segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

Adultescência, tardia mas precoce

 Uma das coisas que mais interessante de se morar perto dos pais é poder visitá-los durante um dia de trabalho e, pra variar um pouco o ambiente, trabalhar na casa deles. Mas é nessa hora que você tropeça na fronteira que separa tua vida adulta da tua vida de adolescente.

E mesmo que arame farpado ali houvesse, não adiantaria: por mais cuidado que se tenha, lá vem tua mãe atrapalhar tua reunião importante pra te oferecer um suco, ou atravessar a sala durante uma call com câmera ligada com um recado "fui comprar manteiga pra fazer pão".

É foda.

Eu fico bravo, digo que não é pra entrar no escritório enquanto estou trabalhando ou em reunião, mas começo a rir sozinho dessas absurdidades que chegam a ser fofas de tão nonsense. Porque, no fundo, não adianta: nossos pais nunca vão entender que a gente cresceu.

Mas o pior disso é ver que não apenas crescemos, como invertemos os papéis:provavelmente lá estavamos nós, aos 5, querendo brincar de pega-pega enquanto nossos pais queriam é brincar de um outro pega-pega (entre eles somente, claro), ou queríamos ficar cantando na frente da TV e pulando no sofá enquanto eles queriam ler um livro. Hoje, é o contrário: os adultos somos nós, eles é que viraram crianças.

Não sei... só sei que estou desistindo. Não adianta falar mais, só me resta evitar e não repetir esses erros de achar que sou eu que tenho o controle da situação. Bate então o momento humildade, eu tentando aprender com essas fraquezas que me desviam a alma.... e não chego à lugar algum. Me pergunto que tipo de coisas hei de fazer aos 60... 70... de quantas formas diferentes podemos encabular nossos jovens filhos que ainda não temos? Pergunta retórica e difícil... mas já estou preparando uma listinha hee hee :)

O pleito, as pestes e a copa do mundo

Anda-se pelo Brasil nestes dias e se vê o seguinte: "patriotas", pessoas vestidas com a camiseta da seleção brasiliana ou envolvidos na bandeira. Pessoas que tẽm se encontrado na frente dos quartéis do país para pedir uma intervenção militar, já que clamam que as eleições foram roubadas, ou que o Brasil há de virar um país comunista, ou qualquer outra loucura na qual acreditam.

Loucura é ver isso e saber que existe um universo paralelo, do qual só vemos essas manifestações espúrias. Seres que parecem sair sabe-se de onde, de que beco, de quais esconderijos, para surgir à tona, clamando espaço forçosamente de maneira que todo aquele que os outros têm deva ser anulado ou extirpado.

O Brasil desses brasilianos me assusta. 

Daqui até janeiro, quando o governo muda, falta um mês. Até lá, menos angústia do que antes. Ainda assim, me dá coceira imaginar oque há de acontecer nos 4 anos que temos adiante. Mais loucura? Donald Trump reeleito? Steve Bannon dando mais consultorias pra extrema direita tupiniquim? Scary...

Olha pro Brasil do futuro com menos medo do que tinha antes. Claro, não deixei de ver o abismo insuplantável que separa o país onde vivo agora do futuro pro qual o mundo parece seguir: o Brasil há de chegar lá... com muito atraso, uns 1000 anos depois de todos os outros países do Norte. Acho que temos que perder umas mil copas do mundo antes de nos entusiasmarmos de maneira besta com gols de jogadores milionários e idiotas, ou dançarmos como se não houvesse amanhã a cada carnaval, tudo enquanto o congresso vota na surdina as leis mais estapafúrdias e que só exacerbam a desigualdade e corrupção nesse país.

É triste admitir, mas o brasliano deveria sofrer mais, ter que assistir mais 7X1 em pleno Maracanã, ter que admitir sua pequeneza diante do resto do mundo... acho que isso nos tornaria mais adultos, mais realistas, desmistificando essa ilusão absurda que muita gente compra: de que o Brasil é o país do amanhã. 

Não, gente: não é.

Ok, Ok. Vocês devem me ler e pensar: "-Caramba... Rafaello tá amargo hoje!" Vai ver sim... mas a culpa é da Copa: só se fala nisso, só se vê isso, em shoppings as pessoas colecionam figurinhas, adultos tentam entrar numa máquina do tempo e completar seus álbuns... Neymar, Richarlison e outros tantos... 

Sei lá... peguei bode dessa copa do mundo. Mas admito que há coisas boas nela, como um respiro no meio da semana pra ver os amigos, pra dar uns beijinhos, pra ver algo verde (uma tela verde com aquele gramado lindo) no meio de uma cidade tão cinza como as que vivemos. É.... melhor parar por aqui: acho que estou pra lá de amargo hoje. 


segunda-feira, 21 de novembro de 2022

A peste e o pleito

Fiquei doente há umas semanas. Aconteceu do covid finalmente chegar a mim. O café com um gosto horrível aquecia minhas manhãs com um amorgor sem igual. Me pergunto se é este o gosto que pessoas que não gostam de café sentem ao tomá-lo... se assim fosse pra mim, eu me compadeço: também eu nunca beberia dessa bebida.

Foi foda e foi triste. Ouvia do apartamento as pessoas comemorando a vitória do Lula (ou seria, comemorarem a derrota de Bolsonaro?), ouvia fogos, "tchau, miliciano!",  eu me segurando pra não sair na rua e ir comemorar numa das avenidas da cidade. Foi um dia e tanto, cheio de preocupações e no qual fiquei em casa, ouvindo de longe a esperança de que esse pesadelo acabou sem nem mesmo poder participar. "-Paciência... celebre por dentro". E assim, o fiz.

Isso foi há algumas semanas. Desde então, a covid se foi, o atual governo continua governando (bom... continua no poder e sem fazer nada - como sempre, mas bem menos ruidoso que antes). Eu tento aguardar o primeiro de Janeiro sem ter uma crise de ansiedade: vem logo, vem logo! 

Estranhamente, estes 4 anos me fazem pensar que não dá pra esperarmos um governo fazer muito pelas mazelas que afligem este país. Fico me perguntando se posso contribuir com algo, se posso fazer algo pra ajudar. Será que voltei pra isso? Em conversas tenhos ouvido bastante a metáfora de que não sou uma folha em branco, que por mais que tente assimilar a diferente cultura que me cerca, tenho muito a trazer de volta. Eu, pareço ficar incerto entre esses dois universos (o de dentro e o de fora) e fico em conflito: será que existe um meio termo?

Nem sei como cheguei a este tema. Nem falei também que minha mãe pegou covid; provavelmente de mim. Por sorte, não teve nada de grave e levou a doença melhor que eu. Fico imaginando oque teria sido em outro caso, pensando nas tantas estórias nesse país de pessoas que carregam o peso nas costas de terem infectado alguém que amam. Dei sorte, e mais sorte ainda é saber que hoje eu posso aproveitar um pouco mais a companhia de diversas pessoas que até então estavam longe de mim. OK, por uma manhã e tarde me perguntei se tudo isso não seria um grande erro, representado por mais 4 anos desse governo estapafúrdio e desumano... será que aguentaria? Nessas horas me pergunto se o Brasil faz sentido e chego à resposta de que não, não faz. Assim como nenhum outro lugar faz. Mas aqui tem uma grande densidade de gente que eu gosto, então...


...enfim: a covid passou, tanto a minha quanto a da minha mãe. Estamos bem. Agora é só  esperar por Janeiro, que vai ficar ainda melhor.




terça-feira, 8 de novembro de 2022

Primeiros passos

Hoje, depois de alguns meses "parado", enferrujando, voltei a escalar.

Não sei oque foi mais difícil: o esporte em si ou chegar lá, sozinho, aprendendo a navegar num ambiente que está longe de me fazer me sentir confortável. A ausência completa de referências, de pessoas que conheço, de amigos. Minha mente parece voltar no tempo, pro primeiro dia nadando num lugar novo, pra piscina escura e suja (que não anda mais escura, nem suja) onde comecei a nadar há alguns meses, nas primeiras incursões sozinho pra escalar no Japão, nos primeiros dias de tantas coisas que encarei que esse me parece mais um, igualmente difícil, primeiro passo depois de muitos outros.

E foi engraçado. Eu ficava ali me perguntando o quanto ia levar pra eu me habituar de novo. Pra eu entender a posição geográfica daquele lugar no mapa da cidade, pra eu começar a avistar rostos conhecidos, pra eu começar a fazer daquele um lugar de conforto: umas semanas, uns dias? Me lembro do primeiro dia escalando no Japão, o acaso de conhecer alguém que acabou por me apresentar a uma outra pessoa, hoje grande amigo. Nas primeiras tentativas de se falar japonês e expressar minha angústia diante dos "puzzles" de boulder. 

Hoje, de alguma maneira, fiquei ali parado, olhando aquela parede sozinho, cercado de gente mas ainda só, rememorando e provando todas essas memórias a conta gotas. O presente se mistura com o passado. Minto: o presente parece ter gosto de passado. Minto: me deparo com o presente tentando sentir se já o conheço de algum lugar... e parece que sim, o reconheço de outros carnavais.

