domingo, 24 de julho de 2022

Terra Brasilis: "falar menos, ouvir mais"

"-Rafa... como assim, você viveu tudo isso e não tem 200 anos?", me diz uma nova colega de trabalho pelo app de comunicação da empresa depois de uma apresentação num personal map (i.e., alguém que conversou comigo, me apresentando pro resto da empresa). Eu rio, sozinho e sem graça, sozinho em casa, nessa vida de home office onde todos parecem andar juntos ainda que separados.

A chefe do meu chefe me apresenta em palavras, enumerando algumas coisas que disse a ela durante uma entrevista: falar menos e ouvir mais, minimalismo... palavras ao vento numa breve conversa, capturadas como borboletas das quais pouco lembrava mas que me parecem descrever bem os valores que tenho, professo e carrego comigo. 

É estranho ainda quando me perguntam oque significou todo esse tempo longe, de porto em porto... como isso me moldou, me distorceu? É uma das perguntas mais comuns nesses dias, além do "porque você voltou?" Embora eu saiba com um pouco mais de clareza o porquê de ter voltado, sou honesto em dizer a todos que não sei ainda o que significam esses 12 anos fora ... enquanto as coisas passam rapidamente pela janela eu não consigo entendê-las, mas em retrospecto a paisagem fica mais nítida e parece fazer mais sentido.

A cidade me deslumbra em árvores roxas e rosas que parecem brotar surpresas do asfalto, crescendo vistosas a olhos paulistanos que já nem parecem ligar pra obscenidade de suas flores e cores. Vida que que tenta tingir um pouco da existência nessa cidade, selva de pedras que afunda em terreno movediço, se debatendo em desespero com toques de desigualdade e pujança mas tentando se agarrar em salvação na linha imaginária do trópico de Capricórnio.... "there will be no easy rescue".... alguém esqueceu de dizer isso a nós brasileiros...

A vida parece querer seguir ladeira acima, muito diferente de um mês atrás, onde tudo parecia flutuar numa poça de incerteza e angústia que tendo pular a passos largos: tudo mais rápido do que esperava, ainda que mais devagar do que gostaria.

Sigo nessa corda bamba da ansiedadentusiasmo, encarando dias, desbravando manhãs e me ajoelhando em cansaço ao final do dia, uma bagagem enorme e pesada que pareço carregar comigo, na dúvida do quanto deve ser jogada pela janela desse trem que segue à todo vapor. Quero ter a certeza do que me aguarda no horizonte, mas me manter aberto pra cada surpresa que este parece me reservar. Me fascino com cada nova rua que percorro numa cidade que julgava ser minha, cada interação doce com os amigos que jurava conhecer, cada desconforto novo com estes mesmos amigos que insistem em me fazer humilde e aceitar que eles - não somente eu - mudaram nesses anos todos.... incrível, voltar te força a ser menos arrogante.... torço para aprender algo com isso.

Digo coisas, me abro, coloco meu coração numa caixinha e a entrego com um lacinho depois de uma conversa difícil: dôe, se dê sem medo, sem esperar nada de volta. Ouço um "obrigado" romântico cujo sentido não consigo depreender.. melhor seria se fosse silêncio ou um abraço? Lembro de cada vez que fiz isso... sou sempre eu o primeiro a cruzar essas linhas...

O corpo ganha força depois de meses de debilidade. Olho pra tela como se nada visse enquanto me descrevem no evento de apresentação do trabalho... me lembro da travessia oriente-ocidente. Me vem à lembrança a cama dentro do armário por quase um mês, os tênis entregues como oferenda para uma jidohanbaiki em Shibuya... me parece uma realidade tão distante, cercade de intempéries amorosas, hostilidadestupidez que pareciam chacoalhar o barco, meu corpo a cair do céu de asas atadas ao perceber que também eu idealizava e acreditava: que nunca seria exposto às doenças do mundo, confrontado com a dureza que a dor e raiva aflige quando não temperada com o ouvir, testemunhado a defesa da brutalidade como algo a se admirar....  tais feridas me doem, ou seria aquilo que as causou? Não sei... o corpo vibra mas a alma ainda precisa ganhar força pra poder responder essas perguntas (ou ao menos sustentar possíveis respostas que contemplo e até pareço já saber dentro de mim).

