quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

Pessoas #3: a imagem no espelho

Uma coisa que adoro ver em animais é como eles não tem muita idéia de si mesmos: um cachorro enorme que se aflige diante de um cachorro diminuto que late para ele, um cachorro gigante que senta no seu dono sem se dar conta de quão pesado é etc. Essa auto-consciência em falta, curiosa e onipresente, que vemos em todos esses bichos, e também vemos em nós mesmos, humanos. 

Algo que sempre me fascinou e assustou é como algumas pessoas têm uma imagem extremamente distorcidas de si mesmas: a pessoa linda que se acha feia, a pessoa inteligente que se acha incapaz etc. Me lembra um pouco o final do Wizard of Oz (que li e assisti recentemente), onde tudo oque eles - espantalho, Dorothy, leão e homem de lata - procuravam estava ali com eles desde sempre, mas os mesmos não conseguiam ver.  

Ok, só citei coisas acima que são negativas, ou um pouco negativas, mas esta visão deturpada que podemos ter de nós mesmos é algo bem mais geral e, como num espectro, ir do leve ao extremo. Eu tenho isso, você leitor provavelmente tem também...e muita gente nem se dá conta. E diante disso, me pergunto: já que distorcemos, como fazer para se ter uma opinião mais justa quanto a nós mesmos? Como olhar, analisar e conseguir intervir de maneira a melhorar as coisas quando oque se vê é só uma visão embaçada da realidade? 

segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

Pessoas #2: scattering/espalhamento de coisas

Uma das coisas que observo bastante em pessoas é como elas se espalham pelos ambientes em que estão: primeito entra pela porta da casa, deixa as chaves em cima da mesa, tira os sapatos perto da porta, coloca a mochila na sala, tira o cachecol de qualquer maneira e o joga na cama etc. Algumas pessoas são mais concisas: deixam tudo num cantinho, arrumadinho, com dispersão quase zero.  Outras se espalham por temas: roupas são todas jogadas em cima da cama,  coisas correlacionadas ao trabalho vão todas de volta à mochila etc.

Como partículas que se espalham diferentemente ao se colidirem umas com as outras, cada pessoa se espalha de alguma maneira quando lhes é dada uma chance: ao chegar do trabalho, o chegar no trabalho, ao se chegar na casa de alguém ou a algum lugar.

Acho que isso só comecei a reparar nisso quando tive roommates. Uma delas tinha o quarto tão, mas tão bagunçado, que era quase desfuncional. Um belo dia, quando tive que usar o computador dela, vi o desktop da mesma, cheio de arquivos e pastas fora de ordem, "in disarray", e pensei: não poderia ser diferente... será que o cérebro dela se organizava assim? Fica me perguntando.... como uma rede elétrica dessas que se vê em alguns lugares, cheias de "gatos", fios e cabos arranjados de qualquer forma, mas onde a energia passa e chega onde quer, de alguma maneira.



quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

Pessoas #1: do risco e suas muitas formas

Hoje aconteceu algo interessante. Besta, mas interessante: estava a caminho de Tokyo, indo pra estação, ainda perto do trabalho. Meio apressado, não paro de olhar no relógio do celular de tempos em tempos. Numa dessas, tento atravessar a rua, mas a mala pesada impede meu avanço. 

Merda.

Coloco a mão no bolso em busca das horas. Do bolso sai o celular e uma moeda de 1 yen, que cai rodopia pelo ar, até cair na via. 

Olho. 

Penso em abaixar num impulso para pegar.

Penso novamente.

"- E se passar um carro?"

"- ...e se passar um carro e bater na minha cabeça?"

Sei que parece catastrófico, e até idiota. Mas não seria mais idiota ainda morrer por 1 centavo? 

Fico pensando no risco e na impulsividade das nossas ações. Sempre nos julgamos tão racionais e donos de qualquer reação, inclusive as impulsivas, aquelas que parece termos total controle sobre, mas das quais sabemos menos do que gostaríamos. Me pergunto como isso mudaria se fosse $10...ou $20... ou $100 caídos na via...ou numa via de metrô/ trem.... quão rápido isso me impulsionaria a arriscar minha vida sem considera que sim, poderia muito bem passar um carro na frente do qual, por impulso, eu coloquei minha cabeça na frente.

Bom... passou.... e eu vim pra Tokyo, com um centavo a menos no bolso (mas vivo).

Por estes dias fiquei me pergunto o quão justo é a sociedade recompensar as pessoas pelo risco que elas tomam. Claro, até pouco tempo atrás eu buscava uma vida alheia aos riscos do mundo, com uma casinha na beira do campus, uma família não rica, mas que poderia arcar com uma ou duas viagens por ano, indo pro trabalho de bicicleta, sem muito luxo, pesquisa, interesses intelectuais, risco zero, que-o-mundo-se-exploda-lá-fora-eu-tenho-distinção-do-que-é-certo-e errado-eu-e-meus-teoremas-volto-pra-casa-ao-final-do-dia-sem-risco.