Voltei pra casa pensativo, as mãos machucadas. "- Acho que já conheço essa sensação", penso. Meus olhos se perdem numa seringueira gigantesca que parece se desviar da ciclovia. Toda beleza me parece nova. Já toda beleza parece me dizer algo diferente. 


sábado, 5 de novembro de 2022

Próximos passos

Agora que as coisas parecem estar se assentando, que os dias parecem ter encontrado melhor seus lugares, que a rotina parece querer se estabelecer, eu me pergunto: oque vem depois disso? Não encontro uma resposta fácil. Pareço me perder em mil planos distintos, cada um contendo a peça que falta pra que tudo fique certinho, para que tudo finalmente caiba no seu devido lugar. 

Eu sei que isso é uma ilusão, que nada disso há de acontecer ou esse dia chegar. Mas me dá um certo alento tentar elaborar e planejar isso. Jogo pétalas imaginárias e abstratas no chão, preparando o terreno pra ver esse dia descer à terra numa espaçonave imaginária... encho minha agenda de tarefas e micro-to-dos que parecem desaguar em algo mas que, por fim, levam a mais planos e planos... 

Às vezes seres humanos são como aqueles hamsters correndo nos threadmills... porque será que fazemos isso?

O rádio toca "a love supreme", do Coltrane... fico me perguntando se ele começou essa obra pensando em chegar a algum lugar. Ouço as improvisações, os acordes que se concatenam, se movem e ainda assim parecem estáticos... olho pra mim mesmo... será que eu também, me movo estático pelos dias que se apinham e suscedem? 

Olho pela janela. Faço um solo de suspiro e junto a sessão de garganta com covid com pulmão com covid num crescendo orquestral que me traz de volta à pergunta inicial: "e oque vem depois?" Olho no horizonte: as maritacas fazem barulho, as obras de prédios enchem a rua de bate-estacas e vigas metálicas ruidosas.. "-Se ao menos o café ainda tivesse gosto", penso comigo mesmo.

Páro... melhor voltar a ler, depois eu penso nessas coisas...

terça-feira, 1 de novembro de 2022

Semana pós-apocalíptica

Wow... passou... não achei que fosse sentir isso, essa angústia que vários amigos relataram que passaram em 2018, antes da eleição do Bolsonaro. Isso que à época os ânimos andavam mais acirrados: mais discussões nas redes, dentro de casa, entre amigos etc. Dessa vez não, nem me estressei com ninguém no mundo virtual, então fui poupado dessa parte. No entanto, senti na pele esse monstro que se aproximava aos poucos, chegando cada vez mais próximo de abocanhar aquilo que mais queria: o poder. A sede era tão grande que pra isso estavam fazendo de tudo: rasgando a constituição, corrompendo meio mundo, vendendo pros seus eleitores uma grande mágica que nem os melhores ilusionistas do mundo conseguiriam tirar da cartola.

Foi foda... foi triste... achei que tudo estaria perdido...

É claro que não dá pra assumir que teremos um caminho cercado de flores  até primeiro de janeiro: o presidente atual já deu sinal atrás de sinal de que não qer sair do poder. No enanto, até hoje cedo estava em silêncio, sem se pronunciar sobre a derrota. Hoje, num tom meio choroso, deu uma entrevista coletiva em tom de menino mimado que viu que o sonho acabou. 

Nesses dias pré eleição eu ficava me perguntando, olhando ao redor, tentando encontrar por onde flui essa rede de esgoto por onde passa esse submundo de assuntos, teorias conspiratórias etc. Fico me perguntando por quanto tempo há de ser assim, se isso há de mudar, e quão alto há de ser o preço (como sociedade) a se pagar por isso. Fico em silêncio.. não tenho resposta pra tantas coisas.... me vem à lembrança os dias pré eleição nos EUA em 2016... todo mundo achando que o Trump nunca ganharia, que os americanos nunca elegeriam uma pessoa tão baixa.... Fast forward, Brasil 2022. Meu cunhado me disse, enquanto seguimos para votar, que esses eleitores da etrema direita vivem numa bolha. Retruquei que nós também vivemos numa bolha, apartada do mundo deles. 

Passou. Passou e não passou. Não passou.

Fico feliz em olhar pra esse resultado e pensar que o Brasil não poderia me parecer mais promissor do que agora. Que ótimo presente esse, voltar para um país no qual se pode acreditar. Da sala de casa, as pessoas gritando na janela "Lula"... "Fora miliciano"... e claro, o já clássico "tá na hora do Jair, já ir embora" . Que delícia morar aqui... voltar pra São Paulo pra morar no bairro mais hipster da cidade me enche de um senso engraçado de identificação, indiferença e completude, como se um longo ciclo se fechasse. Quis sair pra comemorar, ir pra uma das avenidas da cidade onde todo mundo congregava pra celebrar, mas não pude: descobrira logo no domingo de manhã que estou com COVID. O jeito então foi celebrar de casa. Distant and sick, yet celebrating. Esse era eu. Por dentro eu era só sol.

Mas como escrevi acima, não passou. A extrema direita vai ficar. Mas ao menos vamos deixar de ter a arrogância no poder. Deixaremos de ter as pessoas que não sabem nada querendo nos dizer que nada sabemos e que não conseguimos ver que na verdade eles sabem mais. Esse governo-Dunning-Kruger acabará em 2 meses.

[Por sinal, recomendo a ópera abaixo :)]



"The Dunning-Kruger Song", from The Incompetence Opera

Escrevo aliviado e mais calmo, mas ciente de que há muito a se fazer daqui pra frente. 

domingo, 30 de outubro de 2022

O final de semana mais sombrio

Depois de uma semana difícil, cheio de violências e um primeiro turno no qual eu ainda  acreditava que os brasileiros nunca mais seriam coniventes com a barbárie que estes últimos 4 anos viram, lá vamos nós: hoje é dia de eleição. 

Estranho demais estar aqui e ver essas pessoas nas ruas com a camiseta da seleção de futebol brasileira (hoje em dia, o símbolo das pessoas que votam  na extrema direita). Oque será que essas pessoas vêem que eu não vejo? Oque elas estão dispostas a comprometer para que possam votar em um cara tão indigno e incompetente quanto o Bolsonaro? Fosse esta uma eleição entre todos os outros candidatos, eu acho que estaríamos ok. Mas justo ele? 

A extrema direita me estarrece e surpreende pela sua destreza em conseguer extrair oque as pessoas têm de mais primitivo: as respostas impulsivas, a desumanização daqueles que divergem em opinião, a falta de projetos claros, o excesso de pautas morais, a maneira esguia pela qual conseguem fugir de qualquer responsabilidade gerencial que têm. É uma tristeza estar aqui no Brasil e assistir esse teatro enquanto sentado no picadeiro.... por que sim, é uma grande palhaçada.

Hoje é domingo e acabo de descobrir que peguei covid. Mas estou bem, ou oque é que isso signifique. Fui votar pedalando: está um dia lindo lá fora. Quero sair, mas quero me refugiar desse mundo de balbúrdia e incompreensão em que vivemos. Quero descansar.. quero poder virar as costas e dizer que esse problema não é mais meu como, de alguma maneira, fiz por uns bons anos.

Agora não.

Agora estou perto. Vejo as entranhas do país mais de perto e como este sofre e se debate em tremores, frágil. Me pergunto oque posso fazer. Será que algo? Só esperar? 

Tenho dito a amigos que apesar de ter ojeriza à extrema direita, ela nos ensina muitas coisas. Por exemplo: o nível de engajamento e participação deles é muito grande. Claro que isso não vem de graça: há o apoio incondicional, os questionamentos jogados pra debaixo do tapete, a corrupção da qual ninguém fala (ou, em muitos casos, pode falar). Bom...talvez retire oque escrevi acima... por que não dá pra dissociar uma coisa (boa) da grande maioria daquilo que a extrema direita representa (algo ruim).

Fico me perguntando oque o amanhã há de nos trazer.. será, mais 4 anos? Me pergunto se ver isso lá de fora seria mais fácil.... ou se me deixaria igualmente angustiado. Páro e me lembro do dia em que soube que Trump ganhou enquanto nos eua: "Trump triumphs", dizia o new york times... fiquei com uma ressaca gigantesca. 

O Brasil, em 2018, não chego a mim. Claro, fiquei triste, mas... de certa forma já imaginava que o elegeriam: o Brasil, país da novela, adora algo desconhecido, uma trama (olha a facada!), alguém que se clame fora do sistema para salvar a pátria. É um povo que não se baseia em métrica alguma pra tomar decisões (well... sendo honesto, que povo é?) Mas agora, depois de 4 anos de desarranjos e desgovernos, quem, em sã consciência, ainda votaria num cara assim? Sei lá se é a covid que me derruba e deixa prostrado, mas acho que não, é a política mesmo: difícil engolir. 

Nessas horas eu me pergunto, mais do que se vai  ser aqui mesmo que eu vou ficar, se há algum lugar no mundo onde se esconder. Não há! Tá tudo muito parecido. E OK, ressalvas sejam feitas: a qualidade de vida em vários lugares onde morei é muuuuuito melhor que em São Paulo. Em sendo assim, que diferença faz passar por isso longe, ou perto? 

