"Since I had nowhere permanent to stay, I had no interest whatever in keeping treasures, and since I was empty-handed, I had no fear of being robbed on the way"
[Matsuo Bashô , The records of a travel-worn Satchel]
Eu ia deixar pra mais tarde, mas eu acho que é melhor vc leitor dar play agora e seguir lendo, muitíssimo bem acompanhado
Ontem rolou uns caras tocando Pink Floyd num bar. Engraçado e curioso que uma das músicas que eles tocaram, "the great gig in the sky", me lembra a ária da rainha da noite, da flauta mágica, de Mozart .
Não em forma ou estrutura!!!! Não é disso que falo!!! Creio que no que diz respeito ao sentimento de angústia, desespero e, de certa forma, alívio que a música passa.Fiquei sabendo depois (viva Wikipedia o/ ) que a música/peça trata de morte. Alguém que morre no desespero, pra quem a morte é uma angústia e um alívio ao mesmo tempo? Seria isso?
Eu ouço a música e não posso deixar de ter uma imagem na cabeça: uma mulher desesperada (talvez como a do post do violino e violão), mas poderosa, que canta/grita/ sofre de angústia no alto de uma torre em um castelo. Gritar é parte deste desespero, mas tbm um alento, um alívio. A imagem da bruxa (uma das ) do Mágico de Oz tbm me vem à mente: morrendo, no alto da tal torre.
Dá pra imaginar seu chapéu é como uma chaminé enraivecida, cuspindo cinzas, pó, poeira e asfixia . Todos na cidade vêem o céu enegrecendo por conta dessa fúria e temem diante do poder que emana de uma mulher como esta, mas tbm acham belo (que mistura de sentimentos estranha... acho que o mais próximo do que posso imaginar que isso seja são essas músicas).
Aí vejo imagino os dedos da mão bem magros, engruvinhados, dobrados, rígidos como se fossem garras... garras de corvo, oqual não tem mais nada a que se garrar senão à morte.
Enfim: as músicas são lindas. Espero quevcs curtam (e compartilhem suas impressões, claro!)
Tenho uma tarefa mto grande pra fazer, então resolvi postergá-la pro Domingo.... Decidi então escrever um pouco.
O post de hoje é uma mera continuação do anterior, sob uma diferente perspectiva: no post anterior eu falava sobre como pessoas diferentes tocam a "mesma" música colocando sensações, emoções e elementos diferentes, que a música chega a ser outra.
Aí fiquei pensando em como isso se dá quando a mesma pessoa toca a música, só que mudada (a pessoa, digo). Oque, por sua vez, me fez lembrar de uma frase -Fernando Pessoa, acho - que diz que uma pessoa não se banha no mesmo rio duas vezes. Quando ouvi isso pela primeira vez - época do colégio - eu fiquei meio "insatisfeito", porque a frase não acrescentava nada. Eu poderia dizer que eu não teclo a tecla p da mesma maneira duas vezes, não digo oi da mesma forma duas, ou mesmo três vezes... enfim. Uma frase que me deixou assim.... não acrescenta nada, é isso.
Acho que essa imprecisão das palavras para descrever sentimentos e sensações perdurou durante muito, até que eu admitisse que o essencial nessa frase ( a meu ver) não é o rio, mas a pessoa que se banha nele.
[ok..isso pode te parecer óbvio pra vc, leitor. Mas pra mim era a arte de ser totalmente incompleto. Pra que fazer uma arte que não acrescenta? Não que arte que não acrescenta não seja importante, isso quando ela é feita com este intuito.... bom... isso foi uma indignação minha, enquanto adolescente. Só estou contextualizando =]
Mais tarde eu tive oportunidade de perceber o quanto isso era possível. E oque eu trago hoje não é nada mais que um exemplo disso.
Podem até dizer que o Glenn Gould estava melhor em questão de técnica na segunda versão, mas acho que este não é bem o ponto da peça - a técnica será nossoo rio aqui: a pessoa era outra. Mais velho, mais sóbrio, menos vivacidade, mas uma paixão tão grande quanto a que tinha na juventude, senão maior, por aquele ectoplasma-algo-coisa intocável que emana da música de.... (adivinhem?) Bach!!!
Ok... estou ultra repetitivo. Lá vem ele com essa de Bach de novo! Tá virando religião já... daqui a pouco ele tá tomando o chá do Daime com coca-cola e falando de...
