa auto-avaliação que me levasse a vales mais distantes dos infortúnios de se chegar a ele. Me perguntei, como é difícil exercer esse papel de viajante, entertainer, e guia de grupo que o prazer nos exige: você ali, com a bandeirinha, chamando a atenção de viajantes que se perdem em fotos e selfies, discutindo o troco em barraquinhas de milho, em sonecas num banco de praça. Isso quando você não é a pessoa a ser chamada a atenção. Sim, meus caríssimos leitor(a)es: muitas vezes somos nós a nos perdermos ao longo de tal viagem e, quando regressamos ao grupo, levamos uma bronca por deixarmos todos esperando: "-o ônibus já estava de saída!!".  Isso, claro, no melhor dos cenários: às vezes o ônibus já saiu há tempos!

É.... gozar é difícil, se é que vocês me entendem. E pior, muitas vezes acreditamos estar num hiking onde todos estão aproveitando, chegamos no cume da montanha, para vermos que estamos sozinhos lá em cima. "-Ué... cadê todo mundo?" De alguma maneira, o orgasmo tem essa estranha beleza de nos empurrar em contato com oque temos de mais egoísta. 

No entanto, se nos mantivermos atentos, o orgasmo pode também nos aproximar daquilo que temos de mais "autruístas": o doar-se para uma causa nobre, o ceder para que todos aproveitem a viagem. E, não se esqueçam da bela lição que pode nos dar para que melhor saibamos ouvir e aprender diante de fracassos e vergonhas. Isso porque, é claro, muitas vezes assumimos que todos estão adorando tudo quando, no fim das contas, uns estão sendo comidos vivos pelos mosquitos enquanto nos lambuzamos de repelente. O orgasmo nos mostra essa grande virtude que é ouvir, admitir erros, e também saber dizer pros outros que não, a viagem não foi boa (ou, ao menos, não chegam a um lugar comum ao fim dela). Lembro da primeira vez que uma ex me disse que havia mentido, "faked it". Ao mesmo tempo fiquei envergonhado e feliz: uma certa vergonha pra mim (presunçoso) e pra ela (de certa forma), que se sentiu pequena por não ter dito a verdade. Nesses momentos, rápidos e efêmeros como de átomos que se dividem, a gente pode aprender muito: alguns se escondem e os evitam, enquanto outros (presumo que fora nosso caso) resolvem correr ao guichê pra comprar mais tickets, viajarem novamente e seguirem aproveitando a paisagem até, eventualmente, aprenderem a viajar juntos.

Mas, claro, tudo depende da pessoa... é difícil nos vacinarmos contra essa presunção de que o outro "chegou lá também". Lendo  Jorge Amado encontrei esse trecho em que ele descreve, de maneira sutil, mas sem delongas ou palavras desncessárias, o famoso "- oque... você já gozou?pelo qual todo homem passa. E, se não passou, é mentira: esses devem ser os que mais rápido terminam tal ato. 

"Foi tudo muito rápido e pudibundo, por assim dizer. Muito diverso de quanto conhecera Dona Flor, e por isso mesma ela se perdeu e não o alcançou em tão mudo e austero possuir-se. Apenas desamarrara no pasto do desejo e já ouvia o canto de vitória do marido no outro extremo da campina. Ficou Dona Flor como perdida, opressa, uma vontade de chorar."

Dona Flor e seus dois maridos, Jorge Amado. 


Uma arte. 

Um exercício (zen, talvez?). 

Uma viagem. 

Uma lição. 

Um passeio.

Um devaneio. 

Um sonho.

"-ihhh .... já dormiu?"

quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

Faz zum-zum pra mim

Saudações, leitores amados.

Aqui quem vos escreve é seu abelho-carneirinho preferido. Agora, fazendo zum-zum pra vocês.

Ou melhor, pra mim mesmo.

E olha que antes achava que quem fazia zum-zum era meu refrigerador (declamando um eterno e repetitivo "o meu refrigerador não funciona").  

Mas não. Descobri que o tal zum-zum é tinnitus. Bem que esse som que ali não está - mas insiste em aparecer - poderia ser de aplausos, ou pessoas me ovacionando enquanto ando na rua, mulheres me professando desejos indizíveis em público, ou pessoas dizendo o quanto me gostam ou admiram... mas que nada: sons que só me visitam no silêncio da noite, entrando de baixo das cobertas comigo e me dizendo suavemente ao pé do ouvido.. "zuuuuuuuuuuu".. 

Afff... esse amor monótono que nada de novo me declara. Falasse, antes fosse, que me quer, que me gosta, me deseja, que vai me abandonar assim que eu deixar de ter um sustento... mas só fazer zum-zum pra eu ver, fazer zum-zum pra mim? Não... assi-sim ni-ninguém aguenta. Assi-sim ni-ninguém dorme direito (eu muito menos). 

Me ame: ok, faça como queira.
Mas me deixe.
Ainda mais agora que sei que você está por perto, indesejadamente.


terça-feira, 28 de setembro de 2021

Dear editor...

Dear referees and editors.

Anonymity does not grant you rights to be jerks. 

I think you are a fuc**** idiots who have not read the paper. 

 Sincerely, 

Momo


[I wish I could leave the academic world in such a grand style]

[but I was a bit more polite than that 😁 ]

sexta-feira, 13 de agosto de 2021

Pessoa-iceberg

Pouca gente repara nisso, mas há algo muito comum nas pessoas que se expõe ou resolvem criar algo: oque elas mostram em geral é somente uma fração diminuta do que elas realmente criaram. E nem falo sobre o fato do trabalho ter sido reduzido, polido, enxugado a um produto final. Falo, isso sim, de só vermos aquilo que o autor considera digno (ou com algum valor) para chegar à luz do dia.