Não sei...voltar foi difícil, mas me parece fazer muito sentido. Por que não é algo que se vê por uma única perspevctiva, mas sim diversas delas ao mesmo tempo. Somente quando estamos satisfeitos com nós mesmos  só sei que está sendo uma delícia estar aqui, ter contato com o melhor que o Brasil pode me dar, me perder diante de tantas possibilidades, não entender as piadas que se referem a coisas que perdi enquanto não estava aqui, ter dificuldade para entender memes, poder abraçar as pessoas, pegar covid, votar pra tentar tirar esses extremistas fdp do poder etc. O Brasil e suas mazelas, às vezes um gosto amargo, noutros momentos um gosto agridoce... isso que nem falei que aqui é a terra do bolo de rolo... 

... ai Brasil.... olho pra você, olho pros EUA e sua bagunça, olho pro Japão e sua apatia, a Europa com sua xenofobia... e fico confuso... vai ver o melhor é ficar parado e tentar mudar oque puder por aqui mesmo. 


segunda-feira, 17 de outubro de 2022

Relações e bolhas familiares

Uma das coisas mais interessantes de se relacionar é descobrir como outras pessoas vivem, como elas gastam seus tempos, como elas passam seus dias. Que delícia, ver como alguém mora: toda pessoa é um universo! 

Quando essa mundo superficial de primeiras impressões fica pra trás e chegamos à profundidade do relacionamento - daqueles onde se frequentam casas, conhecem tios, tias e afins -  aí adentramos num mundo novo e, de certa forma, numa nova família, regidas por regras e interações muitas vezes inimaginadas. Acima de tudo, é comum a relação vir com agregados, precisamente, mães, pais, irmãos, cachorros etc. Não existe amor no vácuo, a Física dos relacionamentos poderia nos dizer com suas leis. E, de fato, a prática (experimental) mostra isso.

É curioso observar que cada família tem suas regras...como num microcosmos antes nunca estudado, olhamos pra um mundo que se abre em contraste com o que trazemos na nossa bagagem: nossas famílias e seus elos também são um universo estrangeiro para os que vêm de fora. 

E dessas explorações, oque podemos tirar? Talvez muito, talvez nada. Claro, uma mordida de cobra, uma jaca que cai de uma árvore ao nosso lado e nos assusta, uma gruta escura onde nunca se vai, os cantos silenciosos. Todo um mundo de novidades nos cerca, nos enche de sons e texturas, regras e sabores até então desconhecidos. Nos percebemos cercados, preenchidos por tantas coisas intangíveis que tentamos tocar, entender pelos nossos olhos e pelos olhos dos nosso parceiros. Até descobrirmos que, no fim das contas, esse universo nunca será realmente o da relação, pois esta ficará sempre numa bolha, a bolha na qual toda relação deve ficar. 

Talvez isso seja importante: pra preservar e blindar um novo mundo que nasce de outros mundos já sólidos e de raízes profundas que são as famílias, cheias de vínculos, vícios e virtudes que a que regamos também há de ter. 

Mas será que essa bolha estoura?


segunda-feira, 10 de outubro de 2022

Rotina #1

Desde que voltei pro Brasil  a vida parece carecer algo. Alright, sei que um punhado de mudanças se apinham - casa nova, país novo, cidade nova, namoro (yeap, believe it or not)... mas nada me aflige mais do que a falta de rotina. Pqp... eu sou um escravo dela. 

Interessante, por que precisamos disso: para termos a ilusão;impressão de que controlamos algo? Ou para não percebermos como o tempo passa rápido? Um dia li que o cérebro percebe melhor a mudança do tempo quando vivemos mudanças: casamentos, mudanças de cidade, de emprego, de país, de romances. Curiosamente, anos de mesmice e rotina podem passar como se fossem meses. 

Então, porque busco a rotina? Por que pareço encontrar um alento nela? Talvez para não cair vítima da imprevisibilidade dos dias que se acumulam sem ordem, despropositados, sem sentido, sem se encadearem num enredo que aponte pra lugar nenhum. Curioso que por estes dias veio um entregador aqui em casa, de bike, e no pacote que me entregou estava escrito  um recado da pessoa que me enviara o pacote: "direção é mais importante que velocidade".  Vai ver, no fim das contas, quando estruturamos as coisas diminuímos essa velocidade frenética com que elas se sucedem pra, enfim, conseguirmos no aperceber da direção que as memas tomam. 

Não sei... só sei que tem sido assim (parodiando o bom e velho Chicó, do Auto da Compadecida). Mas enfim, depois escrevo mais sobre este tema.

[Continua]

terça-feira, 27 de setembro de 2022

Terra Brasilis : toda forma de amor

 Tem um tempo já: minha mãe começou a falar de um amigo da época em que trabalhava numa empresa como secretária, época em que eu nem existia ainda. "-É, conheço F desde que ele tinha 19 anos." Eu não achei nada de mais: "-Legal, mãe. Feliz que você mantém contato com amigos de tão longa data."

Passou um tempo e minha mãe foi na casa dela enquanto ele a visitava. "- Foi estranho... a mãe parecia uma adolescente. Será que ela e ele estão ficando ou algo assim?" Não descartei a hipótese, mas achei pouco provável.

No final de semana foi aniversário do meu sobrinho. Na hora de darmos tchau para s donos da casa (os avós paternos, ele decendente de japonese) minha mãe, num tom de piada-confissão, disse à outra avó: "- Quem diria... eu também arrumei um japonês", e emendou a contar a estória na frente de todo mundo, à queima roupa, como se nada tivesse acontecido.

Vai ver pra mim soou como algo fora do comum - uma senhora de mais de 70 anos começar a namorar, mas... vai ver é a coisa mais normal do mundo mesmo e eu que me adeque "aos novos tempos".

Em todo caso, fiquei feliz e surpreso... o Brasil tem me surpreendido com umas coisas que nunca imaginaria.

quinta-feira, 22 de setembro de 2022

Contato humano

Uma das coisas que eu mais buscava nessa volta ao Brasil era contato humano. Apesar disso, parece-me que ando tendo menos contato humano aqui do que no Japão. 

Por que será? 

A grande questão talvez seja o home office, claro. Mas disso nasceu uma percepção: a de que, por mais que eu goste do contato com família e amigos, me sinto ainda mais "socialmente nutrido" quando tenho contato com estranhos.

Sim, ter contato com amigos é bom, é gostoso. Mas é o contato com estranho que nos traz algo mais, uma interação que nos mostra que somos cercados de um mundo de regras sociais invisíveis que devemos seguir, respeitar e nos equilibrar. Amigos, famílias, também têm isso, claro! Mas são linhas menos tensas; quando são estranho, essas linhas são tão tensas que, se não nos cuidarmos, podemos rompê-las. 

Enfim.. foi só um pensamento breve.

sábado, 10 de setembro de 2022

Terra Brasilis : cápsula do tempo

Lá se foram mais de três meses desde que aportei nesses trópicos. 

A vida parece seguir rápida como água que corre montanha abaixo depois de chuva forte, corredeira voraz que quer levar tudo no seu caminho. Eu, tento me agarrar ao que posso para não ser levado junto.

Nas duas últimas semanas chegaram pelo correio as caixas que havia enviado lá do Japão meses atrás. Muito estranho recebê-las, abrí-las e sentir aquela sensação estranha... porque será que eu me enviei essas coisas? Eu realmente dava valor pra essas coisas ou eu simplesmente achava que elas seriam úteis para mim no futuro? Me perco em perguntas retóricas, sem esperança de uma resposta.

Foi um estranhamento completo.. um misto de curiosidade com toques de desdém: me pergunto se o Rafaello do passado olhava pro futuro e pensava que tais objetos, livros e afins seriam úteis ao Rafaello do futuro. Gosh, como eu estava errado em várias coisas. 

Me abro a me perguntar se, de fato, foi um erro meu ou simplesmente uma admissão de que minha vida acabou tomando rumos que não pude antever. Rumos para os quais não tinha ferramentas disponíveis em mãos quando saí de lá; há coisas cuja utilidade só vamos ter consciência adiante, quando soubermos da existência dos seus propósitos. E havia um monte de propósitos que eu ignorava (e ainda ignoro). Como antecipá-los? Impossível.

De alguma forma abrir essas caixas foi tocar numa cápsula do tempo, uma evidência paupável do meu apego a coisas, uma evidência visível de que minha vida parecia não ser muito (minimalismo?), um snapshot de uma vida que um dia foi e agora mudou, um esboço de alicerces de coisas que já não me sustentam mais... um desconforto em formato físico.

Ainda assim, a curiosidade (que bem citei acima) fez do evento de rever essas caixas uma experiência ambivalente: senti também fagulhas de felicidade em rever um rascunho, um livro, um desenho, uma peça de arte que um dia fez parte da minha antiga casa. Uma parte de mim que um dia foi maior e hoje é só mais um capítulo que escrevi e mal me dei conta de que acabou. De certa forma, reencontrar esses objetos sela o fim dessa estória, símbolos do último elo que me mantinha unido ao Japão.. um fio de Ariadne preso neles (ou seria em mim?) garantindo que um dia nos encontraríamos de novo, e que nesse labirinto de dias fortuitos e escolhas que se avolumam em direção ao futuro, houvesse um garantia de que nunca nos perderíamos uns dos outros. 


quinta-feira, 18 de agosto de 2022

Terra Brasilis : despachante

"- Imagina, Pedrinho, que na verdade , agora nesse momento, há num universo paralelo a este onde a gente na verdade trabalha num escritório de despachante.

