quinta-feira, 19 de setembro de 2019

Sementes de confiança que germinam segurança: "The Narrow Road to the Deep North" (おくのほそ道)


"the utter silence ...
cutting through the very stone
a cicada’s rasp"

[おくのほそ道 (Oku no Hosomichi), "The Narrow Road to the Deep North" , por Matsuo Bashô]


Há algo doce e contrastante no começo de "Não identificado", logo antes da Gal Costa começar a cantar. "Eu vou fazer... uma canção pra ela"...

 [Não identificado, Gal costa]

...uma leve turbulência que segue um momento de calmaria e sossego: um som de algo que parece vir de uma vitrola velha.... que se transforma numa orquestra.. que logo abre pra uma voz mansa que se adentra  pelos ouvidos,  como uma brisa que entra pela janela e acaricia a pele. 

Tanta coisa pra se escrever... só oque discuti no post anterior - sobre arrogância e egoísmo - já renderia um monte de assunto. Mas não posso deixar de ser honesto comigo mesmo e discutir oque vivo, oque sinto. Escrevo sobre tudo, escrevo sobre a busca de emprego, sobre a vida no Japão... e, como nesse mesmo começo caótico da música da Gal, pareço caminhar pelo contraste de caos e doçura que viver em geral é: algo desforme, águas onde navegamos muitas vezes sem saber pra onde.

Uma delas vem de coisas inexplicáveis. Como há alguns dias, quando sonhei com minha ex. Looongo sonho, cheio de conversa. Talvez porque a vi numa foto em rede social, depois de meses sem saber dela: mais magrinha, mas sorrindo. Encheu meus olhos de lágrima - entre dor e felicidade - em imaginá-la feliz e bem, mesmo que longe. No sonho, falavamos ao telefone: eu sondava a reação dela para ouvir alguma risada. Das muitas coisas que me faz falta, a risada é realmente uma delas:  no sonho eu ouvia a voz  calma, a respiração, e aguardava por qualquer sinal de riso, como alguém que tenta avistar vagalumes num campo escuro. Curioso, né? Agora pensando, talvez seja minha maneira de ler melhor as pessoas: quando elas riem. Como se fosse o mapa que melhor entendo, olho pras cores e topografia, e me deleito seguindo rios de risos como se conhecesse a melhor foz para eles desaguarem.

Logo mais vai fazer um ano que nos separamos. UM ANO!!! E, apesar de tudo, ainda penso nela. Claro, também penso nos desentendimentos, e no que deu errado, em onde foi que deixamos o barco afundar perto do fim; várias discussões e palavras deixaram cicatrizes, nela também (possivelmente). Mas hoje... um ano depois... consigo ver que a relação não era só isso: era muito mais, na verdade. Tenho saudades da risada, da confiança, do "no playing games"....  tenho saudade de ter medo de nadar em mar aberto e saber que ela estava ali perto, nadando silenciosa ao meu lado, pronta pra me proteger de qualquer monstro marinho que pudesse aparecer a qualquer minuto pra me arrastar para o fundo do mar: inclusive os terriveis monstros marinhos que realmente vejo com meus olhos míopes, pra logo descobrir que se tratavam de nada mais nada menos que de uma pedra, ou de uma bóia, ou da minha pura imaginação. A presença, o riso, o silêncio... tudo isso me passava a confiança de que, por mais caótico e desordenadas que minhas braçadas fossem, não vencia ondas sozinho. 

Mas como nasce essa confiança no outro: tempo?... palavras?...conversas?

Confiança é uma construção... algo que leva tempo... na última saída para escalar senti um pouco isso. Escalo fora raramente, e realmente não acho que gosto muito: há  um certo tipo de risco, um certo tipo de exposicao ao perigo, que abomino e me desconforta. Me assusta.... e o susto, o medo, nao me movem muito, não é essa a parte que me deixa curioso. É seguro, ma non troppo. No entanto, meus amigos ali, me dizendo a cada sinal em que eu gritava lá do alto 

"-I'm not sure if I'll try... I'm a bit scared." 

Aí vinha a resposta lá de baixa, perdida entre silêncio e cigarras,  de quem fazia o meu belay, mas que  nem parecia relacionada aos meus anseios:

"-No worries, you are safe... I'll catch you if you fall".

Incrível como isso, algo tão, mas tão pequeno, teve um impacto; foi a primeira vez que realmente consegui escalar bem fora, e também a primeira vez que consegui entender oque rola numa escalada na pedra: os pequenos incrementos, a "leitura da parede", aquele 1 a 1, você e rocha... que pareceu vir somente quando a confiança estava por perto. Certamente, uso a palavra confiança, mas vejo que as implicações desta é que me impactaram:, pois confiança gera segurança...e em terreno mais firme raízes podem ir mais fundo, e árvores crescerem mais alto. 

Acho que é isso.. não há veredito quanto a nada disso, são sentimentos que vem, visitam, enquanto eu tento seguir meu caminho e procurar uma ponte fora daqui. Neste meio tempo, ter contato com a natureza, me proporcionar calma e descanso é tudo oque preciso. Meus dias aqui parecem mais contados ainda, ainda mais agora com o fim do meu último projeto. Viajo na semana que vem pra celebrar esse fim de ciclo: oque era pra marcar o fim dele, vai servir pra me recompensar e dar energia pra continuar minha busca.

Em tempo: o nome de uma das vias que escalei com meus amigos é o mesmo do poema do Bashô que abre o post. A verdade a parte que mais gosto é logo antes do haiku, quando ele diz 

"The quiet and lonely beauty of the place seemed to purify our hearts"

Realmente, tudo oque eu preciso neste momento, e espero encontrar em Siem Reap por uns dias.

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