Só notei na semana passada, enquanto esperava para atravessar a rua: passava uma ambulância a interromper o trânsito, aquele alvoroço de carros parando e se empilhando para deixá-la passar. Ao que a ambulância passa, sirenes e tudo o mais, uma voz sai do seu auto-falante "- arigatô gosaimashita!".
Fiquei rindo sozinho e pensando em como isso nunca acontece em qualquer outro país que conheço. Sabe, não me surpreendeu, e até me pareceu óbvio esperar issor dos japoneses. Mas, de qualquer forma, fiquei meio intrigado sobre a maneira como as pessoas e diferentes culturas entendem a noção de urgência. Talvez por aqui as normas sociais não se transgridem tão facilmente, mesmo em casos de excessão, como a morte? Ou em casos de urgência como um incêndio? Talvez seja a mesma "regra moral" que se curve a absurdos como não deixar que mulheres entrem no tatame de sumô para ajudar um homem tendo um ataque cardíaco?
Não sei... me pergunto se tudo não são diferentes observações sobre um mesmo fenômeno. fugindo um pouco deste caso em particular, é interessante observar como tais "normas" funcionam e variam de lugar pra lugar, denotando camadas de coesão no tecido de uma sociedade/comunidade. Vai ver todo lugar tem esses botõezinhos que se apertam a depender do contexto: você aperta o "bom dia" ao entrar no elevador, enquanto noutros lugares isso não é necessário, ou você descarrega o dedo no botão "small-talk-mode" enquanto passa no caixa do supermercado no Brasil, enquanto noutros lugares (Japão, EUA) isso é muitas vezes inaceitável!
Talvez mais curioso seja pensar em como diferentes culturas depreendem uma mesma "regra", em especial em empresas. Há um livro curioso do Reed Hastings (um dos criadores da Netflix) no qual ele fala sobre esse "culture map" da empresa, e como é importante levar em conta o contexto onde cada cultura implementa uma política de empresa.
E dá pra estender essa conversa se formos para um assunto um pouco mais amplo: modelos políticos. Em especial quando testemunhamos a maneira condescendente como muitos países ricos tratam outros mais pobres. Será mesmo que a cultura Brasileira é mais permissiva (como já ouvi de algumas pessoas), ou (como acredito) essa é uma visão simplista, ruto de anos de desigualdade e exploração que vem lá de muitos anos, do tempo em que éramos colônia? Ou será que alguns povos são mais coniventes com e propensos a subordinação diante de regimes autoritários? Ou será que existe uma "grande democracia" que inspira justiça e tem o "dever" de liberar todos os povos, mesmo que pra isso deva subjugá-los e ir à guerra? Em dias como esses, em que a Rússia (bom, Putin e seus asseclas) se vêem nesse direito, como dialogar com visões tão distorcidas do mundo e da realidade que (n)os cerca?
Pra variar, tudo isso me passou pela cabeça num piscar de olhos.. digo, num sinal vermelho. O sinal logo abriu pra pedestres, atravessei a rua, cheguei no restaurante e pedi um "filé-com -fritas". Na versão japonesa, claro!
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