sábado, 27 de novembro de 2021

Direto da Terra do Sol Nascente #119: só poderia ser amor... (ou, talvez, o contrato)

[Bato na porta]

- Professor boss? Are you there?

-Yeeeessss

[Ele responde, com um yes bem longo]

- I have something to tell you. Well... you know... it's hard to say this, but I'll be leaving next year, in February...

- Ohh!!! Good! So, you have found your next position...

- No. Actually, I have not.

- How are you leaving then, if you have no next job?

-Well.. it's complicated. I just think that..

-Because in general people find a job before leaving their current job.

-...but I..

-Because you know that you can stay longer if you want, we'll be happy to have you here 'til the end of your contract..

-...but...

- What don't you do some more thinking and let us know? 


[Pronto, falei! ]

[Fiquei surpreso com a reação do meu chefe, quase "paternal", diria]

[Inesperado para um japonês. Foi bom, sentir-me benquisto onde trabalho, numa cultural tão different da minha.]

[Ainda meio assustado diante das minhas próprias deliberações, mas... acredito que esse barco já saiu do porto e a ele não volta mais.]

[...rumo ao desconhecido mundo lá fora, aqui vamos nós]

quarta-feira, 24 de novembro de 2021

Direto da Terra do Sol Nascente #118: carnaval japonês (ou "quebrando o contrato")

 É agora... respiro fundo, vou dizer tudo oque penso.  Dizer que me cansei, que vou embora, que de hoje não passa... 

..bato na porta, "shitsure-shimasu", come licença já entrando... 

...ninguém na sala.

"-Maybe our boss is hiding under his desk... we just don't want you to leave us", me disse a secretária.

Vai saber... tento de novo mais tarde.

quinta-feira, 18 de novembro de 2021

Love in the time of crisis


Reinterpretação de "serious love", de Roy Lichtenstein.


[Ficaria mais confortável se fosse a mulher falando, mas... acho que é justo dizer que todo lado de uma relação tem suas condições.]

[Com isso, tento ser honesto também, ao admitir que relacionamento é algo a dois, e são dois os universos que se encontram nele.]

[Em todo caso, sempre achei uma piada esses ads em que o "terms and conditions apply" é dito bem rápido ao fim da propaganda, ou em letras diminutas num cantinho... Depois de tantos amores que naufragaram antes de chegar na praia, talvez possa dizer que  relacionamentos não são lá muito diferentes disso.]

segunda-feira, 8 de novembro de 2021

Direto da Terra do Sol Nascente #117: "stepping into the void"

Estava pensando ontem, como a palavra "muda" tem tantos conceitos distintos: uma planta que ainda requer cuidado para florescer em árvore, uma pessoa que não pode falar, e uma mudança que se está pra fazer. Muda ou não muda? Me calo e penso... acho que sim, que mudo. 

Há um tempo já tenho enrolado com essa estória, mas acho que chegou o momento de dar esse passo em direção a algo que não sei muito bem oque é. Curioso, por que sempre ouvia as pessoas me acharem "destemido" ou ousado por ter me mudado pra tantos lugares. E tinha razão: em suas devidas proporções, tudo isso foi fácil, pois sempre soube de onde saía e pra onde ia. Dessa vez... sair da minha casa pra ir pro...sofá da minha mãe? Wow!! Nunca sonharia com isso... mas talvez seja oque a vida esteja pedindo por agora... meio que me surpreendo em, deliberadamente, ir nessa direção, como se sacrificasse uma rainha no xadrez ao vislumbrar um xeque-mate no horizonte.

É estranho... um enorme desconforto. Como se desse um passo em direção ao vazio, andando sobre uma corda bamba sem ter uma rede de proteção lá em baixo. O afago dos amigos, da família, muitas vezes chega e acabam rechaçados... demorou pra que eu entendesse minha hostilidade e pudesse dizer que agradeço, mas que são mais que palavras aquilo que poderia me acolher agora. Alguém que entenda o medo, minha ansiedade?

Tenho lido "Quarto de despejo" e, comparativamente,  me sinto envergonhado em pensar nessas coisas. Não por sentir que tenho muito, mas por saber que existe um monte de gente por esse mundo que vive com essa angústia dentro de si todos os dias, semana a semana, sem saberem se vão comer, ter onde dormir, onde viver, se vão ter como se manter em pé. É uma sensação desconfortável de me sentir ali, nas entrelinhas, dentre as palavras dela, preso dentro de uma miséria que parece estrutural, indissociável... às vezes fico me perguntando se oque me falta para mudar é simplesmente fazê-lo. "Ir, dar as caras, pegar um touro pelo chifre"... 

