sábado, 25 de junho de 2022

Terra Brasilis : tudo num ponto (e a maior distância entre dois deles)

"Por meio dos cálculos iniciados por Edwin P. Hubble a velocidade de afastamento das galáxias, pode-se estabelecer o momento em que toda a matéria do universo estava concentrada num único ponto, antes de começar a expandir-se no espaço. A “grande explosão” (big-bang) de que se originou o universo teria ocorrido há cerca de quinze ou vinte bilhões de anos."
    
"Tudo num ponto", no todas as cosmicômicas, do Italo Calvino.


Há um conto do Italo Calvino - este, citado acima - em que ele fala do começo do mundo como um grande paradoxo: ele descreve o fato de várias coisas diferentes estarem ali, querendo se fazer pronunciadas, com suas naturezas distintas, como se o meio fosse heterogêneo... quando na verdade tudo se encapsulava na homegeneidade de ser aquilo um único ponto. O texto então fica oscilando entre essa dicotomia que, nas idéias do Calvino, se unem: o fato de muitas coisas distintas estarem ali, encerradas todas num único ponto, sendo portanto a mesma coisa.

[Ps: sei que já falei desse conto... mas ele sempre me vêm à mente de formas diferentes, por motivos diferentes]

Eu acho esse texto lindo, e sempre fiz analogias entre ele e várias das coisas que vivo-vejo-faço. Somos uma multitude de idéias, mostrando tais facetas em cada pequena coisa que fazemos, ao mesmo tempo em que nas muitas coisas que fazemos deixamos um pouco do que somos. É o tal contraste com o qual o Calvino brinca no texto: no fundo, somos apenas um ponto.

Por esses dias entre conversas e mais conversas, ligações surpresa, compra de móveis, violações com pitadas de paciência, eu tenho pensado num outro "paradoxo": o de como dois desses pontos podem estar longe-mas-perto, ou perto-mas-distantes. Fico abismado em ver esse mundo de impossibilidades, que parece tropeçar em medos, idéias pré-concebidas e receios diante do possível, agora ao alcance das mãos-abraços-beijos. O medo nos paralisa, assim como a incerteza. Nos ludibriamos diante de assunções e racionalismos que parecem mas não contemplam todos os lados de uma estória. Não damos espaço pra admitir que há uma questão que possivemente nos foge pelos dedos: o de que possivelmente estamos errados e sendo parciais.

"We always did feel the same

We just saw it from a different point of view"

Tangled up in blue, Bob Dylan


Sigo dias em desassossego, tentando antever como há de ser, eu e meu barquinho aportado em território alto-e-verde, província paulistana cheia de flores e temores. Aguardo sem querer aguardar, respeito sem me silenciar mas sem me perder em palavras, me censuro e sou censurado, tentando fazer sentido de como dois pontos tão próximos e com tanta atração parecem se perder em campos gravitacionais tão difusos-arredios e acabam, infelizmente, em órbitas diferentes. Tem sido difícil aceitar isso, essa "piada" de muito mal gosto.

"Só meu sangue sabe tua seiva e senha
E irriga as margens cegas
De tuas elétricas ribeiras,
Sendas de tuas grutas ignotas

Não sei, não sei mais nada.
Só sei que canto de sede dos teus lábios
Não sei, não sei mais nada."

Teu nome mais secreto, Waly Salomão e Adriana Calcanhoto

Além de tudo isso, me cerco de pontos, coisas, que me orbitam em busca de uma estrela ao redor da qual ter uma função. Me mudo, levando comigo pouca e muita coisa. Nesse processo de congregar todas elas num único lugar - uma casa, de verdade - eu tenho pensado em como este lar, pequeno espaço no mundo, demonstra um pouco  (ou mesmo tudo) do que sou: os detalhes, os quadros nas paredes, o improviso, a ausência de um eletrodoméstico sem o qual posso viver (mas não necessariamente preciso viver sem) etc. Oscilo entre aceitar que tudo oque é meu está ali, e que não sou nada disso, dado que oque carrego são apenas objetos, coisas, besteiras: eu, sim, estou em outra dimensão... ou talvez estas tantas coisas são só uma parte diminuta do que sou.


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