Bom, pessoal... não há muito oque dizer quanto a esta peça. As variações, pelo que eu saiba, foram feitas por Bach para um rei que sofria de insônia. Então, quando o rei não conseguia dormir, ele ia apurrinhar o pobre do seu pianista - o tal de Goldberg- que tinha que ficar lá, tocando as variações pra tentar fazer o rei cair no sono. Oque me traz à memória tbm um filme do Wallace and Gromit, sobre o sonecotron
[eu queria um] [embora eu ache um desaforo com o coitado do Gromit]
que é muito, mas muito bom (quem me dera eu tivesse um mecanismo deste para me salvar nos momentos de insônia =)
[The Snoozatron - Cracking Contraptions - Wallace and Gromit]
Mas voltemos a Johann. Oque vocês estão prestes a ouvir é a primeira parte das variações Goldberg, tocada pelo mesmo pianista em dois períodos diferentes de sua vida: o primeiro, no ápice da juventude. O outro, no ápice da velhice (se é que há ápice na velhice rsrsrs...
[ai ai... um dia eu ainda leio isso e me arrependo] [ =) ]
Esta primeira versão tem todo esse lance de juventude que eu falei: abraçar o mundo, velocidade, agir de maneira desmesurada às vezes... Paixão, muuuuuita paixão por algo. Intensa.
(1955)
A segunda eu acho a mais foda de todas (as versões que ouvi): comedida, sóbria e de uma vivacidade única quando parece que isso é necessário. Não há mais espaço pra palavras não ditas ou para se desprezar o silêncio: o silêncio é importante (não só em música, acredito). Saber respeitar o tempo das coisas, o tempo necessário para que cresçam e tomem forma; sairem pra ganhar o mundo, à sua maneira. E paixão; sempre/muita/desmesurada
O post de hoje nasceu de uma leitura da bíblia... hahaha piada =)
nasceu enquanto eu lia um livro do Heisenberg (A parte e o todo) no qual ele começa a descrever uma reunião de jovens na alemanha pós primeira guerra. Pelo que ele conta, ele estava andando na rua quando recebeu um folheto explicando sobre essa reunião, que iria acontecer num castelo. Vários discursos, jovens falando sobre como reconstruir um país devastado, inflação altíssima, que teve que assumir a culpa pela primeira grande Guerra... oque aquela geração poderia fazer pra mudar aquele estado? Aí, durante uma das tantas discussões acaloradas (lembrando, tudo dentro de um castelo!!! Imaginem a cena!!! ) um cara aparece numa das janelas e começa a tocar a Chaconne de Bach. Puts!!! O pessoal deve ter ido ao delírio!!! Gente subindo no palco e dando uns moshs, rodinhas... Imagina...nada melhor para restaurar a paz entre os homens do que a música divina que vem de Bach
A Chaconne de Bach é uma peça linda.. linda mesmo. E, curiosamente, ela foi escrita pra violino, mas a versão qeu eu mais curto é a pra violão. Engraçado ser a "mesma peça" que, quando tocada por instrumentos diferentes, ganha novas cores. Bom...talvez as mesmas cores, embora em outros tons...o violão a deixa mais sóbria, menos estridente. Quanto ao violino... hummm.... como dizer?
O violino pra mim soa como uma mulher louca que mora numa casinha pequena, em cima de uma barbearia... e nunca paga seu aluguel no dia certo.
Ela fica na janela, olhando para o horizonte por horas a fio, esperando o marido voltar da guerra. Pra sufocar a saudade, ela canta umas árias na sacada; o coração pesado, vazio por dentro. Os vizinhos saem nas janelas, se emocionam.... e ficam lá embaixo da tal sacada, chorando a saudade dela.
E o violão é um senhor simpático, boa praça e galanteador, que vai todas as tarde à padaria comer um sonho, conversar com o dono do estabelecimento, e cantar uma daquelas músicas antigas..tipo um Carlos Gardel
Mas, voltando ao ponto central deste post, a comparação entre estes dois seres maravilhosos, figuras marcantes de um vilarejo minúsculo ao sul da Itália, ouviremos a Chaconne de Bach!!!..
A primeira versão que vocês vão ouvir é a da mulher louca que canta maravilhosamente ... digo, a versão do violino
Itzhak Perlman - parte I
Itzhak Perlman - parte II
Como todos os homens únicos, o violão têm seus imitadores, que ficam se engraçando em outros tantos bares/padarias pelas esquinas do mundo. Eles cantam a mesma canção, mas não com o mesmo vigor e alegria.
