Ontem conversava com um amigo de infância e ele me apontou algo interessante: que de todas as minhas mudanças pelo mundo, as únicas que foram "loucas" foram a minha ida pro Rio de Janeiro (há uns 15 anos) e esta de agora.
Na hora fiquei pensando no que ele falava e vi que ele tinha razão. De certa maneira, sempre equalizei todas minhas mudanças como se fossem simplesmente mudanças de cidade e ponto - tudo igual. Mas não: fui pro Rio sem saber se ia rolar ficar lá. Passei dois meses naquela incerteza, inicialmente sozinho no apartamento minúsculo de um amigo que então viajava. Depois de um mês meu amigo voltou de viagem e ficamos lá, eu + ele + a namorada dele que vinha quase sempre: fui forçado então a dormir debaixo da mesa, onde fiquei por um bom tempo.
Terminados esses dois meses de sol, matemática e incertezas, voltei pra São Paulo e, envolto em dúvidas, comecei uma pós no mesmo lugar onde fui undergrad e que havia me aceitado até aquele momento: uma angústia enorme naquele ambiente hostil, salas sem janelas, os mesmos alunos de antes, aquele pessoal apático e desunido de sempre... aí chegou a oferta para se ir pro Rio: aceitei e fui, pra morar por mais um tempo debaixo da mesa do meu amigo, até encontrar um apartamento.
Ontem meu amigo me relembrou desses detalhes... que a ida pro Rio era meio 0 ou 1: se não fosse aquilo, não seria mais nada, talvez nem pós fizesse, dado meu desgosto em ficar no mesmo lugar em São Paulo. Foi um pulo sem rede de proteção, algo que se assemelha muito ao que fiz agora. Mais uma vez, felizmente (e por sorte), está rolando.
Fiquei meio desconcertado em não ter percebido isso antes... aí reparei que, curiosamente, os dois momentos mais difíceis dessa trajetória foram justamente sair daqui, e voltar pro mesmo lugar... mais um koinobori/piracema, eu voltando pro lugar de onde saí e tendo que morrer um pouco pra isso: quando fui, em cortar raízes profundas de uma vida de tantos anos e tantos amigos em São Paulo. Agora, quando volto, a dificuldade em reatar laços com um país que sinto desconhecer e com o qual tenho vínculos, mas não mais assim tão fortes. Pareço morrer pois uma parte de mim se sente rejeitada enquanto aqui. No entanto, a cada passo que dou me sinto mais vivo, tentando assimilar uma cidade nova, um tentando acomodar o outro, mutuamente. Meu corpo parece faiscar ao tocar as ruas, meus olhos se deslumbram com tudo, em como a vida consegue florescer e crescer num ambiente cercado de tantas incertezas e injustiças. Ao mesmo tempo que tudo isso me dói os olhos e a alma, me empolga ver tanta vibração e energia em pessoas que têm que se esforçar tanto por um lugar ao sol... admiro e quero reencontrar isso, algo que parece ter ficado em estado latente diante das facilidades do "primeiro mundo" (termo que não curto, diga-se de passagem), mas que vive dentro de mim desde sempre.
Agora, uma digressão pra dizer que tenho tido dificuldade em processar cognitivamente tantas pessoas na rua: todas são muito diferentes!!! Meu cérebro quer assimilar todos os detalhes - o cabelo enorme de uma mulher, o nariz estranho do senhor que senta no metrô, a roupa curiosa do travesti que me pede dinheiro na rua, o cabelo cool da pessoa que dá em cima de mim no metrô (hoje, um homem, mas bem andrógeno)... meu cérebro precisa reaprender a ignorar tanta informação... há de levar um tempo.
Nesse processo de assemelhar o pulo de saída do útero, e o de volta a ele, hoje eu vi como as coisas mudaram: lembro dos milhares de perrengues em ter ido ao Rio, e agora o conforto em voltar, com o poder de decidir onde quero morar, como quero morar, oque quero fazer... ter saído daqui foi realmente uma loucura dolorosa... ter voltado é outra, mas bem menos ruim. Ambas, cheias de possibilidades. E, como meu amigo falou - e não tenho como discordar - são ambos momentos para se crescer muito e brotar de novo, transcendendo medos que muitas pessoas simplesmente não vêem ou, na marioria dos casos, nem sabem que todas as vidas igualmente possuem...
Muito feliz em ter ido... muito feliz em ter voltado... esse koinobori-piracema é mais um ciclo que parece se fechar na minha vida.... um que, em gratidão e serenidade, pareço receber nos meus braços sem nunca sequer ter vislumbrado que seria assim...
...a graça de viver algumas coisas sem planejá-las... :)
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