Posso me sentar aqui, por favor?, digo em japonês. A senhora me olha... raivannoyance nítida. A muito contragosto, puxa a mala do assento e me dá espaço. Sento. Também a contragosto. Quero dormir.
As palavras Tokyo e dilúvio amanhecerem na mesma página do dicionário essa manhã. "-That’s fuc..g great"… especialmente quando não se tem um guarda-chuva. Desço às 6 e pouco... hoje é dia de escalada... vai ver seria melhor cancelar e voltar pra cama.... Quando vejo, estou descendo as escadas do metrô.
Vou pra cama… cheguei praticamente no último trem. Tokyo à noite é uma festa que não pára… que cidade incrível, pulsando a 1440 bpm.
Atravesso a rua. A névoa parece encobrir a cidade. Olho pro lado, a Tokyo tower: linda, brilhante e inesperada no horizonte. "-Wow! Que incrível!" Quase me jogo na frente dos carros pra tirar uma foto. “-É a primeira vez que vê?” “-Não… tive um date-jantar lá uma vez, com uma sereia”. “-Uma sereia de Roppongi?” Ela ri. Ele ri de canto de lábio, também. “-Não.. uma sereia-sereia mesmo”. Suspiro.
“-Vamos nos encontrar em Roppongi?”, ela me disse. Aguardo na frente da loja de conveniência. Aproveitei, conheci o namorado francês. Ele me olha de cima a baixo. Me provo inofensivo e amigável. Não sei se ele gosta de mim. Não gosto nem desgosto dele, só me parece desinteressante: a vida, infelizmente, insiste em me apresentar gente desse quilate. Acontece. Azar.
A tarde passa. Chove. Tento terminar o artigo. Desenho uma figura, tento colocar as palavras em ordem. Ahhh se a vida pudesse ser editada a base de control+c, control+v… saio pra tomar um café. “-deveria ter pego um depois do almoço”. Me arrependo. Saio na chuva e vou num coffee shop no quarteirão da frente.
“-Claro!! Só me enviar uma mensagem ou email!”, ele me diz. Que bom, encontrar alguém que posso conversar sobre política, escalada, e estatística mecânica. “-Então… eu já tenho ideia de como resolver, só queria mais insights pra contextualizar com oque o povo da área faz”. A vida, felizmente, me deu amigos interessantes. Acontece. Que sorte.
“-A coisa nos eua chegou no ponto que gritavam com a gente na rua se usássemos máscara… por outro lado, tinha gente usando máscara a todo segundo só pra se mostrar pró-ciência... era uma paranóia e polarização que me deixava deprimido”. A esposa do meu amigo me fala disso quando digo o porque não cogito mais os eua pra morar. Digo a eles sobre as deliberações que me levaram a considerar o Brasil, além de meus receios. Ele ouve, ela ouve. “- eu entendo tua ansiedade… eu cresci na Rússia, então sei oque é viver num país desfuncional”, ele diz de maneira empática. Chega o prato: depois que quase 5 anos, finalmente uma enguia.
“-Sim! A última vez que nos vimos foi na Colômbia, em 2015! Todo mundo bebaço durante o casamento..: especialmente os noivos", ele disse. Os três caem na risada. Nos abraçamos. “-Vocês então casaram?” Eles dizem que sim e fazem piada sobre o tema.“-Vamos comer algo? Tô com fome!”
O dia começa. Durmo pouco… "besteiras e catástrofes" a tirar meu sono. De quando em vez aparece uma ideia sobre algo a se escrever no artigo… umbrella sampling mesmo? Metadynamics?… Interdisciplinaridade é bom, mas é ruim…. Desigualdades são mais fáceis de se provar, às vezes… saudades efêmera de quando a vida era só provar teoremas e estimar as coisas; já já evapora. Melhor me ajeitar, logo preciso sair.
“-I was one among many .. or at least I seemed to be… (sorry… I’m citing Funkadelic here)”…. Termino o postal. "-Será que ele vai se lembrar de mim?" Ao menos pros eua as cartas chegam. Relembro a pilha de postais que enviei pro Brasil, os desenhos, a saudade, o postal em formato de urso comendo salmão, as piadas… “-a pandemia me boicotou um pouco, vai…”.. suspiro.
“-Isso, eles querem construir uma blockchain pra ...”. Meu amigo me parece cético. “-Bom… me avisa conta sobre a conversa com a empresa deles”, diz ele ao colega libanês. Eu olho, sem entender muito.
“-Você gosta de dinheiro? Vou te mostrar o salário da tua área na minha empresa. Depois, te mostro no Japão”. Ele tenta me convencer… “-..a decisão está tomada. Não estou sacrificando a rainha ou fazendo algo à toa… a vida não é linear, não estou fechando portas alguma, só abraçando a escolha que me faz sentido nesse momento. Vou voltar, há espaço pra crescer lá". Meu amigo me olha entre surpresa e ceticismo, mas parece me entender.
"-Ela tem uns interesses meio diferentes do meu.. não quer trabalhar, quer só ser esposa e ponto. Não sei... não sei se gosto dela tanto assim, mas a gente tá junto"... me diz. Na hora lembro da Joni Mitchell cantando hissing of the summer lawns: "-diamond dog...", cantarolo mentalmente.
Dou um abraço nele. “-12 anos de conversa pra nos atualizarmos”. Ele continua igual, só mais gordinho. Peço desculpas. “-Se quiser eu pago os teus óculos que quebrei”, digo a ele. “-Relaxa!”. A conversa flui igual,’como se só continuasse uma conversa interrompida ontem; amizades têm dessas.
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