Realmente... acho que nunca passei por grandes riscos nessa vida. Me deixo a pensar oque é então correr um risco. O medo de cair, de tropeçar, de me deixar levar pelo vento...? O medo e o risco, intrinsecamente ligados à nossa matéria prima, a fragilidade. Oque nos dá contorno e nos guia, fazendo-nos evitar pedras em falso, nos jogarmos pelo mundo a cair em redemoinhos, chutar pedras, atirar em nuvens, plantar bananeiras no cruzamento de Shibuya.... 

Viver, se arriscar, e ter serenidade pra aprender diante da fragilidade que nos faz crescer... sei lá... quem sabe...


terça-feira, 12 de outubro de 2021

Bedbug-free love

Hoje saí pra celebrar o aniversário de uma amiga latino-americana. Vocês sabem: esse pessoal da américa latina acaba se encontrando e encontrando coisas em comum que, nem sempre, são lá tão comuns assim. Enfim, só sei que versei a falar que não me lembrava de muitos aniversários: 33 anos? Não lembro. 25? Não faço idéia. 

E os 30?

Os 30 eu lembro. Foi um frio dia na mini-apple, logo depois de eu ter descoberto que minha casa estava infestada com bedbugs. Havia começado a sair com uma moça que logo depois passaria a ser namorada, mas tudo estava no começo ainda, aquela relação no vácuo, onde nada é bem definido, nem qualquer compromisso. Mas enfim, lá estava eu, dezembro, voltando pra casa às pressas pra poder empacotar tudo porque na manhã seguinte viria o pessoal da dedetização.

Mas porque eu estou falando disso? Bom, oquecompartilhei com a minha amiga não foi o evento em si, mas meu medo de achar que meus amigos, assim que soubessem, deixariam de sair comigo, e que a moça me daria um fora. "-Aqui em casa você não vem..", ou um "-Melhor nos encontrarmos no café lá do outro lado da cidade". Realmente, fiquei bastante assustado, achando que uma vez que a moça que soubesse seria o fim. "-Let's not see each other for a while... I don't think this... you know, it is not you or this bedbug-thing , it's me... it's me...". Well... eu aguardei por este momento e o antecipei em conversas na minha cabeça por um bom tempo, mas ele acabou não chegando.

Os begbugs, no entanto, ficaram lá em casa por mais um tempo. Inimigo invisível, como uma força maligna que se esconde dentro do armário, debaixo da cama, em cima da cama, na cama contigo enquanto você dorme. Realmente, eles quase me custaram umas tantas relações, mas enfim, depois de muito esforço (e 4 meses longe na Europa, delegando o problema pro meu então locatário de inverno que ali passava um sabático), voltei pra casa, e eles já não mais estavam.

-Ohhh Rafa... it was really love then...
- Who, the bedbugs?
- No, silly! The girl!
- Maybe... I just think the winters were tough.. hard to face them by yourself....

Um abraço de aniversário termina a noite. Minha amiga dá tchau, e uns tapas na roupa pra espantar qualquer bicho... olho pra trás, ela disfarça... pelo visto perdi uma amiga... não deveria ter falado nada... malditos insetos!

terça-feira, 28 de setembro de 2021

Dear editor...

Dear referees and editors.

Anonymity does not grant you rights to be jerks. 

I think you are a fuc**** idiots who have not read the paper. 

 Sincerely, 

Momo


[I wish I could leave the academic world in such a grand style]

[but I was a bit more polite than that 😁 ]

domingo, 26 de setembro de 2021

Medos

 Você tem medo de algo? Algum medo, muitos medos?

Eu tenho um medo do qual nunca havia me dado conta até recentemente: o de me tornar uma pessoa conservadora e extremista. Virar um adorador de Trump, ou passar a votar no Maluf, coisas do tipo. Envelhescer para a direita, como uma fruta madura que passou do ponto e agora só junta moscas.

Me pergunto o quão plausível é esse medo, e de onde ele vem... seria meu estarrecimento diante de conversas com pessoas mais velhas, desconectadas do mundo e fervorosas amantes de um mundo que no passado "era melhor"? Ou seria uma tendência que vejo em muitos de normalizar aquilo que não entendemos - "todos os políticos são iguais", "direita e esquerda são iguais" etc - e passar a ser uma pessoa apática, indiferente? 