Well.. a vida parece ter outros planos pra mim. E eu pra ela  hee hee

Por estes dias ganhei uma bela grana na bolsa.. coisa de em um dia tirar uns mil dólares. Fiquei impressionado. Com remorso. E repensando se era justo.

É justo? Eu não fiz porra nenhuma, só empreguei meu dinheiro ali. Mas.... seria isso o mesmo que abaixar pra pegar uma moeda?

Não... não é o caso. Primeiro que nem todos têm esse direito. Na verdade nem é um direito. Ter a oportunidade de ter um ganho desses é mais um privilégio do que qualquer outra coisa. Um moooonte de gente não tem acesso a essa informação, a esses meios de informação, ou à possibilidade de empregar recursos. Foi simplesmente um ato burguês: eu ganhei dinheiro sem pingar uma gota de suor. E não sei bem por que, mas o prazer não ... sei lá, bateu, mas não foi o bastante pra me ofuscar a vista.

É sabido em pesquisas que a partir de certa quantia de valores, de salário, a recompensa monetária já não se associa mais a prazer (há pesquisas sobre). Então por que ficarmos buscando mais, mais, e mais..?

Eu sei que o post ficou um pouco confuso, mas essas duas coisas me parecem tão duas faces de uma mesma moeda que não há como dissociá-las: o risco nos move, nos recompensa, e nos pune, por que não deixa de ser uma face da nossa ganância. 


sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

"Ô moço!!!.... Moço!!... peraí que voce esqueceu tua cabeca na loja!!"

Ando tão desanuviado por estes tempos que me os dias me seguem estranhos: sindo por dentro,  que me esqueço de algo, que há algo que deixei de fazer, algo que estou em falta com algo, com alguém, com o mundo. Como um tubérculo que sabemos existir por debaixo da terra mas do qual não vemos folha a pedir sol, o esquecimento parece crescer por dentro de mim. 

O esquecimento, mais do que uma aflição, virou uma hostilidade: não há sossego, não há lugar que vá em que não sinta que sim, há algo que está faltando, que era para estar ali mas não está. E que claro: não sei exatamente oque é.

Será que esqueci uma panela no fogo? 
De pagar alguma conta?
Do aniversário de alguém?
De colocar uma vírgula num artigo?
De provar que a solução da equação era única?
De anexar o currículo?
De anexar o currículo e agradecer depois?
De dizer que gostava?
De dizer que não gostava?
De ligar?
De tentar ligar?
De ligar para poder dizer depois que liguei?

Me sufoca essa sensação. Acordo no meio da noite pensando
"-Oh my... acho que esq..." 
e nem termino a frase e já me esqueço de novo. 
"-Do que me esqueço mesmo?", me pergunto surpreso.

Noites, dias, indagações infindáveis que desvirtuam qualquer desejo por serenidade. 

Sorte minha que hoje me lembrei de escrever, sobre tanto esquecimento. Antes que viesse a esquecer, tudo de novo.

quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

3 ponto 5, ou "um homem sentado sobre uma montanha de ouro num deserto"

Por estes dias fiz 35 anos, como falei no post anterior... ou no anterior do anterior. Que seja, não muda o fato ou a direção da seta do tempo: 35 anos. That's it. 

O aniversário em si foi super normal, como muitos aniversários que já passei: um dia como qualquer outro. Saí andando pela cidade e, diante de tantas perguntas de amigos sobre planos, idéias, saídas para comemorar, passava por um monte de gente e me perguntava "-porque que este dia há de ser um dia especial?"

Me pergunto oque há para ser comemorado e me sinto confuso. Estranho, estranho... guardo um dia que era pra ser "especial" dentro de mim, mas ele não me parece nada de mais. Mais estranho é esse contraste, em andar pela cidade como se guardasse um segredo que outros não sabem, como um homem sentado em ouro, sobre uma montanha de riquezas sem utilidade alguma, num deserto onde todos só pensam em água: de que me vale um dia especial se ele não pode ser compartilhado, ou se ele não tem exatamente valor algum? 

De certa forma isso me lembra o Chris Mccandless quando ele lê Tolstoi (acho) e percebe que toda aquela vida que ele levava, longe, distante, autosuficiente, não era o bastante: felicidade só é felicidade quando ela é compartilhada. Passei o dia pensando então oque eu compartilho com o mundo, com os que estão ao meu redor, que tipo de micro-felicidades compartilho com aqueles que me cercam: no dia de hoje, ou mesmo todos os dias. Fiquei na dúvida... não sei muito bem oque é que ofereço pro mundo, oque é esse propósito que alguns vêem em mim e que não acho ser nada, nada mesmo... ou muita coisa. 

