domingo, 1 de setembro de 2019

Direto da Terra do Sol Nascente #62: "teu vizinho, barulhento?! Ahhh não: ele é só um estudante dedicado"

É, o título já diz um pouco sobre hoje; acordei numa vontade en... não, não, me corrijo... fui dormir ontem numa vontade enorme de ter um dia produtivo. Até que meu vizinho chega em casa às 3 AM fazendo festa e barulho --sim, muito -- com visitas, e arruinou parte do meu dia.

Mesmo assim, lá fui eu trabalhar logo cedo, terminar palestra de amanhã (uffa... tá acabando...já me vejo livre...), pensar na vida pós academia ao mesmo tempo que me sinto preso eternamente a esta cidade como Prometheus a uma pedra, lavar roupa embebido em bolhas de sabão e sono, e ter um dia em que a falta de dormir me deixou simplesmente ainda mais catastrófico que o usual.

Um dia em que você simplesmente só pensa algo pra logo na sequência se descobrir que deveria era ter se ignorado: de catástrofe e florestas em chama é só olhar lá fora que o mundo está cheio, Rafaello-san.

Aquele dia em que, mais do que tudo, você não quer se ouvir.

[Nota: no entanto, ciente desse comportamento, me cuidei bem :) ]

[Hora de  cama!! Sem barulho por aí, por favor!]

segunda-feira, 26 de agosto de 2019

Desafinadamente procurando empregos

Bom... em tempos de tropeços, de ouvir muitos "nãos", de me perder embananado¹ diante das difíceis entrevistas que devo encarar adiante de mim, é momento de dar uma repaginada, refletir sobre oque deu errado, sobre oque deu certo, sobre oque deve ser feito para se melhorar meu apelo diante de possíveis empregadores (como os passarinhos deste post)

É interessante também notar que o desafinar também é relativo. Eu sempre me lembro do João Gilberto cantando "desafinado": o eterno contraste entre o tempo forte da voz dele, e o tempo do violão, sempre um tantinho "fora de fase"...a grande graça no andar de duas coisas que parecem não bater uma com a outra, mas que no fim das contas se harmonizam e, de um jeito ou de outro, se encontram. E não só no final, mas de tempos em tempos ao longo das suas trajetórias.



[Desafinado, João Gilberto]

Oque não quer dizer que eu possa brincar de micro-desafinações como o senhor João Gilberto Prado Pereira de Oliveira²: hora de (re)afinar as cordas e mostrar que desse instrumento sai sim boa música. E outra: lembrar-me que tropeçar não é ruim. Ouvir "nãos" muito menos: são coisas que nos acontecem com mais frequência do que percebemos ou gostaríamos. E de forma alguma fracassar (se é que posso dizer isso) é oque nos define: transformar o fracasso em matéria prima para se crescer e, do alto dos escombros de projetos que não seguiram adiante, poder olhar o mundo mais adiante.

Errar e fracassar é de certo modo isso: poder olhar o mundo de um pouco mais alto.






1 
Essa palavra é demais! Eu havia me esquecido dela 


2
E eu que achava que tinha um nome longo 

quinta-feira, 22 de agosto de 2019

"Let's call the whole thing off"


[Fred Astaire and Ginger Rogers, "Let's call the whole thing off"]

Um tanto difícil de acreditar... me deixa triste pensar que em poucas semanas fará um ano que terminei :( ... Algo que sempre me vem à cabeça é o quão diminutas algumas discussões foram/eram. Dificilmente nos damos contada irrelevância de algumas coisas pelas quais discutimos, motivos tão bestas que no fundo não valem à pena. Isso me dá um certo peso no coração, mas... crescer é ter um pouco mais de compaixão por si mesmo (o de hoje e o de ontem) e pelos que estão ao teu redor. E veja bem, por mais que tenha mencionado a mina útlima relação, me é claro que toda relação tem e sobre com isso - discussão, mal entendido etc. 

Será que é possível evitarmos esse tipo de coisa?

Toda vez que tenho uma discussão sem pé nem cabeça me lembro da minha primeira relação na época da faculdade: infindáveis discussões com a minha então namorada por causa da cachorrinha dela. Minhas reclamações eram imediatamente extrapoladas para coisas como "-e se tivermos um filho..", "e se nós estivéssemos numa astronave e você tivesse que levar o cachorro pra passear?" Coisas assim. De certa forma, eu até entendia o porque de parte de algumas discussões, mas achava que a associação entre fatos tão díspares, como se fosse lei ("você ficou bravo com a cachorrinha implica que você vai ficar bravo com uma criança"), era absurda. Ser capaz de depreender a similaridade entre fatos distintos, mas ter a consciência de que as diferenças entre os mesmos, às vezes é uma virtude.