O Brasil me trata bem e me recebe de braços abertos. Talvez sem sorriso no rosto, embora isso não me importe muito: contanto que mantenhamos o respeito um pelo outro, está ótimo. Mais do que voltar diferente, tento ser mais humilde em aceitar uma realidade que difere enormemente daquela da qual saí, 12 (ou 15) anos atrás. Talvez sejam esses os "beginner eyes" dos quais o budismo fala... fácil na teoria, difícil na prática (mas sigo tentando)... Brasil, me ame que te amo de volta...


domingo, 10 de julho de 2022

Terra Brasilis : para brincar na gangorra... dois

Sabe quando você não quer que o dia acabe? Que a companhia de uma pessoa é tão, tão gostosa que não se sabe como dar tchau, que é um embaraço admitir que um encontro tem que ter fim? 

Acho que tive isso poucas vezes na vida. Mas com a mesma pessoa... acho que foi a primeira vez. 

O primeiro date, dois desconhecidos, o beijo aos 48 do segundo tempo, atordoados pela pressa de que no dia seguinte eu iria embora pro Japão. Dessa vez... um roteiro tão parecido... eu me contendo, esperando um sinal claro de quando ir, de quando agir, o mesmo desejo-química, dessa vez com um pouco de susto da minha parte (por não esperar por ele)... o mesmo beijo, ainda que diferente... o mesmo toque, ainda que mais quente.. o mesmo sorriso, ainda que debaixo de lágrimas... o mesmo carinho, ainda que debaixo de toneladas de reticência... o mesmo cuidado, ainda que tolhido pelo medo de se doar ou de doer...

["doar" e "doer"... duas palavras tão próximas e tão diferentes ao mesmo tempo]

A paciência, regendo tudo como uma maestrina que nos diz em que direção deveremos ir, onde deveremos ficar, onde olhar, pelo que esperar... é difícil ter paciência diante do que parece indiferença, ou do que parece impaciência, ou motivos irreais para se enredar em discussões onde estas simplesmente não existem... me lembra muito os finais de relacionamento pelo qual passei, onde as palavras descuidadas parecem querer acelerar a decomposição daquilo que ainda não entrou em metástase... sou carinhoso, mas ainda assim me recolho em dor quando percebo que meus pés não tocam mais o chão, e que estou no alto, esperando o outro lado me trazer de volta ao chão e não me deixar falando sozinho... "para brincar na gangorra, dois"... lembro da Marisa Monte cantando... ainda assim, sigo tentando.. há coisas na vida que valem á pena, e eu sei que o medo nos cega, nos molda e nos aflige... 

... só sei que vai levar um tempo... "can't stop laughing"  ao longo do caminho ... vai ver é isso que estou precisando agora...

[Curioso como o contato físico muda o cenário das coisas... e de uma semana pra outra tudo muda...]

[...esse kintsugi mágico-cicatrizador, que só pitadas de tocar e sorrir conseguem catalisar]


sábado, 25 de junho de 2022

Terra Brasilis : tudo num ponto (e a maior distância entre dois deles)

"Por meio dos cálculos iniciados por Edwin P. Hubble a velocidade de afastamento das galáxias, pode-se estabelecer o momento em que toda a matéria do universo estava concentrada num único ponto, antes de começar a expandir-se no espaço. A “grande explosão” (big-bang) de que se originou o universo teria ocorrido há cerca de quinze ou vinte bilhões de anos."
    
"Tudo num ponto", no todas as cosmicômicas, do Italo Calvino.


