“I’m going home today. I’m going home today.”
Algo assim (felizmente já esqueci). O refrão da música é isso. O pé para de bater, fico refletindo. Um pessoal feliz cantarola alguma coisa, uma percussão dançante entra. Pop culture idiotiza as pessoas… logo começo a me censurar, reparando que há poucos dias era eu a endeusar uma música que fica “sobe ni mim”. Vai ver o idiota sou eu….
Por uns minutos me pergunto o motivo de achar uma letra horrível, outra genial. Imaginei o autor(a) da música chorando num programa de entrevistas, fumando um charuto, emocionando a audiência com a verdade por trás de uma letra tão poética e profunda… “não… vai ver é ruim mesmo”. Desisto quando minha comida chega: pra que ficar fundamentando coisas que nem mesmo eu entendo (como o meu gosto?). Oba, hoje tem alga!
Mas não deu. Logo o cérebro estava pensando novamente na música… “I’m going home today..” justo hoje, quando nem mais casa eu tenho e acabo de devolver meu apartamento: aquelas paredes vazias, o chão enorme. Eu, “estrelo-do-mar” num oceano sem água, deito no chão novamente esperando pelo homem do gás, pelo homem da água, pela inspeção do apartamento, pela minha secretária que - em maior angústia que eu - resolve aparecer para me acudir “caso algum problema maior em japonês aconteça”. De qualquer forma, lido com o homem da água sem ela, que se surpreende. “Sugoi, Rafaeru-san!”. A gente faz oque pode.
Por uns minutos me delicio jantando, todo esse filme da manhã de hoje passa diante dos meus olhos. Penso no dilúvio matinal, no pônei da vizinha que me viu pela porta do estaleiro e começou a relinchar, nos mais presentes que recebi, nas últimas simulações que corro pra terminar, no almoço com o pessoal do trabalho “vamos convidar o W-san? Ele é tímido, mas é gente boa!” O W-san se senta ao meu lado. Conversar com ele é um exercício zen de aceitar o silêncio taciturno dele. Tento… abertura parcial de fronteiras, ele conta um pouco mais dele. Sucesso. “Tá bom esse vietnamita, não?” Me pergunto se vai haver comida asiática no Brasil… meu coração aperta… “protesto, meritíssimo: se não tiver, eu aprendo a fazer… mas não queria ter que” às minha mente vira adversária de si mesma, e fica oscilando entre obstruções, resoluções…. termodinâmica de fenômenos fora de equilíbrio… in my country they call that craziness! Na Bahia, estupidez. Raffaello,
termina o almoço! Num átimo de segundo, minha mente volta pro lugar… termino a janta. Corro contra o tempo.
A tarde segue, tento “caber minha vida nas malas que me cabem”… ao menos é oque a companhia aérea demanda desse pobre viajante. “Quem se apega às coisas acaba virando refem delas”, penso. Tento racionalizar a ideia de “ter” e vejo que quero continuar “tendo”….por isso que o mundo está indo de mal a pior… suspiro. Abro o presente que a vizinha me deu, uma seda linda com um padrão incrível… endereçada a ele, “Dear Raffaello.” Acho fofo e engraçado. Esses japoneses…
Jogo um monte de coisa fora… “sou um homem de gostos simples … mas porque não levar isso também?” Sofrer por coisas é um sentimento raro… páro alguns segundos pra processar e vejo que há muito a ser aprendido debaixo desse céu chuvoso. Raffaello, a sailor of imaginary ships, or an aristocrat?
Respondo um e-mail do meu antigo orientador. Legal, mas não é mais isso que quero. O sol se abre. Me desfaço do que eram coisas, que agora viraram lixo…dicotomia capitalista-consumista… “será que o resto da minha vida cabe na mala?” …penso enquanto meu pé bate no chão… música na cabeça, tocando na minha playlist mental. A secretaria vem na minha sala “-acabaram de me ligar, teu antigo landlord. Faltou cancelarmos um outro seguro… getsuyoobi, desu-ne!” Fica pra segunda. Os grãozinho de vida no Japão correm pela ampulheta do tempo. 10 dias… countdown…
Hoje acordei pra um sonho estranho, conversa difícil, marinheiro-sereia proseando no convés do barco… só sei que me acordou (na verdade, há dias acordo antes do relógio despertar)… deve ser meu inconsciente tentando fazer um kintsugi… certeza, esse oceano tá enchendo de mágoa… mágoa-água… tropeço em haikais. Penso no tema, resolvo deixar pra depois. Abro a mala, abro outra mala… a tarde passa… a chuva passa… o dia parece estar todo fora de ordem.
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