terça-feira, 9 de junho de 2020

O não óbvio, numa devida nota ("Ode ao número zero")

Me envergonho.... Sim, me envergonho: de sempre ter desdenhado daquela linha, ou nota de rodapé que dizia 1 

"os povos..... inventaram o número zero em ....A.C."

Sempre dei de ombros. Inventaram? Descobriram? É um número, como pode ser encontrado? 

Por estes dias uma amiga que trabalha com crianças autistas no Brasil veio me trazer a seguinte indagação: um dos pacientes que tem só sabe contar com a comida que gosta, no caso maçãs. Todo pro rapazinho é maçãs, e com elas ele aprendeu a contar. No entanto o desenvolvimento dele travou quando chegaram no número zero: como representar algo que "não existe" pra alguém cuja mente é extremamente dependente em representações (no caso, por maçãs)? 

Talvez como muitos, ao tomar um simples "0" como algo que nos foi óbviamente dado, perdi a dimensão da grande abstração que ele é. Dei meu braço a torcer: não foi uma invenção óbvia, seja em importância, seja em idéia mesmo. Imagino o pobre inventor sofrendo as piadas dos colegas: 

"-olha ali fulano(a) de tal!! Vamos chamá-lo(a) aqui pra nos contar a grande invenção dele(a)"...e todos caiam na risada, rindo do(a) pobre inventor(a).

Não acredito que seja uma pessoa que carrega os louros dessa invenção: acho que de tão controversa que sua utilidade é, talvez tenha sido inventado, utilizado, reinventado e reutilizado diversas vezes ao longo da história. Pra vocês verem como é algo interessante: li uma vez que alguns povos indígenas na amazônia conseguem contar, mas não têm representação pra números maiores que 3: quando passa de 3 eles representam como "muito" 2.

Não voltei no assunto com minha amiga. Até tentei procurar por algo na literatura que a ajudasse a explicar o ponto em questão pra criança, mas tudo é técnico demais (até Malba Tahan) pra uma audiência especial como essa.  Ao menos neste post faço uma mea-culpa em busca de redenção: agora que escrevo sobre o assunto, o removo das notas de rodapé e o coloco um pouco mais em evidência. 

"De agora em diante, serás não trivial para mim...."



1 "-...merece mais que isso", diria hoje.

 Em matemática isso é o equivalente a se compactificar um espaço, i.e., dando uma representação "física", ou "simbólica", pra tudo aquilo que foge de certo controle; no caso, o "infinito" deles. 

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