Acho que por hoje é isso. Escrevo mais sobre esse "1 ano" em breve. Mas aproveito pra deixar uma versão da música acima da qual gosto mais.



[Ella and Louis, "Let's call the whole thing off"]

segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Direto da Terra do Sol Nascente #61: insensatez, parte 2 (ou "transferência bancária")

[Para facilitar o entendimento dos nossos queridos leitores]
[Todas as falas foram traduzidas do japonês]
[Pessoas diferentes terão cores distintas (pra variar)]

Mais um dia no banco Mitsumonoko-noko na Provincia de DenSai-sen,  Japão.
Um funcionário corre entre papéis e grampeadores para comentar com outro:

- Satoko-san, Satoko-san!!! Adivinha quem está aí fora pra ser atendido?

- Quem, Mitsunaga-san?Quem?! Alguém famoso? É o primo do sobrinho-neto do imperador?!

-Não, Satoko-san, claro que não! É aquele brasileiro, que fica puto quando vem ao banco

- hahahaha
- haha

[Os dois riem]
[Sorriso escondendo os dentes ]


[Nessa hora chega um outro atendente]


-Eu quero atender!!! Eu quero atender! Ele sempre fica puto, eu quero estar lá pra ver


- Ahhh entra na fila, Mitsoneka-san!! entra na fila!!

- Vamos tirar no joken-... oque... ele já tá na fila?

[Satoko-san interrompe a discussão pra falar com um outro funcionário]

- Ahh ele pode esperar... vamos tirar no jokenpô



[Faz-se de um longo torneio de 6 pessoas]

- Eba!!! Ganhei!!! Vou lá então

[a passos de formiga, Satoko-san vai ao balcão atender o gaijin]

- Irasáááái masê! 

[Bem vindo]

- Konnichiwa! - o brasileiro diz - Eu gostaria de pagar essas contas...

- Daijôbu

[Ok]

[Nessa hora ela pega as faturas e vai ao fundo do banco.]

[...a passos de formiga]

- Pouts... ele só quer pagar umas contas.. não tem muito como enrolar...

-Ahhh fala que ele escreveu o endereço no lugar errado. Mas só pra assustar - diz Itsunoko-san, um senhor a poucos meses de se aposentar. -mas faz ele desenhar uma seta ou algo assim.. eu fico com dó do rapaz.  

[Com remorso, Satoko-san volta ao balcão para falar com o rapaz, e faz com que ele se desespere pelo endereço errado (que implicaria em mais 10 formulários)]
[Com uma risada maquiavélica que o rapaz não nota, ela faz um sinal para ele desenhar uma seta  resolvedora do transtorno]

- Por favor, sente-se de novo e aguarde mais um pouco

[Satoko-san segue para o fundo da agência, entediada por estar quase finalizando o serviço com o rapaz]
[Nessa hora chega um outro atendente correndo esbaforido para lhe dizer]
[Seu rosto não esconde uma enorme alegria]

- Ei, ei!!! Ele está tentando comunicar algo com a Shiomura-san... ao que parece ele quer fazer uma transferência"


-hahahaha 

[a sala cai em risada]

- Ok.. manda o pessoal das duas outras agências virem pra cá então, só pra dar uma inflada no numero de gente e deixá-lo mais ansioso

Passam-se alguns minutos. Shiomura-san finalmente entende oque o gaijin quer fazer: uma transferência bancária. O pobre gaijin, acreditando ter encontrado uma forma de facilitar sua própria vida, carrega consigo um formulário já preenchido, de uma outra transação que fizera antes de uma viagem à Europa no ano anterior. Infelizmente, o formulário tem um layout antigo, e Shiomura-san entra na parte onde ficam os atendentes duas vezes. Para isso, cuidadosamente, ela passa por uma porta com senha.

[Nota-se: o balcão é aberto, e qualquer um poderia pulá-lo facilmente]
[...ou talvez não, num país de septagenários]

Com olhar de resignação mas já entendendo que o fomrulário preenchido não lhe garantiria uns minutos a mais na vida, o pobre brasileiro preenche outro formulário, onde duas linhas diferiam do formulário anterior. Para ser mais exato: elas haviam sido permutadas de lugar, com o mesmo conteúdo.