Há um conto do Italo Calvino - este, citado acima - em que ele fala do começo do mundo como um grande paradoxo: ele descreve o fato de várias coisas diferentes estarem ali, querendo se fazer pronunciadas, com suas naturezas distintas, como se o meio fosse heterogêneo... quando na verdade tudo se encapsulava na homegeneidade de ser aquilo um único ponto. O texto então fica oscilando entre essa dicotomia que, nas idéias do Calvino, se unem: o fato de muitas coisas distintas estarem ali, encerradas todas num único ponto, sendo portanto a mesma coisa.

[Ps: sei que já falei desse conto... mas ele sempre me vêm à mente de formas diferentes, por motivos diferentes]

Eu acho esse texto lindo, e sempre fiz analogias entre ele e várias das coisas que vivo-vejo-faço. Somos uma multitude de idéias, mostrando tais facetas em cada pequena coisa que fazemos, ao mesmo tempo em que nas muitas coisas que fazemos deixamos um pouco do que somos. É o tal contraste com o qual o Calvino brinca no texto: no fundo, somos apenas um ponto.

Por esses dias entre conversas e mais conversas, ligações surpresa, compra de móveis, violações com pitadas de paciência, eu tenho pensado num outro "paradoxo": o de como dois desses pontos podem estar longe-mas-perto, ou perto-mas-distantes. Fico abismado em ver esse mundo de impossibilidades, que parece tropeçar em medos, idéias pré-concebidas e receios diante do possível, agora ao alcance das mãos-abraços-beijos. O medo nos paralisa, assim como a incerteza. Nos ludibriamos diante de assunções e racionalismos que parecem mas não contemplam todos os lados de uma estória. Não damos espaço pra admitir que há uma questão que possivemente nos foge pelos dedos: o de que possivelmente estamos errados e sendo parciais.

"We always did feel the same

We just saw it from a different point of view"

Tangled up in blue, Bob Dylan


Sigo dias em desassossego, tentando antever como há de ser, eu e meu barquinho aportado em território alto-e-verde, província paulistana cheia de flores e temores. Aguardo sem querer aguardar, respeito sem me silenciar mas sem me perder em palavras, me censuro e sou censurado, tentando fazer sentido de como dois pontos tão próximos e com tanta atração parecem se perder em campos gravitacionais tão difusos-arredios e acabam, infelizmente, em órbitas diferentes. Tem sido difícil aceitar isso, essa "piada" de muito mal gosto.

"Só meu sangue sabe tua seiva e senha
E irriga as margens cegas
De tuas elétricas ribeiras,
Sendas de tuas grutas ignotas

Não sei, não sei mais nada.
Só sei que canto de sede dos teus lábios
Não sei, não sei mais nada."

Teu nome mais secreto, Waly Salomão e Adriana Calcanhoto

Além de tudo isso, me cerco de pontos, coisas, que me orbitam em busca de uma estrela ao redor da qual ter uma função. Me mudo, levando comigo pouca e muita coisa. Nesse processo de congregar todas elas num único lugar - uma casa, de verdade - eu tenho pensado em como este lar, pequeno espaço no mundo, demonstra um pouco  (ou mesmo tudo) do que sou: os detalhes, os quadros nas paredes, o improviso, a ausência de um eletrodoméstico sem o qual posso viver (mas não necessariamente preciso viver sem) etc. Oscilo entre aceitar que tudo oque é meu está ali, e que não sou nada disso, dado que oque carrego são apenas objetos, coisas, besteiras: eu, sim, estou em outra dimensão... ou talvez estas tantas coisas são só uma parte diminuta do que sou.


quarta-feira, 22 de junho de 2022

Terra Brasilis : assimetrias

Eu tenho uma certa facilidade pra detectar assimetrias, sejam elas estéticas, em relações, em estruturas etc. É algo que é um tanto natural, um pouco de como vejo o mundo e o entendo. Desse modo, assimetrias também são uma das primeiras coisas que noto quando estou insatisfeito com algo. Assim que alguma espécie de simetria começa a ser violada, eu logo percebo - parece que o meu corpo reage a tais aberrações quase que imediatamente.


