segunda-feira, 21 de novembro de 2022

A peste e o pleito

Fiquei doente há umas semanas. Aconteceu do covid finalmente chegar a mim. O café com um gosto horrível aquecia minhas manhãs com um amorgor sem igual. Me pergunto se é este o gosto que pessoas que não gostam de café sentem ao tomá-lo... se assim fosse pra mim, eu me compadeço: também eu nunca beberia dessa bebida.

Foi foda e foi triste. Ouvia do apartamento as pessoas comemorando a vitória do Lula (ou seria, comemorarem a derrota de Bolsonaro?), ouvia fogos, "tchau, miliciano!",  eu me segurando pra não sair na rua e ir comemorar numa das avenidas da cidade. Foi um dia e tanto, cheio de preocupações e no qual fiquei em casa, ouvindo de longe a esperança de que esse pesadelo acabou sem nem mesmo poder participar. "-Paciência... celebre por dentro". E assim, o fiz.

Isso foi há algumas semanas. Desde então, a covid se foi, o atual governo continua governando (bom... continua no poder e sem fazer nada - como sempre, mas bem menos ruidoso que antes). Eu tento aguardar o primeiro de Janeiro sem ter uma crise de ansiedade: vem logo, vem logo! 

Estranhamente, estes 4 anos me fazem pensar que não dá pra esperarmos um governo fazer muito pelas mazelas que afligem este país. Fico me perguntando se posso contribuir com algo, se posso fazer algo pra ajudar. Será que voltei pra isso? Em conversas tenhos ouvido bastante a metáfora de que não sou uma folha em branco, que por mais que tente assimilar a diferente cultura que me cerca, tenho muito a trazer de volta. Eu, pareço ficar incerto entre esses dois universos (o de dentro e o de fora) e fico em conflito: será que existe um meio termo?

Nem sei como cheguei a este tema. Nem falei também que minha mãe pegou covid; provavelmente de mim. Por sorte, não teve nada de grave e levou a doença melhor que eu. Fico imaginando oque teria sido em outro caso, pensando nas tantas estórias nesse país de pessoas que carregam o peso nas costas de terem infectado alguém que amam. Dei sorte, e mais sorte ainda é saber que hoje eu posso aproveitar um pouco mais a companhia de diversas pessoas que até então estavam longe de mim. OK, por uma manhã e tarde me perguntei se tudo isso não seria um grande erro, representado por mais 4 anos desse governo estapafúrdio e desumano... será que aguentaria? Nessas horas me pergunto se o Brasil faz sentido e chego à resposta de que não, não faz. Assim como nenhum outro lugar faz. Mas aqui tem uma grande densidade de gente que eu gosto, então...


...enfim: a covid passou, tanto a minha quanto a da minha mãe. Estamos bem. Agora é só  esperar por Janeiro, que vai ficar ainda melhor.




terça-feira, 8 de novembro de 2022

Primeiros passos

Hoje, depois de alguns meses "parado", enferrujando, voltei a escalar.

Não sei oque foi mais difícil: o esporte em si ou chegar lá, sozinho, aprendendo a navegar num ambiente que está longe de me fazer me sentir confortável. A ausência completa de referências, de pessoas que conheço, de amigos. Minha mente parece voltar no tempo, pro primeiro dia nadando num lugar novo, pra piscina escura e suja (que não anda mais escura, nem suja) onde comecei a nadar há alguns meses, nas primeiras incursões sozinho pra escalar no Japão, nos primeiros dias de tantas coisas que encarei que esse me parece mais um, igualmente difícil, primeiro passo depois de muitos outros.

E foi engraçado. Eu ficava ali me perguntando o quanto ia levar pra eu me habituar de novo. Pra eu entender a posição geográfica daquele lugar no mapa da cidade, pra eu começar a avistar rostos conhecidos, pra eu começar a fazer daquele um lugar de conforto: umas semanas, uns dias? Me lembro do primeiro dia escalando no Japão, o acaso de conhecer alguém que acabou por me apresentar a uma outra pessoa, hoje grande amigo. Nas primeiras tentativas de se falar japonês e expressar minha angústia diante dos "puzzles" de boulder. 