Shiomura-san então pergunta:

"-mas pra que vc quer transferir dinheiro? 

- Ahhh você quer viajar... mas pra onde? Quando você está pensando em viajar...

-Talvez eu me mude daqui em breve.. eu não tenho cartão de crédito nesse país, e toda vez que viajo pra fora eu uso esse cartão americano

-E quanto você gostaria de transferir?

-X dólares

-Oque que vc quer comprar?"

Mostrando leves sinais de impaciência, o brasileiro responde:

- não sei... talvez vá viajar... livros.

-Ahhh ...entendo... 

[Shiomura-san responde num japonês super polido]

- aguarde um minuto

E lá vai o formulário e a funcionária,  se perderem no labirinto da burocracia japonesa.

[15 minutos depois ela volta]
[...com outra pergunta]

-Desses X dólares, quanto você quer gastar em livros, quanto você quer gastar em viagem?

Perplexo, o pobre rapaz olha ao redor: ninguém ri, não há nenhuma câmera escondida filmando aquela cena estarrecedora. Por um segundo ele se perde no estarrecimento daquel instante, mas depois regressa... e diz, ainda perplexo:

-Não sei... Y em livros, Z em viagem 

- Como?

[O rapaz percebe que não deve mostrar relutância diante desse povo, pois isso pode gerar mais perguntas]

- Y em livros, Z em viagem 

-Ahhh tá... só um minuto

Mais uma vez, Shiomura-san e formulário se perdem em meio a corredores de colegas e formulários. O rapaz não nota, mas o número de funcionários inflou levemente desde sua chegada: os funcionários dos outros dois estabelecimentos do mesmo banco ali chegaram, e trabalhavam avidamente em tirar pilhas de papel de uma mesa, levá-las para outra, enquanto outro grupo de funcionários pegava essas mesmas pilhas e levavam para o seu lugar inicial.

30 minutos se passam e o rapaz se pergunta por que tanta demora. 

[Nos bastidores, no fundo do banco,...dedicação extrema]



-Ai... preciso voltar!! Senão não saio desse banco hoje!

-Vai lá, Shiomura-san. gamba-tê!! 

[Diz Mitsunaga-san, em êxtase depois de ter vencido sua 3 partida de têncis de mesa no dia]

Passam-se  minutos, e Shiomura-san finalmente regressa

-Havia um erro no teu primeiro formulário. Você vai ter que preenchê-lo de novo


Com uma mistura de surpresa e lágrima nos olhos, o rapaz mais uma vez preenche o formulário, com os olhos atentos para quaisquer linhas que tenha sido mudadas de lugar no tempo entre o preenchimento deste e do formulário anterior.

-Obrigado. Só um minuto - diz Shiomura-san, que segue apressada por uma pequena porta. Lá dentro, os funcionários estão em reunião, conversando e fumando. Um deles se espreguiça numa rede



-Ele tá ficando meio bravo, você notou?

Todos riem. 
[A risada é tão alta que o chefe faz um sinal de reprovação]

-Ei ei... nada de rir alto... senão o gaijin vai ouvir lá fora 

Eles se olham sérios. Enquanto isso alguém aponta pela janela da porta: lá fora, o brasileiro está prostrado no banco, com uma cara de tédio infinito. O chefe é o primeiro a rir bem alto. Todos os outros imediatamente também caem na risada.


-------------------------------
[Nota: não muito diferente de uma ida recente ao banco, onde fiquei 1 hora e 50 minutos para fazer uma mera transferência bancária. O detalhe da seta, do formulário com erro depois de meia hora de espera, e do formulário novo são verídicos]


domingo, 18 de agosto de 2019

Job interview -- final sem ter final (e que continuará sem um final, ao menos por enquanto)


[Bird Of Paradise Courtship Spectacle | Planet Earth | BBC Earth]

Éééé pessoal... dessa vez não rolou...

"-We have an immediate demand in the area..." 