A primeira versão é a que eu acho a mais original e bonita ( do John Williams). É daquelas que vc tem que ouvir pela manhã, quando o sol está entrando pelas frestas da janela do seu quarto, querendo te dar bom dia ( forçosamente). Todas as nuances muito bem trabalhadas... um crescendo ultra lindo, carregado de um peso duro e sofrido, mas ao mesmo tempo de uma beleza que, por mais que a gente não possa tocar, está evidentemente ali.
Infelizmente deixaram o arquivo dividido (um crime!!!! ), mas vocês não vão me condenar por isso, vão? A culpa não é minha, acreditem
John Williams - parte I
John Williams - parte II
Aqui tem uma versão do Manuel Barrueco. Não acho bonita como a do John Williams, mas... gosto é gosto (tá...de certa forma eu estou induzindo vocês a não gostarem. Me desculpem.... é que este blog prima pela sinceridade rsrs Sempre! =)
Manuel Barrueco
Essa outra é do Leo Brouwer. É boa tbm... mas a do John Williams... (ok...vou ficar quieto )
Leo Brower
Há uma outra, com o David Russell... mas aí já é apelar pra paciência de voc... tá, vou colocar. Mas pq acho que essa é uma das versões legais- legais mesmo.
David Russell
Pra quem nunca ouviu essa peça, espero ter trazido um pouco de luz à vida dessa ovelha desgarrada! =P
Aos que já ouviram, ouvir uma vez mais é sempre um prazer; vcs vão curtir novamente.
Na época havia um menino na minha sala - primeira série - que era repetente. Naturalmente, o resto da sala dele que passou pra segunda série ficava sacaneando o moleque: antes de entrarem nas salas de aula, os alunos formavam filas na quadra de esportes da escola, sempre do mais baixo para o mais alto: o indivíduo n com a mão sobre o ombro direito do indivíduo n-1, e assim sucessivamente (para n >= 2). A fila ao lado da nossa, claro, era da turma da segunda série, a maioria de antigos colegas dele. No meio da balbúrdia do momento em que o sinal tocava, sempre havia alguém gritando pra este garoto:
"- Didier, burro..."
Ele, último da fila da primeira série C ( sala da tia Lídia) baixava a cabeça. Triste. Fazendo beicinho.
Havia algumas coisas que o faziam diferente dos outros alunos da turma: Didier era maior que as outras crianças, pois nessa época todo ano a mais de idade é convertido em alguns muitos centímetros de altura. No entanto, a diferença mais importante estava no fato dele ser o único da sala com permissão pra usar canetas: todos os outros alunos deveriam usar lápis; usar caneta era sinal de maturidade, responsabilidade.
De vez em quando a professora falava sobre como era o mundo depois que a gente começa a usar canetas pra escrever:
"- Existem cheques... e você também pode escrever telefones numa agenda... e o melhor de tudo: você escreve e ninguém pode apagar!"
E poder deixar sua marca no mundo, inapagável, inextinguível, à ferro e fogo, marcada nas páginas de algum caderno/folha/parede da sala casa, era o sonho de todos nós. Exceto o Didier, que já podia fazer isso, e às vezes até nos esnobava.
De tempos em tempos, pra corroborar com a descrição deste novo mundo (e pra evidenciar a nossa condição de semi-analfabetos =), ela pedia pro Didier fazer um relato pros colegas de turma sobre como era escrever com caneta. No alto de sua sabedoria de mais alto da turma, ele dizia:
"- É...."
[respira fundo/ suspira]
" ... é difícil, porque a caneta desliza muito."
A sala inteira ouvia em silêncio.... ... e sonhava =)
O post de hoje é ..como dizem mesmo.... não é extravagante a palavra.... bom, esqueci. Vou começar a escrever e vcs logo vão perceber que o post é isso mesmo que eu não me lembro que ele é (lembrar oque ele é eu lembro, só não lembro a palavra!). Talvez fique tão óbvio, mas tãããão óbvio que ele é isso que alguém vai escrever nos comentários " -Rafaello, é a palavra xxxxx!",
e eu vou agradecer com o costumeiro..bom, deixa pra lá.