- E que na verdade na nossa frente não temos computadores, e sim máquinas de datilografar.

- E que na verdade você se chama Nogueira, a Lily é a dra Casavelha, eu me chamo Alves, e que este escritório fashion é na verdade um velho depósito com um daqueles calendários vagabundos de oficina mecânica na parede.

- E que a gente leva a vida como heterônimos de Fernando Pessoa, a falarmos mal do chefe, a viver vidas incompletas, pegando o bonde lotado pra chegar ao trabalho...

- ...imagina... imagina...."

[De uma conversa de escritório no meio da tarde]
[num dia nublado e frio]
[na cidade cinza de São Paulo]
[sprinkled com flores rosas e amarelas]

sexta-feira, 5 de agosto de 2022

Terra Brasilis : palavras farpadas

De vez em quando a vida me "presenteia" com palavras farpadas. 

Julgamentos e comparações; algumas pertinentes... diversas delas indevidas, outras inadequadas, umas um tanto injustas.. um monte delas dolorosas. 

Palavras farpadas que se enrolam no meu corpo e descem rasgando meus ouvidos. 

Me dói sentir que mesmo mundos tão próximos ao meu contém doses substanciais de frivolidade e descuido, falta de zêlo que nada de maneira honesta e imatura num mar ainda  raso.

Ouço em silêncio e dor, me acolho diante de coisas que nenhuma outra palavra consegue anular... mas abro espaço pra deixar as pessoas alinharem oque dizem com oque fazem: a única forma de mitigarem certas dores que estes nos infligem é dar tempo a elas...e nos dar tempo para poder observar em suas ações aquilo que palavras nunca vão conseguir mascarar quando em desarranjo...  

Me aflijo em imaginar que alguns tomam serenidade e paciência por fraqueza... mas me acalmo em pensar que, se for pra ser incompreendigo, então... só a ação do tempo há de fazer efeito, dizendo quais caminhos devo ou não seguir. 

Olho em volta, sinto que também me iludi em achar que real sou só eu. A ilusão de achar que só eu tenho inconsistências e descompassos. Não, meus leitores queridos: todos as têm. Everybody hurts... everybody is made up of fragments.... kintsugi, firme e forte juntando peças desde mil novecentos e tanto... a música toca ao meu redor... queria que fosse um jazz, mas é um sertanejo... não... não... melhor mudar de rádio e procurar outra coisa pra ouvir... ou você prefere que eu toque algo pra você ouvir?

Terra Brasilis: quando o apito da fábrica toca pela manhã

Esse recomeço nos trópicos tem me ensinado muito.. ou ao menos acho que tenho aprendido muito. A primeira semana, a apreensão de ver tanta coisa nova ao menos tempo, o coração batendo rápido diante de máquinas tão grandes, tantas engrenagens, a vida tranbordando em graxa e números.... Como havia dito numa entrevista: "-sabe quando o Chaplin entra nas engrenagens da máquina? Eu quero sair da zona de comforto justamente fazer aquilo..." (sem ficar louco, claro hee hee :)



Modern Times - Factory scene, Charles Chaplin

Às vezes eu tenho que me lembrar do que eu estava buscando nesse processo. Isso porque a dor vem: é difícil, me sinto incompreendido ou incapaz de entender aqueles que me cercam... me sinto perdido num mar tão mais vasto do que antevia... remo sem entender por um tempo até me recobrar e reequilibrar, percebendo que não vou atravessar esse mar na força. As pessoas que me cercam tem me feito rir tanto, me ajudado de uma maneira tão enorme e sem o véu de desconforto que pro qual o excesso de especialização havia me jogado até eu pisar no Japão. Me pergunto se ter ido foi o passo que precisava para poder dizer tchau pra tanta coisa. "Como se ter ido fosse necessário para voltar"...lembro-me de Gil falando aquilo que, por tanto tempo, nem mesmo considerava e que hoje vejo que talvez sim...

Estranho pra mim ainda é essa mistura de tanta coisa - de carreira, de país, de proximidade com família e amigos, de foco, de rumo, de tempero, de cultura... a colega de trabalho que morou no Japão na decada de 80 conversa comigo em japonês.... fico surpreso em conseguir falar tanto... acho que às vezes subestimo o quanto absorvo do mundo que me cerca... a cidade me surpreende, me atiça, me mantém acordado até altas horas da noite jogado no mel que só algumas coisas nos oferecem. Sigo, me deleito, tento depreender as rachaduras da cidade nas quais não quero cair, observo outras nas quais quero me adentrar, me encanto com a riqueza de olhares e formas, a humildade sem subserviência daqueles que vejo pela cidade, se esforçando pra ganhar a vida num ambiente hostil a muitos, favorável a poucos... 

Me adapto, me ambiento, mas ainda tento entender aonde caibo. Pertenço sem pertencer, acordo sem abrir os olhos, corro sem querer correr, pedalo sem querer sair do lugar. Pareço viver em tantas contradições que, quando o vento bate, voam pelos ares me mostrando que todas fazem sentido. Saio eu atrás delas, tentando pegá-las de volta, agregando-as nos braços, abraçando oque posso em desespero... tudo pra ver que, no fundo, não preciso de nada. Páro e ouço os que estão à minha volta e penso em como diversas barreiras que antes existiam parecem ter sumido.... não sei oque é... só sei que está sendo bem melhor do que imaginava.

Terra Brasilis: zeros e uns

Da redação: a cidade de São Paulo amanheceu com um problema enorme na primeira sexta-feira do mês de Agosto. Suas linhas de fibra ótica estavam todas entupidas de zeros (0s) e uns (1s), que se agregavam em desvario - 1s penetrados em 0s de maneira promíscua, 0s se esfregando em 1s, e 1s tão agarrados que uma única coisa pareciam ser. "-Foi mel demais nas redes... grudou tudo", disse um técnico da companhia telefônica local.



domingo, 24 de julho de 2022

Terra Brasilis: "falar menos, ouvir mais"

"-Rafa... como assim, você viveu tudo isso e não tem 200 anos?", me diz uma nova colega de trabalho pelo app de comunicação da empresa depois de uma apresentação num personal map (i.e., alguém que conversou comigo, me apresentando pro resto da empresa). Eu rio, sozinho e sem graça, sozinho em casa, nessa vida de home office onde todos parecem andar juntos ainda que separados.

A chefe do meu chefe me apresenta em palavras, enumerando algumas coisas que disse a ela durante uma entrevista: falar menos e ouvir mais, minimalismo... palavras ao vento numa breve conversa, capturadas como borboletas das quais pouco lembrava mas que me parecem descrever bem os valores que tenho, professo e carrego comigo. 

É estranho ainda quando me perguntam oque significou todo esse tempo longe, de porto em porto... como isso me moldou, me distorceu? É uma das perguntas mais comuns nesses dias, além do "porque você voltou?" Embora eu saiba com um pouco mais de clareza o porquê de ter voltado, sou honesto em dizer a todos que não sei ainda o que significam esses 12 anos fora ... enquanto as coisas passam rapidamente pela janela eu não consigo entendê-las, mas em retrospecto a paisagem fica mais nítida e parece fazer mais sentido.

A cidade me deslumbra em árvores roxas e rosas que parecem brotar surpresas do asfalto, crescendo vistosas a olhos paulistanos que já nem parecem ligar pra obscenidade de suas flores e cores. Vida que que tenta tingir um pouco da existência nessa cidade, selva de pedras que afunda em terreno movediço, se debatendo em desespero com toques de desigualdade e pujança mas tentando se agarrar em salvação na linha imaginária do trópico de Capricórnio.... "there will be no easy rescue".... alguém esqueceu de dizer isso a nós brasileiros...

A vida parece querer seguir ladeira acima, muito diferente de um mês atrás, onde tudo parecia flutuar numa poça de incerteza e angústia que tendo pular a passos largos: tudo mais rápido do que esperava, ainda que mais devagar do que gostaria.

Sigo nessa corda bamba da ansiedadentusiasmo, encarando dias, desbravando manhãs e me ajoelhando em cansaço ao final do dia, uma bagagem enorme e pesada que pareço carregar comigo, na dúvida do quanto deve ser jogada pela janela desse trem que segue à todo vapor. Quero ter a certeza do que me aguarda no horizonte, mas me manter aberto pra cada surpresa que este parece me reservar. Me fascino com cada nova rua que percorro numa cidade que julgava ser minha, cada interação doce com os amigos que jurava conhecer, cada desconforto novo com estes mesmos amigos que insistem em me fazer humilde e aceitar que eles - não somente eu - mudaram nesses anos todos.... incrível, voltar te força a ser menos arrogante.... torço para aprender algo com isso.

Digo coisas, me abro, coloco meu coração numa caixinha e a entrego com um lacinho depois de uma conversa difícil: dôe, se dê sem medo, sem esperar nada de volta. Ouço um "obrigado" romântico cujo sentido não consigo depreender.. melhor seria se fosse silêncio ou um abraço? Lembro de cada vez que fiz isso... sou sempre eu o primeiro a cruzar essas linhas...