Bom.. pra começar teve toda a enrolação em me darem uma resposta; dado isso comecei a achar que não iria rolar...  acrescenta-se então essa frase acima e...  assim que ouvi percebi na hora que não iria vir oferta alguma. Sim, sim...  a entrevista foi boa, o pessoal gostou da criatividade da minha resposta 

"-very non-standard..." (oque perguntei, era positivo) "...most of people stop at a certain point, but you went beyond that"

mas... definitivamente, talvez hesitaram, achando que eu não supriria uma demanda imediata (bom, eu fui honesto em dizer que não tinha muita experiência com algumas coisas específicas que me perguntaram, apesar de conhecê-las por alto). Enfim... acabou assim.... ou melhor, nada acabou: a busca continua.

Ao longo desse processo de cortejo mútuo, faz-se vista grossa para diversos pequenos detalhes. 

"-Ahhh, ele(a) foi bruto, e não gostei, mas tudo bem.. no começo a gente releva".... 

já ouviu isso? Eu já, algumas vezes; logo no começo dessa busca por emprego um amigo mais experiente fez essa analogia entre entrevistas e "dates". Na hora me lembrei desse video dos passarinhos machos (eu) se esgoelando e mtruques e malabarismos para seduzinr uma fêmea (empresa): realmente, há muito mesmo em comum. Mas não é bem sobre esse aspecto que quero falar; quero chegar no seguinte fato: haviam diversas coisas no decorrer das entrevistas, deste "date/cortejo" empregatício, que estavam me deixando meio de pé atrás: 

"- Ok, vocês fazem pesquisa? Posso ver os artigos que publicaram?"  

A resposta veio gaguejada.. 

"- ...claro, claro, sêo Momo...a gente te envia". 

Mas claro(!!!) que não enviaram. 

Adiante, já na última fase, quando (delicadamente) "cobrei", recebi no meu email... o jornalzinho da empresa "- temos uma nova máquina de café!"... bom...não exatamente oque eu queria....  Ou o momento em que tentaram me impressionar com números: 

"- temos 50 milhões de artigos!!"

ao que repliquei 

"-ótimo!!! Mas quantos pesquisadores vocês tem mesmo...?" 

oque foi seguido imediatamente de outro gaguejo, pois os números não eram tão impressionantes assim.

Em resumo: não acho que deva ficar fazendo vista grossa diante de coisas que pareçam pequenas. A cegueira é um mal mesmo, e não se pode tapar o sol com a peneira. "Ahhh, mas e se tivessem te feito uma oferta?!" Olha... ninguém vive no mundo ideal, certamente... mas há coisas a se aprender nesse processo. Certamente, no meu afã de sair do Japão e encontrar um emprego que goste não acho que deva me violar brutalmente, sair aos tropeços aceitando oque vier pela frente para, no fim das contas, simplesmente substituir um problema por outro.

Eeee.... é isso, pessoal. Não me deixar abater diante de cada não que recebo e ouço (e te fato, eles têm "piled up")... mas crescer e tentar é isso: ser complacente diante dos próprios erros e fracassos, mas trabalhar para superá-los.

[Em resumo: a saga continua]

terça-feira, 13 de agosto de 2019

Direto da Terra do Sol Nascente #60: oque fazer no feriadão de "ôbon" (ou "típica reunião de trabalho no Japão")




[Insensatez, João Gilberto (1961)]

-Colegas.... como vocês sabem, é semana de feriadão aqui no Japão: de segunda a quinta... feriado de Obôn. Mas o nosso grupo vai ter feriado somente na segunda: somos um exemplo pros outros grupos.

[sorriso amarelo do chefe]
[silêncio]
[eu: raiva]

-Vocês não terão escolha: terão que "clock-in, clock-out"...

[silêncio]
[eu: vontade de dar um tabefe em alguém]
[sorriso amarelo do chefe]


-Mas a reunião de hoje não é pra falar sobre isso. Eu gostaria de discutir o segundo tópico: o hífen no nome da empresa. O jeito correto de se escrever o nosso nome é sem hífen. Se você resolver colocar hífens, você deve colocar dois hífens, e a primeira e últimas duas letras devem ser maiúsculas.

[eu: perplexidade]
[silêncio]
[sorriso amarelo do chefe]

-Ahhh Sensei, sensei T!!! Eu tenho um comentário!

-Diga, sensei N.

[se referindo ao outro professor com o mesmo honorífico]

- É que, quero dizer, como é que você pode, digo... já que a gente está querendo, quer dizer, há uma certa relação entre tudo oque você está dizendo eeee...humm.... digo... tudo oque você está dizendo tem a ver com ... éééé....quer dizer, se você levar em conta que... digo... uma vez que você leva em conta...