Acho que todos que criam tem isso, de uma maneira ou outra. Há algum tempo soube que o Prince tem um arquivo gigantesco de coisas que gravou em seu estúdio, mas que nunca considerou para divulgação (a família que está lucrando com essa estória). Adiciona-se a isso outros nomes: Jimi Hendrix, J.D. Salinger etc. Tudo oque essas pessoas publicaram em vida é uma ponta de iceberg diante daquilo que veio depois. É claro, há muita discussão sobre a legitimidade de alguém sair publicando coisas que estes consideravam indignas de serem vistas/ouvidas/lidas. Mas isso é outra discussão. 


Comecei a pensar nesta questão ao reparar em quanta coisa eu tenho que nunca achei que deveria ser finalizada, ou mesmo trabalhada a um produto final. Este blog, por exemplo: possui 694 posts publicados, e um total de 975 escritos, oque dá uns quase 30% de coisas que provavelmente nunca vou postar - ou por falta de vontade de terminá-las, ou por achar que não são boas, ou simplesmente por não ter mais tesão nelas. No que diz respeito a trabalho, a taxa fica por aí também: uns 30-40% em artigos esquecidos que nunca fui atrás de finalizar, de programas que não fui atrás de debugar, de pingos nos "i's" que deixei de dar.


Existe um equilíbrio enorme neste caso que tem dois extremos: uma pessoa que divulgue tudo oque faz (talvez este tipo de "artista" já exista; o Instagram está cheio deles haha) e, num outro extremo, um artista tão exigente consigo mesmo que não divulga nada.


Mas vamos fugir de extremos por agora e voltar ao mundo dos humanos "normais", que vivem num meio termo entre estes dois casos. Fico refletindo sobre as taxas de cada pessoa. Será que as pessoas têm isso? Será que existe um "quociente de aproveitamento/divulgação" de cada um? Talvez, como disse anteriormente, a questão nem seja o quanto se aproveita, porque ao sermos exigentes com oque deixamos "escapar" pro mundo damos sinal de senso crítico, de respeito por nós mesmos (e pelos outros), além de curarmos aquilo que criamos. 


Ao que parece, gerirmos nossas vidas como uma ponta iceberguiana que os outros vêem e uma parte "obscura", longe de olhos alheios ("longe de olhos alheios".... vou virar cantor de lambada depois dessa :) que pode até parecer inútil, ou lixo, mas talvez sirva como uma base de sustentação a tudo aquilo que chega ao crivo do mundo.


Me estendo então, e penso num outro iceberg - visível/invisível - que fica entre oque dizemos ou não. Claro, se não digo nada do que penso eu viro uma pedra. Por outro lado, se disser tudo oque penso - sem freios  ou amarras - posso acabar em sérios problemas (na verdade este último caso se trata de uma doença chamada "sindrome de Tourette"). 


[Mas por que comecei a falar disso tudo mesmo?] 

[Bom, ao menos dessa vez vou dar um destino diferente a este post, tirando-o do submundo dos posts que nem ouso publicar....]

terça-feira, 27 de julho de 2021

Entusiasmos numéricos, ma non troppo (parte 1)

Há algum tempo atrás aconteceu interessente: numa conversa por telefone com minha mãe, esta me contava entusiasmada sobre um presente que comprara para o seu neto (meu sobrinho). "-São uns bichinhos de esponja que crescem na água!! Ele vai adorar! Poderá brincar no banho e quando for pra praia. Diz na embalagem que eles crescem 600%!! ".

Ouvi aquilo e fiquei quieto. Quem sou eu pra ficar dando aulas de porcentagens e seus significados pra alguém? Fiquei na minha... a Matemática te dá essa virtude meio ambivalente (pra não dizer chata): a de te roubar a poesia de algumas coisas e de adicionar mais cor à outras... um tradeoff meio estranho mas que, no fim das contas, quem trabalha com números acaba por aceitar.

Até aí tudo bem. Conversa vai, conversa vem.... e minha mãe volta a insistir nesses 600%. Aí começou a dar coceira... pqp... será que eu falo algo? Fui desviando a conversa, andando pelas beiradas para não cair nesse abismo das divergências familiares. Oque: eu, ser chato? Nunca! Eu estava na minha, e ali fiquei enquanto pude. 

Resisti mais um pouco: ouvia minha mãe animada com a próxima visita do neto. Num ato zen, ouvia, imaginando como meu sobrinho deve estar, e me perdi em saudades de tudo e todos. Sustentei-me firme e bravamente. Mas aí, quando menos esperava, palavras duras me atingem como uma flecha. Uma não: 600. 

"-Mãe, me desculpe te dizer, mas 600% não é muita coisa... não sei como mediram isso, mas isso é no máximo 6-7 vezes o tamanho do brinquedo... não vai ficar do tamanho de...sei lá, um tiranossauro que não vai caber na banheira..."

[Silêncio]

Por alguns segundos ficou aquele silêncio no ar... um clima de decepção, como num presente de natal que não corresponde com o imaginado, como se uma esperada bicicleta acabasse virando uma meia mal embrulhada.... ou um eterno 7 a 1 que não acaba. 

Me senti um chato.

Mãe, me desculpe... da próxima fico quieto e falo pra vocês tomarem cuidado. 
Digo que é capaz do boneco crescer tanto que não caberá no apartamento. 
Ou que ganhará vida, e que com um carnívoro tão mortífero não se brinca.
Ou que o peso do boneco pode colocar a da criança em risco....


quinta-feira, 8 de julho de 2021

Adultescência

Pensei há alguns dias em perguntar pra minha mãe quando ela havia se dado conta de que era uma adulta. Quando saíra de casa? Quando teve o primeiro filho? Quando uma conta de telefone chegou no nome dela? Mas mudei de idéia.... acho que minha mãe sempre foi adulta, não consigo imaginá-la criança...

