sexta-feira, 6 de maio de 2022

31 dias entre o oriente e o ocidente: arredores

 Tá certo... tá todo mundo de saco cheio de me ouvir dizendo que vou me afogar nesse mar de saudades que me separa do melhor que o Brasil pode me dar, que tá difícil etc. Eu tô de saco cheio de mim mesmo, estou chato, estou.. com saudades! Que que posso fazer?! No entanto, em meio a tudo isso outras coisas acontecem, outros anseios, outras angústias: rachadinhas que kintsugi nenhum daria conta, ou imperfeições tamanhas em impropriedade que não há wabi-sabi algum nelas... 

Estou falando do Brasil.

Como penso nisso... como penso no país que deixei atrás: Brasil em 2010!!! Bombando, todo mundo nos EUA me perguntando sobre.... e a derrocada, dias "Temer"osos, instabilidade, guinada à direita.... Reflito sobre o que posso oferecer de volta pra ajudar a mudar essa situação de calamidade que meu país enfrenta. OK, talvez a coisa esteja menos pior do que imagine... mas... não tenho como me enganar diante dos números: a miséria assola o país, a pobreza e a fome aumentaram, evasão escolar explodiu... penso no que teria sido da minha família se isso tivesse nos pegado... com certeza não estaria aqui hoje... nenhum homem se faz sozinho, tenho a modéstia de admitir isso. Tive a sorte de crescer dentre boas políticas públicas: vejo os amigos daqui, dos EUA, de tantos países que não puderam ir atrás dos sonhos que tiveram, estudar, aprender... fui e sou um sortudo. Mas hoje... há um  risco iminente de vermos mais 4 anos de um governo que está acabando com o país, suas riquezas, acentuando as desigualdades abissais que sempre foram uma praga na estória do país, o discurso divisivo..

Aonde a gente cabe nesse meio? Aonde eu caibo?

Não sei... sempre cresci achando que fazer algo significava fazer minha parte. Não acredito mais nisso... ou, sinceramente, não sinto que tem sido o suficiente. Acho que meus dias nos EUA me ensinaram bastante nesse aspecto: por mais que tenha enormes críticas aos sistema americano, as pessoas lá se mobilizam de uma maneira fora do comum para conseguir as coisas. Há um senso de comunidade muito forte que, claro, pode se exacerbar ao colocar uma comunidade contra a outra...mesmo assim, era admirável ver aquelas pessoas se unindo pra fazerem coisas como festivais, fecharem grandes avenidas para dias de lazer de bike no centro da cidade etc....

Acrescente-se a isso tudo voluntariar. Volutariar me deu uma lição enorme de vida, quase um propósito. Sem sombra de dúvidas, foi algo que mudou a forma como tento ensinar, como recebo as perguntas dos outros, como me abro pra aprender mais com aquele que tento ensinar do que qualquer coisa. Não sei ao certo o porque de ter sido algo tão importante... talvez o fato de ter sido muito difícil recomeçar a vida após o doc: achava que meu chefe me demitiria a qualquer momento, a distância dos amigos, morar por mais de um mês no sofá de um amigo com apenas $1000 no bolso pra passar o mês...pqp!! Em meio a tanta turbulência, partia pra voluntariar e me pegava admirado/surpreso diante de outras vidas, sofrimentos, imigrantes e suas dificuldades: ver e ajudar pessoas de 60 anos a aprender a ler pela primeira vez, conversar e interagir com meus alunos (muitos dos quais mal falavam inglês), saber que estavam naquele país tentando recomeçar suas vidas depois de fugirem de suas terras, forçadas a deixar pra trás tudo (as vezes o nada) que tinham por conta de guerra, violência... estávamos todos aprendendo, em diferentes níveis...

Me pergunto se posso fazer o mesmo pelo país pro qual volto. Brasil... será que tenho algo a te dar de volta? Nesses horas, quando achamos que nada temos, é quando descobrimos que, na verdade, temos tudo. Agora... como compartilhar isso?


quinta-feira, 5 de maio de 2022

32 dias entre o oriente e o ocidente: kintsugi (金継ぎ)

Há dias como esses últimos em que a saudades é tanta, tamanhenooorme, que pareço me afogar em suspiros. Não tenho muito espaço em mim pra escrever sobre qualquer outra coisa.... mas resisto firme (ou algo assim), pois quero entrar em contato... disse que não o faria, devo manter minha palavra... e vai ver só eu estou sentindo falta...violar o espaço do outro pra que? Me podo, me limito, me censuro.. ou ao menos a sensatez faz tal trabalho por mim.