Pra falar a verdade, acho que nem é meu corpo que reage, e sim meus valores: exigir A e fazer B, tratar coisas iguais de maneira diferente... meus olhos não se prendem tanto assim no porque disso acontecer, mas ficam em desconforto extremo assim que noto algum desvio "estatístico" que foge a algum entendimento. Em geral, são coisas que fogem do entendimento até mesmo daqueles que perpetram tais atos (seja por cegueirignorância, viés cognitivo, ou por falta de coragem em admitir oque se vê). 


Acima eu só citei assimetrias que se aplicam a coisas-objetos distintos (digamos, falei de uma certa “simetria comparativa”). Outra, muito fácil de lembrar, é a espacial. No entanto, existem também assimetrias temporais: antes, A era tratado de maneira X, agora ele é tratado de maneira Y. É curioso então fazer um paralelo de que tudo que se mantém constante no tempo em geral é tido como uma lei. Mais curiosamente ainda, há um resultado matemático - que explico aqui de maneira muito grosseira -  que é quase uma contrapartida ao comentário anterior: ele diz que pra tudo aquilo em que há uma simetria, há alguma quantidade que se mantém constante. No caso, se estirarmos essa analogia um tanto, oque se mantém constante é o nosso entendimento da questão: se ontem-hoje A era tratado como X, amanhã será tratado como X, e assim em diante; em resumo, a simetria (temporal) perdura.


Infelizmente, nós humanos não somos regidos por leis. Bom...talvez seja bom que não sejamos mesmo, ao menos não em todos os aspectos das nossas vidas. É claro que gostariamos de viver num mundo onde todos cumprissem regras, não houvesse roubos e coisas piores... mas em que nível a vida seria suportável se fossemos, em todos os aspectos, rígidos, incapazes de corromper os elos que nos cercam para poder levar uma vida mais leve ou, digamos, normal?


É interessante estar aqui no Brasil e ter sido testemunha de tantas maneiras de se interpretar o mundo, suas leis, suas "simetrias" e "assimetrias". Isso sem falar no processo de observar a maneira como eu e muitos dos que me cercam deformam essa geometria de leis nas quais estamos submersos, alterando-a conforme o necessário... ou mesmo nos fazendo de desentendidos quando somos vítimas ou praticantes de tais assimetrias.... das quais ninguém escapa, sem sombra de dúvidas...

sábado, 18 de junho de 2022

Terra Brasilis : tangled up in a huge mess & bureaucratic matters

"

...

And when finally the bottom fell out

I became withdrawn

The only thing I knew how to do

Was to keep on keepin’ on like a bird that flew

"

Tangled up in blue, Bob Dylan


Uma das coisas que talvez me peguem de maneira mais intensa numa transição é a ausência de estrutura: os dias nascem difusos, tudo parece orbitar em torno de poucas e essenciais pendências (procurar casa etc). Me lembra muito a sensação estranha de estar no Rio ou na mini-apple, tentando equilibrar pratos e vivendo de maneira transiente na casa de alguém ao mesmo tempo que tinha que procurar casa pra mim mesmo.

O começo é difícil... tento me lembrar disso, dizendo algo que me alente diante de tanta falta de sal, de sol, de céu, de cor, de mel, de piscina, de carinho. A vida parece seguir com propósito... uma versão brasileira de algo do qual falei anteriormente: se o Japão me "punia" com purposefullessness, o Brasil me acolheu em piada com um propósito-despropositado que só há de passar assim que algumas coisas cairem no seu lugar - casa, poder me exercitar, ter rotina, receber mimos etc etc. Tudo parece perto e longe de se estabelecer, embora saiba que tudo vai meio que acontecer ao mesmo tempo, pois um desencadeia o outro. Por agora, só me resta esperar com todo contentamento possível dispendido em sub-rotinas: levar um quadro pra emoldurar, pensar em como vai ser a casa, preencher formulários da empresa nova, receber ligações indevidas no meio da noite etc Eta vida besta, meu deus! 