Em suma: foi um aniversário tranquilo, calmo, reflexivo, e sereno. Vai ver os 35 são isso ....

[ps: pensei em chamar o post "um homem sentado sobre uma montanha de nióbio num deserto", mas achei que a alfinetada política não fosse durar muito longe no tempo :P]
[Bom... assim espero!!]

sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

Direto da Terra do Sol Nascente # 79: quase lá....(ou "enquanto uns ficam mais velhos...")

Dá pra acreditar que, em alguns poucos dias, diria mesmo poucas horas, eu terei 35 anos.

35 aninhos!!!

Lembro até hoje de fazer piada com meus 25 anos, quando ficava pra cima e pra baixo ao longo daquele ano dizendo "tenho um quarto de século". Como uma criança chata e repetitiva, acho que apurrinhei muita gente  ao dizer isso... e apurrinhei a mim mesmo repetindo essas palavras tantas e tantas vezes.

Por fim, os 25 passaram, assim como diversos outros anos.

Os 35 talvez não vão me trazer nenhum deleite do tipo. Nem achava que fosse "aproveitá-los" por aqui, quando já me imaginaria neste momento no Canadá, Eua ou Inglaterra (ou Brasil! Vai saber pra que lado o barco vai?).

Enfim... vou parar de chorar as pitangas e me preparar pra celebrar (ou ao menos tentar) algo neste final de semana.

Ao menos, como um bom presente de aniversário, descobri que meu modelo funciona!!! Se tudo correr bem teremos um novo tipo de rede neural nascendo no mundo já no começo do ano que vem :)

terça-feira, 3 de dezembro de 2019

De grão em grão

Há umas duas semanas saí com tempo do meu escritório, e segui com calma até o consultório da minha terapeuta. Só pra descobrir depois que não tinha nenhuma consulta praquele dia: a consulta fora remarcada para outro dia (e havia me esquecido disso). 

Hoje, diferentemente, esqueci a consulta.

Acho que todo mundo passa por isso. São momentos que não são exatamente uma doença, mas umas flutuaçõezinhas no nosso estado emocional que nos afeta em coisas muito básicas. A exemplo: tive épocas em que esquecia coisas a torto e a direito, em tudo oque era lugar. "Lembrar de não esquecer" passara a ser dispendioso, tomar minha energia: algo que antes era orgânico, simples.

Talvez esteja num desses momentos: em que tudo parece pequeno, mas ganhando proporções enormes. Acredito que isso aconteça quando tenho medo de como as coisas vão se desenrolar. E, por mais que sejam coisas pequenininhas, elas se adicionam, tijolinho sobre tijolinho.

Pois bem dizem, não é mesmo: uma duna nada mais é que um monte de grão empilhado. 

domingo, 1 de dezembro de 2019

Garotas de Ipanema: parte II

Esqueci de dizer: o  post Garotas de Ipanema nasceu de um fato curiosamente desconfortável: ao fim de uma entrevista de emprego na semana passada o entrevistador me diz:

"-So, you are brazilian... you know... I like your president, Bolzonaro..."

[Nessa hora já sabia que viria merda pela frente]

"-...he's a funny guy," e deu uma risadinha.

Aí fiz um meio campo, sem abertamente divergir dele. Falei que era uma pessoa controversa, impulsiva, que não é muito racional em suas atitudes e falas... mas o senhor que me entrevistou não parecia querer me ouvir, e falou um pouco me atravessando

"- did you see what he sad about Sarkozy's1 wife? He showed a picture of his wife and said 'that's why he is envy of me'... hahaha he is funny"

Aí não deu mais, comecei a divergir mais abertamente dele: disse que não gostava do Bolsonaro, que era uma pessoa perigosa a democracia do Brasil edo mundo, com atitudes pró ditatoriais e pró violência. E que ele [entrevistador], vindo de onde veio [Bósnia], um país devastado por uma guerra-civil horrível, deveria ter profundo despreso por esses tipos de líderes, com atitudes tão anti-democráticas2.


Ainda assim, divergia com tato, com a clareza de que o entrevistado ali era eu. Essa parte que tornou o evento algo incomum, e me fez refletir bastante sobre o tema: uma das reflexões, em virtude da piada idiota que o entrevistador achou engraçada, deu origem ao post anterior; a outra foi sobre essa assimetria de forças, origem da nossa conformidade com tanta coisa ruim que acontece por aí.  Lembrei de um dos candidatos a presidência dos EUA, o Andrew Yang, falando sobre um plano de assistência básica a todos. Dizia numa entrevista algo como:

"-Imagine alguém que sofre assédio constante no trabalho, mas não tem condições de dar um basta naquilo por diversos motivos - filhos, doença etc. Esse auxílio serviria para isso, para dar uma possibilidade das pessoas terem uma vida melhor, para liberá-las desse tipo de coisa". 