Temporada no Brasil perturbadoramente cheia de tudo: perrengues, cair de moto, ver amigos, não ver amigos, beber cerveja, suco de laranja de poá... tudo, mas tudo que foi possível e impossível. E também tem aquelas coisas que são sempre parecidas, senão iguais; um dos assunto mais falado nas mesas de bar que só têm homens: mulheres e o mengão. Peguei uns colegas no pulo, dizendo que as mulheres que eles conheciam eram, na grande maioria, interesseiras.
Hummmm ... será mesmo? Me fiz essa pergunta assoladora, pra qual ainda não tenho resposta
[tomara que as poucas mulheres que lêem o blog respondam isso] [ou deixem seu parecer]
Oque mais pode doer num homem: ser rejeitado por uma mulher por que ela quer alguém com carro, helicóptero whatever, ou ele não ter isso para oferecer? Lembro que a gente tinha que ler Senhora, do José de Alencar, na época da escola. Claro, todo mundo esperava sexo no fim das contas, mas o sexo nunca vinha, mesmo quando parecia que ia acontecer.... todo mundo muito travado, interesse pra tudo que é lado. Sexo que é bom..never (só no fim do livro =)!!!
Nunca tinha pensado nisso dessa forma, por que talvez nunca tenha tido porque pensar assim: não tenho amigas que pensam dessa forma (ao menos não professam isso), nunca me envolvi com mulheres com algum interesse material ... ainda mais pq, certamente, elas devem ter se ligado de cara que eu não tinha nada =)
Não conheço homens interesseiros. Na verdade, deve existir, mas de uma maneira diferente.... sinceramente, não sei oque pensar. Acho que tudo é fruto de muitas e muitas gerações de mulheres e homens que tinham que dar dote, casar virgem e com um homem que pudesse sustentar uma família sozinho (já que, há não mto tempo atrás, poucas mulheres trabalhavam). Oque sobe muito à cabeça dos homens é ter para mostrar que tem: ter um PhD pra dizer que tem, ter um carro pra mostrar que tem e poder balançar a chave, ter uma mulher gostosa pra mostrar pros outros.... ter, ter e ter. Sociedade mais imagem/menos conteúdo, da posse. Valores que são antigos e arcaicos, resquícios de uma sociedade machista que eu realmente gostaria que não existissem mais.
Como sempre, um filminho ilustrativo da nossa ignorância e do quanto a gente desconhece nossos semelhantes; escolha árdua, inspirada por Foucault, Heisenberg e muito heavy metal =P
Enjoy
ps: puts... a palavra é bem próxima de "emblemático", "perturbador", "agitador", algo que lembre "tabu"..... =/
Um mês de Brasil.
Um mês me sentindo uma espécie de peixe fora d´água.
Rio de Janeiro divisor de águas.
Minha casa, meu último refúgio antes do "ostracismo", a cidade me rejeitou por alguns dias antes que eu percebesse que o lugar não mais me pertencia. Essa clareza-agudeza nos sentidos, vazio dentro do peito, foi algo bom... a certza de que algumas coisas na vida são passageiras, enquanto outras são profundas. E estas vão escondidas dentro das malas onde quer que se vá: há relatos de casos em que elas ficam dentro/quase-dentro de você.
Eu não tenho casa, oque é meu eu levo comigo.... oque é deles que eu nunca toco, que cidade é a minha, que amigos são teus, que saudade é tua, que abraço é o meu, que amor é o nosso. Tudo isso veio à tona. Andar de moto pelo Rio na primeira manhã, ver as esquinas passando rápido e ver destroços-raízes de uma árvore gigante que algum dia esteve plantada; raízes adentrando aquele solo, aquelas pessoas, aqueles prédios... não senti isso em São Paulo: já havia me despedido desta cidade há três anos e meio atrás...
Lembrei da minha partida, há um ano atrás. Encontrei neste trecho uma descrição da sensação; se adequa mais à primeira vez que fui, embora considere válido rememorar a experiência, já que este final de férias me deixa com este gosto na boca.
Um medo que não pude dividir com ninguém. Embora todos estivessem ao redor, nunca me senti tão só, nunca! Estava caminhando em direção oposta e desconhecida, indo contra a corrente, desafiando os que duvidavam e me afastando dos poucos que acreditavam.