Hoje, de alguma maneira, fiquei ali parado, olhando aquela parede sozinho, cercado de gente mas ainda só, rememorando e provando todas essas memórias a conta gotas. O presente se mistura com o passado. Minto: o presente parece ter gosto de passado. Minto: me deparo com o presente tentando sentir se já o conheço de algum lugar... e parece que sim, o reconheço de outros carnavais.

Voltei pra casa pensativo, as mãos machucadas. "- Acho que já conheço essa sensação", penso. Meus olhos se perdem numa seringueira gigantesca que parece se desviar da ciclovia. Toda beleza me parece nova. Já toda beleza parece me dizer algo diferente. 


sábado, 5 de novembro de 2022

Próximos passos

Agora que as coisas parecem estar se assentando, que os dias parecem ter encontrado melhor seus lugares, que a rotina parece querer se estabelecer, eu me pergunto: oque vem depois disso? Não encontro uma resposta fácil. Pareço me perder em mil planos distintos, cada um contendo a peça que falta pra que tudo fique certinho, para que tudo finalmente caiba no seu devido lugar. 

Eu sei que isso é uma ilusão, que nada disso há de acontecer ou esse dia chegar. Mas me dá um certo alento tentar elaborar e planejar isso. Jogo pétalas imaginárias e abstratas no chão, preparando o terreno pra ver esse dia descer à terra numa espaçonave imaginária... encho minha agenda de tarefas e micro-to-dos que parecem desaguar em algo mas que, por fim, levam a mais planos e planos... 

Às vezes seres humanos são como aqueles hamsters correndo nos threadmills... porque será que fazemos isso?

O rádio toca "a love supreme", do Coltrane... fico me perguntando se ele começou essa obra pensando em chegar a algum lugar. Ouço as improvisações, os acordes que se concatenam, se movem e ainda assim parecem estáticos... olho pra mim mesmo... será que eu também, me movo estático pelos dias que se apinham e suscedem? 

Olho pela janela. Faço um solo de suspiro e junto a sessão de garganta com covid com pulmão com covid num crescendo orquestral que me traz de volta à pergunta inicial: "e oque vem depois?" Olho no horizonte: as maritacas fazem barulho, as obras de prédios enchem a rua de bate-estacas e vigas metálicas ruidosas.. "-Se ao menos o café ainda tivesse gosto", penso comigo mesmo.

Páro... melhor voltar a ler, depois eu penso nessas coisas...

terça-feira, 1 de novembro de 2022

Semana pós-apocalíptica

Wow... passou... não achei que fosse sentir isso, essa angústia que vários amigos relataram que passaram em 2018, antes da eleição do Bolsonaro. Isso que à época os ânimos andavam mais acirrados: mais discussões nas redes, dentro de casa, entre amigos etc. Dessa vez não, nem me estressei com ninguém no mundo virtual, então fui poupado dessa parte. No entanto, senti na pele esse monstro que se aproximava aos poucos, chegando cada vez mais próximo de abocanhar aquilo que mais queria: o poder. A sede era tão grande que pra isso estavam fazendo de tudo: rasgando a constituição, corrompendo meio mundo, vendendo pros seus eleitores uma grande mágica que nem os melhores ilusionistas do mundo conseguiriam tirar da cartola.

Foi foda... foi triste... achei que tudo estaria perdido...

É claro que não dá pra assumir que teremos um caminho cercado de flores  até primeiro de janeiro: o presidente atual já deu sinal atrás de sinal de que não qer sair do poder. No enanto, até hoje cedo estava em silêncio, sem se pronunciar sobre a derrota. Hoje, num tom meio choroso, deu uma entrevista coletiva em tom de menino mimado que viu que o sonho acabou. 