Não entendo direito o papel da saudades... talvez ela apenas fortaleça tudo oque estava fragmentado e em pedaços... como num kintsugi (金継ぎ), outra palavra em japonês que parece permear meus dias. 

Em geral se faz kintsugi quando algo muito valioso (não em valor, mas em estima) se quebra em partes. Em casos do tipo, cada fragmento é preservado pra que tudo seja refeito com remendos em ouro, um processo que pode levar tempo, mas indica o quão singular se é aquilo que se busca reparar. Apenas algo tão puro e valioso pode grudar algo tão precioso. 

Talvez o papel da saudades - e o de algumas pessoas  que passam por nossas vidas - seja um pouco isso: remendar tudo oque estava pendente, tudo oque estava sem arestas e mal polido... partes disjuntas que seguem lado a lado mas não exatamente conectadas. As dificuldades também, aparecem para nos mostrar que apenas um processo parecido ao kintsugi é digno de reparar algo que é tão delicado como uma relação... E as suturas ficam ali visíveis:  imperfeições que dão mais relevância ao quão importante algo nos é; o wabi-sabi novamente, a realçar a beleza das imperfeições que são parte do que somos.

Me pergunto, de alguma maneira, se o papel do Japão na minha vida também tenha sido esse - claro, talvez só vá saber disso daqui a anos (ou nunca vir a saber)... 

quarta-feira, 4 de maio de 2022

34 dias entre o oriente e o ocidente: wabi-sabi (侘寂)

 Ontem bateu uma coisa… como uma rajada de vento que traz frio no meio do dia. Me peguei tremendo diante da angústia… ciúmes talvez? “Isso vai ficar grudado na tua cabeça “, me disse uma amiga há dias “ -pra que você foi querer saber disso?”… nem eu sei… estupidez? Saber se posso ter esperanças?! Então veio uma angústia-pergunta na cabeça: e se o dano que causamos agora for irreparável? Pergunta retórica, em dor… nem eu sei a resposta…

É interessante que nessas horas algo “fresco” e “novo” nos parece vantajoso: não carrega o peso da história, da distância, das palavras farpadas que surgem desavisadas em conversas .. mas claro, essa é uma percepção ingênua: toda relação tem isso, em algum momento.

De fato, essa última observação me vem à cabeça para tentar me fazer ver que devo parar de jogar jogos comigo mesmo: não existe vantagem alguma de qualquer parte aqui… pra uma pessoa que tenha clareza disso é tudo uma questão de decidir oque se quer/busca. 

Penso mais no tema… me indago se, uma vez tendo isso em mente, oque diferencia duas relações… por que eu não jogo pra debaixo do tapete e sigo adiante, apertando o botaozinho da gratidão e saindo pro mundo? Honestamente… não sei…  talvez seja não querer transferir algo que sinto por uma pessoa pra outra. O prognóstico então não é lá dos melhores: mesmo se adiante os caminhos bifurcarem, talvez me leve um tempo ainda até permitir que algo assim aconteça novamente.

Suspeito, na verdade, que haja algo mais aí… a questão maior talvez seja a de que toda relação é algo que sofre embates, e que o que mais me admira numa delas não é a combinação perfeita de tudo, o match,  a “química” somente, mas a capacidade de se regenerar  diante de feridas, tropeços, uma trinca… 

Me visitam então fragmentos do que talvez tenha sido  um último encontro: um presente dado de última hora, uma conversa difícil, um relato meu de que havia saído com uma japonesa algumas vezes… e, mesmo assim, ela não virou as costas: pra mim, ou pra essa relação. Olho pra isso como uma lição: a maior prova de que acreditamos em algo é passarmos pela provação de ver, admitir, forçosamente encarar que nossa (toda) relação com o outro é, por natureza, imperfeita; oque muda dentre as mesmas são os pares (ou mais!) que as constroem. É em meio a essa lição-admiração que (a) vejo encantado…  algumas pessoas crescem firmes mesmo em meio às intempéries que toda relação intrinsecamente carrega. Talvez seja por isso que persista… não tenho certeza…