[Essa é uma cena que, com um pouquinho de tempêro, mistura momentos de 3 reuniões]
[A última parte é uma típica pergunta de um dos professores daqui]

[Amanhã: pequena reunião com empresa da primeira entrevista]
[Não muito otimista, mas... há sempre espaço pra se crescer, mesmo com tropeços]

quarta-feira, 7 de agosto de 2019

Da finitude do todo, da serenidade que careço, e de pontes/entrevistas no horizonte

Há tempos eu acredito que pessoas são meio parecidas, independetemente do lugar de onde vieram. Em alguns traços, ao menos. É realmente incrível ouvir duas pessoas suspirarem da mesma forma (algo que já vi em um sueco e uma senhora somali), ou terem a mesma risada (algo que já presenciei várias vezes).

Mas há também o caso em que começamos a ver coisas onde elas não existem. Como eu observar as velhinhas japonesas andando na rua e minha mente imediatamente me levar a pensar na minha mãe:  bate uma saudades enorme, e uma vontade gigante (ainda maior do que a que sempre falo) de ir embora daqui.

Recentemente assisti um ótimo documentário do Spike Jonze sobre o Aziz Ansari, no netflix. Dentre várias coisas interessantes, há um momento em que ele começa a falar de relações familiares, e das poucas vezes que vemos/nos encontramos com nossos pais (e das poucas outras oportunidades que ainda nos restam). Penso no pouco tempo que ainda tenho com a minha, a qual vejo uma vez por ano  - se muito- e me questiono sobre a necessidade e relevância de tudo que faço hoje: há coisas que não voltam mesmo... e tenho total noção de que as pessoas que amo um dia acabarão (assim como eu), embora nunca tenha sofrido a perda por morte de alguém tão perto.

Bom... péssimo momento pra terminar o post, imagino rsrs "falando de morte", "finitude" etc. O ponto não é bem esse, o de chorar pitangas. Estou aqui mais reflexivo do que qualquer coisa. Tudo retorna ao ponto em que reavalio minhas prioridades, como tenho feito há tempos. 

Me estarreço, e de certa formo me admiro ao mesmo tempo que me aflijp, no entanto, diante da racionalidade ao encarar esse processo emocionalmente tão desgastante. Paro e penso no que me prende aqui... que se reduz, em suma, a nada: posso sair daqui assim que quiser. Agora.... do ponto de vista prático... não posso ser inconsequente, jogar tudo pro alto, me desestabilizar financeiramente...seria tudo oque não gostaria nessa etapa da minha vida. Cresci vendo minha mãe se matando de trabalhar pra me dar um mínimo, não conseguiria ser irresponsável dessa forma comigo mesmo (e, de passagem, com minha família em geral). Nós seres humanos criamos raízes invisíveis que parecem se nutrir e sugar a seiva dos nossos próprios medos.

Mas então... como harmonizar interesses/vontades/"dores" tão conflitantes? Me sinto bastante impotente diante disso, tento me manter coeso e firme para continuar a busca para sair daqui (por sinal, hoje tenho outra entrevista!). É complicado equilibrar essa vontade de "ter que" com a de não querer ficar, com a de ver quem se ama longe (ou indo embora, como quando em fim de namoro) e ...simplesmente se sentir de mãos atadas, ou em espera de que tijolinhos que se põe aos poucos se tornem uma ponte pra fora daqui. Isso tudo leva tempo e tem um peso emocional....aguas que demandam muita paciência e serenidade para serem navegadas. Como dizem mesmo.... "serenidade para aceitar aquilo que não posso mudar, coragem para mudar aquilo que posso, e sabedoria para discernir ambos. " (isso é parte do "serenity prayer, e leio agora que acabou popularizado pelos AAs do mundo... embora não tenha aprendido lá :P)

Há tempos não vinha essa "crise de me sentir ausente" (como neste post)., ou lidar com ausências (lembrando Fernando Pessoa neste post). Enfim... serenidade, paciência... 




domingo, 4 de agosto de 2019

As melhores músicas/álbuns.. que adoro (mas que não me fazem o menor sentido)

Como você se sente ao sair de um museu onde viu todos os quadros, não entendeu nada, e no final alguém te pergunta se gostou? Ou após uma conversa incoerente com alguém, dar um sorriso? Ou após ler um livro enorme sem ter entendido uma palavra, dizer que adorou a obra?

Incomum, inesperado, não?

