terça-feira, 26 de abril de 2022

Direto da Terra do Sol Nascente #129: dormindo dor, acordando angústia (noite #2)

Logo que esse processo todo começou eu pensei: "preciso registrá-lo...".. Isso porque não quero somente sair verborrágico, falando pelos cantos, mas ter uma maneira de acompanhar e comparar meu eu de ontem com meu eu de hoje. Não quero me comparar com os outros: quero ver e sentir o quanto eu consegui mudar (ainda mais) nesse ínterim.

Às vezes acho que esse blog é um pouco isso: eu, colocando pequenas "selfies" de mim mesmo, ao longo dos anos. Fotos que dizem um pouco de como vejo o mundo, do que acho graça, de como mudei, de como meus valores eram e hoje já não são mais. 

Ontem foi estranho. Em diversos momentos do dia parecia que o ar faltava e eu tinha que dar uma respirada funda pra poder vencer essa sensação de sufocamento dentro do peito. Em diversos momentos eu dava um suspiro longo e alto (tenho dado ainda.. já dei uns vários enquanto escrevo esse texto)... como um lembrete de que não estou afogando.

O Japão perdeu todo o sentido, até meus últimos 5 dias em Tokyo (pois fui ouvir que "deveria ir conhecer o Monte Fuji"... adivinha quem sugeriu?). Tentei ver se conseguia mudar meus planos e antecipar minha volta.... aí vi a merda de planejar as coisas tão bem: tudo tão "amarradinho" em datas e horários que agora está difícil de tirar uma única coisa do lugar.... ahhhh Rafaello.... De alguma forma, esse foi outro grande momento do dia: ficar sendo revisitado pelos meus erros, e tentar não me defletir deles; sentar com os mesmos e ver que, se for pra ser assim, então... 

Nesse processo de ser revisitado por sentimentos hostis, vêm uns ecos de coisas antigas. Duas coisas me passam pela cabeça: perder minha ex (que ficou nos EUA) e o medo de perder minha mãe durante a pandemia (em especial, após uma amiga daqui ter perdido a sua, em Honduras). Lembro-me que falava sobre isso com minha terapeuta, dizendo que não sabia exatamente como iria viver sem essas pessoas. Ela, calma, me dizia: 

"-Mas Rafaello, você já vive sem essas pessoas...."

Achava aquilo tão Japonês... essa cultura de olhar pra atitude ao invés de palavras.... me soava como uma verdade inaceitável, tamanha, que não tinha como discordar dela. Ainda assim, poderia viver sem, mas que ficariam buracos, ahhh ficariam... E claro, fisicamente é uma grande verdade - vivo sozinho; agora, emocionalmente... há laços e conexões tão fortes entre pessoas que se estendem por um mundo... e nunca se rompem.  

Talvez seja isso que eu esteja tentando mensurar agora. Vivo sem várias desses pessoas que fazem parte da minha vida há tempos, mas vivo com elas dentro de mim. E algumas poucas dessas conexões aconteceram tão ao acaso... que, pra mim, sortudo ganhador da loteria, fico grato só de tê-las encontrado.  E cada pessoa é diferente também... umas, quando se vão, nos deixam dor, mas essa acaba se arrefecendo por já sabermos que não fazia sentido mesmo (caso da ex): são perdas nas quais você consegue ver o quanto  - ao mesmo tempo - elas abrem o mundo pra você. Agora, noutras.... no presente momento... a química, a sinergia.... tão grande que não via outra possibilidade senão crescer junto... a aceitação da perda aqui é diferente. 

Uma amiga me falou que oque eu tenho à minha frente é um beco sem saída, um "não"... eu ouço em silêncio, mudo.... penso se estou a tentar agarrar o impossível com as mãos. Será que chamam isso de "ter esperança"?

Sei lá... sabe.... e isso é minha lucidez "kicking in"... reatar coisas em meio a dor não é bom.... acho que vai ser bom pra todos os lados se fortalecerem para poder, adiante, dar um passo com mais clareza. Eu estou cansado, essa mudança tem sido estressante, meu corpo carrega medo, ansiedade, empolgação, saudades... pareço levar tantas coisas dentro de mim ao mesmo tempo que me estarrece não ter sucumbido diante de mais esse tropeço, ajoelhado diante desse sentimento gigante como uma duna. E acho que não só eu estou assim agora.