Acho que, dessa pandemia, vamos todos levar algo: todos ficamos mais velhos e adultos depois dela. Será que por conta da nossa proximidade com a morte? Por termos sido lembrados constantemente de como somos finitos, de como todos os que amamos um dia vão morrer? A pandemia foi isso: um balde de água fria em todos, nas horas mais inoportunas. É vírus isso, é virus pegando no pé de jovens, de adultos, de idosos e crianças.... se você lê isso agora, acredite: você, assim como eu, só sobreviveu por sorte. 

É... eu fico meio assim de aceitar tal idéia. Acho que minhas medidas ultra higiênico-sanitárias foram uma barreira intransponível que vírus algum poderia vencer... quando na verdade não: bem provável que, se estivesse em algum outro país (por ex., Brasil, EUA, Índia) estaria lá eu, na maca do hospital, doente, temendo pela minha própria existência, e pensando em todos os 5 filhos que não tive. "-Eu pelo menos deveria ter casado e deixado um livro pra eternidade", aposto que pensaria. 

Pois bem... aqui me encontro com a sorte de um náufrago que passou pelo pior, mas agora se vê cercado de água, água e mais água. O desconhecido que nos cerca e no qual nos mergulhamos de corpo inteiro chamado... vida. 

Mas nem era bem por isso que comecei a escrever.... era mais pra comentar a sorte de estar aqui, e em como envelhecemos. Divagação não de agora, pois me colocou a lembrar de outra que tive quando adolescente, vendo aqueles livros de História com aquelas fotos antigas do Brasil, com aquelas pessoas de 30 e poucos anos usando bengala, barbas tão grandes que mais pareciam velhos de 60 anos. Por que será que eles queria envelhecer? Ou oque será que fez que envelhecessem tanto? Será que daqui a 100 anos alguém vai olhar pra nós e dizer "-Nossa... olha como eles eram antiquados...será que eles não tinham vergonha, gente de 20 anos andando com essa geringonça desse celular... mexendo no instagram?

Em suma: será que nós já usamos bengalas e não sabemos?

Fiquei na dúvida... ainda mais quando me peguei no espelho há alguns dias com a barba mal feita.... vi ali um prenúncio de Prudêncio de Morais ou algo assim (well... mais pareço aquele meu comparsa da pringles)... a vida me pregando uma peça, puxando meu tapete...e me envelhescendo sem que eu nem mesmo perceba. Talvez isso tudo explique essa dorzinha nas costas que ando sentindo...


sábado, 5 de junho de 2021

Repita comigo, pequeno gafanhoto...

Sabe uma coisa que me deixa meio impaciente? 

Sabe?

Gente repetitiva. 

Aquela tia que fica falando mil vezes que o presidente não presta (ok, é óbvio, concordo)... mas é mesma coisa que ficar repetindo "a Terra é redonda" infinitas vezes. 

Vai ver é coisa de família... como é a tua? Por exemplo: meu pai é uma pessoa que tem o dom supremo de ser super repetitivo. Toda vez que o vejo quando visito o Brasil lá vem uma enxurrada de perguntas estapafúridas: "-E aquele vizinho que morava no andar de cima... que tinha um cachorro e uma esposa?".Perguntando sobre um apartamento onde morávamos há 25 anos atrás. 

E como uma sequência de clássicos que um velho cantor deve cantar para agradar seu público, meu pai sempre traz consigo as perguntas clássicas: "-E o Júlio?"... (que faleceu há uns 10 anos, e há 10 anos eu falo pro meu pai que ele faleceu. 

Em vão. 

Tento me devencilhar do assunto, mas sou fisgado com um jeb no queixo que me joga às cordas: "-Te falei do dia que eu encontrei o Júlio ali na praça da República?

Olho pro teto.... me pergunto se há alguma toalha branca a ser jogada para me salvar daquela conversa.

Aí me bate aquela angústia de me ver nessas conversas rasas de boteco, vendo e ouvindo aquelas mesmas perguntas sempre ali, sentadas na mesa com a gente. "-Minha vez!", uma delas diz, e se joga na mesa, querendo ser perguntada... "-E a filha da Maria... como é que ela se chamava mesmo?"

Fico pensando nisso e me exaspero um pouco... onde está a poesia disso tudo? Será que existe uma pitada de absurdo nisso, um quê de Ionesco ou de Becket na minha vida/família? (Seriamos nós rinocerontes?!) 

No meio de tantas reflexões sobre o tema (uma das quais postei aqui) vim a perceber há um tempo qeu eu, também, sou um repetitivo inveterado. Daqueles sem conserto: frequento os mesmos restaurantes, conto as mesmas piadas (minha mãe é mestra nisso), uso as mesmas expressões, vou sempre nos mesmos cafés... carrego comigo uma inércia que muitas vezes me aparece anormal. Me pergunto se outros seres humanos... digo, seres mais humanos que eu sofrem isso também. 

Será?

Muitas vezes me questiono.. me pergunto se essa limitação na verdade é uma intransponibilidade de qualquer caminho. Uma pedra no meio da trilha pro cume de qualquer montanha que não pode ser removida. Me lembro com cautela do "Zen in the art of archery", quando o autor fala de quando seu mentor se dá conta de que ele estava tentando "enganá-lo", usando uma técnica de tiro (a maneira de pegar a arma) pra poder atirar flechas e, finalmente, melhorar sua pontaria: o professor pegou o arco, caminhou até um canto.. pensou... e disse pra ele ir embora. A repetição era oque ele poderia oferecer, e que se o objetivo dele era só "conseguir algo", um "diploma", que este já lhe estava dado. Nem preciso dizer: o autor se desculpou, voltando pro esquema japonês de repetir, repetir, tentar, até assimilar.