Bem, o mesmo não se dá com música. Não é incomum cairmos de amor por álbuns e canções que não nos fazem o menos sentido (quanto à letra, por exemplo, ou pela ordem, pela divisão de tempo etc), mas que adoramos, ou nos sfaz nos sentir intrigados.

Hoje resolvi postar alguns desses álbums pra mim.

1) Jurubeba- Jorge ben e Gilberto Gil



Essa música, mesmo sendo na minha lingua nativa, não faz o menor sentido. Eu adoro ela, pela energia, pelo som... mas não faz o menor sentido. "-Esse som é uma jurubeba". WTF? Do que será que eles estão falando. Uma planta do sertão? Que que isso tem a ver com o som? Aí no meio da música eles ficam loucões e começam a contar várias coisas sem sentido, a brincar com as palavras.
"beba beba beba beba beba jurubeba". 
É interessante ver que a palavra "beba" (de beber) e o mesmo fonema no final de "jurubeba" têm pronúncias  distintas, assim como .. bom, em todo caso, não ajuda a dar sentido à música, ou às palavras.

A música é muito boa de qualquer forma, e tem me dado um up nos dias que estou meio down :)

2) Eat that chicken  - Charles Mingus 




Eu ouvia essa muito logo que me mudei pro Rio de Janeiro: havia feito uma cópia do "Oh Yeah", que foi umas das poucas coisas que pus na mala antes de ir pro Rio. E lá fui eu, ouvindo esse e um outros poucos cds nos dias em que estava em casa (e não estudando). Enfim, mas voltemos pra música: a música não faz o menor sentido também. "I wanna eat that chicken"... ok, faz sentido, mas a música inteira é só isso!!! E eu adoro: ouvir o Charles Migus doidíssimo (de heroína, talvez?) cantando super empolgado no estúdio, ou os outros músicos em transe, cantando juntos, improvisando... pqp, genial.

3) Pierrot lunaire - Arnold Schöenberg



Essa simplesmente não faz sentido porque eu não falo alemão. Mas é uma música genial, que introduziu oque se chama hoje de "canto falado", da qual entre outras coisas se derivou o... rap (isso mesmo: o rap também é um canto falado). O texto, se não me engano, é um poema... que também não entendo nem nunca fui atrás de saber doque se trata

4)  Agapisa tin pou karkias- Alkinoos Ioannidis (Αλκίνοος Ιωαννίδης)



Na verdade esse é o título da segunda música. O álbum inteiro é lindo, um misto de instrumentos clássicos gregos/cipriotas com música clássica. O conteúdo do álbum é bem triste, fala sobre guerras e outras coisas dolorosas para o povo de lá (acho que a guerra com a Turquia, que culminou com a divisão do país, que perdura até hoje), mas.... para mim é um álbum lindo que, mesmo não fazendo o menor sentido (no que tange à palavras) entrou na minha lista de um dos mais bonitos de todos os tempos desde a primeira vez que ouvi.

5) Forgácskúti Legényes-Muzsikas



Esse é do Bartok álbum, que eles fizeram pro grande Bela Bartok. São simplesmente geniais. O álbum tem umas outras músicas cantadas em Húngaro, que não me dizem nada, só que a música deles é extremamente rica e bela.

6)  Sugar N' Spikes - Captain Beefheart 


O álbum inteiro é demais: um delírio do começo ao fim, mas que é um mar de criatividade. Genial.... mas do qual dificilmente se extrai sentido, seja ordem/previsibilidade nas músicas, seja em sentido nas letras.

7) A Luta Contra A Lata ou a Falencia do Cafe - Gilberto Gil




"Chaminés plantadas nos quintais do mundo... as latas tomam contas dos balcões.... navios de café calafetados, já não passeiam portos por aí" Simplesmente incrível.... poesia pura... da qual até suspeito haver sentido (crítica à política do café com leite no antigo império brasileiro? Crítica à burquesia brasileira?.. Humm.) De qualquer forma, é muito boa. Adoro o final, quando um dos músicos (que acredito ser ou o Arnaldo Batista ou o Sérgio Batista, dos Mutantes) diz um

"Você também põe drogas no seu café."