Há uma palavra em japonês… “wabi-sabi" () que é intraduzível e que, caso pergunte a um japonês, você não vai ouvir uma resposta boa, muito menos curta… mas vou tentar explicar aqui. Pelo que entendo, wabi-sabi diz respeito à estética e cultura japonesa e toca na beleza sútil que pequenas imperfeições trazem a tudo, no valor profundo que o efêmero e transiente carregam num decorrer de um evento. Lembrei dessa palavra ontem, em reflexão sobre oque sentia e se passa… me deparei então numa relação cheia deles: efêmeros encontros que gostaria que durassem uma eternidade, nas piadas em momentos mais difíceis (despedida em aeroportos, por ex.), nas reflexões compartilhadas, nas discussões para trazer clareza à natureza das coisas, nos medos compartilhamos, nas dúvidas divididas… nas trocas (e quanta troca!) e, claro, nas imperfeições …

[“dúvidas divididas” é de lascar..  baixou meu lado Sidnei Magal… sorry 😬🙈]

Medito em cima da questão que não sei responder (qual delas? A retórica, lá no começo!) e vejo que talvez o momento não seja de ruptura como temia (e ainda temo), nem uma fragmentação irreparável de algo único, mas sim a admissão de uma verdade pura: de que a imperfeição mora em tudo oque nós humanos façamos.

Não sei se isso me acalma… [a saudades continua uma merda rsrs] … mas aceito melhor a simetria das coisas: já não considerava, mas pareço entender melhor o porque de não ter virado as costas e desistir de algo assim por tão pouco… a vida há de garoar (“sprinkle”? , português, ajuda) dúvidas e dificuldades em toda relação e tudo o mais que tivermos.

Então chegamos onde? A lugar nenhum rsrs  Me pergunto se havia encontrado alguém que tinha olhos mais bem treinados pra perceber esse wabi-sabi que tínhamos, algo que transcendia a química ou qualquer coisa do tipo? Não sei… às vezes temo que essa parte da estória talvez nunca chegue a meus ouvidos ..( mas se puder, vou perguntar). 

Mesmo em meio a essas turbulências às vezes eu páro sereno pra olhar essa jornada, esse barco que quase levamos até a costa… páro pra admirar isso tudo oque, mesmo no pouco tempo junto, tivemos e vimos: os detalhes, as risadas, as pisadas em falso, os erros, as conversas… os defeitos diminutos diante de algo maior em valor e complexidade… chego à conclusão de que, se for pra ser isso… então… realmente, tive a sorte enorme de testemunhar algo infinito em beleza, imperfeito e único em suas efemérides.

Sei lá… vai ver wabi-sabi é isso.

segunda-feira, 2 de maio de 2022

35 dias entre o oriente e o ocidente: dormindo saudade, acordando overwhelmed

Acordei.

Zilhões de mensagens no celular. 

Família + família + networking.... 

... família até demais, gente que nunca nem fala comigo... 

"-será que faleceu alguém?", penso.. Nem ouço os áudios... talvez nem seja nada.

Olho ações... tudo caído no fundo do poço... 

"- deve ter rolado um golpe militar ou tentativa de golpe mil..".. corro pros sites de jornal... só barbaridade, mas nenhum golpe ("só" incompetência de gestão mesmo).

Reparo que o  barco tá precisando de ajustes e caindo em alguns pedaçõs enquanto foco só numa parte dele...  "I do not pace the floor, bowed down and bent, but yet Mama, yo..." Dia de sacrificar mais coisas, jogá-las ao mar... doá-las... pegar os dados do supercomputador, ver se num universo em alta dimensão as coisas que imaginei realmente funcionam... a pasárgada dos números. Me vem à cabeça palavras sobre essa busca por algo melhor.. corrijo, algo que não existe...

...

Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconsequente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive

....