Talvez, no fundo, seja uma limitação da qual muitos sofrem mas poucos se dão conta. Ou poucos se dão conta de como as repetições são tão cruciais na construção de muita coisa. Uma aliteração, um efeito que reverbera quando usado em demasia, um fenômeno que se amplifica como um olho de furacão, a adoção de um outro ponto de vista depois de uma segunda, terceira, ou mais leituras. Vai ver repetir é um pouco oque Fernando Pessoa dizia: é entrar no mesmo rio, sem que este rio seja o mesmo.

terça-feira, 18 de maio de 2021

Direto da Terra do Sol Nascente #113: assinando como gente grande

Essa é uma questão que possuo desde pequeno e que, durante uma conversa recente com uma amiga veio à tona novamente: minha assinatura. Na verdade não a minha, mas a de tanta gente aí fora: minha assinatura é simplesmente a maneira como eu escrevo qualquer coisa. Mesma grafia: o "érre" inicial é o mesmo que usaria caso fosse escrever Rafaello, Rondônia, Recessivo, Ramones. Não há design algum. Ou melhor: há aquele design que criei, quando estava no pré, aprendendo as primeiras letras.

E olha, eu sempre achei que quando crescesse fosse ter aquela assinatura bonita, daquelas que fazem uma curva enoooooooorme de grande que toma quase metade da página parecendo uma órbita de nave espacial, e que é replicada a cada vez com um traquejo sem igual da caneta, rápido como uma flecha: a pessoa te dá um papel pra assinar e vup! Num piscar de olhos, você já assinou tudo da mesma forma, milimetricamente igual.

É essa a assinatura de adulto que um dia eu pensei que fosse ter.

Mas na verdade a coisa continuou a mesma de sempre. Faço aquele "ême" (M) que é o mesmo na média mas tem uma enorme variância de um pra outro: uma hora com a primeira perna maior, como um irmão mais velho protegendo os mais novos mas que, algumas assinaturas adiante, leva uma rasteira da última perna que então sai assimetricamente maior que todas as outras, assumindo a hegemonia do clã. O "érre" (R) então, vixe... uma hora sai como um pê (P) com uma vara de pesca, noutra parece um quê (Q) que se equilibra sobre uma perna de pau (ou um pregador de roupas). 

Como se vê, as mesmas dificuldades que eu tinha e escrever o nome quando tinha 6-7 anos, perduraram, prejudicando toda a estética que ali poderia elaborar: um R arqueado  como uma marquise feita pelo Niemeyer, um M como ângulos tão rebuscados quanto a ópera de Sidney, um A tão sofisticado que mais parece um prédio gótico em Praga. 


Tudo oque não consigo reproduzir e que, em virtude da minha habilidade motora (que parece não ter evoluído muito desde a infância), se reduz àquela linha tortinha que parece um pequeno eletroencefalograma retocado por alguém muito, mas muito... limitado em sua habilidade em comparar duas imagens.

De certa forma, me lembra um pouco aquela senhora que se dispôs a restaurar um afresco do século XIX  ("ecce hommo") e entregou o que você vê aqui.

No fundo, me sinto na pele dessa senhora: quero assinar assimo como ela queria refazer um afresco como o original, mas acabo fazendo um rabisco diminuto e mirrado que anda lado ao lado com o trabalho dela: um...ser que é uma mistura de homem com a boca cheia de biscoitos, com um travesseiro de viagem no pescoço, mostrando a lingua. 

Ser adulto era isso, ter essa assinatura rebuscada? Oque será que resta aos outros seres que, como eu, ficam nesse limbo entre os dois mundos: nem uma criança, nem um ser por completo? 

Nessas horas eu até invejo os japoneses: aqui todo mundo tem um hanko,1 um selinho de despachante com um desenho que você paga alguém (um profissional) pra fazer pra você.

Eita, esses japoneses: povo desenvolvido!!


Do qual falei neste post de 2020 

 

sexta-feira, 26 de março de 2021

Serás exibicionista e se alimentará de likes...

Nesse mundo hiperexibicionista em que a gente vive estamos sempre a traçar no chão as linhas que não cruzar: posts entusiasmados com a camisetinha da empresa falando sobre o amor que transborda pelo lugar no qual trabalhamos, posts com fotos de cada almoço estranho, uma árvore no sol florescendo hashtags, uma tarde afogada em bobeira, um livro que nunca li mas quis parecer intelectualizado, um coqueiro que se move na praia e que vira um vídeo...  Tudo é processado, deglutido e expelido em pixels pro mundo digital. 39K likes. Digo, pro mundo real. Que dizer, pro mundo dig... não sei mais qual é qual. O ser humano se alimentando de sinais e símbolos ❤❤❤❤❤❤

Recentemente calhei de começar um outro blog, relacionado a outras coisas. Mas fico nessa reticência entre saber oque vale e que não vale à pena de fazer. Se tudo é exibicionismo, oque significa isso que eu quero fazer? Mais um blog exibicionista? Páro, pondero o porque de tanta relutância em me expor. "Será que é medo de ser escrutinado, julgado?", me pergunto...  As vezes culpo minha formação já que, como um monge, cresci pra e aprendi a fazer coisas técnicas - tanto porque gosto delas quanto pelo valor que dou pras mesmas. Então, quando penso em fazer algo que difere em qualidade... começo a duvidar da sua relevância. "Ninguém vai ler essa merda!", me digo.

Não sei... me pergunto se me enclausuro dos medos do mundo numa concha. Em grande parte eu querer sair da academia envolve saber uma resposta a esta pergunta: enquanto acadêmico eu tenho o conforto de ser um dos poucos conhecedores de uma área, pouca gente a criticar e ver... mas e no mundo lá fora? Como seria amplificar o número de interações ao meu redor pra ver como reajo/ajo? Por diversas vezes na minha cabeça essa imagem do cientista numa ostra aparece, uma casa na beira do campus de uma cidade pequena, protegido em papel bolha dos males do mundo, férias de final de ano com uma família criada com uma professora de outro departamento... era pra ser assim? 

