quarta-feira, 8 de abril de 2020

Direto da Terra do Sol Nascente # 86: o mais próximo que dois podem estar agora

 
" No man is an island, entire of itself; every man is a piece of the continent, a part of the main; if a clod be washed away by the sea, Europe is the less, as well as if a promontory were, as well as if a manor of thy friend's or of thine own were; any man's death diminishes me, because I am involved in mankind, and therefore never send to know for whom the bell tolls; it tolls for thee."
[John Donne, em Meditation XVII] 


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Metros? Pessoas? Nesse exato momento a única recomendação que corre o mundo é de praticar distância social. Como um mindfulness ao avesso, que te joga pra longe da sua humanidade, ou um jogo de squash que se joga sozinho, distanciar-mo-nos socialmente só parece fácil no Japão, onde o distânciamento social parece ter existido desde sempre (será que é por isso que o número de vítimas do covid-19 é tão baixo aqui?).

Ontem li John Donne de novo, depois de muitos anos. Não conhecia este texto, e tive a sorte de ouvir falar dele por acaso, lendo um texto muito bem escrito da ex-senadora Marina Silva na Folha de São Paulo. 

Acaso este por sinal que nos trouxe onde estamos hoje.... por evolução, ou por tentarmos lutar contra ela(?). Oque é ser consciente do mal que adentra suas fronteiras, como os índios que viam os espanhóis desenbarcando na costa sul-americana? Ou aborígenes vendo homens brancos dizimando uma terra tão intrinsecamente parte do que eram, que se viam violados pela "posse" da mesma (que lhes era tomada) e pela vida dos seus irmãos sendo mortos por peste, bala, e outros infortúnios?  Penso em tudo isso... penso na distância social, na distância que me separa de tanta gente agora: Brasil, Japão, EUA, Europa.... Oque é praticar distanciamento social, se a única forma como sabemos viver é perto uns dos outros? 

Falei com meu pai estes dias. Enviei dinheiro pra ele, pra compensar as perdas que ele teve ao não poder trabalhar por estes dias. Mas... cabeça dura que é, voltou a trabalhar: quando falei com ele, me atendia do trabalho.

"-...desculpa, filho: me interromperam por aqui!", me disse ao telefone.

Uma interrupção por corona na vida do mundo, das pessoas. "Causa mortis: vida interrompida por um diminuto vírus". 

Fiquei pensando nas mil maneiras que ele, ou que minha mãe (à qual sou mais apegado) podem pegar essa doença. Reflito mais uma vez sobre a distância, e ainda sobre a vulnerabilidade de, longe ou perto, não poder fazer nada. Algo que vem pra buscar pulmões, e que segue ininterrupto mesmo diante das nossas queixas. Me aflijo diante da distância, diante do medo que sinto na voz da minha mãe, que olha pro mundo da sua janela, e tenta encontrar um pouco de sol que peneira pelas janelas pra tentar caber num apartamento pequeno. 

Apartamento
Apertamento
Apartamundo
Apertamundo

O mundo lá fora parece tão grande e, mesmo assim, já não cabemos mais nele. Luto? Sim, de imaginar que podemos voltar pra um lugar que não existe mais. Ou melhor, que existe, mas de uma outra forma. 

Há alguns dias olhei minhas ações na bolsa. Isso logo num dia em que o presidente brasileiro bradava pra todos os cantos que "o Brasil não pode parar, temos que voltar a produzir", e outros impropérios como "meia dúzia vão morrer"... sinto-me machucado, ferido na minha humanidade ao ouvir isso. Mas voltando: diante do burburinho de que o ministro da saúde (que é a favor da quarentena) poderia ser demitido, o mercado dispara, mostrando sinais de melhoraç vejo minhas ações subindo, horrorizado. Acho que já falei sobre isso antes (em Diagnóstico: descolamento do mundo) ... de como investir me traz um sentimento de hostilidade, algo que comecei a chamar "descolamento de mundo"... ou mais precisamente, de como o interesse dos especuladores, dos grandes investidores, é diametralmente oposto aos interesses de um povo, dos mais fracos. Me envergonhei... mas dessa vez consegui traçar uma linha mais clara no chão: meus valores difícilmente seriam levados a isso, a esse individualismo. E não que não seja corruptível, muito pelo contrário: quem não é, não? Mas sinto que não me corromperia de maneira tão baixa, conscientemente violando a humanidade dos outros deliberadamente da mesma forma que essas pessoas fazem ao defender suas "riquezas", bens e propriedades.

E sigo me envergonhando, mais uma vez, ao ler a  Marina Silva no texto que citei acima, dizendo que essa pandemia  já lhe era conhecida, da época de adolescente: perdeu duas irmãs, a mãe, e mais uns parentes numa epidemia de sarampo. DE SARAMPO! ACREDITA?! Me envergonho de saber que viramos as costas para essas pessoas. Pra quem tinha menos. O "grande brasil para todos", dos militares que tanto zelavam pelo bem de todos e desenvolveram o Brasil-ame-ou-deixe-o- levando à uma potência, virando as costas a quem tinha menos, pessoas que acabaram abatidas, extinguidas, por um simples e contornável sarampo. 

John Donne tinha total razão em dizer que cada morte é um pouco da nossa humanidade que se acaba. 

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