De certa forma, algumas coisas parecem estar caindo no lugar, apesar de envoltas em incerteza: reestabeleço laços com amigos, família, descubro coisas boas em mim e neles, fico feliz de imaginar esses finais de semana entre os mesmos, me encho de afeto ao qual há tempos não tinha acesso, choro surpreso ao saber de sereias oniscientes que acompanhavam o diário de bordo ao longo dessa travessia, olho pro futuro com os olhos cheios de encantamento e sossego, vislumbrando aguas serenas envolta do meu barco que ruma a trópicos abundantes em mel, amor, flor, mãos dadas seladas em riso... Ó abelha rainha... faz de mim... e aproveita pra fazer zum zum na orelha, na janela, na sala, na escada....

[Salve Waly Salomão!]

Me equilibro na corda bamba da ansiedade levando nos ombros o enorme peso da incerteza, dando passos adiante enquanto tenho os olhos ofuscados pelo silêncio dos outros,  querendo abraçar tudo e me mostrar presente quando, na verdade e de maneira até irônica, a vida parece me testar em paciência e resiliência.

Nesses desandos, tentando entender qual é a maior distância que pode separa dois pontos tão próximos e que parecem se atrair, me deparei com algo que escrevi em Junho de 2015:


Sometimes we are too selfish and arrogant to realize that there is way more than ourselves, our pain, losses, failures or our confusion around. We forget that we are part of a whole and that we are just dust amidst all the beauty and peace that nature can give us. 
"Praise and blame, gain and loss, pleasure and sorrow, come and go like the wind. To be happy, rest like a giant tree in the midst of them all." (Buddha)


Tchau, pessoal. Vou lá.... ganhar o dia e agarrar o sol com a mão.

quinta-feira, 16 de junho de 2022

Terra Brasilis : mentira

"Hoje eu tenho apenas uma pedra no meu peito

Exijo respeito, não sou mais um sonhador

Chego a mudar de calçada

Quando aparece uma flor

E dou risada do grande amor

Mentira"

Samba do grande amor, Chico Buarque


Hoje me lembrei dessa música do Chico que, coincidentemente(!?), foi parte da trilha sonora de uma viagem a dois pra Paraty, em meio a risadas e mais risadas. Lembrei dela ao  perceber que, no fim das contas, essa sereia-estória é cheia de ludibriações de diversas formas, quase um fogo cruzado. Sim, o ato de enganarmos o outro é evidente em diversos momentos e é o que mais causa dor. No entanto, há um outro tipo de enganos que acontece também, quando ludibriamos a nós mesmos... esse é o mais complexo, porque envolve viéses cognitivos, ansiedades, expectativas. Assim, por ser tão sorrateiro, mal reparamos quando esse tipo de engano acontece.

Hoje me atentei pro fato de que tenho tentado me mostrar pro outro sem vulnerabilidades, passar a impressão de que essa sereia-estória é passado e  tudo o mais, quando na verdade não: não passou... ao menos pra mim. "Boa sorte! Siga teu caminho!" - mentira! Quero seguir adiante, quero me abrir pra novas estórias, começar de novo nesses trópicos, mas... parece que aguardo ainda, algo que não sei bem oque é: um raio, uma palavra, um aceno... não sei... quero dar um passo à frente, mas tudo oque vejo adiante parece me remeter a sonhos e idéias que tinha antes de tudo isso começar.... 