 Vou-me embora pra PasárgadaManuel Bandeira

Bandeira, o homem que tocava o impossível com palavras...  lembro do porquinho-da-Índia, das risadas... me pergunto de novo se estou a tentar agarrar o impossível com as mãos.... enfim, vou lá, aproveitar que o mar tá mais calmo hoje...

domingo, 1 de maio de 2022

36 dias entre o oriente e o ocidente: dormindo no putz-putz-saudade, acordando determinado

Feriadão aqui (ao menos teoricamente). Ontem o M-san, um padeiro daqui com o qual sempre troco idéias no melhor estilo "small-talk/broken-nihongo", me convidou pra uma festa: "vamos lá!!! Você vai animar, esquecer das coisas tristes da vida". Nadei, jantei, meditei, hesitei e me perdi em delongas.... fiz tudo pra não ir... mas era tão perto que acabei indo...

E, apesar do medo de corona, de ficar doente logo aos 48 do segundo tempo, foi bom: ver gente, rir um pouco - ou ao menos tentar. Entro na festa... vejo o DJ com um álbum do Herbie Hancock... chego nele e pergunto em japonês se tem o headhunters... "-...ahhh...hoje não trouxe.." fico puto, dou uma tapa na cara dele e pulo a mesa pra assumir as pickups.... oque, claro, se resume na minha resposta também em japonês: "ahh tudo bem... "  e sigo adiante, aproveitando a paisagem que vislumbro pela janelinha do barco. Mas não aguento muito - mais pela bebida e cheiro do cigarro do que por qualquer outra coisa... acabei por ficar a maior parte da noite fora do lugar, conversando com o padeiro. Sem falar que minha tolerância a álcool foi pro espaço: não consigo mais... pelo visto vou virar um abstêmio... só espero não virar um temente a deus chato.

O padeiro abriu o coração pra mim, e veio me dizer que é um grande adorador da "erva"... e que acha o Brasil muito mais paraíso do que os japoneses cotidianos que encontro: "- lá vocês podem fumar mais à vontade, dão valor pras coisas boas da vida"... bem que eu via pelo jeito dele, meio hippie. Só não sabia o quanto: "- saí numa trilha de bike, era pra durar só 2 semanas...mas quando fui ver, tinham-se passado 3 meses..."... e a gente ria das estórias, ele me falando do porque jogou âncora (há 2 anos) aqui, várias coisas parecidas com a minha vida - itinerância, transiência, viver trabalhando como monge regrado em minimalismo e efemeridade... Interessante que a gente nunca havia se conversado tanto assim: no máximo era eu fazendo piada sobre algo, ou falando num japonês de criança de 5 anos, aprendendo palavras, tirando dúvidas ... acho muito louca essa capacidade (também minimalista) de conseguir rir com os outros nesse subespaço de baixa dimensão vocabular, onde tudo se reduz a uma comunicação quase-lacônica: poucas  palavras e muito ruído.

O frio pegou. Voltei pra casa que, por sorte, não é longe. A saudade, que estava ali no cantinho e parecia ter arrefecido, bateu de novo... me veio uns acordes de uma música do  Dylan na cabeça... 


Mama,  you've been on my mind, Bob Dylan


Minhas idéias, como num rio que flui montanha abaixo, desviadas nas palavras....  "whispering to myself.... pretending that I don't know..." ohhh Dylan boy... mudando o curso dos meus  pensamentos...  I am not askin’ you to say words like “yes” or “no”.... Interessante que me levou um tempo pra entender essa letra, pois nunca prestava atenção nela. Até entender que esse "Mama" era um chamado de ajuda, uma mão que se estender para um outro, e não ele dizendo algo à sua mãe. Um "caramba... estou pensando em você de novo" ... daqueles que nasce das entranhas... Fui pinçando as palavras até ver que era uma canção de coração partido... até que fiquei sabendo mais tarde que ele escreveu depois de um divórcio no qual ele ficou bem mal..... shitty stuff, folks!

"Even though my eyes are hazy..." Cheguei em casa... "Ì am not pleading, or saying I can't forget you"... Pareço me sentar numa encruzilhada de onde não sei como partir "Perhaps it's the color of the sun cut flat And covering the crossroads I'm standing at"...  Resolvi estender a mão também (mais uma vez): envio uma mensagem pra uma ex-roommate no Rio que - como uma irmã mais velha e doidinha - me deu dois esporros: por não procurá-la diante dessa bagunça, e por falar que eu não estou respirando. "Rafinha.... respira, macho" (me diz, com um sotaque cearense adorável... "I do not pace the floor, bowed down and bent, but yet... Mama, you been" .... O acaso de ter encontrado essas pessoas.... sortenorme.... saudadenorme...