Talvez esses desvios, esses "momentos de respiro" estejam aqui para nos reenergizarem...para nos restaurarem... para nos fazer lembrar que, em princípio, nada era dor e tudo era riso.... se for isso, então eu espero pra ver oque o futuro há de trazer.

Mudanças estruturais

Sempre penso, enquanto nado, na analogia entre cada braçada e um grão de areia que culmina numa duna: no fundo, nadar uma longa distância é o mesmo que concatenar um monte de braçadas inexpressivas. A grande questão em se percorrer uma grande distância então está em mantermos a calma, a respiração e aceitarmos que grandes mudanças/transformações podem levar, sim, muito tempo.

Páro pra reflitir no que as mulhers que passaram na minha vida me deixaram... delas e com elas aprendi muito (assim como aprendo dos amigos, mas é diferente). Sem sombra de dúvidas, todas fizeram de mim uma pessoa melhor (não que eu seja lá grande coisa..). Algumas, no entanto, causaram mudanças muito, muito grandes. Nuns casos, em personalidade - em me fazerem ver que posso sim me engajar num relacionamento e construir conexões; noutros, que deveria contemplar outras possibilidades - como sair da academia. E, mais recentemente, me apontarem que muito do que eu preciso agora não tem a ver com minha carreira somente, mas sim com a minha vida pessoal.

Há 12 anos estou fora do Brasil. Há 12 anos sinto que desenvolvi e me dediquei a uma parte de mim que contempla somente parte da minha personalidade: o meu lado introspectivo, de fazer coisas sozinho, de saber me deparar com a solidão e, em face a ela, encontrar maneiras de encará-la com serenidade. No entanto, carrego um outro lado, mais "carnavalesco", mais leve, que sempre fez com que me conectasse com as pessoas, as ouvisse, e fizesse amigos por onde passasse. Esse último Rafaello, infelizmente, ficou meio apagado nesses últimos 12 anos. E é nele que eu quero investir de agora em diante. 

Me levou muito tempo pra acordar pra isso. Muito tempo pra ver que essa resposta sempre esteve debaixo do meu nariz. Me puno, me machuco, chego até a me auto-flagelar  emocionalmente um tanto por isso. Mas... sei que todo processo de mudança nasce primeiro em termos consciência de que uma mudança é necessária... com essa consciência em mãos, cabe a nós a ignorar tal verdade (por medo ou algo assim), ou abraçá-la. Eu escolhi a última opção.

Tenho escrito mais ultimamente porque realmente preciso verbalizar tantos pensamentos. A mente parece seguir lúcida e clara nesses dias, mas os sentimentos parecem tentar me inundar de quando em vez como um tsunami atingindo um farol costeiro: a cada onda, eu receio o quanto há de sobrar de mim, e imagino que a dor há de ser pior e não arrefecer. Mas eu sei... eu sei que arrefece.... eu sei que passa... 

Meu maior medo na vida, talvez, seja o de um dia parar de mudar ou de me abrir pra ouvir os outros. Sinto muito por levar tanto tempo para fazer isso. Mas... esse sou eu: dificilmente jogaria tudo pro ar por idéias que não me parecem plausíveis de imediato... mas as ouço. E, como pequenos grãos de areia que vão se acumulando na minha orla interior, um dia elas se empilham em dunas gigantescas,  intransponíveis como um deserto. A maior prova disso, talvez, seja o fato de que esse ciclo hoje parece se completar da maneira mais inesperada que eu poderia imaginar: com o caminho mais óbvio.

Humildade talvez seja isso: se abrir pra aceitar e acolher, se silenciar diante de algo que nos parece duvidoso mas pro qual não temos argumentos: se abrir para mudar e, então, abraçar tais mudanças.  

Como uma amiga escaladora que, tradutora e envolvida em diversos projetos  - que, de acordo com ela, "só a deixam mais pobre, mas muito feliz" - me disse recentemente: "let's keep things interesting...that's what drives me". Na hora que ouvi isso, me vi naquela frase: vai ver, no fim das contas, é isso que tenho buscado ao longo da vida...

segunda-feira, 25 de abril de 2022

Direto da Terra do Sol Nascente #128: dormindo em dor, acordando em dor (noite #1)

Vai levar um tempo ainda: 5 semanas.

A razão e a clareza só parecem ajudar na hora de sabermos oque queremos e precisamos fazer, não em mitigar qualquer dor que nos aflija. 

Não adianta racionalizar...

Não adianta meditar...

Não adianta rezar...

Não adianta saber oque queremos.

A dor vem e nos acorda pelo pé no meio da noite.