De certa forma, uma coisa parece tocar na outra: eu, avesso a me exibir, me escondo dentro de uma biblioteca de matemática e em artigos que demoram longos meses quase anos para sair da minha ostra-concha,  compartilhados com outras pérolas de outras conchas ano a ano numa conferência de ostras para se discutir outras pérolas ... Curiosamente, ostras (o ser mesmo, bivalves, não a analogia que fiz até então) são seres que vivem a filtrar a agua do meio, pra no fim "cuspirem" essa bolotinha esbranquiçada "sem utilidade alguma" na natureza, mas pra qual algumas pessoas têm olhos. Vai ver ciência é um pouco como isso, tanto no processo de criação quanto no produto final.


[Bom... enrolei e enrolei... vai ver o jeito é postar o negócio e pronto!]

quinta-feira, 4 de março de 2021

Quase sempre sereia

Quando divago por aí - oque não é raro - sempre me vem à cabeça esses seres míticos que são as sereias: os homens caem de amores pelas mesmas mas acabam morrendo afogados ao seguí-las pro lugar de onde estas vieram.  

E olha, não acredito que sereias estejam mal intencionadas! Acredito que muitas querem mesmo levar uns marujos bonitões pra casa, apresentar pra pais e amigos, levá-los pra comer pastel na feira, dentre outras coisas.... mas, quando lá chegam, reparam que não: "-mais um pretendente que não conseguiu completar a viagem".


 É um pouco desolador essa estória, onde o palco do único encontro possível é essa ponte onde os dois se encontram no meio do caminho, impossibilitados de seguir adiante.  Por outro lado é quase engraçado - ou mesmo uma piada de mal gosto - imaginar o simbolismo das coisas que acontecem nas nossas vidas, pois a mulher mais interessante que conheci nesses últimos anos calhou de ser apelidada por mim (por outros motivos) como tal: sereia. E, como no caso do marinheiro que se prende ao mastro do barco para não se perder em desvarios e naufragar diante de um canto tão adocicado, cá estou eu, me degladiando com a razão há um bom tempo, me debatendo entre ter os pés no chão e o coração logo longe, num mundo do qual mal imagino poder fazer parte.

Outra coisa que sempre me estarrece nessa estória de sereias é o fato de que nem um nem outro deixa de ser (ou mesmo pode deixar de ser) oque é para estar chegar ao outro lado: há uma obstrução intrínseca às suas naturezas - de homem, de sereia - e, mesmo diante do óbvio, os dois lados se deixam levar pela maré das risadas, do conforto, da companhia que um oferece ao outro.

Navegador de muitas viagens, já me amarrei no mastro umas tantas vezes. Em todas eu grito, falo, perco a razão, sofro, mas recobro o juízo pra ver que sim, lá se foi mais uma sereia que passou pela minha vida. Olho pro meu barquinho, poupado de um triste naufrágio, e me pergunto se algum dia, mesmo nessa vida cercada de mar por tantos lados, hei de encontrar algum ser que se adeque a mim, e que entenda que talvez seja assim, entre dois mundos, que muitos amores existem, tomando forma e vida em meio às imperfeições daquilo que os cerca.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

Direto da Terra do Sol Nascente #107: they love me (ou "lá, e de volta outra vez")

 S me quer. 

Ouvi ontem. Como um poeminha enviado anonimamente por terceiros, como uma declaração não avexada de desejo, me disseram oque poderiam me oferecer. Me senti como num estranho date, onde o outro lado recita seus atributos:

"cintura 82, coxas... gosto de cafuné mais pela manhã, antes do café.."

uma série de coisas das quais pouco havia ouvido falar. Vai ver sair da academia é isso... outra coisa mesmo.

Foi bom, e estranho.Talvez o estranho esteja mais envolvido com um possível regresso ao Brasil, este que, como eu, também regressa a algum lugar: a idade da pedra e do homem selvagem. Olho as notícias políticas, vejo a barbárie que não vem das ruas, mas sim dos políticos... mas também contrasto isso com outros casos. Não é verdade que há poucos meses atrás os EUA não andavam pela mesma corda bamba? É.... mas naquele caso eu fugi de lá, evitei, desconversei quando me falavam de vagas de emprego... 

... e então, porque o Brasil?

Bem... acho que há uma comunhão de fatores que me levariam a isso. Do ponto de vista profissional talvez seja uma estratégia "sub-optimal" que pode sair pela culatra caso eu me assente em conforto, embora no médio e curto prazo talvez me seja bom. Do ponto de vista financeiro também, algo a ser ponderado com cuidado. Do ponto de vista pessoal acho que seria ótimo viver essa transição perto de família, sobrinho, sereias tropicais, carnaval-inexistente-pandêmico, amigos.. toda uma rede social com tramas de calor humano, carinho, amor e conforto.

Fácil contrastar tudo isso? Não, de forma alguma. Mas enfim, ao que parece minha vida já teve diversas dessas situações de "vai-não-vai": no final da graduação, comecei um mestrado em São Paulo pra descobrir que fora aceito no Rio (pra onde me mudei); no Rio, comecei um doutorado pra descobrir que fora aceito num programa nos EUA (pra onde me mudei); nos EUA, me vi numa outra encruzilhada ao pesar um regresso aos Brasil ou continuar nos EUA mais um pouco (onde fiquei). Agora, por aqui e por agora, me divido entre aceitar, ficar, e esperar oque A tem a dizer. E se A disser não (provável, em vista da minha última "performance"): fico mais por aqui, só mais um pouquinho?

Aguardem as cenas dos próximos capítulos.


segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

Direto da Terra do Sol Nascente #103: Amazônipônica

Uma das coisas que mais se abala enquanto buscamos emprego é não outra senão nossa auto-estima: é bordoada de tudo que é lado, não, rejeição. 

É triste.

Você se sente mal, incapaz, impostor, infeliz. E às vezes acontecem umas coisas que te fazem lembrar de quem você é. Noutras, acontecem coisas que nem tem tanto a ver com você, mas que jogam sua auto-estima lá em cima. Como foi o caso hoje: o pessoal da Amazon jp bateu na minha porta, me convidando pra me candidatar a uma vaga de pesquisador na unidade de Tokyo.