Nesses dias pré eleição eu ficava me perguntando, olhando ao redor, tentando encontrar por onde flui essa rede de esgoto por onde passa esse submundo de assuntos, teorias conspiratórias etc. Fico me perguntando por quanto tempo há de ser assim, se isso há de mudar, e quão alto há de ser o preço (como sociedade) a se pagar por isso. Fico em silêncio.. não tenho resposta pra tantas coisas.... me vem à lembrança os dias pré eleição nos EUA em 2016... todo mundo achando que o Trump nunca ganharia, que os americanos nunca elegeriam uma pessoa tão baixa.... Fast forward, Brasil 2022. Meu cunhado me disse, enquanto seguimos para votar, que esses eleitores da etrema direita vivem numa bolha. Retruquei que nós também vivemos numa bolha, apartada do mundo deles. 

Passou. Passou e não passou. Não passou.

Fico feliz em olhar pra esse resultado e pensar que o Brasil não poderia me parecer mais promissor do que agora. Que ótimo presente esse, voltar para um país no qual se pode acreditar. Da sala de casa, as pessoas gritando na janela "Lula"... "Fora miliciano"... e claro, o já clássico "tá na hora do Jair, já ir embora" . Que delícia morar aqui... voltar pra São Paulo pra morar no bairro mais hipster da cidade me enche de um senso engraçado de identificação, indiferença e completude, como se um longo ciclo se fechasse. Quis sair pra comemorar, ir pra uma das avenidas da cidade onde todo mundo congregava pra celebrar, mas não pude: descobrira logo no domingo de manhã que estou com COVID. O jeito então foi celebrar de casa. Distant and sick, yet celebrating. Esse era eu. Por dentro eu era só sol.

Mas como escrevi acima, não passou. A extrema direita vai ficar. Mas ao menos vamos deixar de ter a arrogância no poder. Deixaremos de ter as pessoas que não sabem nada querendo nos dizer que nada sabemos e que não conseguimos ver que na verdade eles sabem mais. Esse governo-Dunning-Kruger acabará em 2 meses.

[Por sinal, recomendo a ópera abaixo :)]



"The Dunning-Kruger Song", from The Incompetence Opera

Escrevo aliviado e mais calmo, mas ciente de que há muito a se fazer daqui pra frente. 

domingo, 30 de outubro de 2022

O final de semana mais sombrio

Depois de uma semana difícil, cheio de violências e um primeiro turno no qual eu ainda  acreditava que os brasileiros nunca mais seriam coniventes com a barbárie que estes últimos 4 anos viram, lá vamos nós: hoje é dia de eleição. 

Estranho demais estar aqui e ver essas pessoas nas ruas com a camiseta da seleção de futebol brasileira (hoje em dia, o símbolo das pessoas que votam  na extrema direita). Oque será que essas pessoas vêem que eu não vejo? Oque elas estão dispostas a comprometer para que possam votar em um cara tão indigno e incompetente quanto o Bolsonaro? Fosse esta uma eleição entre todos os outros candidatos, eu acho que estaríamos ok. Mas justo ele? 

A extrema direita me estarrece e surpreende pela sua destreza em conseguer extrair oque as pessoas têm de mais primitivo: as respostas impulsivas, a desumanização daqueles que divergem em opinião, a falta de projetos claros, o excesso de pautas morais, a maneira esguia pela qual conseguem fugir de qualquer responsabilidade gerencial que têm. É uma tristeza estar aqui no Brasil e assistir esse teatro enquanto sentado no picadeiro.... por que sim, é uma grande palhaçada.

Hoje é domingo e acabo de descobrir que peguei covid. Mas estou bem, ou oque é que isso signifique. Fui votar pedalando: está um dia lindo lá fora. Quero sair, mas quero me refugiar desse mundo de balbúrdia e incompreensão em que vivemos. Quero descansar.. quero poder virar as costas e dizer que esse problema não é mais meu como, de alguma maneira, fiz por uns bons anos.