Não sei... hoje me senti injusto ao só ficar reiterando que a decisão ("culpa"?) disso tudo não é minha etc etc... quando na verdade só deveria acolher as palavras que disse no post anterior e não só dizer, mas finalmente aceitar que não, que isso é engano meu: me desculpar, não há palavras pra sustentar kintsugi tão rápidovernight... No fundo, talvez a única coisa que posso dizer é que estou aqui, que estou aguardando, me mostrar vulnerável e não me esconder atrás de palavras rasas que não representam oque sinto. Claro que quero seguir adiante! Claro que quero abraçar o futuro! Mas... ainda quero fazer isso com uma sereia muito específica nadando em volta do meu barquinho...

... e quando eu digo o contrário, é evidente: mentira, Raffaello...mentira. (Pelo menos agora eu sei disso.)

[Então... só me resta manter a calma e a serenidade...]

[...não ter medo de me mostrar vulnerável...]

[... ter paciência, ser grato e não ser injusto :) ]

 

quarta-feira, 15 de junho de 2022

Terra Brasilis : piracema #1

Ontem conversava com um amigo de infância e ele me apontou algo interessante: que de todas as minhas mudanças pelo mundo, as únicas que foram "loucas" foram a minha ida pro Rio de Janeiro (há uns 15 anos) e esta de agora. 

Na hora fiquei pensando no que ele falava e vi que ele tinha razão. De certa maneira, sempre equalizei todas minhas mudanças como se fossem simplesmente mudanças de cidade e ponto - tudo igual. Mas não: fui pro Rio sem saber se ia rolar ficar lá. Passei dois meses naquela incerteza, inicialmente sozinho no apartamento minúsculo de um amigo que então viajava. Depois de um mês meu amigo voltou de viagem e ficamos lá, eu + ele + a namorada dele que vinha quase sempre: fui forçado então a dormir debaixo da mesa, onde fiquei por um bom tempo. 

Terminados esses dois meses de sol, matemática e incertezas, voltei pra São Paulo e, envolto em dúvidas, comecei uma pós no mesmo lugar onde fui undergrad e que havia me aceitado até aquele momento: uma angústia enorme naquele ambiente hostil, salas sem janelas, os mesmos alunos de antes, aquele pessoal apático e desunido de sempre... aí chegou a oferta para se ir pro Rio: aceitei e fui, pra morar por mais um tempo debaixo da mesa do meu amigo, até encontrar um apartamento. 

Ontem meu amigo me relembrou desses detalhes... que a ida pro Rio era meio 0 ou 1: se não fosse aquilo, não seria mais nada, talvez nem pós fizesse, dado meu desgosto em ficar no mesmo lugar em São Paulo. Foi um pulo sem rede de proteção, algo que se assemelha muito ao que fiz agora. Mais uma vez, felizmente (e por sorte), está rolando.

Fiquei meio desconcertado em não ter percebido isso antes... aí reparei que, curiosamente, os dois momentos mais difíceis dessa trajetória foram justamente sair daqui, e voltar pro mesmo lugar... mais um koinobori/piracema, eu voltando pro lugar de onde saí e tendo que morrer um pouco pra isso: quando fui, em cortar raízes profundas de uma vida de tantos anos e tantos amigos em São Paulo. Agora, quando volto, a dificuldade em reatar laços com um país que sinto desconhecer e com o qual tenho vínculos, mas não mais assim tão fortes. Pareço morrer pois uma parte de mim se sente rejeitada enquanto aqui. No entanto, a cada passo que dou me sinto mais vivo, tentando assimilar uma cidade nova, um tentando acomodar o outro, mutuamente. Meu corpo parece faiscar ao tocar as ruas, meus olhos se deslumbram com tudo, em como a vida consegue florescer e crescer num ambiente cercado de tantas incertezas e injustiças. Ao mesmo tempo que tudo isso me dói os olhos e a alma, me empolga ver tanta vibração e energia em pessoas que têm que se esforçar tanto por um lugar ao sol... admiro e quero reencontrar isso, algo que parece ter ficado em estado latente diante das facilidades do "primeiro mundo" (termo que não curto, diga-se de passagem), mas que vive dentro de mim desde sempre.