sábado, 30 de abril de 2022

Direto da Terra do Sol Nascente #133 ~~~~> 37 dias entre o oriente e o ocidente: dormindo ansioso, acordando de ressaca

Não é? E não foi ali que tudo começou? Naquele livro? O presente comprado às pressas na correria paulistana, em meio a malas e preparativos para voltar ao Japão, levando no peito  e na bagagem aquela sensação gostosa do encanto-química... na dedicatória escrita ao vivo em meio a uma exposição qualquer, no desenho do animal marinho que saiu tão naturalmente e do qual nem me lembrava depois (nem da dedicatória em si!)?  

Como num ciclo que se fecha, cheio de coincidências, me aparece essa analogia de novo... que também permeava os apelidos, as piadas... um passarinho, uma sereia... um no céu, outro no mar...um no norte, outro no sul... um no  ocidente, outro no oriente... 

Bom, não faz diferença ser coincidência, eu ser sagitáriano, ou não... só sei que me veio isso hoje à cabeça. E também me veio esse número chutado/estimado, "37": será que Maio tem 30 ou 31 dias? Não sei... capaz de errar o countdown em 1 e chegaremos no negativo: "-30123123 milhões de dias!!" Sinal de que estou, evidentemente, atrasado... não tenho como esconder isso; admito ...dívidas e pecados... pago por eles...

Acredito que seja a hora de mudar as cores dessa situação, ou ao menos tentar. Impossível viver em dor diante de algo que só me trouxe coisas boas, diante de algo que só me fez crescer, diante de uma postura que admiro mais ainda depois da última interação.... se essa dor "me dói", é por que nela tento me levantar e ser uma pessoa melhor pr'os que me cercam, pr'o mundo.

Deixo de contar noites, agora conto dias. Preciso não temer a escuridão ao final deles... a escuridão, esta mesma, quando aparece, nos pega de surpresa a qualquer momento: vem, nos visita sem ser convidada, mas não marca o ciclo das coisas... ao menos não deve... não deveria marcar... O tempo passa como uma ampulheta, grão após grão a se acumular, marcar o tempo, e a dizer que sim: logo mais estarei entre os meus...terra brasilis.

É curioso - ao pensar nessa ampulheta simbólica - como o mesmo processo (dos grãozinhos de areia se empilhando em dunas) que parece ter levado tanto para acontecer em mim é agora o mesmo que marca e "supervisiona" a passagem vagarosa do tempo que me separa do lugar onde quero estar. A ansiedade dita a ordem do dia com sua corneta logo cedo: me ir daqui! Tento me controlar e aceitar... dentre tantas turbulentas-coisas a serem aceitas nesse momento. Vai ver por isso tenha mudado o nome da série: já não estou mais no Japão... saí daqui há tempos e já estou em trânsito...

Ontem, enquanto caminhava pro trabalho, me veio à cabeça um "a culpa é da pandemia... "... não durou 5 minutos e vi que não, que era uma quase-mentira na qual nem eu acreditava... meu peito comprimiu na hora... a culpa é minha... Ouvi hoje que a guerra na Europa está se acirrando, EUA se envolvendo mais e mais... Tento afugentar pensamentos relacionados da cabeça ... "calma, Rafaello... você vai voltar... teu barco já saiu do porto...", digo a mim mesmo.

A única coisa pela qual torço agora é poder tocar meus pés nas águas quentes onde um dia nadei.... voltar pra casa descalço depois da praia, inventar livros imaginários sobre coisas absurdas - e rir delas como se fossem as coisas mais reais do mundo, rir de mim mesmo,  brincar com meu sobrinho e vê-lo fazer teatro de dedinhos (e, praticamente dar um mosh no público no meio do "espetáculo", de tão empolgado que fica hahaha), entrar no mar com medo pra então ser acalmado por sereias que me levam pela mão a águas mais calmas, sentir de perto meu medo... medos alheios que se misturam aos meus... acolher, doar, dividir... crescer.... e comer muita tapioca ("mas claro, a gente passa na barraquinha de pastel antes" :) .

sexta-feira, 29 de abril de 2022

Direto da Terra do Sol Nascente #132: dormindo em resignação, acordando determinado (noite #5 + mudanças estruturais #2)

Ontem tive duas conversas com pessoas mais experientes que ou já passaram por muitas coisas - divórcios, ou por reentradas no Brasil depois de anos fora, um monte de outras coisas e perrrengues. Primeiro, e nem preciso dizer, que sentir essas pessoas estendendo a mão pra me ajudar e ouvir significou muito, muito mesmo. Segundo que os papos em si foram incríveis.