Estou tentando ser grato... muito grato por tudo oque se passa ao meu redor e dentro de mim nesse momento... só está meio difícil harmonizar tudo ainda...

quinta-feira, 21 de abril de 2022

Direto da Terra do Sol Nascente #127: "hiding love away"

Calhou de eu estar tocando essa música dos Beatles há um tempo (por conta do solo no final, que tirei com uma escaleta) e ...a letra - bom, o título ao menos - e essa idéia de você esconder o seu amor pelas coisas ou pessoas. Você se reprimir e não dizer, não poder falar. 

Pra falar a verdade isso me parece tão estranho (você não fala o que quer e sente, e isso te machuca)  e quase contra intuitivo, pois cai num loop rapidinho já que o falar às vezes também acaba nos machucando: podemos ser oprimidos, rejeitados, ignorados.... e, por fim, falar e não falar acaba dando na mesma. É um loop infinito onde tudo acaba em dor.... a pior sensação do mundo e, de alguma maneira, como eu tenho me sentido.

No fundo, talvez tudo nasça do fato de não termos uma opção: a dicotomia está posta e é essa, divide todo o espaço de escolhas - falar, não falar - e tudo se sustenta nisso. Não há muito por onde fugir: a dor acaba te comendo pelas beiradas, por dentro, te subindo pelas entranhas, te corroendo.

Por outro lado... essa dor pode nos mover, nos mudar, nos fazer entender - como no post anterior quando falava sobre "nossos limites nos tornarem mais humildes" - que no fundo, bem lá no fundo, estamos vivos e na chuva para nos molhar. Vai doer mesmo, seja amor escondido, dito, não dito, bendito, em banners, em faixa de avião que sobrevôa a orla, em cartinhas, em mensagens, em sonhos, em conversas que se deixa pra depois para se dizer a verdade, em conversas que acabam não acontecendo, em fugas pela tangente, em respostas em que se faz de desentendido, em saídas de campo antes do final do segundo tempo diante da derrota evidente, em tudo! 

Apesar de aprender com ela (ou tentar) não advogo pelo caminho da dor, que fique claro. Doer não é nem prazer tipo 1, nem tipo 2: doer é uma merda.

Entre braçadas

Sabe, eu nunca fi um esportista. Nunca fui o cara que jogava bola pra caramba, ou corria mais rápido que todos nem nada. Eu estava sempre na média ou um pouquinho acima dela. De qualquer maneira, há alguns anos que exercícios fazem parte da minha vida.

Por muitos anos eu sempre os tive como uma necessidade que "tem que estar ali para poder conter minha ansiedade". Ao menos era assim, por exemplo, que via a natação: uma dependência quase, que se tirasse da minha vida não sabia oque viria a acontecer. Calhou, no entanto, de já ter ido por meses sem nadar e ... "nada" (perdão o trocadilho infâme e "nada" ...[oh gosh]...poético): fiquei bem e sobrevivi inteiro.

Aí eu penso... então pra que? Pra que me submeto a essa dor?

Vim a saber há algum tempo que algumas pessoas, não de maneira científica, categorizam o prazer em tipo 1, tipo 2 (o que, de fato, desencadeou pesquisas sobre o tema). No primeiro ficam as coisas super simples como comer um sorvete, enquanto o segundo envolve nadar, trabalhar num projeto interessante, escalar etc. Ao que parece, existe uma escala - diria até um trade-off - entre a dificuldade e o prazer: quando se faz algo muito trivial, não sentimos prazer. Assim como também não extraimos prazer de coisas muito difíceis, mesmo que gostemos delas. Agora, quando tocamos em algo um pouco mais difícil e que demanda da gente cognitivamente, acabamos num processo indutor de flow, que seria como um estado em que nos sentimos sublimes e nal vemos o tempo passar.

Honestamente, não sei se nadar - nem escalar, me leva a esse estado de flow. No entanto, sempre que nado tiro grandes paralelos "quase-filosóficos" com outros aspectos da minha vida. Como o fato de que cada braçada ser oque me separa da minha meta, e de que, no fundo, nadar é só uma "concatenação complexa" de coisas simples. Assim como matemática, ou escalada. 