Passando meses de tantas histórias, comecei a pensar no sentido da solidão. Um estado interior que não depende da distância nem do isolamento, um vazio que invade as pessoas e que a simples companhia ou presença humana não podem preencher, solidão foi a única coisa que eu não senti, depois de partir. Nunca. em momento algum. Estava,sim, atacado de uma voraz saudade. De tudo e de todos, de coisas e pessoas que há muito tempo não via. Mas a saudade às vezes faz bem ao coração. Valoriza os sentimentos , acende as esperanças e apaga as distâncias. Quem tem um amigo, mesmo que um só, não importa onde se encontre, jamais sofrerá solidão; poderá morrer de saudades, mas não estará só.
Amir Klink - Cem dias entre o céu e o mar
Vi menos amigos do que gostaria, fiquei um nada com os poucos que vi e deixei de ver gente que, nas CNTP, nunca deixaria de ver... Essa é a única tristeza que levo. Não é a tristeza de deixar algo pra trás: esse "algo" não existe mais. Deixo pessoas importantes; estas ficam, e espero voltar em breve para poder vê-las de novo....e ver as que não consegui ver agora
O melhor em voltar é sentir que tem um monte de gente que sempre te recebe de braços abertos; vcs vão sentar em qqr lugar e conversar a conversa de ontem, mesmo que esse ontem tenha sido há alguns tantos meses atrás.
Bom, pessoal... hoje acaba a história do Marcovaldo (continuando este post) ; este é só o primeiro conto do livro...recomendo o livro inteiro, que é muito bom. O conto é todo cheio de imagens, de personagens que são bem presentes no nosso dia-a-dia: o cara com espírito fflch, o varredor, o próprio Marcovaldo... espero que vocês tenham curtido.
Era sábado; e Marcovaldo passou a parte do dia dando voltas com ar distraído perto do canteiro, controlando de longe o varredor e os cogumelos, e calculando quanto tempos seria necessário para que crescessem.
Choveu à noite: como os camponeses que, depois de meses de seca,acordam e pulam de alegria ao rumor das primeiras gotas, Marcovaldo, o único em toda a cidade , sentou-se na cama, chamou a família.
- Chove, chove! - e respirou o cheiro de poeira molhada e mofo fresco que vinha da rua.
Ao amanhecer -era domingo - , com as crianças e um cesto emprestado, saiu correndo para o canteiro. Os cogumelos estavam lá, empinados em seus talos, com os chapéus altos sobre a terra ainda encharcada. " Viva!", e começaram a colhê-los.
- Papai! Veja aquele senhor ali, quantos ele apanhou! - disse Michelino, e o pai, erguendo a cabeça, viu, em pé ao lado deles, Amadigi também com um cesto cheio de cogumelos debaixo do braço.
- Ah, vocês também estão colhendo? - falou o varredor. -Quer dizer que são bons pra comer? Catei um pouco, mas não sabia se dava pra confiar.... Na avenida, ali na frente, nasceram maiores ainda...Bem, agora que já sei,aviso aos meus parentes que estão lá discutindo se convém colhê-los ou deixá-los... - E se afastou com largas passadas.
Marcovaldo perdeu a fala:cogumelos ainda maiorores, em que ele não reparara, uma colheita inesperada, que lhe era arrancada assim sem mais nem menos, debaixo do seu nariz. Permaneceu um momento quase petrificado pela raiva, pela fúria, depois - como às vezes acontece - o refreamento daquelas paixões individuais se transformou num impulso generoso. Àquela hora, muita gente estava esperando o bonde, com o guarda chuva pendurado no braço, pois o tempo continuava úmido e incerto.
- Ei,vocês aí! Querem preparar uma fritada de cogumelos hoje ànoite? - gritou Marcovaldo ao grupo que se amontoava na parada. - Cresceram cogumelos aqui na rua! Venham comigo! Tem pra todo mundo! - E saiu na cola de Amadigi, seguido por uma comitiva.
ainda encontraram cogumelos para todos e, na falta de cestos,usaram os guarda-chuvas abertos. Alguém comentou: " Seria bom almoçarmos todos juntos!" Mas cada um pegou a sua parte e foi pra casa.
Porém não demoraram a se reencontrar, ou melhor, foi na mesma noite, no mesmo setor do hospital, depois da lavagem estomacal que os salvou do envenenamento: nada de grave, porque a quantidade de cogumelos que cada um ingeriu foi bem pouca.
Marcovaldo e Amadigi estavam em camas vizinhas e se olharam enviesado.