8) Mistério do Planeta- Novos Baianos 


Essa é meio batida, mas... por incrível que pareça, não faz muito sentido pra mim. Mas eu adoro esse álbum. Ainda hoje lembro da primeira vez que o ouvi. Adoro! Mas veja:

"E pela lei natural dos encontros

Eu deixo e recebo um tanto
E passo aos olhos nus
Ou vestidos de lunetas
Passado, presente
Participo sendo o mistério do planeta"

Faz sentido? Que lei de encontros é essa da qual ele fala? Deixo e recebo oque? Dos encontros, ele diz? Passo aos olhos nus: ãããh?! Em todo caso, adoro!! Mas.... não me diz muita coisa hee hee :) De qualquer, é um dos álbuns que eu sempre ouço quando busco um pouco de luz e inspiração.

9) Meedoen - Jammah Tammah



Essa é uma banda de ska holandesa da qual gosto muito. Pqp, a primeira vez que ouvi esse álbum eu pirei. Pqp, que genial. E nesse caso a lingua só adiciona à música: se fosse inglês, português, japonês... "não faria tanto sentido"! hahaha Acho o dutch caiu perfeito nesse caso :)




Recomendo todos os álbuns anteriores!! Incríveis obras de arte universais (de alguma maneira), independentemente da "lingua" em que estejam. 

quarta-feira, 31 de julho de 2019

Direto da Terra do Sol Nascente #59: como você deve aproveitar tuas férias de verão

[O chefe ,da empresa japonesa anuncia no começo do mês]
[-Esse ano vamos implementar uma medida moderna. Cada um terá direito a 3 dias de férias extras no verão.]
[Hoje, fui falar com a secretária pra aproveitar os tais 3 dias]

-Oi! Gostaria de marcar minhas férias de verâo.  Gostaria de começar amanhã, aí um outro dia na semana seguinte, e a última no mês que vem.

-Ah.... é que não pode. 

- Como assim, não pode?

- Você tem que tirar tudo na mesma semana.

- hummm vou tirar na segunda, na quinta e na sexta da semana que...

-Ahh, Doutor Momo... não pode... têm que ser 3 dias seguidos.

-... hummm.... ok.. então vou tirar nos dias 14, 15 e 16. 

-Ahh... aí também não pode...

- Wtf... 

-É que não há nenhum número primo dentre os dias que você escolheu. Você naõ poderia escolher outros, "onegaishimasu"

[pedido polido]

- Puta que pariu!! As férias são minhas!!! Eu que decido quando quero tirá-las!!! 


[Relato não muito distante de uma conversa que tive hoje cedo]

domingo, 28 de julho de 2019

Direto da Terra do Sol Nascente #58: do orgulho, abismos com o mundo, e da arrogância

Antonio Porchia, em Voces

Semmelweis foi um médico Húngaro que trabalhava num hospital em Viena, Áustria, onde, à época, a mortalidade de mães era absurdamente alta: por volta de uma a cada dez morria. Notando que muitos médicos tinham uma prática higiênica deplorável (por exemplo, ir fazer autópsias e, com a mesma roupa e sem lavar as mãos, voltar para ver as pacientes na maternidade) ele simplesmente sugeriu que os médicos Vienenses lavassem as mãos antes de entrar na maternidade. 


Pra que: isso deslanchou uma salva de críticas a ele.

 "- como assim, um médico, um ser magnânimo e nobre, que trata das pessoas, que só pensa no bem dos seus pacientes, ter que lavar as mãos?!" Foi alvo de duras críticas, várias piadas e coisas do tipo. Mesmo assim, a medida foi implementada e, para a surpresa de muitos, a mortalidade de mães caiu muito (pelo que li, baixou a 1%). Mesmo sem saberem o porque do resultado¹, as críticas - pessoais e profissionais- a  ele continuaram. Até que ele não aguentou mais e teve um "nervous breakdown": foi colocado num hospício, onde morreu duas semanas depois². 

Mas pra que estou dizendo isso?

Recentemente estava lendo "o cavaleiro inexistente", do Italo Calvino. Nele, ele descreve esse cavaleiro medieval que é incrivelmente habilidoso, de uma erudição ímpar, um exemplo de virtude, coragem e honra. MAS... por dentro da sua armadura, não há nada: ele é simplesmente oco. O livro é muito interessante e engraçado em alguns pedaços. Ele simplesmente mostra o quão inábil este cavaleiro (Agilulfo) é em lidar com o humano, com fraquezas e viéses que nos são intrínsecos, parte da nossa natureza. De certa forma, ele representa o intangível, o inalcançável. Outro fato: por mais admirável e "modelo de comportamento" que Agilulfo seja, ele afasta as pessoas ao seu redor. No alto de sua arrogância em ver o mundo, em saber de tudo e estar certo em tudo, Agilulfo segue pelo mundo sem aliados e, mais que tudo, sozinho.