Agora não.

Agora estou perto. Vejo as entranhas do país mais de perto e como este sofre e se debate em tremores, frágil. Me pergunto oque posso fazer. Será que algo? Só esperar? 

Tenho dito a amigos que apesar de ter ojeriza à extrema direita, ela nos ensina muitas coisas. Por exemplo: o nível de engajamento e participação deles é muito grande. Claro que isso não vem de graça: há o apoio incondicional, os questionamentos jogados pra debaixo do tapete, a corrupção da qual ninguém fala (ou, em muitos casos, pode falar). Bom...talvez retire oque escrevi acima... por que não dá pra dissociar uma coisa (boa) da grande maioria daquilo que a extrema direita representa (algo ruim).

Fico me perguntando oque o amanhã há de nos trazer.. será, mais 4 anos? Me pergunto se ver isso lá de fora seria mais fácil.... ou se me deixaria igualmente angustiado. Páro e me lembro do dia em que soube que Trump ganhou enquanto nos eua: "Trump triumphs", dizia o new york times... fiquei com uma ressaca gigantesca. 

O Brasil, em 2018, não chego a mim. Claro, fiquei triste, mas... de certa forma já imaginava que o elegeriam: o Brasil, país da novela, adora algo desconhecido, uma trama (olha a facada!), alguém que se clame fora do sistema para salvar a pátria. É um povo que não se baseia em métrica alguma pra tomar decisões (well... sendo honesto, que povo é?) Mas agora, depois de 4 anos de desarranjos e desgovernos, quem, em sã consciência, ainda votaria num cara assim? Sei lá se é a covid que me derruba e deixa prostrado, mas acho que não, é a política mesmo: difícil engolir. 

Nessas horas eu me pergunto, mais do que se vai  ser aqui mesmo que eu vou ficar, se há algum lugar no mundo onde se esconder. Não há! Tá tudo muito parecido. E OK, ressalvas sejam feitas: a qualidade de vida em vários lugares onde morei é muuuuuito melhor que em São Paulo. Em sendo assim, que diferença faz passar por isso longe, ou perto? 

Não sei...voltar foi difícil, mas me parece fazer muito sentido. Por que não é algo que se vê por uma única perspevctiva, mas sim diversas delas ao mesmo tempo. Somente quando estamos satisfeitos com nós mesmos  só sei que está sendo uma delícia estar aqui, ter contato com o melhor que o Brasil pode me dar, me perder diante de tantas possibilidades, não entender as piadas que se referem a coisas que perdi enquanto não estava aqui, ter dificuldade para entender memes, poder abraçar as pessoas, pegar covid, votar pra tentar tirar esses extremistas fdp do poder etc. O Brasil e suas mazelas, às vezes um gosto amargo, noutros momentos um gosto agridoce... isso que nem falei que aqui é a terra do bolo de rolo... 

... ai Brasil.... olho pra você, olho pros EUA e sua bagunça, olho pro Japão e sua apatia, a Europa com sua xenofobia... e fico confuso... vai ver o melhor é ficar parado e tentar mudar oque puder por aqui mesmo. 


segunda-feira, 17 de outubro de 2022

Relações e bolhas familiares

Uma das coisas mais interessantes de se relacionar é descobrir como outras pessoas vivem, como elas gastam seus tempos, como elas passam seus dias. Que delícia, ver como alguém mora: toda pessoa é um universo! 

Quando essa mundo superficial de primeiras impressões fica pra trás e chegamos à profundidade do relacionamento - daqueles onde se frequentam casas, conhecem tios, tias e afins -  aí adentramos num mundo novo e, de certa forma, numa nova família, regidas por regras e interações muitas vezes inimaginadas. Acima de tudo, é comum a relação vir com agregados, precisamente, mães, pais, irmãos, cachorros etc. Não existe amor no vácuo, a Física dos relacionamentos poderia nos dizer com suas leis. E, de fato, a prática (experimental) mostra isso.