Contextualizadas as coisas, conversas e relatos de acontecimentos recentes, as duas pessoas me disserem unanimamente: "Rafaello, essa mudança é maior que esse fato/estória... ao que parece você se abriu -  "unlocked" - para servir de ponto de apoio a um par, para viver e querer construir algo mais especial que planos teus somente.... pelo que você descreveu ao longo dos anos, essa pessoa é certamente muito especial, ainda mais por ter sido eleita por você para ser parte neste projeto... mas isso é maior, isso é uma busca tua que, se não for com ela, vai ser com outra pessoa, porque você se abriu a isso e está em busca disso". Em linhas gerais, foi isso.. algo que não esperava exatamente ouvir.

Achei que o Brasil fosse estabilidade, em algum sentido; paradoxalmente, isso me estarrece ainda - encontrar ordem em tanto caos - mas meu lado matemático me diz que isso é possível. Mas o Brasil é parte de um novo capítulo.... que "a alguns a que tal graça se consente... é dado lê-lo" (vai...me ilumina,  Caetano!).

Não sei... fiquei feliz.. e me acalmou... sentintendi um pouco de onde minha determinação está brotando...

Na hora que ouvi eu pensei, honestamente, em pedir desculpas pras pessoas que não puderam contar comigo, ou ume viram pela metade (ou seja, um quarto) em diversos projetos... mas não achei que fazia sentido. Talvez não agora. Fui dormir com uma certa calma, consciente (e lembrado em todas as conversas) de que agora não cabe a mim fazer nada. Na verdade, cabe: aceitar que as coisas levam um tempo para seguir o seu curso... e que o que posso fazer é isso que já estou fazendo: estar ali, pra me doar e receber o outro.

Bom.. hora de entrevistas... amanhã escrevo no diário de bordo... mais muitas remadas até a costa brasileira.

quinta-feira, 28 de abril de 2022

Direto da Terra do Sol Nascente #131: dormindo saudades, acordando ansioso (noite #4)

Ontem, logo cedo, tava precisado: uma dose de leve de Jorge Ben pra alegrar o dia. Coloquei, começa a tocar no random.... "o telefone, tocou novamente... fui atender e não era o meu amor"... afff... até você, Jorge? 

Coincidentemente, ontem me vi deparado nessa questão do silêncio (da qual falei anteriormente). Oque me leva a ficar quieto? Oque me faz ser uma pessoa que não vai e  liga ou envia uma mensagem, rompendo esse estado de luto?  

Vai ver estou é esperando uma ligação... não, não vai vir.

[Rafa, você tem um "não" em mãos... me diseram há uns dias]

[... a frase ecoa na cabeça e reverbera na alma]

Ontem contemplei essa possibilidade-questão, o telefone aberto diante dos olhos, a útilma conversa monossilábica, cheia de "ok", "sim"... até que surgiu um Online que fez meu coração pular peito afora pela minha garganta, quase me matando em sufoco..

"-Caramba...  isso não pode acontecer... é algo que é bom, não pode me fazer mal assim... ", digo a mim mesmo, assustado.... fico em desespero só de pensar que a última lembrança dessa relação será isso: esses dias sem ar, em angústia, ansiedade... Isso acaba me lembrando de uns experimentos (sobre os quais o Daneial Kahneman fala no livro dele) em que uma avaliação sobre o quão ruim uma experiência foi ser totalmente distorcida pelos últimos minutos dela. Coerentemente, fizeram o estudo com coisas relacionadas a dor em intervenções cirurgicas: se a dor é no final, a pessoa tende a achar que a intervenção foi horrível e invasiva; na direção oposta, se os últimos 10 min são de alívio, as pessoas tendem a achar que não, que não foi tão ruim assim.... 