Mais uma vez, pra que estou dizendo isso?

Inicialmente porque li este livro no ano passado, e não pude deixar de pensar na minha situação de "abismo com o mundo" (da qual falei no post anterior) aqui no Japão, onde essa separação me fez pensar sobre o lado em que estava nessa estória. Estaria eu agindo com o Agilulfo, me afastando de tudo e todos? Me perguntei muito se estava sendo arrogante ao longo do caminho, e se a dificuldade estava em mim. No fim das contas, cheguei à conclusão que não: acho que em nenhum momento deixei de me abrir pro lugar em que estou. Mas, nesse instante, acredito que meu tempo neste local se esvaiu de propósito, de significado. E não existe arrogância nisso: é simplesmente uma escolha.  

O orgulho, a arrogância, nos cega. Ele pode ser como essa armadura do cavaleiro inexistente, que o mantêm em pé e o "protege" do que é mundano, dos males dos homens comuns. E, a medida que nos entrincheiramos no universo limitado em que vivemos, ao acreditarmos que somente aquilo que trazemos na nossa bagagem é bom e correto, nos afastamos do mundo e daqueles que nos cercam. Refutarmos sugestões e recomendações daqueles que nos amam e se preocupam conosco, simplesmente por serem elas diferentes de tudo aquilo que vimos e vivemos, ou simplesmente por conta de quem as diz. Esse processo de "refutar por ser diferente" amplifica os vícios e defeitos que temos (inerente às nossas vontades), e cria um enorme abismo entre nós e o mundo (ou, ainda, uma armadura, que se sustenta em si mesma mas que, por dentro, é oca).

Essa semana foi muito curiosa: uma, diante de uma conversa com um "sensei" japonês, super arrogante, cuja atitude diante da elucidação de um problema foi de pura e simples indiferença (algo que eu levaria numa boa, não fosse ter sido este mesmo "sensei" japonês um dos maiores entusiastas da resolução por uma idéia que lhe mostrei, meses atrás), na qual a única coisa que ele quis fazer não foi me ouvir, mas simplesmente ter algo pra dizer. E outra: uma conversa com um amigo que não via há 7 anos(!) e que, dos mais de 10 anos de namoro que teve (e que terminou recentemente), me disse lembrar da ex lhe pedindo desculpas duas vezes somente³.

Todos nós carregamos e agregamos partes a essa armadura, que varia em espessura e peso ao longo do tempo e da relação da qual se fala. E veja que isso não é de todo ruim: o orgulho pode nos ajudar a seguir adiante, a nos proteger de um ambiente hostil; bater o pé por estar correto pode nos fazer ver que o outro lado "care about" ao ceder. Mas nada disso, de forma alguma, nos define: essa armadura não é oque nos mantêm em pé! No fim das contas, ao nos confundirmos com as armaduras que carregamos/construímos, simplesmente nos transformamos nelas, e por consequência nos tornamos ocos por dentro.  Infelizmente, quando isso acontece  deixamos de ser humanos, pois à medida que coexistimos com a nossa finitude, com as nossas limitações em ver o mundo ao redor, e nos abrimos a outras perspectivas, passamos a  viver um pouco mais em equilíbrio com tudo aquilo que é falho em nós mesmos.

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1 Isso tudo bem antes de Pasteur existir, quando as pessoas ainda nem tinham idéia do que eram germes nem nada do tipo 

Alguns dizem que por suicídio, ao infligir uma ferida na propria mão deliberadamente; outros por ter levado uma surra dos cuidadores do hospício. 

3 Quando ele havia me dito sobre o término eu bem imaginei que me diria algo do tipo: há sete anos atrás, quando os encontrei da última vez (numa viagem que fiz com uma ex à época), eu e a minha então namorada  conversamos sobre a atitude constrastante entre os dois ao abordar um desacordo. Aparentemente, já na época havia um desequilíbrio no "ouvir" entre eles, um lado cedendo mais pra poder compensar o déficit do outro, algo do qual nem falei pro meu amigo. Às vezes leva tempo para aceitarmos e entender essas coisas. Ainda mais quando é da nossa natureza dar o primeiro passo, "jogar um pedaço da nossa armadura fora", para poder acolher o outro mais perto com um abraço.