Quando o ouvi achei incrível: realmente, ao longo da vida ouvimos e fazemos muita coisa que não queremos pura e simplesmente por sermos o elo mais fraco nessa grande cadeia que move o mundo. Me lembrei de uma época em que descobri (por minha ex) que um conhecido meu havia abandonado a academia  - um americano, que já era tenure track há anos -  e estava trabalhando na área pra qual estou indo. Apesar da insistência de alguns pra que o procurasse, lembrava das poucas interações com ele e, acima de tudo, de um acontecimento que havia virado motivo de asco entre algumas amigas de onde estudei durante uma época: uma delas me mostrou um poster sobre um evento chamado "O papel das mulheres na matemática", ou algo assim, no qual havia a foto de 5 palestrantes... claro, todos homens (e brancos).

"-Do you know this guy? What an asshole", ela me perguntou.

Já o achava bem diferente de mim quanto a valores científicos, mas depois daquilo eu realmente fiquei com um (ou vários, na verdade!) pé atrás quanto a ele: como assim, trabalhar com alguém pelo qual não tenho admiração alguma, com o qual divirjo em assuntos tão fundamentais?

Claro, penso no meu chefe atual, com o qual divirjo em gênero numero e grau em diversos aspectos, mas com o qual trabalho (well... melhor dizendo, sob a chefia de quem trabalho mas com o qual, felizmente, raramente interajo). Viver é realmente caminhar por uma corda bamba... me admiro de sair de 5 minutos de uma conversa bizarramente desagradável e tirar tanto dali. E ao longo do caminho há de ser assim mesmo: vamos estar cercado de pessoas que discordam e pensam diferente da gente, que tem valores muito díspares dos nossos. E isso é normal, pois eles também devem se chocar com os nossos valores e modo de vida. Mas... é escolha nossa não cmopartilhar nossa essência com algumas delas, e enquanto eu puder eu farei o máximo pra não trabalhar para uma pessoa com a qual, préviamente, já sei que discordo.

Paciência... paciência... 


1 Provavelmente ele quis dizer Macron. O fato, infelizmente, foi motivo de profunda vergonha para mim e para muitos brasileiros (link do Washington Post)

2 Me referia ao Slobodan Milosevic

Direto da Terra do Sol Nascente # 78: abraço chinês II

Há algumas semanas aconteceu algo que me lembrou de uma estória que me ocorreu anos atrás (2012!!!): um chinês do meu trabalho, que tenho meio que orientado com encontros semanais e tudo, veio me dizer que não conseguiu fazer nada do que lhe pedi na semana passada. Se abriu, pois não sabia oque fazer: havia levado um chega pra lá de uma mocinha japonesa, e não sabia muito bem como interpretar a situação. Num esforço emocional que conseguia perceber de longe, me explicou a situação pegando um pedaço de giz e indo para o quadro negro, onde desenhou uma gaussiana pra representar o quão fora do eixo se encontrava naqueles dias:

"-...estou uns dois sigmas acima da média", me disse apontando para a cauda direita da curva, um pouco ofegante e, pelo que me passava, com o peito carregado de dor. Entendi a explicação, apesar de pra mim haver pouco uo nenhum sentido em matematizar uma situação como aquela. Talvez seja minha grande virtude e meu grande defeito: não ser fluente em nada, e falar um pouco de várias linguas: me foi o bastante pra ver que o rapaz estava no seu limite.

Fiquei lembrando da menina chinesa da qual falei no post que me referi acima. Pensei neste grande abismo entre dois mundos, culturas e vidas tão distintas -  Brasil, China - e em como, assim mesmo, ele veio contar pra mim... mesmo  diante de tantas outras pessoas pras quais ele poderia ter falado sobre o seu desconforto, sobre aquela dor.

Ouvi, conversei, dividi o pouco que sei (ou acho que sei) e, sem haver algum mérito quanto a hierarquia, me senti um pouco pai, um pouco irmão mais velho, um pouco orientador, e um pouco mais humano: rejeição é uma dor universal mesmo. Enquanto o ouvia eu pensava no que tal palavra significa pra mim... e quais milhares de significados e formas ela já tomou (e ainda há de tomar) no meu horizonte.  

Fiquei feliz em ver que com algumas palavras e acolhimento, o desespero nos olhos dele dissiparam um pouco: já ao fim da conversa eu consegui ver que ele estava melhor. Acima de tudo,  que eu havia feito o melhor que pude: dizer a ele, mesmo sem ter certeza de nada, que aquilo iria passar, que aquela dor iria passar...