O corpo ganha força depois de meses de debilidade. Olho pra tela como se nada visse enquanto me descrevem no evento de apresentação do trabalho... me lembro da travessia oriente-ocidente. Me vem à lembrança a cama dentro do armário por quase um mês, os tênis entregues como oferenda para uma jidohanbaiki em Shibuya... me parece uma realidade tão distante, cercade de intempéries amorosas, hostilidadestupidez que pareciam chacoalhar o barco, meu corpo a cair do céu de asas atadas ao perceber que também eu idealizava e acreditava: que nunca seria exposto às doenças do mundo, confrontado com a dureza que a dor e raiva aflige quando não temperada com o ouvir, testemunhado a defesa da brutalidade como algo a se admirar....  tais feridas me doem, ou seria aquilo que as causou? Não sei... o corpo vibra mas a alma ainda precisa ganhar força pra poder responder essas perguntas (ou ao menos sustentar possíveis respostas que contemplo e até pareço já saber dentro de mim).

O Brasil me trata bem e me recebe de braços abertos. Talvez sem sorriso no rosto, embora isso não me importe muito: contanto que mantenhamos o respeito um pelo outro, está ótimo. Mais do que voltar diferente, tento ser mais humilde em aceitar uma realidade que difere enormemente daquela da qual saí, 12 (ou 15) anos atrás. Talvez sejam esses os "beginner eyes" dos quais o budismo fala... fácil na teoria, difícil na prática (mas sigo tentando)... Brasil, me ame que te amo de volta...


domingo, 10 de julho de 2022

Terra Brasilis : para brincar na gangorra... dois

Sabe quando você não quer que o dia acabe? Que a companhia de uma pessoa é tão, tão gostosa que não se sabe como dar tchau, que é um embaraço admitir que um encontro tem que ter fim? 

Acho que tive isso poucas vezes na vida. Mas com a mesma pessoa... acho que foi a primeira vez. 

O primeiro date, dois desconhecidos, o beijo aos 48 do segundo tempo, atordoados pela pressa de que no dia seguinte eu iria embora pro Japão. Dessa vez... um roteiro tão parecido... eu me contendo, esperando um sinal claro de quando ir, de quando agir, o mesmo desejo-química, dessa vez com um pouco de susto da minha parte (por não esperar por ele)... o mesmo beijo, ainda que diferente... o mesmo toque, ainda que mais quente.. o mesmo sorriso, ainda que debaixo de lágrimas... o mesmo carinho, ainda que debaixo de toneladas de reticência... o mesmo cuidado, ainda que tolhido pelo medo de se doar ou de doer...

["doar" e "doer"... duas palavras tão próximas e tão diferentes ao mesmo tempo]

A paciência, regendo tudo como uma maestrina que nos diz em que direção deveremos ir, onde deveremos ficar, onde olhar, pelo que esperar... é difícil ter paciência diante do que parece indiferença, ou do que parece impaciência, ou motivos irreais para se enredar em discussões onde estas simplesmente não existem... me lembra muito os finais de relacionamento pelo qual passei, onde as palavras descuidadas parecem querer acelerar a decomposição daquilo que ainda não entrou em metástase... sou carinhoso, mas ainda assim me recolho em dor quando percebo que meus pés não tocam mais o chão, e que estou no alto, esperando o outro lado me trazer de volta ao chão e não me deixar falando sozinho... "para brincar na gangorra, dois"... lembro da Marisa Monte cantando... ainda assim, sigo tentando.. há coisas na vida que valem á pena, e eu sei que o medo nos cega, nos molda e nos aflige... 

... só sei que vai levar um tempo... "can't stop laughing"  ao longo do caminho ... vai ver é isso que estou precisando agora...

[Curioso como o contato físico muda o cenário das coisas... e de uma semana pra outra tudo muda...]

[...esse kintsugi mágico-cicatrizador, que só pitadas de tocar e sorrir conseguem catalisar]


sábado, 25 de junho de 2022

Terra Brasilis : tudo num ponto (e a maior distância entre dois deles)

"Por meio dos cálculos iniciados por Edwin P. Hubble a velocidade de afastamento das galáxias, pode-se estabelecer o momento em que toda a matéria do universo estava concentrada num único ponto, antes de começar a expandir-se no espaço. A “grande explosão” (big-bang) de que se originou o universo teria ocorrido há cerca de quinze ou vinte bilhões de anos."
    
"Tudo num ponto", no todas as cosmicômicas, do Italo Calvino.


Há um conto do Italo Calvino - este, citado acima - em que ele fala do começo do mundo como um grande paradoxo: ele descreve o fato de várias coisas diferentes estarem ali, querendo se fazer pronunciadas, com suas naturezas distintas, como se o meio fosse heterogêneo... quando na verdade tudo se encapsulava na homegeneidade de ser aquilo um único ponto. O texto então fica oscilando entre essa dicotomia que, nas idéias do Calvino, se unem: o fato de muitas coisas distintas estarem ali, encerradas todas num único ponto, sendo portanto a mesma coisa.

[Ps: sei que já falei desse conto... mas ele sempre me vêm à mente de formas diferentes, por motivos diferentes]

Eu acho esse texto lindo, e sempre fiz analogias entre ele e várias das coisas que vivo-vejo-faço. Somos uma multitude de idéias, mostrando tais facetas em cada pequena coisa que fazemos, ao mesmo tempo em que nas muitas coisas que fazemos deixamos um pouco do que somos. É o tal contraste com o qual o Calvino brinca no texto: no fundo, somos apenas um ponto.

Por esses dias entre conversas e mais conversas, ligações surpresa, compra de móveis, violações com pitadas de paciência, eu tenho pensado num outro "paradoxo": o de como dois desses pontos podem estar longe-mas-perto, ou perto-mas-distantes. Fico abismado em ver esse mundo de impossibilidades, que parece tropeçar em medos, idéias pré-concebidas e receios diante do possível, agora ao alcance das mãos-abraços-beijos. O medo nos paralisa, assim como a incerteza. Nos ludibriamos diante de assunções e racionalismos que parecem mas não contemplam todos os lados de uma estória. Não damos espaço pra admitir que há uma questão que possivemente nos foge pelos dedos: o de que possivelmente estamos errados e sendo parciais.

"We always did feel the same

We just saw it from a different point of view"

Tangled up in blue, Bob Dylan


Sigo dias em desassossego, tentando antever como há de ser, eu e meu barquinho aportado em território alto-e-verde, província paulistana cheia de flores e temores. Aguardo sem querer aguardar, respeito sem me silenciar mas sem me perder em palavras, me censuro e sou censurado, tentando fazer sentido de como dois pontos tão próximos e com tanta atração parecem se perder em campos gravitacionais tão difusos-arredios e acabam, infelizmente, em órbitas diferentes. Tem sido difícil aceitar isso, essa "piada" de muito mal gosto.

"Só meu sangue sabe tua seiva e senha
E irriga as margens cegas
De tuas elétricas ribeiras,
Sendas de tuas grutas ignotas

Não sei, não sei mais nada.
Só sei que canto de sede dos teus lábios
Não sei, não sei mais nada."

Teu nome mais secreto, Waly Salomão e Adriana Calcanhoto

Além de tudo isso, me cerco de pontos, coisas, que me orbitam em busca de uma estrela ao redor da qual ter uma função. Me mudo, levando comigo pouca e muita coisa. Nesse processo de congregar todas elas num único lugar - uma casa, de verdade - eu tenho pensado em como este lar, pequeno espaço no mundo, demonstra um pouco  (ou mesmo tudo) do que sou: os detalhes, os quadros nas paredes, o improviso, a ausência de um eletrodoméstico sem o qual posso viver (mas não necessariamente preciso viver sem) etc. Oscilo entre aceitar que tudo oque é meu está ali, e que não sou nada disso, dado que oque carrego são apenas objetos, coisas, besteiras: eu, sim, estou em outra dimensão... ou talvez estas tantas coisas são só uma parte diminuta do que sou.


quarta-feira, 22 de junho de 2022

Terra Brasilis : assimetrias

Eu tenho uma certa facilidade pra detectar assimetrias, sejam elas estéticas, em relações, em estruturas etc. É algo que é um tanto natural, um pouco de como vejo o mundo e o entendo. Desse modo, assimetrias também são uma das primeiras coisas que noto quando estou insatisfeito com algo. Assim que alguma espécie de simetria começa a ser violada, eu logo percebo - parece que o meu corpo reage a tais aberrações quase que imediatamente.


Pra falar a verdade, acho que nem é meu corpo que reage, e sim meus valores: exigir A e fazer B, tratar coisas iguais de maneira diferente... meus olhos não se prendem tanto assim no porque disso acontecer, mas ficam em desconforto extremo assim que noto algum desvio "estatístico" que foge a algum entendimento. Em geral, são coisas que fogem do entendimento até mesmo daqueles que perpetram tais atos (seja por cegueirignorância, viés cognitivo, ou por falta de coragem em admitir oque se vê). 


Acima eu só citei assimetrias que se aplicam a coisas-objetos distintos (digamos, falei de uma certa “simetria comparativa”). Outra, muito fácil de lembrar, é a espacial. No entanto, existem também assimetrias temporais: antes, A era tratado de maneira X, agora ele é tratado de maneira Y. É curioso então fazer um paralelo de que tudo que se mantém constante no tempo em geral é tido como uma lei. Mais curiosamente ainda, há um resultado matemático - que explico aqui de maneira muito grosseira -  que é quase uma contrapartida ao comentário anterior: ele diz que pra tudo aquilo em que há uma simetria, há alguma quantidade que se mantém constante. No caso, se estirarmos essa analogia um tanto, oque se mantém constante é o nosso entendimento da questão: se ontem-hoje A era tratado como X, amanhã será tratado como X, e assim em diante; em resumo, a simetria (temporal) perdura.