É curioso observar que cada família tem suas regras...como num microcosmos antes nunca estudado, olhamos pra um mundo que se abre em contraste com o que trazemos na nossa bagagem: nossas famílias e seus elos também são um universo estrangeiro para os que vêm de fora. 

E dessas explorações, oque podemos tirar? Talvez muito, talvez nada. Claro, uma mordida de cobra, uma jaca que cai de uma árvore ao nosso lado e nos assusta, uma gruta escura onde nunca se vai, os cantos silenciosos. Todo um mundo de novidades nos cerca, nos enche de sons e texturas, regras e sabores até então desconhecidos. Nos percebemos cercados, preenchidos por tantas coisas intangíveis que tentamos tocar, entender pelos nossos olhos e pelos olhos dos nosso parceiros. Até descobrirmos que, no fim das contas, esse universo nunca será realmente o da relação, pois esta ficará sempre numa bolha, a bolha na qual toda relação deve ficar. 

Talvez isso seja importante: pra preservar e blindar um novo mundo que nasce de outros mundos já sólidos e de raízes profundas que são as famílias, cheias de vínculos, vícios e virtudes que a que regamos também há de ter. 

Mas será que essa bolha estoura?


segunda-feira, 10 de outubro de 2022

Rotina #1

Desde que voltei pro Brasil  a vida parece carecer algo. Alright, sei que um punhado de mudanças se apinham - casa nova, país novo, cidade nova, namoro (yeap, believe it or not)... mas nada me aflige mais do que a falta de rotina. Pqp... eu sou um escravo dela. 

Interessante, por que precisamos disso: para termos a ilusão;impressão de que controlamos algo? Ou para não percebermos como o tempo passa rápido? Um dia li que o cérebro percebe melhor a mudança do tempo quando vivemos mudanças: casamentos, mudanças de cidade, de emprego, de país, de romances. Curiosamente, anos de mesmice e rotina podem passar como se fossem meses. 

Então, porque busco a rotina? Por que pareço encontrar um alento nela? Talvez para não cair vítima da imprevisibilidade dos dias que se acumulam sem ordem, despropositados, sem sentido, sem se encadearem num enredo que aponte pra lugar nenhum. Curioso que por estes dias veio um entregador aqui em casa, de bike, e no pacote que me entregou estava escrito  um recado da pessoa que me enviara o pacote: "direção é mais importante que velocidade".  Vai ver, no fim das contas, quando estruturamos as coisas diminuímos essa velocidade frenética com que elas se sucedem pra, enfim, conseguirmos no aperceber da direção que as memas tomam. 

Não sei... só sei que tem sido assim (parodiando o bom e velho Chicó, do Auto da Compadecida). Mas enfim, depois escrevo mais sobre este tema.

[Continua]

terça-feira, 27 de setembro de 2022

Terra Brasilis : toda forma de amor

 Tem um tempo já: minha mãe começou a falar de um amigo da época em que trabalhava numa empresa como secretária, época em que eu nem existia ainda. "-É, conheço F desde que ele tinha 19 anos." Eu não achei nada de mais: "-Legal, mãe. Feliz que você mantém contato com amigos de tão longa data."

Passou um tempo e minha mãe foi na casa dela enquanto ele a visitava. "- Foi estranho... a mãe parecia uma adolescente. Será que ela e ele estão ficando ou algo assim?" Não descartei a hipótese, mas achei pouco provável.

No final de semana foi aniversário do meu sobrinho. Na hora de darmos tchau para s donos da casa (os avós paternos, ele decendente de japonese) minha mãe, num tom de piada-confissão, disse à outra avó: "- Quem diria... eu também arrumei um japonês", e emendou a contar a estória na frente de todo mundo, à queima roupa, como se nada tivesse acontecido.