Fico com medo, sabe... de nunca mais conseguir chegar perto (e vice versa)... injustiça... "só quero que reflita que nada que falaremos invalidará tudo de bom que já tivemos"... será que ela já sabia que esse processo aconteceria? Vai ver o mesmo acontece com ela... bate minha preocupação... não sei oque fazer... mensagem? Uma grande pena desse blog é a unilateralidade dele: parece que só eu sofro, só eu me fragmento, quando na verdade todos dóem.. "everybody hurts"...indeed... infelizmente, mais frequentemente que só às vezes.

Acho que não procuro por ter dado minha palavra. Respeitar, acima de tudo. A maior forma de amor por alguém é saber deixar essa pessoa ir quando é isso oque ela quer. O foda é que em geral eu desisto pra poder abrir passagem... mas não aconteceu nesse caso (não ainda). Não desisti... não esqueci... então, cabe a mim aguentar as consequências. Curioso que, em geral, quando isso acontece eu tendo a puxar o plug da tomada e tirar a energia disso. De certa forma, havia começado a fazer isso... mas... sei lá... algo me parou no meio do caminho-processo...não consegui/consigo desistir...

O dia acordou em anseio, pílula de Jorge Ben... toca a mesma música... dessa vez resolvo ir até o fim... vou lá, 5:30 AM, hora de correr pra entrevista...

quarta-feira, 27 de abril de 2022

Direto da Terra do Sol Nascente #130: dormindo ciúmes, acordando saudades (noite #3)

 Ontem, no meio da noite, achei que a batalha do dia estava vencida: braços cansados de tantas braçadas, cabeça sob o pescoço depois de meditar, ainda cheio de suspiro, fui pro meu closet-cama (longa estória, conto outra hora) e.... 

... me vem uma sensação bizarra dentro do peito... "cacete.... "

... curiosamente, no meio da tarde havia passado na minha playlist "to lift me up", havia passado uma música que a Elza Soares canta. O ciúmes ardendo ao sol do fim do dia... até pulei... mas não escapei...

Uma amiga psicóloga me falou há uns dias "Rafaello, será que não é ego?".. Imediatamente disse a ela que havia cogitado essa hipótese, mas que não acredito ser o caso... Por que não se trata de mim: não acho nada do que está rolando uma afronta a mim, ou algo que me diminua ou diminua oque vivemos... é sobre ela, sobre o quão especial ela e a conexão com ela foram/são. 

O ciúmes bateu, e tentei sentar com ele e ver do que se tratava: ciúmes de corpo? De contato? Em menor grau, pode ser... mas, honestamente, todo mundo faz isso (outra música da Elza, que não pulei... na verdade, do Cole Porter).. isso é de menos. Corpo, contato, mecanicidades, isso até é vendido por aí (e muita gente paga)... agora, o carinho, o cuidado, as risadas, as sacadas geniais, o sorriso, o mel, a inteligência de me apontar para aquilo que não vira até então, a doçura na forma de me corrigir, a maneira incisiva de me dar broncas e - ainda assim - ser fofa ... mas, talvez acima de tudo, aquela capacidade única de me desarmar diante de mim mesmo, de me fazer rir do que penso e faço ou acredito, de me fazer mudar debaixo de sol, ou imerso em sombras.. putz... Virando na cama, percebo então que o ciúmes não vem de um outro cuja existência ignoro e para qual não ligo: é, na verdade, saudades... saudades dessa construção-monumento cujas paredes caem a olhos vistos, sem que eu possa fazer nada senão continuar acreditando que não há de colapsar.

....afff... escrevo isso e penso nesses "eventos de probabilidade zero", essa "sorte-azar" que permeia tudo de bom que a vida nos mostra.... suspiro... 

Levou um tempo. Dormi. Acordei envolto em saudades... desses detalhes, de uma notinha deixada na caixa de remédios daqui de casa, de uma piada que insiste em vir à cabeça e me fazer rir enquanto ando na rua... como pode, algo tão leve se transformar em dias tão ... suspiro.... melhor começar meu dia.

terça-feira, 26 de abril de 2022

Direto da Terra do Sol Nascente #129: dormindo dor, acordando angústia (noite #2)

Logo que esse processo todo começou eu pensei: "preciso registrá-lo...".. Isso porque não quero somente sair verborrágico, falando pelos cantos, mas ter uma maneira de acompanhar e comparar meu eu de ontem com meu eu de hoje. Não quero me comparar com os outros: quero ver e sentir o quanto eu consegui mudar (ainda mais) nesse ínterim.