De certa forma, me vejo um pouco em tudo oque faço. (Ou, vai ver/quem sabe, tudo oque faço me limita e restringe minha visão de mundo?) Em todo caso, toda vez que nado me deparo com essas mesmas dificuldades que imploram por ser resolvidas e, diferentemente de uma teoria que um dia se compreende, ou uma idéia que um dia se domina, sempre acabo desafiado pelas mesmas dificuldades e repetições. É claro que se aprende, que se melhora, que se treina para melhorar perfomances. No entanto, ao menos na parte psicológica, todos esses esportes acabam sendo um pouco daquilo que Pessoa fala quando nunca se entra no mesmo rio duas vezes: as complexidades desses esportes sempre me são as mesmas, mas são sempre encaras como se as visse pela primeira vez.

É gostoso também sentir onde está a fronteira dos nossos limites: até ali o corpo aguenta, depois disso me machucaria. É um eterno estado de auto-consciência que nos pune quando não somos humildes o bastante para admitir que excedemos. 

Mas... aonde eu quero chegar com isso? Acho que a lugar nenhum rsrsrs Vai ver escrever também é um prazer tipo 1.5, que me leva a algo que se parece flow mas que termina em verborragia e posts sem começo, meio, ou fim.

Pronto. Parei.

terça-feira, 19 de abril de 2022

Direto da Terra do Sol Nascente #126: "hakanai" (儚い)

Existe uma palavra interessante que, nest blog, já apareceu em Português, em Inglês, e de muitas outras formas. Hakanai, que é traduzido como "efêmero". 


No Japão, no entando, efêmero tem uma outra dimensão. Representa não só a transiência das coisas, como também traz muitos paralelos que os japoneses, como sociedade milenar, têm "martelado" em cima ao longo dos tempos. Uma dessas coisas são as sakuras, flores de cerejeira, que nessa época do ano abundam pelo país, mas que na primeira noite de vento forte ou dia de chuva, se esvaem pelo mundo e voam por todo o país. É lindo ver e, pela primeira vez, percebi que, apesar de muitas serem árvores anciãs, suas pétalas parecem confeti, a enfeitar o chão de um mundo que desconhece o carnaval do meu país.

[Eita...esse "meu país" veio despercebido-verborrágico... vou deixá-lo]

É muito louco isso, pois nunca fui muito dado a isso. Sempre achei bonito, mas ... nada de mais. Mas esse ano, talvez por saber que vou embora, parece que me pegou de jeito. O "efêmero" ali, diante dos meus olhos, contrastanto com minha vontade infinita de lembrar tudo e saber que vou esquecer. 


Essa transiência das coisas me faz relfetir sobre tantas coisas que já vivi e quis que perdurassem, mas que parece areia que se pega nas mãos no fundo do mar: quanto mais apertamos, mais ela nos foge pelos dedos. Penso em cada sorriso, em cada risada, penso nos pés descalços que caminham pela orla à caminho do hotel, na risada até a barriga doer no meio do shopping Finlandês, ou do livro aberto aleatóriamente numa biblioteca e que cai num texto do qual nunca havia ouvido falar/super fazendo sentido, ou das risadas no bar diante de um momento "pra lá de honesto" de um dos amigos, ou de tantas, tantas coisas que ficaram fragmentadas como um quebra-cabeça faltando muitas, muitas peças, mas das quais só sobraram as mais bonitas... se é que existe tal coisa.


Uma das coisas que 99% das mulheres que passaram pela minha vida "odiava" era essa minha "memória seletiva", o pouco lembrar. Dizia pras mesmas e continuo dizendo que eu mesmo sou um eterno insatisfeito com isso, mas sei que há dois lados pra questão:  por um lado, esqueço dos detalhes somente, não da essência; por outro, me a dor que me causam em geral arrefece rápido, e em geral sempre fui o primeiro a dar um primeiro passo na resolução de problemas, o primeiro a pedir desculpas e deixar o orgulho de lado.


É estranho isso... eu sempre quis lembrar mais. Hoje em dia, no entanto, parei pra aceitar que minha mente funciona meio assim: muito forte em imagens e sentimentos, muito lógica minuciosa das coisas mas sem se  aferrar aos detalhes de rodapé de um dia, de uma frase que saiu torta, de uma farpa que feriu drante a briga, um estilhaço que machucou numa ligação. Vai ver, e até certo ponto acredito, que todo mundo é assim, em maior ou menor grau.... efêmero por natureza.

domingo, 17 de abril de 2022

Direto da Terra do Sol Nascente #125: "para agradecer, aperte aqui"

 Só notei na semana passada, enquanto esperava para atravessar a rua: passava uma ambulância a interromper o trânsito, aquele alvoroço de carros parando e se empilhando para deixá-la passar. Ao que a ambulância passa, sirenes e tudo o mais, uma voz sai do seu auto-falante "- arigatô gosaimashita!".