Pqp... Tokyo? 

Dei uma desconversada... pensei no quão difícil seria dizer não caso viesse realmente uma oferta de trabalho de lá. "-Vou fazer alguma merda e dar fim a esse processo", pensei comigo mesmo. "Eles vão olhar meu resume e ver que não valho nada", outro pensamento me veio à cabeça.

Nem um, nem outro: o chefe do grupo de AI deles me ligou hoje. Meu nervosismo inicial, combatido com um "só vou conversar, isso não é uma oferta", logo foi jogado a escanteio: a conversa seguiu bem e se alongou por um bom tempo. 

Oque me parece mais complicado é que ele me pareceu honesto ao falar das dificuldades e desafios. Retruquei sendo igualmente honesto: falei que quero voltar à América, o mais perto possível da família, o mais longe possível do Japão. Ele pareceu ter ido com a minha cara, gostado das minhas perguntas: falou que haveriam mais fases adiante, que deveria fazer A e B...etc... me assustei.... me assusta só de pensar que, mesmo dizendo a ele que este é um caminho não contemplado em qualquer rascunho de projeto vago que tenho na minha vida, seria mais um ou dois anos em Tokyo...

Hoje, mais tarde, ele me contactou novamente pra me dizer que eu estou na próxima fase, e que um recruiter da empresa há de entrar em contato. Meu ego parece um pouco alterado - sinto um certo alívio "vai ver você é uma fraude menor do que imagina, ou simplesmente não é uma fraude", penso/sinto... mas mesmo essa sensação mais ou menos boa não arrefece meu desconforto em imaginar mudança tão grande de rota de migração. Um brasileiro, que nunca viu a amazônia, encontrar uma "cópia desta", incrustada no coração de Tokyo, a milhares de quilômetros de sua terra natal. 

Bom... não vou pensar nisso por agora. Que fiquem os louros do "reconhecimento", se é que há algum: ao menos estou sendo notado (embora não saiba bem como ou porque). Uma pena que vieram também as angústias do reconhecimento, em termos atenção que buscávamos mas das "pessoas" erradas. 

Vai ver é assim mesmo: a vida é cheia de tropeços. 

sábado, 9 de janeiro de 2021

Culpado de amor

Quando adolescentes o rock n' roll era uma parte importante das nossas vidas. Ou diria, de quem éramos: quem gosta da banda X é assim, da banda Z é daquele jeito etc. E, comumente, tirávamos sarro dos gostos dos outros: algo que uns levavam numa boa, e outros combatiam com ira belicosa. 

Claro, muitas das bandas que gostávamos cantavam em inglês. Pra sacanearmos alguém que gostava de uma banda não era incomum cantarmos algo do repertório da banda em português, enfatizando o quão iletrados eram os autores da canção. Desses embates saíram versões como "medo de escuro" (uma versão de "fear of the dark", da banda Iron Maiden), "poção do amor" (uam tradução bem forçada de "poison heart", dos Ramones) e.... "culpado de amor" como uma versão de "guilty of love" do Whitesnake.

[Whitesnake, "culpado de amor"]

Me lembrei dessa estória esta semana em meio de risos, mas parei ao tentar encaixar duas palavras tão dispares numa mesma frase: "amor" e "culpa". Como num jogo de tetris, tentava encaixá-las na minha vida, em algum evento.  Não tive êxito até  me lembrar das vezes em que, nos primeiros dates com alguém, a palavra "namoro", "compromisso", surgia. Quando alguma mãe ou pai se referia a mim como "-o teu namorado" ao invés de "Rafaello". Em momentos assim não há escapatória: você assume o papel que te dão, sentado calado no banco dos réus. 

"-Ahhh, mas foi só uma ou duas noites calientes com tua filha, isso não configura um relacionamento", eu poderia dizer num picosegundo, tão rápido quanto um "terms and conditions apply" dito de maneira suave por algum locutor de voz aveludada num daquels comerciais  de produtos milagrosos que fazem tudo e custam quase nada. 

"I'm a boyfriend in this event... Not valid in other events or states... terms and conditions apply".

Vai ver "culpado de amor" é algo assim... mas então não seria melhor "acusado de amor"? Sei lá... melhor esquecer desses dias em que sentei nos bancos dos réus 😝


domingo, 25 de outubro de 2020

Minotauro no divã

Por estes dias enquanto lavava roupa divagava sobre os meandros da vida, pelos quais eu e tantos outros, similarmente, passam. Lembrei que, poucos diantes antes, havia me deparado com um goshuin (uma espécie de "selo " que templos no Japão têm) que me parecia um labirinto, e ficara ao mesmo tempo estarrecido e entusiasmado diante da beleza/constatação. Ali mesmo, roupa sambando na máquina enquanto eu sentavesperava, comecei a desenhar um labirinto, que logo veio a me trazer diversas questões algoritmicas e matemáticas à mente.

Difícil separar uma coisa da outra: leis intrínsecas que delineiam formas de pungente beleza, "tão aflitiva aos que estão dentro e um deleite aos que vêem de cima", pensava. Por uns breves minutos minha mente ia de uma idéia à outra desse tabuleiro micro-macro, esse dentro fora, até me vir à lembrança um texto muito curioso e belo do Jorge Luis Borges (la casa de Asterión, no El Aleph) sobre o minotauro: um montro - meio homem, meio touro - que era o bicho de estimação do rei de Minos e que vivia dentro de um labirinto, devorando os homens que ali entravam. 