Agora, uma digressão pra dizer que tenho tido dificuldade em processar cognitivamente tantas pessoas na rua: todas são muito diferentes!!! Meu cérebro quer assimilar todos os detalhes - o cabelo enorme de uma mulher, o nariz estranho do senhor que senta no metrô, a roupa curiosa do travesti que me pede dinheiro na rua, o cabelo cool da pessoa que dá em cima de mim no metrô (hoje, um homem, mas bem andrógeno)... meu cérebro precisa reaprender a ignorar tanta informação... há de levar um tempo.

Nesse processo de assemelhar o pulo de saída do útero, e o de volta a ele, hoje eu vi como as coisas mudaram: lembro dos milhares de perrengues em ter ido ao Rio, e agora o conforto em voltar, com o poder de decidir onde quero morar, como quero morar, oque quero fazer... ter saído daqui foi realmente uma loucura dolorosa... ter voltado é outra, mas bem menos ruim. Ambas, cheias de possibilidades. E, como meu amigo falou - e não tenho como discordar - são ambos momentos para se crescer muito e brotar de novo, transcendendo medos que muitas pessoas simplesmente não vêem ou, na marioria dos casos, nem sabem que todas as vidas igualmente possuem...

Muito feliz em ter ido... muito feliz em ter voltado... esse koinobori-piracema é mais um ciclo que parece se fechar na minha vida.... um que, em gratidão e serenidade, pareço receber nos meus braços sem nunca sequer ter vislumbrado que seria assim... 

...a graça de viver algumas coisas sem planejá-las...    :)

Terra Brasilis : o jardim dos caminhos que se encontram

É bizarro isso de tentar reparar algo envolto em dor... um kintsugimpossível onde todas as memórias boas parecem ter sido engolfadas por uma onda gigante que só deixou pra destruição pra trás de si.

E como "curamos" isso? 

Honestamente, não sei. Mas andei pensando... num cenário onde não cabem desculpas, talvez não sejam palavras a reparar as dificuldades. No caso, quando nenhuma desculpas cabe é nítido que ou o lado que ouve está sendo muito rígido em querer um pedido específico - como num script (que o outro, claro, desconhece!), ou o lado que ouve simplesmente não sabe oque quer ouvir. Em situações assim, não há pedido de desculpas que seja o suficiente.

Talvez não sejam palavras a se resolver uma questão complexa assim, mas simplesmente permitirmos que memórias afetivas novas sejam criadas. Isso volta a um post anterior do qual falei sobre como processamos eventos como bons ou ruins a depender de quando um momento ruim se dá dentro dele (no começo, ou no final): um relacionamento que termina em um momento difícil tende a sofrer com esse viés de seletividade, de buscarmos sempre as memórias mais recentes.

Anyway… foi só uma digressão mesmo…


domingo, 12 de junho de 2022

Terra Brasilis : o jardim dos caminhos que se bifurcam

 As maiores lições do dia (e da semana):

1) aceitar que algumas coisas são tão dúbias e incertas que acomodam mais de uma perspectiva. 

2) aprender a ouvir e manter a calma, mesmo diante de coisas que discordamos.

3) aprender que medo é medo; que é normal tê-lo, e que nem sempre o manifestamos abertamente (isso vale pra todos os lados de uma relação).

4) aceite o medo, mas não se submeta a ele, nem tome decisões precipitadas sob efeito do mesmo. 

5) aceitar decisões dos outros e respeitá-las, mesmo quando estas te machuquem.

6) mesmo quando discordarmos de alguém, manter o respeito e não erguer a voz; nossa razão não está acima da razão de ninguém, ainda mais em terreno incertos, cheios de ambiguidades. O melhor sinal de que estamos nos excedendo é alguém ter que implora desculpas para nos acalmar: nessas horas somos nós que devemos parar e nos desculpar com o outro lado.