Fiquei rindo sozinho e pensando em como isso nunca acontece em qualquer outro país que conheço. Sabe, não me surpreendeu, e até me pareceu óbvio esperar issor dos japoneses. Mas, de qualquer forma, fiquei meio intrigado sobre a maneira como as pessoas e diferentes culturas entendem a noção de urgência. Talvez por aqui as normas sociais não se transgridem tão facilmente, mesmo em casos de excessão, como a morte? Ou em casos de urgência como um incêndio? Talvez seja a mesma "regra moral" que se curve a absurdos como não deixar que mulheres entrem no tatame de sumô para ajudar um homem tendo um ataque cardíaco

Não sei...  me pergunto se tudo não são diferentes observações sobre um mesmo fenômeno. fugindo um pouco deste caso em particular, é interessante observar como tais "normas" funcionam e variam de lugar pra lugar, denotando camadas de coesão no tecido de uma sociedade/comunidade. Vai ver todo lugar tem esses botõezinhos que se apertam a depender do contexto: você aperta o "bom dia" ao entrar no elevador, enquanto noutros lugares isso não é necessário, ou você descarrega o dedo no botão "small-talk-mode" enquanto passa no caixa do supermercado no Brasil, enquanto noutros lugares (Japão, EUA) isso é muitas vezes inaceitável!


Talvez mais curioso seja pensar em como diferentes culturas depreendem uma mesma "regra", em especial em empresas. Há um livro curioso do Reed Hastings (um dos criadores da Netflix) no qual ele fala sobre esse "culture map" da empresa, e como é importante levar em conta o contexto onde cada cultura implementa uma política de empresa. 

E dá pra estender essa conversa se formos para um assunto um pouco mais amplo: modelos políticos. Em especial quando testemunhamos a maneira condescendente como muitos países ricos tratam outros mais pobres. Será mesmo que a cultura Brasileira é mais permissiva (como já ouvi de algumas pessoas), ou (como acredito) essa é uma visão simplista, ruto de anos de desigualdade e exploração que vem lá de muitos anos, do tempo em que éramos colônia?  Ou será que alguns povos são mais coniventes com e propensos a subordinação diante de regimes autoritários? Ou será que existe uma "grande democracia" que inspira justiça e tem o "dever" de liberar todos os povos, mesmo que pra isso deva subjugá-los e ir à guerra? Em dias como esses, em que a Rússia (bom, Putin e seus asseclas) se vêem nesse direito, como dialogar com visões tão distorcidas  do mundo e da realidade que (n)os cerca?

Pra variar, tudo isso me passou pela cabeça num piscar de olhos.. digo, num sinal vermelho. O sinal logo abriu pra pedestres, atravessei a rua, cheguei no restaurante e pedi um "filé-com -fritas". Na versão japonesa, claro!



segunda-feira, 11 de abril de 2022

Direto da Terra do Sol Nascente #124: a maior das distâncias

Muito provavelmente é a palavra sobre a qual mais falei em todos esses anos de blog: distância. 

E ciúmes...falei de ciúmes? E de se sentir substituído?

Acho que não... mas, de alguma forma, num universo não muito distante, esses termos todos se emaranham.

Estar longe... a sensação horrível de impotência, como se fossem mulhares de borboletas a se debatem na nossa barriga, fragilidade em erupção, o estado de não-presença exacerbado também, o coração longe, a cabeça mais longe ainda... 

Em suma: uma merda.

Acho que não foi nem uma, nem dias, mas várias as vezes que senti isso. Em todas, é difícil: a dor parece intransponível, o tempo parece se dilatar, dilacerando a alma como cacos de vidro ... você deseja que tudo passe rápido pr'aquilo acabar, mas não, o tempo se mantém longo e vagaroso, alfinetando cada segundo da nossa existência com um "eu te disse", ou "a culpa é tua"....

Perder alguém é muito difícil.... Ver essa pessoa se distanciar, imaginar que foi culpa sua...sem falar em saber abrir mão por não poder mudar a situação, ao menos não ali, naquele derradeiro segundo em que você quer que sim, tudo mude e seja diferente.

Caramba..sempre penso sobre isso: já perdi tantas pessoas que considero especiais, tantos amores, e sempre sofro da arrogância de achar que da próxima vez será mais fácil. Não: sempre me dói como se fosse o primeiro, como dura como o último fosse nada.... É um estoicismo de amor: "sofra cada amor como se fosse o último a te rasgar a alma", e lá vai você, vendo que todos os remendos do break-up anterior não serviram de nada.