Às vezes acho que esse blog é um pouco isso: eu, colocando pequenas "selfies" de mim mesmo, ao longo dos anos. Fotos que dizem um pouco de como vejo o mundo, do que acho graça, de como mudei, de como meus valores eram e hoje já não são mais. 

Ontem foi estranho. Em diversos momentos do dia parecia que o ar faltava e eu tinha que dar uma respirada funda pra poder vencer essa sensação de sufocamento dentro do peito. Em diversos momentos eu dava um suspiro longo e alto (tenho dado ainda.. já dei uns vários enquanto escrevo esse texto)... como um lembrete de que não estou afogando.

O Japão perdeu todo o sentido, até meus últimos 5 dias em Tokyo (pois fui ouvir que "deveria ir conhecer o Monte Fuji"... adivinha quem sugeriu?). Tentei ver se conseguia mudar meus planos e antecipar minha volta.... aí vi a merda de planejar as coisas tão bem: tudo tão "amarradinho" em datas e horários que agora está difícil de tirar uma única coisa do lugar.... ahhhh Rafaello.... De alguma forma, esse foi outro grande momento do dia: ficar sendo revisitado pelos meus erros, e tentar não me defletir deles; sentar com os mesmos e ver que, se for pra ser assim, então... 

Nesse processo de ser revisitado por sentimentos hostis, vêm uns ecos de coisas antigas. Duas coisas me passam pela cabeça: perder minha ex (que ficou nos EUA) e o medo de perder minha mãe durante a pandemia (em especial, após uma amiga daqui ter perdido a sua, em Honduras). Lembro-me que falava sobre isso com minha terapeuta, dizendo que não sabia exatamente como iria viver sem essas pessoas. Ela, calma, me dizia: 

"-Mas Rafaello, você já vive sem essas pessoas...."

Achava aquilo tão Japonês... essa cultura de olhar pra atitude ao invés de palavras.... me soava como uma verdade inaceitável, tamanha, que não tinha como discordar dela. Ainda assim, poderia viver sem, mas que ficariam buracos, ahhh ficariam... E claro, fisicamente é uma grande verdade - vivo sozinho; agora, emocionalmente... há laços e conexões tão fortes entre pessoas que se estendem por um mundo... e nunca se rompem.  

Talvez seja isso que eu esteja tentando mensurar agora. Vivo sem várias desses pessoas que fazem parte da minha vida há tempos, mas vivo com elas dentro de mim. E algumas poucas dessas conexões aconteceram tão ao acaso... que, pra mim, sortudo ganhador da loteria, fico grato só de tê-las encontrado.  E cada pessoa é diferente também... umas, quando se vão, nos deixam dor, mas essa acaba se arrefecendo por já sabermos que não fazia sentido mesmo (caso da ex): são perdas nas quais você consegue ver o quanto  - ao mesmo tempo - elas abrem o mundo pra você. Agora, noutras.... no presente momento... a química, a sinergia.... tão grande que não via outra possibilidade senão crescer junto... a aceitação da perda aqui é diferente. 

Uma amiga me falou que oque eu tenho à minha frente é um beco sem saída, um "não"... eu ouço em silêncio, mudo.... penso se estou a tentar agarrar o impossível com as mãos. Será que chamam isso de "ter esperança"?

Sei lá... sabe.... e isso é minha lucidez "kicking in"... reatar coisas em meio a dor não é bom.... acho que vai ser bom pra todos os lados se fortalecerem para poder, adiante, dar um passo com mais clareza. Eu estou cansado, essa mudança tem sido estressante, meu corpo carrega medo, ansiedade, empolgação, saudades... pareço levar tantas coisas dentro de mim ao mesmo tempo que me estarrece não ter sucumbido diante de mais esse tropeço, ajoelhado diante desse sentimento gigante como uma duna. E acho que não só eu estou assim agora.

Talvez esses desvios, esses "momentos de respiro" estejam aqui para nos reenergizarem...para nos restaurarem... para nos fazer lembrar que, em princípio, nada era dor e tudo era riso.... se for isso, então eu espero pra ver oque o futuro há de trazer.