Oque é bonito na "versão" de Borges é a estória ser contada sob o ponto de vista do minotauro, que descreve os seus dias sem companhia e suas distrações pelos cômodos daquele labirinto, diferenciados uns dos outros pelos corpos dos homens que ali faleceram diante de si. Como um cachorro brincalhão ou um filhote de cabra que se diverte pela casa, o minotauro fala das brincadeiras que faz para passar o tempo: se imaginar recebendo visitas e guiando-as pelos ambientes, rindo com as mesmas das inúmeras possibilidades, sem falar nas suas descrições de breves passeios erráticos e em velocidade pelos salões e corredores do lugar.

Fiquei me perguntando como é curioso a visão dos montros ser tão pouco conhecida: Stálin nunca se abriria para fazer um poema, para dar risadas e se permitir ansioso diante de câmeras ao falar sobre a morte; Golias nunca sentou no divã para dizer como era ser a  maior criança da sala quando estava na escola; Medusa nunca deixou relato sobre como era viver sem nunca ter um cabeleireiro que lhe cortasse as madeixas, e  por aí vai. Monstros nascem monstros, ou viram monstros? Uma outra pergunta talvez pertinente.

Reli o texto de Borges, e fui pego de surpresa por coisas das quais não me lembrava, como a descrição do minotauro de sua casa, com inúmeras portas abertas dia e noite para todos, como se o labirinto fosse não mais não menos que uma parte das vidas das pessoas, onde elas poderiam passar tempo, adentrar-se em exploração, e sair assim que quisessem. O minotauro, ingênuamente ou talvez ignorante da causalidade/letalidade de sua existência, assume que a existência de lugares com portas abertas automaticamente impliquem na liberdade em se decidir quando sair deles; não, não era bem assim, e um único ser dali sairia vivo, Teseu, com a ajuda de Ariadne (da qual falei neste post de muitos anos atrás). 

Já distante em pensamentos me vi rememorando os labirintos pelos quais entrei, dentro dos quais, mesmo com portas abertas e fios de Ariadne amarrados nos meus tornoze-los, levaram um tempo para ser resolvidos, e eu assim deles sair, em busca de casa (ou de uma nova casa). Tive compaixão pelos meus labirintos, por seus minotauros; eu, Tes(eu) sem espadas, perdido em labirintos sem muros, a procurar um caminho que fizesse/faça sentido.  


Tive compaixão por mim mesmo, ao ver que cada um desses labirintos não só têm infinitas portas de entrada, mas também infinitos meios de saída. Nessa hora, vi amarrado em meus tornozelos o fim do texto:

¿Cómo será mi redentor?, me pregunto. ¿Será un toro o un hombre? ¿Será tal vez un toro con cara de hombre? ¿O será como yo?


sexta-feira, 18 de setembro de 2020

Direto da Terra do Sol Nascente #96: quando você está na chuva se encharcando de poesia (ou "página virada")

 Well well well... nem um, nem outro: nem na chuva, nem encharcado em poesia. QUEM ME DERA!

Não, por aqui tudo na mais prosaica mesmice, exceto que.... finalmente me vejo livre de zeros e uns. Vida que deixa de ser binária, ao menos por um tempo: acabo de me livrar do meu artigo e submetê-lo.

Caramba... deu até um frio na barriga!

Fiquei me perguntando o porque: me lembrei do primeiro, também sozinho, eu me sentindo perdido, sem confiança de que aquilo poderia funcionar... cheio de dúvidas quanto à qualidade do produto... um momento de exposição ao mundo... bem parecido com o que senti na última vez que escalei, a uns 20 metros de altura, prestes a ficar exposto num flanco de uma montanha, atrás de mim somente o nada, acima de mim nada, abaixo de mim somente chão e uma corda passando por um carabiner. 

Quem te segura? 

Quem segura tua mão?

Ansiogênico, um tanto angustiante. Curioso que parei em alguns momentos pra tentar entender oque se passava, e me vieram lembranças de primeiro dia de escola nova, do tal primeiro artigo submetido sozinho, de tantas outras coisas.... viver e se submeter ao novo... será que vivo sob este lema? Acho que não, tenho quase certeza que não.

Mas porque? Porque não ir atrás das novidades, do que há de diferente, de obscuro, de interessante? Porque ficamos no que conhecemos, cercado de rostos conhecidos, adicionando "epsilons" (pra não matemáticos, "grãos de areia") àquilo que já sabemos? O fazemos por medo, por curiosidade diante daquilo que fazemos, por genuinamente termos interesse no que fazemos, ou por que é oque sabemos fazer? 

Não sei, simplesmente não sei... só  sei que o que fiz agora é página virada. Sinto começar uma nova época.

["uma nova era"... imagine cristais descendo do teto]

[eu com uma bata colorida.. :P ] 

Um novo momento onde, por algum tempo posso ousar, me permitir fazer outras coisas, priorizar outras coisas. Ou melhor: priorizar-me!

Foi curioso... até 5 minutos atrás, quando cliquei no "submit", meu coração se enchia de medo, de ansiedade, de dúvidas... Já agora.... essa névoa se dissipou. Foi o primeiro dia de escola em que descobri que ninguém ali falava chinês durante as aulas, ou que na carteira ao lado se sentava alguém legal... Muito interessante sentir isso de novo, essa angústia de ter que me bancar diante do desconhecido, sem qualquer respaldo, sem ser introduzido por alguém, sem ser amigo do rei (grande Bandeira!), e mesmo assim... preparando o terreno para me sentir em casa.

Como um grande círculo, volto para o mesmo lugar... com o corpo cansado diante da volta que dei. 

Colocar  a cabeça pra fora da janela.

Ir, ver, e voltar.

Talvez viver e aprender seja um pouco de cada uma dessas coisas.

segunda-feira, 27 de julho de 2020

A esta hora... você por aqui?

Saudações longínquas!!

De alguém que mal tem parado, mal tem passado por aqui. Tenho, isso sim, é dormido mal, apreensivo por um futuro que parece não vir, preso nos meandros, na fronteira, na imigração, ou mesmo um futuro que promete vir mas, de fato, não veio e nem quer vir!