Pensando bem, talvez serviram: pra racionalizar a situação de perda e ver que, num horizonte sabe-se lá quão distante, essa dor passa.


Direto da Terra do Sol Nascente #123: trocando por miúdos ou "a transiência do belo"

Meu apt está ficando menor ... ou talvez maior, a depender do ponto de vista. 

A cada dia, móveis se despedem de mim, e partem para outras casas, me desejando boa sorte na minha jornada. Well... pareço antropomorfizar as coisas mais banais: móveis sáo e serão móveis. Que venham, que passem, que sigam suas vidas para ser funcionais onde quer que possam ser.

A vida tem se demonstrado curiosamente estranha. Calhou de ser logo o começo da primavera, a vida fechando esse ciclo de "quase-morte" (the "death spiral", continuando o tema do post anterior), e se renova, brota em beleza por todos os cantos. Como um pop up insistente que não te deixa em paz, olha-se pra qualquer lado no Japão de agora e se vê algo rosa-esbranquiçado, uma flor de cerejeira que me mostra que não, que tudo não passou de mais um ciclo mesmo.

Talvez, desse ciclo que aqui fecho, devesse tirar lições parecidas. Sim, é um ciclo se fechando, uma transição onde agumas coisas tem que passar, serem deixadas de lado, e a transiência de tudo - da beleza, da cor, da flor - deixando no ar o pólen da lembrança, numa certeza infinita de que tudo na vida passa.

terça-feira, 5 de abril de 2022

Direto da Terra do Sol Nascente #122: lamaçal

 Nunca havia acontecido comigo. Já tinhaouvido falar, mas não, nem havia chegado perto de mim. 

Mas sim, ma hora, como talvez tivesse que ser, aconteceu.

"-Let's just put the name of two more people here: my boss and my superior..."

Reagi num imediato "-no fucking way!", mas não sei se foi o suficiente pra me deixar bem diante da estória. Caramba... que ousadia!!

Sei lá... fiquei meio chateado em ver isso. Fiquei pensando no "lemon problem" do Akerlof, me perguntando sobre o custo de ser desonesto e em como isso leva, por uma força maior que a de cada pequena parte, a corroer toda a estrutura de uma sociedade (no caso, a sociedade científica japonesa). 




Alright, já tinha ouvido coisas similares nos EUA quando estive por lá, não é algo particular do Japão em si. Acontece aqui, acontece em todos os lugares.

Me pergunto quanto tempo levará pra essa espiral culmine num turbilhão onde só o que restar são os mais corruptos. A pergunta é interessante (e o Akerlof, infelizmente, não a responde). Claro, você deve pensar, "-isso nunca há de acontecer! O ser humano é bom e cientistas têm que prestar contas à sociedade!" Aí que mora a assimetria de informação: a depender do meio científico que você está não há avaliador de fora que possa dizer se você está certo ou não. O conhecimento é muuuuuito técnico pra ser avaliado como uma simples leitura por lazer feita opor outsiders.  E olha, nem precisamos ir muito longe da academia pra ver outros exemplos: crise de 2008, milhares de Ponzi schemes pelo mundo, onecoins etc. É um pouco do que o próprio Akerlof e o Schiller falam no Phishing for fools: se alguém coloca um anzol com uma isca, vai aparecer um trouxa e ser fisgado. O difícil é admitir que, às vezes (ou muitas vezes), o trouxa somos nós.

Talvez, infelizmente, resistir a isso é mais forte do que a minha, a tua, a nossa honestidade: se "competidores" (caso você compita com os mesmos pro vagas de trabalho ou por grants de pesquisa) são corruptos e isso os coloca num outro nível de reconhecimento perante juízes (sociedade, bancas de avaliação de projetos, hiring managers), a imoralidade passa a ser um novo standard e todos acabam fazendo o mesmo.

Num outro exemplo, relativamente distante mas não tanto: muita gente que é atleta profissional já me disse que é impossível ser um atleta de alta performance que não se dopa de alguma maneira. Foi na verdade de um atleta que ouvi pela primeira vez que "se você não fizer o mesmo, você nem chega num nível pra competir com os outros". 

Enfim... aconteceu...  em primeiro de Abril de 2022 (mas, se foi piada, foi de muito mal gosto).

[Toca vinheta de fim de programa]