Infelizmente, nós humanos não somos regidos por leis. Bom...talvez seja bom que não sejamos mesmo, ao menos não em todos os aspectos das nossas vidas. É claro que gostariamos de viver num mundo onde todos cumprissem regras, não houvesse roubos e coisas piores... mas em que nível a vida seria suportável se fossemos, em todos os aspectos, rígidos, incapazes de corromper os elos que nos cercam para poder levar uma vida mais leve ou, digamos, normal?


É interessante estar aqui no Brasil e ter sido testemunha de tantas maneiras de se interpretar o mundo, suas leis, suas "simetrias" e "assimetrias". Isso sem falar no processo de observar a maneira como eu e muitos dos que me cercam deformam essa geometria de leis nas quais estamos submersos, alterando-a conforme o necessário... ou mesmo nos fazendo de desentendidos quando somos vítimas ou praticantes de tais assimetrias.... das quais ninguém escapa, sem sombra de dúvidas...

sábado, 18 de junho de 2022

Terra Brasilis : tangled up in a huge mess & bureaucratic matters

"

...

And when finally the bottom fell out

I became withdrawn

The only thing I knew how to do

Was to keep on keepin’ on like a bird that flew

"

Tangled up in blue, Bob Dylan


Uma das coisas que talvez me peguem de maneira mais intensa numa transição é a ausência de estrutura: os dias nascem difusos, tudo parece orbitar em torno de poucas e essenciais pendências (procurar casa etc). Me lembra muito a sensação estranha de estar no Rio ou na mini-apple, tentando equilibrar pratos e vivendo de maneira transiente na casa de alguém ao mesmo tempo que tinha que procurar casa pra mim mesmo.

O começo é difícil... tento me lembrar disso, dizendo algo que me alente diante de tanta falta de sal, de sol, de céu, de cor, de mel, de piscina, de carinho. A vida parece seguir com propósito... uma versão brasileira de algo do qual falei anteriormente: se o Japão me "punia" com purposefullessness, o Brasil me acolheu em piada com um propósito-despropositado que só há de passar assim que algumas coisas cairem no seu lugar - casa, poder me exercitar, ter rotina, receber mimos etc etc. Tudo parece perto e longe de se estabelecer, embora saiba que tudo vai meio que acontecer ao mesmo tempo, pois um desencadeia o outro. Por agora, só me resta esperar com todo contentamento possível dispendido em sub-rotinas: levar um quadro pra emoldurar, pensar em como vai ser a casa, preencher formulários da empresa nova, receber ligações indevidas no meio da noite etc Eta vida besta, meu deus! 

De certa forma, algumas coisas parecem estar caindo no lugar, apesar de envoltas em incerteza: reestabeleço laços com amigos, família, descubro coisas boas em mim e neles, fico feliz de imaginar esses finais de semana entre os mesmos, me encho de afeto ao qual há tempos não tinha acesso, choro surpreso ao saber de sereias oniscientes que acompanhavam o diário de bordo ao longo dessa travessia, olho pro futuro com os olhos cheios de encantamento e sossego, vislumbrando aguas serenas envolta do meu barco que ruma a trópicos abundantes em mel, amor, flor, mãos dadas seladas em riso... Ó abelha rainha... faz de mim... e aproveita pra fazer zum zum na orelha, na janela, na sala, na escada....

[Salve Waly Salomão!]

Me equilibro na corda bamba da ansiedade levando nos ombros o enorme peso da incerteza, dando passos adiante enquanto tenho os olhos ofuscados pelo silêncio dos outros,  querendo abraçar tudo e me mostrar presente quando, na verdade e de maneira até irônica, a vida parece me testar em paciência e resiliência.

Nesses desandos, tentando entender qual é a maior distância que pode separa dois pontos tão próximos e que parecem se atrair, me deparei com algo que escrevi em Junho de 2015:


Sometimes we are too selfish and arrogant to realize that there is way more than ourselves, our pain, losses, failures or our confusion around. We forget that we are part of a whole and that we are just dust amidst all the beauty and peace that nature can give us. 
"Praise and blame, gain and loss, pleasure and sorrow, come and go like the wind. To be happy, rest like a giant tree in the midst of them all." (Buddha)


Tchau, pessoal. Vou lá.... ganhar o dia e agarrar o sol com a mão.

quinta-feira, 16 de junho de 2022

Terra Brasilis : mentira

"Hoje eu tenho apenas uma pedra no meu peito

Exijo respeito, não sou mais um sonhador

Chego a mudar de calçada

Quando aparece uma flor

E dou risada do grande amor

Mentira"

Samba do grande amor, Chico Buarque


Hoje me lembrei dessa música do Chico que, coincidentemente(!?), foi parte da trilha sonora de uma viagem a dois pra Paraty, em meio a risadas e mais risadas. Lembrei dela ao  perceber que, no fim das contas, essa sereia-estória é cheia de ludibriações de diversas formas, quase um fogo cruzado. Sim, o ato de enganarmos o outro é evidente em diversos momentos e é o que mais causa dor. No entanto, há um outro tipo de enganos que acontece também, quando ludibriamos a nós mesmos... esse é o mais complexo, porque envolve viéses cognitivos, ansiedades, expectativas. Assim, por ser tão sorrateiro, mal reparamos quando esse tipo de engano acontece.

Hoje me atentei pro fato de que tenho tentado me mostrar pro outro sem vulnerabilidades, passar a impressão de que essa sereia-estória é passado e  tudo o mais, quando na verdade não: não passou... ao menos pra mim. "Boa sorte! Siga teu caminho!" - mentira! Quero seguir adiante, quero me abrir pra novas estórias, começar de novo nesses trópicos, mas... parece que aguardo ainda, algo que não sei bem oque é: um raio, uma palavra, um aceno... não sei... quero dar um passo à frente, mas tudo oque vejo adiante parece me remeter a sonhos e idéias que tinha antes de tudo isso começar.... 

Não sei... hoje me senti injusto ao só ficar reiterando que a decisão ("culpa"?) disso tudo não é minha etc etc... quando na verdade só deveria acolher as palavras que disse no post anterior e não só dizer, mas finalmente aceitar que não, que isso é engano meu: me desculpar, não há palavras pra sustentar kintsugi tão rápidovernight... No fundo, talvez a única coisa que posso dizer é que estou aqui, que estou aguardando, me mostrar vulnerável e não me esconder atrás de palavras rasas que não representam oque sinto. Claro que quero seguir adiante! Claro que quero abraçar o futuro! Mas... ainda quero fazer isso com uma sereia muito específica nadando em volta do meu barquinho...

... e quando eu digo o contrário, é evidente: mentira, Raffaello...mentira. (Pelo menos agora eu sei disso.)

[Então... só me resta manter a calma e a serenidade...]

[...não ter medo de me mostrar vulnerável...]

[... ter paciência, ser grato e não ser injusto :) ]

 

quarta-feira, 15 de junho de 2022

Terra Brasilis : piracema #1

Ontem conversava com um amigo de infância e ele me apontou algo interessante: que de todas as minhas mudanças pelo mundo, as únicas que foram "loucas" foram a minha ida pro Rio de Janeiro (há uns 15 anos) e esta de agora. 

Na hora fiquei pensando no que ele falava e vi que ele tinha razão. De certa maneira, sempre equalizei todas minhas mudanças como se fossem simplesmente mudanças de cidade e ponto - tudo igual. Mas não: fui pro Rio sem saber se ia rolar ficar lá. Passei dois meses naquela incerteza, inicialmente sozinho no apartamento minúsculo de um amigo que então viajava. Depois de um mês meu amigo voltou de viagem e ficamos lá, eu + ele + a namorada dele que vinha quase sempre: fui forçado então a dormir debaixo da mesa, onde fiquei por um bom tempo. 

Terminados esses dois meses de sol, matemática e incertezas, voltei pra São Paulo e, envolto em dúvidas, comecei uma pós no mesmo lugar onde fui undergrad e que havia me aceitado até aquele momento: uma angústia enorme naquele ambiente hostil, salas sem janelas, os mesmos alunos de antes, aquele pessoal apático e desunido de sempre... aí chegou a oferta para se ir pro Rio: aceitei e fui, pra morar por mais um tempo debaixo da mesa do meu amigo, até encontrar um apartamento. 

Ontem meu amigo me relembrou desses detalhes... que a ida pro Rio era meio 0 ou 1: se não fosse aquilo, não seria mais nada, talvez nem pós fizesse, dado meu desgosto em ficar no mesmo lugar em São Paulo. Foi um pulo sem rede de proteção, algo que se assemelha muito ao que fiz agora. Mais uma vez, felizmente (e por sorte), está rolando.