Bom... ainda não cheguei a isso. E a conversa com amigos mais velhos que ainda se mantêm coerentes com os "eus" que um dia foram me dá a esperança de que sim, de que eu envelheça com coerência enquanto me permitindo amadurecer. Salve, salve!

Outro medo é um mais recente, que me veio depois que fiquei jogado como uma estrela do mar numa plataforma de metrô de Tóquio quando passei mal e quase desmaiei: o medo de morrer sem ver as pessoas que amo. Sem poder abraçar as pessoas que gosto. Sem poder fazer piada da minha mãe e rir dela, ou de mim, com a mesma. Sem poder ver meu sobrinho e vê-lo crescer. Sem poder ter uma casa com sofá onde eu tire uma soneca à tarde. Morrer longe, como um ostracismo eterno que se estende ad infinitum como uma pausa. Acho que é um dos maiores motivos pra que eu queira sair daqui ontem.

Até me pergunto se há outros medos por baixo da pele, escondidos nos sonhos, ignorados quando não deveriam ser, ou medos-que-não-suspeito-serem-medos. Bem capaz de serem esses dois os mais assustadores que, como uma ameaça, me perturbam. Talvez porque sejam coisas que, em princípio, não posso controlar: ninguém sabe quando a vida acaba, ninguém sabe oque há de ser o amanhã. 


Bom.. não era pra ser um post fúnebre, a falar de mortes ou coisa do tipo. Acredito que seja mais um post onde tento olhar pra mim mesmo, pra dentro, e ver oque tem me feito ponderar sobre algumas decisões que tenho que tomar em breve. "Temo, mas encaro", como uma antípoda ao "penso, logo existo", me soa mais coerente com esse mundo onde não só a racionalidade guia nossos passos, mas sim como lidamos com riscos, expectativas, ansiedades, temores, desejos...



sexta-feira, 24 de setembro de 2021

Direto da Terra do Sol Nascente #116: A-RAS-SU-KA

 Alaska. A-RAS-SU-KA. Grande e vermelho. Vejo daqui, da minha janela.

Tão bom sair de casa. Andar por outras ruas. Desprogramar. Isso, desprogramar uma vida de rotina, de atalhos que nos fazem escorregar pelo mundo de maneira óbvia, sem mais explorá-lo. 

Alaska. A-RAS-SU-KA. Um pedaço de gelo sobre a cabeça. É que bati agora há pouco, numa quina de um móvel. Pqp. Sangue. Ao menos com tão pouco não fico mal. Aguento. Sigo. tomo rumo. Lá vou eu, pelas ruas com um saquinho de gelo na cabeça. Não mais perdido, pois as ruas começam a me ser um pouco mais as mesmas. 

Quanta gente mais velha... pouca gente nova. Me pergunto oque é crescer numa cidade tão pequena. Ando. Olho pra dentro dos poucos cafés. Crianças no pós escola, sentadas, estudando juntas. Uns poucos jovens, 20-30 e poucos anos, descolados.... "-Ahh você vem de AAAA você conhece XXX-san? Um que usa um chapéu bem grande? " Pelo visto todos os descolados de cidades pequenas se conhecem nessa pequena terra do sol nascente.  Me pergunto oque seria ter ficado. Oque seria andar sempre pelas mesmas ruas. Oque nos faz ir pra tão longe, ficar tão perto, partir, voltar....

Alaska... você já foi?! Dizem que é lindo. um casal de amigos estão com planos de se mudar pra lá. Uma amiga, ex-roommate, mudou pra lá uma época. Vivia me convidado pra ir visitá-la, conhecer o então namorado e curtir uma neve. Achei melhor não ir... ela era meio doida. Me perguntava oque levaria uma pessoa pra um lugar tão remoto. Beleza? Curiosidade? 

Será que o Japão é remoto? Será que eu sou descolado?

