Esqueci de dizer: o post Garotas de Ipanema nasceu de um fato curiosamente desconfortável: ao fim de uma entrevista de emprego na semana passada o entrevistador me diz:
"-So, you are brazilian... you know... I like your president, Bolzonaro..."
[Nessa hora já sabia que viria merda pela frente]
"-...he's a funny guy," e deu uma risadinha.
Aí fiz um meio campo, sem abertamente divergir dele. Falei que era uma pessoa controversa, impulsiva, que não é muito racional em suas atitudes e falas... mas o senhor que me entrevistou não parecia querer me ouvir, e falou um pouco me atravessando
"- did you see what he sad about Sarkozy's1 wife? He showed a picture of his wife and said 'that's why he is envy of me'... hahaha he is funny"
Aí não deu mais, comecei a divergir mais abertamente dele: disse que não gostava do Bolsonaro, que era uma pessoa perigosa a democracia do Brasil edo mundo, com atitudes pró ditatoriais e pró violência. E que ele [entrevistador], vindo de onde veio [Bósnia], um país devastado por uma guerra-civil horrível, deveria ter profundo despreso por esses tipos de líderes, com atitudes tão anti-democráticas2.
Ainda assim, divergia com tato, com a clareza de que o entrevistado ali era eu. Essa parte que tornou o evento algo incomum, e me fez refletir bastante sobre o tema: uma das reflexões, em virtude da piada idiota que o entrevistador achou engraçada, deu origem ao post anterior; a outra foi sobre essa assimetria de forças, origem da nossa conformidade com tanta coisa ruim que acontece por aí. Lembrei de um dos candidatos a presidência dos EUA, o Andrew Yang, falando sobre um plano de assistência básica a todos. Dizia numa entrevista algo como:
Ainda assim, divergia com tato, com a clareza de que o entrevistado ali era eu. Essa parte que tornou o evento algo incomum, e me fez refletir bastante sobre o tema: uma das reflexões, em virtude da piada idiota que o entrevistador achou engraçada, deu origem ao post anterior; a outra foi sobre essa assimetria de forças, origem da nossa conformidade com tanta coisa ruim que acontece por aí. Lembrei de um dos candidatos a presidência dos EUA, o Andrew Yang, falando sobre um plano de assistência básica a todos. Dizia numa entrevista algo como:
"-Imagine alguém que sofre assédio constante no trabalho, mas não tem condições de dar um basta naquilo por diversos motivos - filhos, doença etc. Esse auxílio serviria para isso, para dar uma possibilidade das pessoas terem uma vida melhor, para liberá-las desse tipo de coisa".
Quando o ouvi achei incrível: realmente, ao longo da vida ouvimos e fazemos muita coisa que não queremos pura e simplesmente por sermos o elo mais fraco nessa grande cadeia que move o mundo. Me lembrei de uma época em que descobri (por minha ex) que um conhecido meu havia abandonado a academia - um americano, que já era tenure track há anos - e estava trabalhando na área pra qual estou indo. Apesar da insistência de alguns pra que o procurasse, lembrava das poucas interações com ele e, acima de tudo, de um acontecimento que havia virado motivo de asco entre algumas amigas de onde estudei durante uma época: uma delas me mostrou um poster sobre um evento chamado "O papel das mulheres na matemática", ou algo assim, no qual havia a foto de 5 palestrantes... claro, todos homens (e brancos).
"-Do you know this guy? What an asshole", ela me perguntou.
Já o achava bem diferente de mim quanto a valores científicos, mas depois daquilo eu realmente fiquei com um (ou vários, na verdade!) pé atrás quanto a ele: como assim, trabalhar com alguém pelo qual não tenho admiração alguma, com o qual divirjo em assuntos tão fundamentais?
Claro, penso no meu chefe atual, com o qual divirjo em gênero numero e grau em diversos aspectos, mas com o qual trabalho (well... melhor dizendo, sob a chefia de quem trabalho mas com o qual, felizmente, raramente interajo). Viver é realmente caminhar por uma corda bamba... me admiro de sair de 5 minutos de uma conversa bizarramente desagradável e tirar tanto dali. E ao longo do caminho há de ser assim mesmo: vamos estar cercado de pessoas que discordam e pensam diferente da gente, que tem valores muito díspares dos nossos. E isso é normal, pois eles também devem se chocar com os nossos valores e modo de vida. Mas... é escolha nossa não cmopartilhar nossa essência com algumas delas, e enquanto eu puder eu farei o máximo pra não trabalhar para uma pessoa com a qual, préviamente, já sei que discordo.
Paciência... paciência...
1 Provavelmente ele quis dizer Macron. O fato, infelizmente, foi motivo de profunda vergonha para mim e para muitos brasileiros (link do Washington Post)↩
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