sábado, 8 de fevereiro de 2020

Una palomita que no vola


[John Williams tocando a belíssima "Que no te quiera más", de V. Emilio Sojo]

Esses dias, numa reunião de trabalho, meu chefe (de uns 50 e poucos anos), pouco habilidos em falar com o público, esperava sem graça no canto pra começar a sessão. De uma maneira quase infantil ele mordia o lábio inferior, expondo dois dentões enormes que tem e que, assimetricamente, são muito maiores que os outros. Interessante, porque achei a imagem fofa já que, mais que tudo, ele me parecia uma criança em primeiro dia de aula. Me dei conta de que ele, em algum dia, havia sido uma criança. Talvez daquele mesmo jeito, dentucinho, num canto, tímido. Sorri diante da imagem, enquanto a reunião já começada me invadia com alertas e mais alertas sobre corona virus.

Curioso, por que lembre essa semana ao ouvir This American Life, num episodio chamado  "Pidgeons on a plane", sobre um programa do governo Mexicano para levar maes de imigrantes ilegais a visitarem seus filhos nos EUA. Para aplicar as pessoas devem, por exemplo,  ter mais de 60 anos. Pensei muitos nessas pombinhas que não voam. Mais precisamente na minha mãe, que nunca me visitou enquanto vivo fora. Lembro dos primeiros anos no Rio, em que ela me dizia ao telefone "- quando você voltar pra São Paulo", não sei se pra me acalmar (nos meus primeiros dias longe, imerso em angústia) ou por imaginar que, de alguma maneira, a distância era temporária.

O  tempo com a minha mãe foi uma grande parte da última visita ao Brasil. As risadas diante daquele mar de tupperwares que os armários dela viraram, as risadas diante das dificuldades, tão felizes e cheias de alegria quanto as risadas diante das vitórias. algo interessante foi vê-la  reticente em começar a fazer pilates ("vou deixar pra  mudar de casa antes", "vou esperar teu sobrinho crescer um pouco", "vou...") ficava obstruindo toda e qualquer iniciativa minha que, no fim das contas, me ficou óbvio: minha mãe estava com medo de ir sozinha.

Me prontifiquei a ir junto, a entrar junto, a perguntar junto. "Não posso entrar contigo, mas te espero lá fora". E assim o fiz, imaginando que um dia ela havia feito o mesmo por mim. Como uma lembrança, vendo minha mãe me esperando na saída da escola, ou de outra em que abro minha lancheira pra comer meu lanche em casa depois da aula1, pareço fechar um ciclo em que os papéis se invertem: eu levo minha mãe pra fazer as coisas que ela, pequenina, precisa de um empurrãozinho pra começar sozinha.

De certa forma, essa sensação de "completar de um ciclo" foi um pouco do que senti durante minha última palestra (saidera!) nos EUA, diante de antigos professores que tive.... estranho como duas coisas tão díspares podem dar origem a sensações tão similares, não? Vai ver sou eu... vai ver meu olhar anda meio biased quanto a este tópico.

[A se descobrir então: qual ciclo estou terminando?]

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1 Nos meus primeiros anos de escola, estranhamente, eu levava a lancheira cheia pra trazê-la de volta cheia, e então comer em casa. Dizia, após estender uma toalhinha bordada com meu nome,  "-só como na casa da tia Lina", e me sentava no chão de casa, assistindo desenhos e comendo bisnaguinhas.



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