Estava lendo um livro, da Esther Duflo e do esposo dela, em que ela fala sobre as origens de tanta migração, do porque das pessoas migrarem etc. Comecei a me perguntar se o meu motivo para migrar não foi outro senão uma anomalia. Anomalus migrantis: espécie estpupida que percorre o mundo a esmo, não foge de guerra, de violẽncia, de perseguição política... hei... será que fujo? Da pobreza, da desigualdade abissal que separa ricos e pobres no Brasil, da fome estridente que salta aos olhos e dói na alma, da estupidez das elites aristocráticas e egoístas (bom...nisso o Brasil não está sozinho), da classe média sempre-assustada-com-medo-de-perder-o-pouco-que-tem, das favelas que sobem os morros?!?! 

Faz tempo que não nos vemos, Brasil.... será que você mudou algo? Será que estou sendo injusto contigo? Será que teus abraços mornos não viraram nada mais, nada menos que um toque frio "à la Alaska" de um parente distante que se ve uma vez a cada 3 anos?

Era só pra ser uma viagem. Marcar o fim de um ciclo. O fim de uma era. Alaska? Bem gostaria: ver um alce, um urso, tomar um suco de berrys com gelo da rua... férias...yasumi... pena que tá acabando.




quarta-feira, 15 de setembro de 2021

Intimidade

Foi num sonho. Uma moça com a qual saía enquanto no Brasil, há muitos e muitos anos. 
Conversávamos como se estivéssemos de saída, como se passássemos muito tempo próximos (emocionalmente). Confortáveis um com o outro, diria. 

Íntimos. Ou quase isso, como vocês verão em breve ;)

Ela me descrevia oque trouxera pr'aquela viagem, oque queria fazer, com a casualidade de encontros múltiplos que só o universo dos sonhos nos permite (dados tantos milhares de quilômetros de distância). "Trouxe o vestido...." e por aí vai..

A conversa se estende, e vai para o banheiro,  onde eu estou escovando os dentes e ela falando comigo. Aí, no auge da conversa-intimidade, ela se senta e faz xixi.

Isso. Como se não houvesse amanhã ou barreiras entre nós. 

No sonho, oque mais me deixou surpreso, foi a súbita sensação de estranheza daquela cena. Me senti como no "eyes wide shut", do Kubrick, logo no comecinho.



Eyes Wide Shut, by Stanley Kubrick (1999) 
Opening scene (with Nicole Kidman & Tom Cruise)

O mais curioso foi, dentro do sonho, ter essa percepção da camada de intimidade - meio não desejada, mas ainda assim intimidade - que aquilo implicava. 

Há uma cena parecida num outro lugar, um livro do Garcia Marques (o Amor nos tempos do cólera, acho): a esposa está passando mal, aí o marido a ajuda a vomitar e tudo o mais. Aí, ele também meio bêbado, se levanta cansado depois de acolhê-la, e agora ele vai e faz xixi na frente dela. Acho que nunca havia me dado conta da estranheza da cena. Se não me engano a cena é narrada sob o ponto de vista dela, que relata a força com a qual ele urina, a masculinidade daquele barulho, daquela brutalidade.... 

....vai ver só "acordei" pra esse detalhe enquanto dormia, ao sonhar.

domingo, 29 de agosto de 2021

A encantável geometria do desconhecido

 Já vi de tudo nessa vida. Bom, nem ouso enumerar e já me corrijo: já vi muita coisa. Não, me corrijo mais uma vez: já vi algumas coisas nessa vida. Umas poucas, digo mais humildemente. Vai ver por conta disso me surpreenda tão pouco com oque vejo: nada é novo, tudo é uma reelaboração de uma velha piada. Viver é um marasmo constante. Talvez, a arte de viver bem seja saber extrair poesia da seiva da mesmice.

Só sei que ontem, num repente de meio de conversa de vídeo, tive contato com algo novo: fui apresentado a um vibrador feminino.  
Fiquei intrigado: como é que.... por que será que.... como... porque tem esse formato? Fiquei mudo. 

Me senti como um ponto diminuto se deparando com uma geometria inimaginável. Como uma equação relativística que diz que espaço e gravidade se imiscuem como dois amantes inseparáveis, ali estava algo que - talvez mais surpreendente que qualquer desses fatos científicos - me estarreceu. Como será que um se conecta no outro? O peso de quem faz oque se curvar e mudar de forma? Incrível.... um objeto-pedacinho, ponto de curvatura infinita, vibrando sabe-se lá como e onde, em busca de uma orgasmica singularidade.  Nem Einstein explicaria como funciona.

Sei lá... tô meio perplexo ainda. 

[Um perplexo diferente do post anterior, diria.]