Os últimos acontecimentos me trouxeram à lembrança este texto, do Charles Bukowski:
Peste (do fr. peste, do lat. pestis, “calamidade, flagelo”). S. f. (derivados: pestífero, pestilência): mesma raiz de perdo, destruir (PERDIÇÃO). Doença contagiosa grave, epidemia, pestilência; qualquer coisa nociva, funesta, perniciosa; uma pessoa má ou insuportável.
A peste, em certo sentido, é uma criatura muito superior a nós: sabe onde e como encontrar a gente – em geral no banho, ou durante uma relação sexual ou dormindo. Também tem o dom de nos pegar em flagrante, bem na metade de um movimento intestinal. Se estiver diante da porta de entrada, você pode gritar, “Puta merda, peraí, que porra, espera um pouco!” que o som da voz humana em agonia apenas serve pra afiar as garras da peste – a batida, o toque de campainha ficam mais insistentes. A peste, quase sempre, bate na porta e toca a campainha. A gente tem que deixar que entre. E quando vai-se embora – afinal – você fica doente, de cama, por uma semana. A peste não só dá mijada na alma dos outros – também é bamba em deixar aquele mijo amarelo na tampa da privada. O que fica ali mal dá pra se enxergar. A gente só percebe que está lá quando se senta, e aí já é tarde demais.
Ao contrário da gente, a peste está sempre pronta a matar o tempo e tem opiniões diametralmente opostas às nossas, mas nunca se dá conta disso, pois não pára de falar e mesmo quando surge uma oportunidade pra discordar, a peste não presta atenção. Jamais escuta o que a gente fala. Interpreta como mera interrupção e continua o que estava dizendo. E a todas essas fica-se perguntando como foi que o desgraçado conseguiu se intrometer na nossa alma. A peste também sabe o horário em que se acostuma dormir e há de telefonar sempre no meio do nosso sono – e a primeira pergunta, infalível, será “Te acordei?” – ou então virá bater na nossa casa e, mesmo vendo todas as persianas fechadas, bate e toca a campainha, de qualquer maneira, feito doido, como se estivesse em orgasmo. Se não se atende, ele berra: “Eu sei que você está aí dentro! Já vi teu carro aqui fora!”
.... é galera...minha visita ao Rio foi nesse nível. Fiquei doente, nariz escorrendo - bem sexy , rinite, sinusite, piriri no aeroporto. Acabou que nem saí no fim de semana. Fui vítima da peste.
Alguém me proteja!!!
Todos se protejam!!!
Escondam-se debaixo das camas,
e não se esqueçam de levar cobertores, para ficar ( ainda mais) escondido debaixo deles!!!
Continuando...ainda vai ter a terceira e última parte
No trabalho, ficou mais distraído que de costume;pensava que enquanto estava ali descarregando pacotes e caixas, no escuro da terra os o]cogumelos silenciosos , lentos, de cuja existência só ele sabia, amadureciam a polpa porosa, assimilavam seivas subterrâneas, rompiam a crosta dos torrões. "Bastaria uma noite de chuva", disse consigo mesmo, " e estariam no ponto de serem colhidos".E não via a hora de comunicar a descoberta à mulher e aos seis filhos.
- Ouçam oque eu tenho para contar! - anunciou durante o magro jantar. - Dentro de uma semana vamos comer cogumelos" Uma bela fritada! Garanto a vocês!
E aos filhos menores, que não sabiam o que eram cogumelos, explicou animado a beleza das muitas espécies, a delicadeza do sabor e como se devia cozinhá-los; e envolveu a discussão também a mulher, Domitilla, que se mostrava incrédula e distraída.
- E onde estão esses cogumelos? - perguntaram as crianças - Diga-nos onde estão crescendo!
Diante de tal pergunta, o entusiasmo de Marcovaldo foi refreado por uma suspeita:" Se lhes disser onde estão,vão procurá-los com um dos costumeiros bandos de moleques, corre a notícia pelo bairro, e s cogumelos terminam na panela dos outros!" Assim, aquela descoberta que lhe enchera o coração de amor universal, agora lhe acendia a obsessão da posse, cercava-o de temor ciumento e desconfiado.
- Eu é que sei o lugar dos cogumelos e só eu - disse aos filhos - , e ai de vocês se abrirem o bico.