Vai ver pra mim soou como algo fora do comum - uma senhora de mais de 70 anos começar a namorar, mas... vai ver é a coisa mais normal do mundo mesmo e eu que me adeque "aos novos tempos".

Em todo caso, fiquei feliz e surpreso... o Brasil tem me surpreendido com umas coisas que nunca imaginaria.

quinta-feira, 22 de setembro de 2022

Contato humano

Uma das coisas que eu mais buscava nessa volta ao Brasil era contato humano. Apesar disso, parece-me que ando tendo menos contato humano aqui do que no Japão. 

Por que será? 

A grande questão talvez seja o home office, claro. Mas disso nasceu uma percepção: a de que, por mais que eu goste do contato com família e amigos, me sinto ainda mais "socialmente nutrido" quando tenho contato com estranhos.

Sim, ter contato com amigos é bom, é gostoso. Mas é o contato com estranho que nos traz algo mais, uma interação que nos mostra que somos cercados de um mundo de regras sociais invisíveis que devemos seguir, respeitar e nos equilibrar. Amigos, famílias, também têm isso, claro! Mas são linhas menos tensas; quando são estranho, essas linhas são tão tensas que, se não nos cuidarmos, podemos rompê-las. 

Enfim.. foi só um pensamento breve.

sábado, 10 de setembro de 2022

Terra Brasilis : cápsula do tempo

Lá se foram mais de três meses desde que aportei nesses trópicos. 

A vida parece seguir rápida como água que corre montanha abaixo depois de chuva forte, corredeira voraz que quer levar tudo no seu caminho. Eu, tento me agarrar ao que posso para não ser levado junto.

Nas duas últimas semanas chegaram pelo correio as caixas que havia enviado lá do Japão meses atrás. Muito estranho recebê-las, abrí-las e sentir aquela sensação estranha... porque será que eu me enviei essas coisas? Eu realmente dava valor pra essas coisas ou eu simplesmente achava que elas seriam úteis para mim no futuro? Me perco em perguntas retóricas, sem esperança de uma resposta.

Foi um estranhamento completo.. um misto de curiosidade com toques de desdém: me pergunto se o Rafaello do passado olhava pro futuro e pensava que tais objetos, livros e afins seriam úteis ao Rafaello do futuro. Gosh, como eu estava errado em várias coisas. 

Me abro a me perguntar se, de fato, foi um erro meu ou simplesmente uma admissão de que minha vida acabou tomando rumos que não pude antever. Rumos para os quais não tinha ferramentas disponíveis em mãos quando saí de lá; há coisas cuja utilidade só vamos ter consciência adiante, quando soubermos da existência dos seus propósitos. E havia um monte de propósitos que eu ignorava (e ainda ignoro). Como antecipá-los? Impossível.

De alguma forma abrir essas caixas foi tocar numa cápsula do tempo, uma evidência paupável do meu apego a coisas, uma evidência visível de que minha vida parecia não ser muito (minimalismo?), um snapshot de uma vida que um dia foi e agora mudou, um esboço de alicerces de coisas que já não me sustentam mais... um desconforto em formato físico.

Ainda assim, a curiosidade (que bem citei acima) fez do evento de rever essas caixas uma experiência ambivalente: senti também fagulhas de felicidade em rever um rascunho, um livro, um desenho, uma peça de arte que um dia fez parte da minha antiga casa. Uma parte de mim que um dia foi maior e hoje é só mais um capítulo que escrevi e mal me dei conta de que acabou. De certa forma, reencontrar esses objetos sela o fim dessa estória, símbolos do último elo que me mantinha unido ao Japão.. um fio de Ariadne preso neles (ou seria em mim?) garantindo que um dia nos encontraríamos de novo, e que nesse labirinto de dias fortuitos e escolhas que se avolumam em direção ao futuro, houvesse um garantia de que nunca nos perderíamos uns dos outros.