No aguardo, só podemos esperar. 
Esperemos!
Espiar-emos: pela fresta da janela, pelo buraco da porta. Olhar o futuro nas suas horas mais íntimas, enquanto dorme, enquanto se olha no espelho, enquanto canta na frente do espelho se fazendo de pop-star.

O futuro só promete, só diz-que-vem, diz-que-deu, diz-que-dá, diz-que-dará um jeito nos nosso problemas.

Nope.

"...ansiosos fiquem, aqueles que pelo futuro esperam, pois estes, serão agraciados com a divindidade do tempo"
[Eclesiastes, 46-31-9999]

Ficou até que bom, né? Não sabia que tinha tanto "talento" pra escrever versículo bíblico. 
Mais um pro leitor que pede bis e gostou ("vejo um  sorriso na platéia ali adiante?")

"O futuro há de chegar com suas verdades eternas, e há de dissipar os equívocos, daqueles que hoje se deleitam em obscuridades"

Bom...melhor eu parar por aqui, do contrário vou é angariar inimigos ao invés de mais leitores para este singelo blog. Que por sinal... não: por sinal nada. Nada de novo por aqui. Nada de novo pro blog. Só algumas mudanças de estratégia, de vagar, de pensar, de fazer e de viver.

Como um rei que pereceu na guerra e deixou seu povo à espera.
Como o anúncio de um milagre.
Como um alívio, um sossego, um mimo...
... o futuro há de vir... por debaixo da porta... por email... ou por aviãozinho de papel.


quinta-feira, 16 de julho de 2020

Nossos mais secretos desinteresses

Abro o jornal.
Nas entrelinhas encontro os mortos, estendidos entre as palavras. 
"Como aliviarmos a retomada econômica" é o dito do dia.
Perecem...
... perecemos todos.

Perco a noção de direção.
Olho pro céu, olho o  futuro meio obstruído.
Obscuro. 
Abstruso.

O jornal insiste em me acalentar com assuntos espúrios. 

"Fulano corta o cabelo durante a quarentena e agrada fãs no instagram".
"Evandoscreison posta foto com churro gigante e viraliza".
"Prima do sobrinho do cunhado de Neymerda posta foto com namorado novo".

Um universo de desinteresse que tenta me vender um mundo de cores, do qual não pareço fazer parte.
Ou do qual não faço muita questão de ser parte. 

Não sei, não sei mais nada. 
Como Waly/Adriana cantam...
....reclamam.

[Adriana Calcanhotto - Teu nome mais secreto, composição com Waly Salomão]

Quem sabe.... quem sabe de algo? Você sabe?

Eu não. 
Admito.

Me perco, me perturbo, me desespero e, por fim me perdõo. 
Tardiamente, mas me perdõo. 
Por saber tão pouco.

Em dias de covid os dias têm se seguido como uma sucessão estranha de ver como os outros estão.
"Teu barco está entrando água?", pergunto pro dono de uma embarcação ali-ao-longe.
Remo. 
Me preocupo. 
Remo. Me preocupo. E me descabelo.

Todo sossego e serenidade parecem ir e vir ao vento. 
Chuva que não arrefece. 
Turbulências. 

Olho o mundo lá fora, e me pergunto: será que alguém sabe de algo? 
Algo que não sei?

Volto à estaca zero... mais uma vez sem saber de nada. 
Ou sem ter certeza se realmente sei algo.

sábado, 14 de março de 2020

Um pouco do mundo nos tempos do corona virus

Quem diria.... a praga chegou por aqui, por ai, por todos os lugares. Me traz à mente um texto do Bukowski sobre a peste, do qual falei em Observações sobre a peste - fragmento de um fim de semana no Rio de Janeiro (em 2011!), quando fui vítima de uma praga durante uma visita ao Rio (regada a acidentes de moto, de discussões de relacionamento etc... quem diria, uma vida então cheia de romances!!).

Hoje a peste só faz uma coisa: me deixar em casa, com receio do que está lá fora, de tocaia, me esperando atrás de alguma porta, ou escondido debaixo de uma tapete. Apareço desavisado e.... ZAASSSS!! a peste pula no meu pescoço e se adentra pelos meus pulmões, ou dos meus vasos linfáticos, tomando posse deste que agora te escreve. 

Nope, nope... felizmente nada disso. Mas dizer que saí incólume desse "tropeço" seria mentira: bolsas subindo e descendo (mais descendo que qualquer coisa...como perder uns 20K em duas semanas), ver as empresas pelo mundo mudando o foco diante da crise, ver o mundo entrando em crise e as pessoas sem saber oque esperar quanto ao futuro. 

"-Por quanto tempo essa visita vai ficar no sofá?...." 

Ningúem sabe... ninguém sabe.. A busca de empregos "pelo mundo" persiste, mas é nítido que há mudanças - com vírus  ou sem vírus na equação

É isso então: Brasil, próxima parada?

Estaria feliz com isso. Há algum tempo já estou satisfeito comigo mesmo com oque tive, com oque faço, com a independencia com que trabalho e penso por mim mesmo, e com oque quero pra minha vida. Estou mais confortável com isso, e não preciso mais ir atrás de algum lugar ou de algo para aprender mais: posso aprender com os que estão ao meu redor ou por mim mesmo. E isso, saber que você carrega consigo mesmo as ferramentas que precisa pra poder crescer, é uma graaaaaande mudança! Se fosse o caso há 10 anos atrás, se me sentisse então como me sinto hoje, provavelmente nunca teria pisado fora do Brasil pra estudar fora.

Mas é claro, tudo teria sido diferente :)  e eu não seria quem eu sou hoje. Seja pelo que vi mas, acima de tudo, pelo tanto que aprendi a me levantar depois de cada queda. Que é, de alguma forma, a abordagem oque o mundo parece estar me pedindo (nos pedindo!) agora: há muito a se fazer pras coisas voltarem ao que eram antes.