Na manhã seguinte, Marcovaldo, aproximando-se da parada do bonde estava bastante apreensivo. Inclinou-se sobre o canteiro e viu com alívio os cogumelos um pouco mais crescidinhos, ainda quase totalmente ocultos pela terra. Estava assim inclinado , quanto percebeu que havia alguém atrás dele. Levantou de um salto e tentou simular uma expressão indiferente. Um varredor de ruas o observava, apoiado na vassoura.
Esse varredor,em cuja jurisdição se achavam os cogumelos,era um jovem magricela que usava óculos grandes. Chamava-se Amadigi, e Marcovaldo tinha antipatia por ele havia muito tempo, quem sabe por causa daqueles óculos que perscrutavam o asfalto das ruas em busca de qualquer vestígio natural a ser eliminado a golpes de vassoura.
Eu sabia que todos vocês estavam afoitos. Um veio me perguntar em off de onde o nome tinha vindo, outro veio me mandar email ou me perguntar em momentos inoportunos... mas eu não cedi. O nome do blog foi especulado, chutado, cuspido, surrado e lavado no bolso de uma calça amassada que estava no meio da roupa suja.
Mas ninguém descobriu de fato de onde o nome viera.
Hoje acaba o mistério \o/\o/
O nome veio de um livro lindo que eu li do Italo Calvino (recomendo todos os livros dele!!!), que se chama "marcovaldo, ou as estações na cidade". A descrição da personagem é muito boa, e bate com o que ele é:
"Em plena selva de asfalto e cimento da cidade industrial, o operário Marcovaldo busca a Natureza. Mas existe, ainda, a boa e velha Natureza? Ou tudo não passa de imitação, artifício e engano?Personagem cômica e melancólica, o sonhador Marcovaldo não tem olhos adequados para semáforos, cartazes ou vitrines, signos da vida urbana e da sociedade de consumo. Mas está atento aos cogumelos que brotam no ponto do bonde, ao mofo nas bancas de jornais, às aves migratórias ou às possibilidades de caçar e pescar dentro da cidade, enfrentando as mudanças de estação e descobrindo as misérias da existência."
Quando eu li o primeiro conto eu ri mto, e pensei em começar um blog. Claro!!! nunca acreditei que iria escrever como ele... eu sou realista! Mas .. enfim, q se dane. Eu vou transcrever em partes este primeiro conto:
Cogumelos na cidade
O vento, vindo de longe para a cidade, oferece a ela dons insólitos, dos quais se dão conta somente pocas almas sensíveis, como quem sofre de febre defeno e espirra por causa do pólen das flores de outras terras.
Certo dia, num sulco de canteiro de uma avenida, apareceu, sabe-se lá de onde, uma rajada de esporos, e ali germinaram cogumelos. Ninguem se deu conta disso, exceto o carregador Marcovaldo, que todas as manhãs pegava o bonde exataente ali.
Esse Marcovaldo tinha um olho poco adequado para a vida da cidade: avisos, semáforos, letreiros luminosos, cartazes, por mais estudados que fossem para atrair a atenção, jamais detinham seu olhar. que parecia perder-senas areias do deserto. Já uma folha amarelando num ramo, uma pena que se deixasse prender numa telha, não lhe escapavam nunca: não havia mosca no dorso de um cavalo, buraco de cupim numa mesa, casca de figos e desfazendo na calçada que Marcovaldo não observasse e comentasse, descobrindo as mudanças da estação, seus desejos mais íntimos e as misérias de sua existência.
Assim, certa manhã,esperando o bonde que o levava à empresa SBAV, onde suava a camisa, notou algo de estranho junto à parada, na nesga de terra estéril e cheia de crostas que acompanha a arborização da alameda: em determinados pontos, ao pé das árvores, parecia que inchavam os monturos que lá e cá se abriam e deixavam aflorar corpos subterrâneos arredondados. Inclinou-se para amarrar o sapato e observou melhor : eram cogumelos, cogumelos de verdade, que estavam rompendo a terra bem no coração da cidade! Marcovaldo teve a impressão de que o mundo cinzento e miserável que o circundava se tornava de repente generoso em riquezas escondidas e que ainda se poda esperar alguma coisa da vida, além das horas pagas pelo salário contratual, de compensação de perdas, do salário-família e da carestia.
Estou cansado de teclar Termino depois... não fiquem ansiosos! Em toda esquina há uma perua branca distribuindo sopa E um fusca vermelho distribuindo ansiolíticos e charutos Vocês aguentam uns dias mais certo?