Fiquei meio desconcertado em não ter percebido isso antes... aí reparei que, curiosamente, os dois momentos mais difíceis dessa trajetória foram justamente sair daqui, e voltar pro mesmo lugar... mais um koinobori/piracema, eu voltando pro lugar de onde saí e tendo que morrer um pouco pra isso: quando fui, em cortar raízes profundas de uma vida de tantos anos e tantos amigos em São Paulo. Agora, quando volto, a dificuldade em reatar laços com um país que sinto desconhecer e com o qual tenho vínculos, mas não mais assim tão fortes. Pareço morrer pois uma parte de mim se sente rejeitada enquanto aqui. No entanto, a cada passo que dou me sinto mais vivo, tentando assimilar uma cidade nova, um tentando acomodar o outro, mutuamente. Meu corpo parece faiscar ao tocar as ruas, meus olhos se deslumbram com tudo, em como a vida consegue florescer e crescer num ambiente cercado de tantas incertezas e injustiças. Ao mesmo tempo que tudo isso me dói os olhos e a alma, me empolga ver tanta vibração e energia em pessoas que têm que se esforçar tanto por um lugar ao sol... admiro e quero reencontrar isso, algo que parece ter ficado em estado latente diante das facilidades do "primeiro mundo" (termo que não curto, diga-se de passagem), mas que vive dentro de mim desde sempre.

Agora, uma digressão pra dizer que tenho tido dificuldade em processar cognitivamente tantas pessoas na rua: todas são muito diferentes!!! Meu cérebro quer assimilar todos os detalhes - o cabelo enorme de uma mulher, o nariz estranho do senhor que senta no metrô, a roupa curiosa do travesti que me pede dinheiro na rua, o cabelo cool da pessoa que dá em cima de mim no metrô (hoje, um homem, mas bem andrógeno)... meu cérebro precisa reaprender a ignorar tanta informação... há de levar um tempo.

Nesse processo de assemelhar o pulo de saída do útero, e o de volta a ele, hoje eu vi como as coisas mudaram: lembro dos milhares de perrengues em ter ido ao Rio, e agora o conforto em voltar, com o poder de decidir onde quero morar, como quero morar, oque quero fazer... ter saído daqui foi realmente uma loucura dolorosa... ter voltado é outra, mas bem menos ruim. Ambas, cheias de possibilidades. E, como meu amigo falou - e não tenho como discordar - são ambos momentos para se crescer muito e brotar de novo, transcendendo medos que muitas pessoas simplesmente não vêem ou, na marioria dos casos, nem sabem que todas as vidas igualmente possuem...

Muito feliz em ter ido... muito feliz em ter voltado... esse koinobori-piracema é mais um ciclo que parece se fechar na minha vida.... um que, em gratidão e serenidade, pareço receber nos meus braços sem nunca sequer ter vislumbrado que seria assim... 

...a graça de viver algumas coisas sem planejá-las...    :)

Terra Brasilis : o jardim dos caminhos que se encontram

É bizarro isso de tentar reparar algo envolto em dor... um kintsugimpossível onde todas as memórias boas parecem ter sido engolfadas por uma onda gigante que só deixou pra destruição pra trás de si.

E como "curamos" isso? 

Honestamente, não sei. Mas andei pensando... num cenário onde não cabem desculpas, talvez não sejam palavras a reparar as dificuldades. No caso, quando nenhuma desculpas cabe é nítido que ou o lado que ouve está sendo muito rígido em querer um pedido específico - como num script (que o outro, claro, desconhece!), ou o lado que ouve simplesmente não sabe oque quer ouvir. Em situações assim, não há pedido de desculpas que seja o suficiente.

Talvez não sejam palavras a se resolver uma questão complexa assim, mas simplesmente permitirmos que memórias afetivas novas sejam criadas. Isso volta a um post anterior do qual falei sobre como processamos eventos como bons ou ruins a depender de quando um momento ruim se dá dentro dele (no começo, ou no final): um relacionamento que termina em um momento difícil tende a sofrer com esse viés de seletividade, de buscarmos sempre as memórias mais recentes.

Anyway… foi só uma digressão mesmo…


domingo, 12 de junho de 2022

Terra Brasilis : o jardim dos caminhos que se bifurcam

 As maiores lições do dia (e da semana):

1) aceitar que algumas coisas são tão dúbias e incertas que acomodam mais de uma perspectiva. 

2) aprender a ouvir e manter a calma, mesmo diante de coisas que discordamos.

3) aprender que medo é medo; que é normal tê-lo, e que nem sempre o manifestamos abertamente (isso vale pra todos os lados de uma relação).

4) aceite o medo, mas não se submeta a ele, nem tome decisões precipitadas sob efeito do mesmo. 

5) aceitar decisões dos outros e respeitá-las, mesmo quando estas te machuquem.

6) mesmo quando discordarmos de alguém, manter o respeito e não erguer a voz; nossa razão não está acima da razão de ninguém, ainda mais em terreno incertos, cheios de ambiguidades. O melhor sinal de que estamos nos excedendo é alguém ter que implora desculpas para nos acalmar: nessas horas somos nós que devemos parar e nos desculpar com o outro lado.

7) aceitarmos que as maiores dores e provações talvez tenham um porquê, e que muitas vezes são um sinal da imperfeição intrínseca a tudo oque nós humanos tocamos e construímos. Talvez seja isso oque nos torna grandes, e oque indica aquilo que nos é importante na vida. 

8) aceitar que algumas pessoas nos veem de maneira rígida: esta é a maneira como nos entendem e não adianta mostrarmos nada, apontarmos fato algum, ou fazermos coisa alguma. É assim que nos vêem e ponto.

9) aceitar que, às vezes, a dor nos faz interpretar as coisas de maneira errada (e da maneira mais dolorosa possível); a dor é o pior dos vieses. Acima de tudo, que nos permitamos a surpresa diante dos nossos próprios enganos. 

[De certa forma, essa foi a coisa mais bonita e significativa do dia.]

[Fiquei mais feliz ainda em poder ter me permitido isso.] 

[Removeu uma tonelada de desapontamento das costas.]

10) não silenciar outras pessoas, nem anular oque estas dizem ou sentem. Nunca peque em assumir que "o meu caminho é oque faz sentido" quando se trata da vida de uma outra pessoa.

11) ser grato, mesmo diante daquilo que nos machuca e cujos propósitos fogem ao nosso entendimento. 

12) desapegar e saber deixar partir (em especial quando oque se diz/faz já não faz mais diferença aos olhos dos outros).

[ps: salvo engano, "o jardim dos caminhos que se bifurcam" é um texto do Jorge Luís Borges.]

quarta-feira, 8 de junho de 2022

Terra Brasilis : extravio

Tentei dormir. O corpo cansado de 30 mil horas de aeroportos, esteiras rolantes e aviões. Tento estar grato por ter um  teto e um lugar no qual ficar agora que chego: tudo oque preciso, não exatamente oque queria. 

Me esperavam no aeroporto. Como um mantra que se repete dentro de mim, tudo oque preciso, não exatamente oque queria. Tento ser grato e aceitar... Até consigo ser grato.... mas aceitar ainda está em processo (apesar dos últimos posts, não cantei vitória ainda, infelizmente).

Deixo as malas no canto... parece pequena perto de tanta vida que tive enquanto grande diante do apartamento que me recebe. Penso na minha próxima casa... como há de ser, onde há de ser... esses dias pela cidade vão demandar alguns tours de reconhecimento

Jetlag. 

Acordei às 5 AM, o corpo parece ainda não ter saído do Japão. 

A mente tão pouco. 

O coração, perdido pelo mundo, extraviado entre oriente e ocidente.

Em que balcão reclamo?

Dissonâncias cognitivas.. ainda outras: dessa vez o mundo me cerca de cidade e carros, enquanto ainda tento processar tudo oque se passa. Como pode, ontem atravessava Shibuya debaixo de chuva, alimentava um pônei num parque... e hoje estou em São Paulo, minha mãe dormindo no quarto ao lado...eu de olhos vidradabertos esperando pelo dia que já amanhece com tons de cinza? 

Ainda não vi ninguém. Talvez encontrar amigos ajude a processar que já estou aqui, e que aqui estarei por um bom tempo. Paro e penso "-sério mesmo que você morou 5 anos na Ásia?! E não sei aonde e aonde ... mais 7 anos?!" Minha vida às vezes é um eterno disbelief... olho pra trás e não acredito que fiz algumas coisas. Mal acredito também que hoje estou aqui, encarando algo que nunca mais imaginaria acontecer: voltar pro Brazil (olha só... outro "erro" typo que brotou em verborrágia...) Amanheço ansioso, um pouco cinza como o céu acima de mim, com leves toques de cor garoando ali-ali-e-acolá.

A fome bate, me chamando pra minhas próprias limitações e pro fato de estar vivo. Suspiro....

Brasil, espero que não me demore muito pra te entender de novo.... e que não te demore muito pra me aceitar de volta.

segunda-feira, 6 de junho de 2022

0 dias entre o oriente e o ocidente: “purposefulless”

Já não tenho mais propósito no Japão. Nem o Japão tem muito propósito pra mim: não sei ser turista aqui; gosto, mas se não tenho oque fazer… não rola.

Mil horas me separam do meu vôo e não sei oque fazer com elas: cruzo a shibuya crossing milhares de vezes, ando pelos parques da cidade outro tanto de vezes etc? Não… o dia de hoje começa e permanece em chuva, nublado, como se externalizasse bem essa virada de página que agora acontece: hoje piso em terra nipônica, amanhã, em solo brasileiro… que mundo grande-pequeno…parabólicamara, ê ê!

