Hoje voltei a trabalhar no escritório. Aih lembrei de uma estoria. Com o mesmo colega desse post, com o qual as vezes almoçava (ha muito tempo, antes da pandemia).
A estória foi a seguinte: numa das manhãs de trabalho, esquentei meu bentô (aquela marmita japonesa...que no meu caso de japonesa só tem o formato: dentro a comida é de qualquer outro lugar do mundo rsrs), e fui almoçar sozinho, por não vi meu amigo. Aí cheguei no lounge onde lanchamos e, de longe, já senti o cheiro da comida dele: um cheiro forte, de peixe, que empestiou o andar inteiro. Gritei de longe "não vou nem chegar perto, porque esse cheiro tá forte demais".
Fiquei meio arrependido depois... será que havia sido meio duro com ele? Soei preconceituoso, bruto? Feri alguém cuja cultura aprecia o cheiro forte na comida como uma qualidade?
Só sei que os dias passaram, o final de semana passou. E um belo dia, quando voltava pra casa ao fim do dia, depois de ter cozinhado no dia anterior, abro a porta de casa e sinto um cheiro forte de tempero.
...tempero que usara no dia anterior.
Fiquei me perguntando: "será que eu tenho o cheiro do meu apartamento? Da comida que cozinho?"
Aí fiquei imaginando, os japoneses olhando pra mim envergonhados, pensando "ihhh lá vem aquele brasileiro com cheiro de pão de queijo..", ou as pessoas meio nauseadas porque eu tenho cheiro de panqueca... sei lá...me vi indissociado daquele aroma/perfume que denunciava minha origem como uma pessoa não dali. Um ser que não cheira a gohan, ou peixe, ou tofu, mas que tem um cheiro que não se adequa às narinas locais.
Curioso que esa pergunta me voltou à cabeça meses mais tarde ao assistir o filme sul-coreano "parasita", no qual ele fala sobre cheiro (há um artigo interessante no Guardian: Common scents: how Parasite puts smell at the heart of class war). Fiquei me questionando: "será que meu cheiro, se ele for mesmo diferente e existir, é apenas um sinal de que eu nunca farei parte de onde for, onde quer que seja?"
Me sentir um pouco mais estrangeiro neste dia, denunciado pela minha própria existência privada, aquilo que não precisaria mostrar ao mundo sendo escancarado, anunciado: você é aquilo que você cozinha.
[" 'Me passa o tempêro?', disse ele entre lágrimas de rejeição.]
[me imaginei lendo isso num livro.]
No fim das contas eu fiquei pensando se deveria perguntar pra outros amigos gringos que moram fora de seus países. "Você acha que tem um cheiro engraçado, que as pessoas te olham estranho quando você passa por perto?".. mas acabou ali mesmo. Não perguntei pra ninguém... vai ver ninguém pensa nisso mesmo (ou acha que perfume resolve).
ps: no que refere a como meu amigo encara o cheiro da comida, e oque isso significa pra ele, a questão me traz à lembrança esse post de 2013: Universo multiculturalista numa casca de banana (ou "Êsopidianas"). Recomendo
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