7) aceitarmos que as maiores dores e provações talvez tenham um porquê, e que muitas vezes são um sinal da imperfeição intrínseca a tudo oque nós humanos tocamos e construímos. Talvez seja isso oque nos torna grandes, e oque indica aquilo que nos é importante na vida. 

8) aceitar que algumas pessoas nos veem de maneira rígida: esta é a maneira como nos entendem e não adianta mostrarmos nada, apontarmos fato algum, ou fazermos coisa alguma. É assim que nos vêem e ponto.

9) aceitar que, às vezes, a dor nos faz interpretar as coisas de maneira errada (e da maneira mais dolorosa possível); a dor é o pior dos vieses. Acima de tudo, que nos permitamos a surpresa diante dos nossos próprios enganos. 

[De certa forma, essa foi a coisa mais bonita e significativa do dia.]

[Fiquei mais feliz ainda em poder ter me permitido isso.] 

[Removeu uma tonelada de desapontamento das costas.]

10) não silenciar outras pessoas, nem anular oque estas dizem ou sentem. Nunca peque em assumir que "o meu caminho é oque faz sentido" quando se trata da vida de uma outra pessoa.

11) ser grato, mesmo diante daquilo que nos machuca e cujos propósitos fogem ao nosso entendimento. 

12) desapegar e saber deixar partir (em especial quando oque se diz/faz já não faz mais diferença aos olhos dos outros).

[ps: salvo engano, "o jardim dos caminhos que se bifurcam" é um texto do Jorge Luís Borges.]

quarta-feira, 8 de junho de 2022

Terra Brasilis : extravio

Tentei dormir. O corpo cansado de 30 mil horas de aeroportos, esteiras rolantes e aviões. Tento estar grato por ter um  teto e um lugar no qual ficar agora que chego: tudo oque preciso, não exatamente oque queria. 

Me esperavam no aeroporto. Como um mantra que se repete dentro de mim, tudo oque preciso, não exatamente oque queria. Tento ser grato e aceitar... Até consigo ser grato.... mas aceitar ainda está em processo (apesar dos últimos posts, não cantei vitória ainda, infelizmente).

Deixo as malas no canto... parece pequena perto de tanta vida que tive enquanto grande diante do apartamento que me recebe. Penso na minha próxima casa... como há de ser, onde há de ser... esses dias pela cidade vão demandar alguns tours de reconhecimento

Jetlag. 

Acordei às 5 AM, o corpo parece ainda não ter saído do Japão. 

A mente tão pouco. 

O coração, perdido pelo mundo, extraviado entre oriente e ocidente.

Em que balcão reclamo?

Dissonâncias cognitivas.. ainda outras: dessa vez o mundo me cerca de cidade e carros, enquanto ainda tento processar tudo oque se passa. Como pode, ontem atravessava Shibuya debaixo de chuva, alimentava um pônei num parque... e hoje estou em São Paulo, minha mãe dormindo no quarto ao lado...eu de olhos vidradabertos esperando pelo dia que já amanhece com tons de cinza? 

Ainda não vi ninguém. Talvez encontrar amigos ajude a processar que já estou aqui, e que aqui estarei por um bom tempo. Paro e penso "-sério mesmo que você morou 5 anos na Ásia?! E não sei aonde e aonde ... mais 7 anos?!" Minha vida às vezes é um eterno disbelief... olho pra trás e não acredito que fiz algumas coisas. Mal acredito também que hoje estou aqui, encarando algo que nunca mais imaginaria acontecer: voltar pro Brazil (olha só... outro "erro" typo que brotou em verborrágia...) Amanheço ansioso, um pouco cinza como o céu acima de mim, com leves toques de cor garoando ali-ali-e-acolá.

A fome bate, me chamando pra minhas próprias limitações e pro fato de estar vivo. Suspiro....

Brasil, espero que não me demore muito pra te entender de novo.... e que não te demore muito pra me aceitar de volta.