Os amigos me enviam as últimas mensagens - uns de tchau, outros de ansiedade “já chegou?!?”, outros de saudades “já se foi?!? Não vá!!” - ninguém sabe bem onde estou, nem eu. Estou em trânsito, entre o oriente e o ocidente, flutuando entre esses dois mundos.

Amanhã acordo numa outra realidade: planeta tapioca, família, reconectar-me com esta última, seguir adiante em outros projetos…. sempre difícil recomeçar “do zero”, mas já fiz isso tantas vezes… por mais que minha ansiedade me deixe alerta quanto a isso, sei que vou dar conta (há uns estudos legais sobre o tema, explicando como lidamos com mudanças e sofremos mais em antecipá-las do que ao vivê-las… o cérebro emula mudancas, de alguma forma nos punindo mas nos preparando pra elas). 

O aeroporto vazio, nada aberto quase: um deserto de fome que assola viajantes desavisados. Please, alimentem-me. Mais tchaus, dessa vez pelo telefone: de onde surgiu tanta gente?! Sair é difícil, chegar num outro país também. Ótima ideia não ter seguido com planos de migrar novamente pra um país novo: certamente seria um baque recomeçar num ambiente ainda mais cheio de novidades que o Brasil (embora já me prepare pro choque cultural reverso, de tentar ser adulto no Brasil/ América do Sul pela primeira vez). 

That’s it, folks. Esta sereia (gosh… vou até deixar o erro… corretor ortográfico querendo que passe raiva e me pregando peças…aliás, já leram “mishearings” do Oliver Sacks?)… De novo: ESTA SÉRIE termina aqui. さよなら!Au revoir! Goodbye! Adiós! Tchau! Nos vemos logo mais, no outro lado do mundo.

domingo, 5 de junho de 2022

1 dias entre o oriente e o ocidente: primavera japonesa com um toque francês

Ontem encontrei H de novo. Jantamos, rimos um monte. Pedi desculpas por ter sido um idiota que não conseguiu dar a ela oque ela precisava (patterns!!??) Aí o namorado dela começou a ligar e ligar… queria que nos encontrássemos com ele e outros amigos dela. “-Rafa, você quer vir também? Só fico com receio… ele é meio difícil às vezes.” Aí meu alerta acendeu: adoro encontrar pessoas  difíceis e observá-las… assim, lá fui eu hee hee :)

Dessa vez ele foi mais doce: conversamos mais. Ele pareceu se abrir, queria saber mais de mim. Ela super emburrada com ele “-ele é meio grosso… francês demais às vezes… não são um povo simpático que nem vocês”…. “-Te entendo… brasileiro é meio besta… a gente ri à toa, sem ter motivo algum pra rir”… 

Caminhei por Shibuya e Shinjuku à noite. Que loucura, cidade que não pára! Viro pra H no meio do trajeto e pergunto: “-por que será que várias das minhas ex ou antigos relacionamentos acabam nas mãos de franceses?" Ela não sabia responder… Pelo menos dessa vez consegui conhecê-lo melhor: vi que ele é um cara legal e que gosta dela. Conversamos um monte, ele super interessado em saber sobre oque faço e como vejo as coisas; eu, igualmente interessado em ouvir as estórias dele (o cara veio pro Japão da França… de carro!). Sem falar que ambos foram maduros e respeitosos comigo: isso diz muito à respeito de uma pessoa. Fico feliz e tranquilo em sabê-la com um cara comedido, alguém que teria como amigo. 

[ね?!… Acho que isso já diz tudo :)]

Doeu-doei meu ukulele pra um casal de amigos de okinawa-yamagata. Foi presente da minha ex, mas não tinha como levá-lo ao Brasil. Ao menos o deixei em boas mãos, gente que há de usá-lo e tocá-lo bastante; não poderia ter melhores donos. Saber abrir mão e ser grato a tudo de bom que me trouxe… mas saber jogar no mar, diminuir o peso do barco e seguir adiante… talvez ela entenderia (acho que não...fazer oque).

Hokusai me desapontou…até pensei em comprar uma xilo da grande onda de Kanagawa, mas… melhor desapegar: meu tempo no Japão acabou, não tenho como levar mais nada daqui. 

Ontem me chega uma mensagem “surpresa” que me deixou feliz. Olho a minha mensagem anterior…. que embaraçoso… por que fui enviar isso?! Fiquei sem graça… deveria ter tido um pouco mais de compaixão… qualquer pessoa insegura faria isso… ao mesmo tempo, tenho compaixão por mim tbm… qualquer pessoa assustada faria o mesmo… Respondi feliz e surpreso: adoro surpresas e gente que toma a iniciativa (sem ser impulsivo, claro!).

Sigo pras últimas visitas. Daqui a pouco mais tchaus… os amigos japoneses me perguntam sobre o Brasil, sem a condescendência com que europeus ou americanos perguntam… curioso, como a ideia do América first ou Europa berço da civilização traz danos a qualquer interação… porque será que brasileiros e japoneses conseguem ser tão próximos?!?!

Dou um grande abraço no amigo brasileiro e em sua familia. Escalador e parceiro de muitas vias, ele me dá um carabiner de aço: "-Um pra cada amigo mais chegado!". Peso da porra… não sei se rio ou choro: peso… mais peso… seria melhor ter me dado uma bigorna... ainda assim, adoro.

Volto pra Tokyo. Tarde no parque. Vamos ver no que vai dar… depois tenho que arrumar as malas. Correria, amanhã é um grande dia. Pareço querer absorver a cidade inteira pelos poros do meu corpo, abraçar tudo… esse país vai me deixar saudades, de alguma maneira…. e de todas as maneiras possíveis…tudo meio scrambled dentro de mim, como na Shibuya crossing: uma ordem desordenada… saudade desde já que te pega por todos os lados e não se sabe de onde vem...

[Me lembrei agora que em inglês se diz “shibuya scramble square” pro cruzamento mais famoso do país…. nao poderia ter melhor nome.]

O dia termina, jantar num restaurante… caminho até uma jidohanbaiki (umas dessas máquinas automáticas de venda de bebidas)…bem devagar, como num ritual, tiro meu tênis já furado e pedindo pra não viajar e os deixo aos pés da máquina: “- que algum morador de rua te encontre e te faça feliz por essas ruas”. Caminho pro Airbnb descalço… como há anos atrás, em Paraty… penso na semelhança-diferença… na areia da praia que hoje vira asfalto japonês…mas hoje, eu sozinho… e daqui em diante… caminho calmo… torço para regressar assim, em serenidade… mas talvez um pouquinho desajuizado 😬

sexta-feira, 3 de junho de 2022

2 dias entre o oriente e o ocidente: universalidades, ambiguidades, uprooting ++

 Está no fim… ou seria no começo? Não sei… vivo uma situação (outra?) tão ambígua e que me permite diversas perspectivas. Posso ficar a sofrer, chorando pitangas aos montes… ou olhar para o futuro deslumbrado com as possibilidades que este parece me trazer… que caminho escolher?

Fico meio puto de pensar que quase tudo que me aconteceu nesses últimos 3 anos se concretizou ou consolidou apenas nas últimas 3 semanas de Japão. Pqp, como assim, procurar emprego e receber uma oferta… será que não poderia ter acontecido antes? Ou algumas ideias que entraram no trabalho com o indiano - cacete, como não havia visto isso?… ou finalmente perceber que, mais uma vez, algumas vezes você terá que seguir sozinho e ninguém te encontrará no meio do caminho… Tudo parece ter demorado mais do que deveria… e me culpo ainda muito por toda essa demora (sim, eu sempre me achei devagar pra processar as coisas, embora não o seja pra agir, uma vez que as entenda). Ainda assim, tento aceitar melhor que, se chego na resolução que agora chego, é fruto de tantos meandros pelos quais caminhei. Sem dúvidas, se escolhi o caminho que sigo de agora em diante, muito se deve ao Japão, cultura tão afeita e confortável com a ambiguidade e dubiedade das coisas, com a maneira vaga como as ideias são distribuídas mundo a fora.

Termos gratidão e sermos gratos pelos percalços que passamos. Termos a esperança de que algumas coisas podem tanto afastar pessoas como uni-las, termos a convicção de que errar é parte integral do processo de acertar (e que os dois são indissociáveis)… viver pra se equilibrar numa corda bamba sem termos medo de cair dela. Saber mudar de rota, ter a humildade de aceitar outros trajetos que são tão certos (ou errados!) quanto os que traçamos pras nossas vidas… ter paciência…

Tokyo parece me receber de braços abertos…. ou me dizer tchau tentando acenar com mais clareza oque esses anos na Ásia significaram… Hoje é dia de tentar ver Hokusai… não muito esperançoso de que conseguirei… interessante olhar de perto alguém que conseguiu traduzir a estética japonesa pro ocidente e se comunicar com tanta gente de maneira a influencia-las (Van Gogh, por exemplo)… algumas linguagens são universais mesmo… matemática, por exemplo. Me lembro dos policiais abrindo minha mala na chegada ao Japão… “seno… cosheno”… todo mundo deslumbrado diante do livro de matemática que trazia na mala, como uma tabula cheia de hieróglifos Maias… quanta coisa mudou nesses anos, quanta coisa continua igual… e quanta coisa continuo ignorando…